DECISÃO ARBITRAL
A Árbitra Sofia Quental, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral singular, constituído em 3 de Abril de 2023, decide o seguinte:
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Em 30 de Janeiro de 2023, a sociedade A... S.A., pessoa colectiva n.º ..., com sede na ..., ..., ..., ..., ...-... ..., (doravante abreviadamente identificada por “Requerente”), requereu a constituição do Tribunal Arbitral singular em matéria tributária, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do acto tributário de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), referente ao exercício de 2018, consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2022..., de 09.12.2022, no valor de €20.665,88 (vinte mil, seiscentos e sessenta e cinco euros e oitenta e oito cêntimos).
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É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente identificada por “Autoridade Requerida”, “Administração Tributária” ou simplesmente por “AT”).
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular foi aceite no dia 31 de Janeiro de 2023, tendo as partes sido notificadas no mesmo dia.
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A Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º do RJAT, a ora signatária foi designada pelo Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral singular, tendo a nomeação sido aceite no prazo e nos demais termos legalmente previstos.
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As partes foram devidamente notificadas dessa designação no dia 15 de Março de 2023, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
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O Tribunal Arbitral singular ficou, assim, constituído no dia 03 de Abril de 2023 para apreciar e decidir o objecto do presente litígio, em conformidade com o estipulado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.
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Deste modo importa ter em conta que a Requerente sustentou, em síntese, o seu pedido da seguinte forma:
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A Requerente foi notificada em 06 de Outubro de 2022, do Projecto de Relatório de Inspecção Tributária (RIT), do qual resultaram propostas de correcção em sede de IRC, relativamente ao exercício de 2018;
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A inspecção tributária foi levada a cabo pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2022..., datada de 04 de Abril de 2022;
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Em resultado da referida acção inspectiva, foi a Requerente notificada do RIT, no qual foram efectuadas as seguintes correcções em sede de IRC:
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Correcções à matéria tributável no montante de €58.051,88, sendo €7.936,73 referente a gastos não aceites fiscalmente (roubo), €48.774,25 referente a perdas por imparidade em créditos não dedutíveis, e €1.340,90 referente a encargos não dedutíveis (IVA);
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Correcções ao cálculo do imposto no montante €6.666,70, sendo €2.669,52 referente a dedução de benefícios fiscais do DLRR, e €3.997,18 referente a tributação autónoma em IRC;
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Em sede de Direito de Audição, a Requerente não contestou as correcções referentes aos encargos não dedutíveis (IVA) e referentes à tributação autónoma em IRC, tendo apresentado, quanto a estes, um pedido de regularização voluntária da sua situação tributária;
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Relativamente à correcção relacionada com os gastos não aceites fiscalmente em consequência de furto de valores monetários na loja de Portimão, a Requerente não concorda na medida em que entende que “o argumento per se de que não estamos perante uma circunstância excecional de roubo à mão armada não decorre da lei, não sendo argumento suficiente, na medida que corresponde a resposta da AT no âmbito de pedido de informação vinculativa aplicável ao sujeito passivo que solicitou o pedido.”;
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Menciona a Requerente que o pedido de informação vinculativa n.º 15076, de 24 de Abril de 2019, refere que “para que se possam aceitar as respectivas perdas, terão de se verificar (…) condições especificamente definidas para as situações de furto de valores monetários, nomeadamente (…) o evento que ocasiona a perda não se possa atribuir a deficiências de controlo interno (…) tenha sido feita a devida participação policial e o furto ou roubo não seja atribuído a sócio ou dirigente da empresa (…);
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Ora alega a Requerente que “No presente furto verificam-se condições especificamente definidas para as situações de furto de valores monetários, nomeadamente, o facto deter havido participação as autoridades e que não seja atribuído a socio ou dirigente da empresa, ou familiares dos mesmos (…)”;
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Concluindo que a perda se encontra devidamente suportada, devendo os referidos gastos ser aceites como fiscalmente dedutíveis nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC;
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A Requerente não se conforma igualmente com a correcção referente às perdas por imparidades em créditos não dedutíveis, defendendo que a “perda patrimonial (…) foi de 78.280,42 €” e não de €16.308,17, conforme corrigida pela Autoridade Requerida;
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Alega a Requerente que as referidas perdas por imparidade provêm da circunstância de ter interposto uma acção judicial, a qual correu termos no Juízo Central Cível da Comarca de Setúbal (processo n.º ../13...YIPRT), na qual peticionou o pagamento da quantia de €78.280,42, com fundamento em facturas não liquidadas pela Ré B..., por trabalhos efectuados pela Requerente;
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Não obstante, no âmbito do processo, a Ré B... alegou que os trabalhos efectuados pela ora Requerente padeciam de defeitos, tendo a B... avançado “(…) com as respetivas reparações e acabamento da obra, tudo nos termos do disposto no artigo 1225º do Código Civil”, despendendo para o efeito o montante de €61.972,25, que peticionou à ora Requerente, acrescido de juros calculados sobre €500.000,00, a que corresponderia o prejuízo sofrido, através da apresentação de pedido reconvencional;
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Em virtude do exposto, a sentença julgou parcialmente procedente o pedido formulado pela ora Requerente, bem como o pedido reconvencional apresentado pela Ré;
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Por existirem valores em dívida entre ambas as partes, a sentença reconheceu o direito de as partes compensarem os créditos entre si, verificando-se que após compensação do valor a pagar pela B...l, a B... teria que pagar à Requerente o montante de €16.308,17;
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Contudo, porque o valor a pagar pela Requerente à B... a título de juros, seria superior ao valor a receber da B..., as partes acordaram em compensar os créditos entre si e em não avançar com a execução da sentença;
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Concluindo a Requerente que “a perda patrimonial da Requerente foi de 78.280,42 €, como amplamente se clarificou. (…) Pelo que, em face do exposto, entende a Requerente que cumpriu todas as obrigações legais e fiscais a que estava obrigada, nomeadamente do disposto no artigo 28º-B do Código do IRC.”;
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Com os fundamentos supra elencados, entende a Requerente “(…) que a posição adotada pela Requerida AT é contrária aos princípios da justiça, da tributação do lucro real ou da tributação de acordo com a capacidade contributiva, pelo que constituindo vicio de violação de lei, deve a liquidação adicional ser anulada.”, peticionando pela “declaração de ilegalidade da decisão proferida no relatório de inspeção pela Requerida AT relativamente: i. aos gastos não aceites fiscalmente em virtude de furto na loja de Portimão; ii. a perdas por imparidades em créditos não dedutíveis.”.
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Por despacho de 13 de Abril de 2023, do Tribunal Arbitral singular, a Requerente foi devidamente notificada para apresentar resposta ao Pedido de Pronuncia Arbitral apresentado pela Requerente, o que fez no dia 17 de Maio de 2023.
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Na sua Resposta, a Autoridade Requerida invocou, em síntese, o seguinte:
Quanto à excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral
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A Autoridade Requerida invoca uma excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral, em razão da matéria, pois considera que se encontra vedado ao presente Tribunal Arbitral singular o conhecimento do peticionado pela Requerente, que no entender da AT é a “(…) declaração de ilegalidade da decisão proferida no relatório de inspecção tributária (RIT)”, em função do disposto no artigo 2.º do RJAT e do princípio da impugnação unitária, consagrado no artigo 54.º do CPPT;
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Invoca a Autoridade Requerida que “(…) a Requerente absteve-se de identificar o ato de liquidação, de invocar em concreto as causas da sua ilegalidade, bem como de pedir a respetiva declaração de ilegalidade e anulação”, considerando “(…) forçoso concluir que a ação arbitral tem apenas como objeto um ato instrumental, meramente interlocutório, não tendo como objeto qualquer ato tributário de liquidação.”;
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Referindo que, “na medida em que os poderes de cognição do Tribunal estão limitados pelo pedido e causa de pedir, o Tribunal arbitral não tem competência para apreciar, nem pode declarar a peticionada ilegalidade «da decisão proferida no relatório de inspeção pela Requerida AT»” por estarmos “(…) perante um ato administrativo preparatório, que por não ter a natureza de ato de liquidação não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.”;
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Termos em que considera dever a AT ser absolvida da instância, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA e nos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e) do RJAT;
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Sem prejuízo, acrescenta a Autoridade Requerida que, ainda que o Tribunal assim não o entendesse, não poderia o acto de liquidação adicional ser totalmente anulado alegando que “(…) o Tribunal Arbitral não teria competência para apreciar, nem poderia declarar a ilegalidade total da liquidação adicional, porquanto a mesma se encontra influenciada por correções que não foram contestadas pela Requerente”;
Quanto aos gastos não aceites fiscalmente (roubo), nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC
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Entende a Autoridade Requerida que os gastos provenientes de furto na loja de Portimão não se enquadram no conceito de custos dedutíveis para efeitos fiscais, de acordo com o disposto no artigo 23.º do CIRC, não podendo ser dedutíveis ao lucro tributável;
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Neste sentido argumenta que “a relevância de um gasto para efeitos fiscais sempre dependeu da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado, sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causa é ou não empresarial, se é um gasto efetivamente incorrido no interesse da empresa ou se respeita a um qualquer outro interesse, ou seja, se estamos perante um gasto aceite fiscalmente ou não.”;
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Continua a Autoridade Requerida afirmando que o lucro tributável deve ser calculado com base numa contabilidade que esteja de acordo com as normas de normalização contabilística presumindo-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes nos termos do artigo 75.º da LGT;
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No entanto, essa presunção cessa se houver omissões, erros, inexatidões ou indícios de que a contabilidade não reflete a realidade tributável ou se o contribuinte não cumprir com seus deveres de esclarecimento, o que no entender da Autoridade Requerida se verifica nos presentes autos;
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Alega a Autoridade Requerida que a Requerente não pode beneficiar da presunção de veracidade prevista e disposta no artigo 75.º, n.º 1 da LGT, devendo, pois, aplicar-se as regras gerais sobre a repartição do ónus da prova, previstas e dispostas no artigo 74.º da LGT;
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Concluindo que, para a Requerente poder deduzir o gasto sub judice, cabia-lhe “demonstrar e comprovar a veracidade da operação e a sua indispensabilidade/ necessidade para a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto.”, o que no seu entender a Requerente não logrou fazer;
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De modo a fundamentar a sua pretensão, a Autoridade Requerida cita o RIT, nos seguintes termos: “No caso concreto, atendendo à natureza do ativo descaminhado (dinheiro das vendas efetuadas no espaço comercial de Portimão), para que se possam aceitar as respetivas perdas, teriam de se verificar circunstâncias muito excecionais (um roubo à mão armada, por exemplo), dado que estamos perante uma via relativamente fácil para práticas conducentes à evasão fiscal.
Por outro lado, constata-se que o sujeito passivo não implementou os procedimentos internos adequados à proteção dos seus valores monetários, mantendo valores elevados em caixa por um longo período.”;
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Por esse motivo, defende a Autoridade Requerida não se tratar de gastos passíveis de dedução nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC, na medida em que no seu entender a aceitação de gastos com furto de valores monetários depende da verificação cumulativa de três requisitos: (i) a participação do furto às autoridades, (ii) a não atribuição da responsabilidade do mesmo a sócio, dirigente ou familiar dos mesmos e que (iii) o incidente não seja atribuível a deficiências de controlo interno, por falha na adopção de procedimentos com vista à protecção dos activos em causa, sendo que, in casu, considera que o furto ocorreu por descuido da Requerente, em completa omissão de procedimentos internos estabelecidos por esta, podendo facilmente ter sido evitado.
Quanto às perdas por imparidades em créditos não dedutíveis nos artigos 28.º-B e 41.º do CIRC
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A Inspecção Tributária constatou que a Requerente registou perdas por imparidade em dívidas de clientes, incluindo um montante relativo à B... .
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Considera a Autoridade Requerida não estarem reunidos os requisitos dos artigos 28.º - B e 41.º do CIRC, para que sejam fiscalmente reconhecidas essas perdas por imparidade no montante de € 48.774,25 constituídas com fundamento em créditos reclamados judicialmente contra a sociedade B..., por serviços prestados e não pagos;
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Em suma, refere a Autoridade Requerida que sendo a B... simultaneamente devedora e credora no âmbito da referida acção judicial, e tendo em conta o pedido reconvencional formulado pela B..., o qual foi julgado procedente, o montante a pagar por esta à Requerente computou-se em €16.308,17 e não em 78.972,25, o que desde logo não foi revelado pela Requerente na sua contabilidade;
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Adicionalmente, considerando o facto de a Requerente ter decido não propor acção executiva “(…) para recuperação de valores, pois tal representaria um prejuízo superior para a A... (…)”, no entender da Autoridade Requerida, não pode ser reconhecida qualquer perda por imparidade por não se verificarem quer os requisitos do artigo 28.º-B ou do artigo 41.º, ambos do CIRC;
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A Autoridade Requerida alega ainda que “Com efeito, a própria Requerente reconhece, no artigo 21.º do PPA, a sua condição de devedora, admitindo que os valores a pagar à B... eram manifestamente superiores aos valores a receber, situação que terá levado as duas partes a efetuarem a correspondente compensação das dívidas.”;
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Com base nos aludidos argumentos e no RIT, a Autoridade Requerida concluiu que o risco de incobrabilidade, requisito operativo da aplicação do artigo 23.º-B do CIRC, não se encontra devidamente justificado na medida em que a B... tinha valores superiores a receber da Requerente, tendo até operado compensação de créditos no âmbito de acção judicial, termos em que “(…) não se vislumbra a existência de risco de cobrança de dívidas a receber que possa determinar a dedução para efeitos fiscais de perdas por imparidade”;
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A Autoridade Requerida termina a sua resposta invocando a aplicação do instituto do ónus da prova, nos seguintes termos: “Pelo que, é forçoso concluir que não poderá ser aceite para efeitos fiscais o gasto aqui em causa, porquanto não provou a Requerente, ónus de prova que sobre si impende ao abrigo do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, o risco de incobrabilidade, não se mostrando justificada a perda por imparidade, nos termos do n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC.”.
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No dia 4 de Outubro de 2023 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo a Sra. C..., directora financeira da Requerente e titular de uma participação social de 10%, prestado declarações de parte sobre os artigos 11.º a 28.º do pedido de pronúncia arbitral.
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A Administração Tributária e a Requerente apresentaram as suas alegações a 20 de Outubro de 2023.
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O Tribunal Arbitral singular é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
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As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
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Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que cumpre decidir.
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Factos dados como provados:
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente é uma sociedade residente fiscal em Portugal que tem por objecto social o CAE principal “47523 – Comércio a Retalho de Material de Bricolage, Equipamento Sanitário, Ladrilhos e Materiais Similares, em Estabelecimentos Especializados”, e como CAE’S secundários “41200 - Construção de Edifícios (Residenciais e Não Residenciais)”, “43992 – Outras Atividades Especializadas de Construção Diversas, N.E.”, “73110 – “Agências de Publicidade”, e, “81100 – Atividades Combinadas de Apoio aos Edifícios”; (cf. p. 6 e p. 7 do RIT);
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A actividade exercida pela Requerente no decurso do período de tributação de 2018 foi maioritariamente a prestação de serviços de construção civil e a exploração dos três estabelecimentos comerciais a partir dos quais vende materiais de construção civil ao público (cf. p. 7 do RIT);
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Em 2018 declarou um volume de negócios de €8.814.903,73, resultado líquido de €307.705,48 apurando lucro tributável no montante de €430.510,38 (cf. declaração modelo 22 de IRC referente ao período de 2018, junto ao processo administrativo instrutor);
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A Requerente foi objecto de uma acção de inspecção interna, de âmbito parcial, com incidência no Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), efectuada para análise da situação tributária do sujeito passivo em sede de IRC, relativamente ao exercício de 2018, levada a cabo pela Direcção de Finanças de Setúbal, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2022..., com início em 4 de Abril de 2022;
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No âmbito do procedimento de inspecção, foram propostas as seguintes correcções (cf. p. 17 do RIT):
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A Requerente foi notificada do Projecto do RIT no dia 11 de Outubro de 2022, dando o devido prazo para exercer o seu direito de audição prévia, que exerceu, contestando as correcções referentes a Gastos Não Aceites Fiscalmente (Art.º 23.º do CIRC), Perdas por Imparidade em Créditos Não Dedutíveis (Art.º 28.º-B do CIRC) e Dedução de Benefícios Fiscais por DLRR (Art.ºs 27.º a 34.º do CFI), tendo igualmente apresentado, quanto à matéria não contestada, um pedido de regularização voluntária da sua situação tributária: “As regularizações voluntárias respeitam às correções das tributações autónomas, no valor de €3.997,18 e à desconsideração como gasto do IVA refletido nas imparidades, no valor de €1.340,90.” (cf. parecer do Chefe de Equipa, p. 2 do RIT);
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A reunião de regularização ocorreu no dia 16 de Novembro de 2022, na sequência da qual a Requerente procedeu à regularização voluntária das correcções referentes a Encargos Não Dedutíveis para Efeitos Fiscais (Art.º 23.º-A do CIRC) e Tributação Autónoma (Art.º 88.º CIRC) (cf. pp. 18 a 25 do RIT);
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Por notificação de 07.12.2022, a Requerente foi notificada do RIT, no qual foram efectuadas as seguintes correcções aritméticas em sede de IRC:
1) Correcções ao lucro tributável no montante de €58.051,88, discriminadas do seguinte modo:
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Gastos não aceites fiscalmente (artigo 23.º do CIRC), no montante de €7.936,73;
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Perdas por imparidade não dedutíveis (artigo 28.º-B do CIRC), no montante de €48.774,25;
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Encargos não dedutíveis (artigo 23.º-A do CIRC), no montante de €1.340,90.
2) Correcções ao cálculo do imposto:
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Dedução de benefícios fiscais do DLRR, no montante de €1.118,37;
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Tributação autónoma em IRC, no montante total de €3.997,18.
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Na sequência do procedimento inspectivo, a Autoridade Requerida emitiu a liquidação adicional de IRC n.º 2022..., de 09 de Dezembro de 2022, a liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., a liquidação de juros moratórios n.º 2022 ... e respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2022..., no valor de €20.665,88, pessoalmente notificada à Requerente em 21 de Dezembro de 2022 (cf. “documento de cobrança”);
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No presente pedido de pronúncia arbitral a Requerente impugna as seguintes correcções:
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Gastos não aceites fiscalmente (artigo 23.º do CIRC), no montante de €7.936,73;
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Perdas por imparidades não dedutíveis (artigo 28.º-B do CIRC), no montante de €48.774,25.
Quanto aos gastos não aceites fiscalmente (artigo 23.º do CIRC), no montante de €7.936,73, dá-se como provada a seguinte factualidade relevante (cf. despacho de arquivamento do processo-crime, junto ao Anexo 1 do RIT junto ao PA e gravação das declarações de parte produzidas na reunião de 04 de Outubro de 2023):
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A Requerente declarou nos termos e para os efeitos do artigo 23.º do CIRC gastos no montante €7.936,73, respeitantes a um desaparecimento de valores monetários de vendas ocorridas no seu estabelecimento comercial localizado em Portimão;
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O referido gasto foi inscrito na conta SNC 68888 – Outros Gastos Não Especificados (Roubo), por contrapartida a crédito na conta SNC 2782100001 – outros Credores Diversos (Reembolso de Despesas);
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De acordo com os procedimentos internos da Requerente, o depósito dos valores facturados em loja é realizado numa base diária, procedendo-se ao depósito dos valores em caixa no dia seguinte ao da sua facturação, pelo Gestor de Clientes da Requerente, Sr.D..., junto da entidade bancária E...;
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O Gestor de Clientes da Requerente esteve de férias durante o período compreendido entre 30 de Maio de 2018 e 1 de Junho de 2018, e, posteriormente, entre 2 de Julho e 13 de Julho;
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No período de férias do Gestor de Clientes da Requerente, não foram efectuados os depósitos relativos à facturação diária registada no estabelecimento comercial da Requerente sito em Portimão, levando a que os montantes facturados se fossem acumulando no estabelecimento comercial, sem qualquer autorização dos superiores hierárquicos;
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No decurso do mês de Julho de 2018, a Requerente apercebeu-se de irregularidades nos depósitos bancários efectuados por conta da facturação do seu estabelecimento comercial localizado em Portimão;
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No dia 3 de Julho de 2018, a Directora Financeira da Requerente enviou um e-mail ao Gestor de Clientes e restantes trabalhadores do estabelecimento comercial localizado em Portimão, a solicitar o cumprimento da regra de depósito dos valores em caixa no dia imediatamente seguinte ao dia das vendas;
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No dia 18 de Julho de 2018, a Directora Financeira insistiu e enviou novo e-mail aos trabalhadores a informar que desde 26 de Junho de 2018 que não era cumprida a regra de depósito dos valores em caixa no dia imediatamente seguinte ao dia das vendas e que à data existiam mais de €10.000,00 em vendas não depositados;
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No dia 18 de Julho de 2018 o Gestor de Clientes da Requerente começou a fazer o depósito dos valores em falta;
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No dia 31 de Julho de 2018 o Gestor de Clientes alertou a Directora Financeira de que tinham desaparecido €7.936,73, referentes aos valores em caixa dos dias 20 de Julho a 31 de Julho de 2018 e 1 de Agosto de 2018;
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A Requerente apresentou em 07 de Setembro de 2018 Queixa-Crime contra desconhecidos;
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O processo de inquérito n.º .../18...T9PTM foi arquivado, em razão de não ter sido possível reunir elementos probatórios susceptíveis de indiciar a concreta identidade do agente;
Quanto às perdas por imparidades em créditos não dedutíveis (artigos 28.º-B e 41.º do CIRC) no montante de €48.774,25, dá-se como provada a seguinte factualidade relevante (cf. sentença proferida no âmbito do processo n.º .../13...YIPRT, junta como documento n.º 2 do pedido de pronúncia arbitral e gravação das declarações de parte produzidas na reunião de 04 de Outubro de 2023):
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Por referência ao exercício de 2018, a Requerente procedeu ao reconhecimento de perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes no montante total de €101.781,55 na conta SNC 6511 – Perdas por Imparidade em Dívidas a Receber (Clientes em Contencioso);
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De entre os montantes reconhecidos como perdas por imparidade, inclui-se o valor de €48.774,25, que provêm da decisão proferida no âmbito do processo n.º .../13...YIPRT, que correu termos no Juízo Central Cível da Comarca de Setúbal, no âmbito do qual a Requerente peticionou o pagamento da quantia de €78.280,42, com fundamento em facturas não liquidadas pela Ré B..., S.A., titular do NIF ... (valores em conta corrente), por trabalhos efectuados pela Requerente;
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No âmbito do processo, a Ré B... apresentou um pedido reconvencional, alegando para o efeito que os trabalhos efectuados pela ora Requerente no âmbito do contracto de subempreitada celebrado entre as partes padeciam de defeitos, tendo avançado “(…) com as respetivas reparações e acabamento da obra, tudo nos termos do disposto no artigo 1225º do Código Civil”, despendendo para o efeito o montante de €61.972,25, que peticionou à ora Requerente, acrescido de juros calculados sobre €500.000,00 (valor que seria pago pelo Dono de Obra à Ré com a conclusão dos trabalhos), desde a data em que o Dono de Obra deveria ter pago a quantia em causa à Ré e a data em que ocorreu a conclusão dos trabalhos, a que corresponderia o prejuízo sofrido;
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A sentença proferida no âmbito do processo n.º .../13...YIPRT julgou parcialmente procedente o pedido formulado pela Requerente, bem como o pedido reconvencional apresentado pela Ré, e reconheceu o direito de as partes compensarem os créditos entre si, determinando que após compensação, a B... teria que pagar à Requerente o montante de €16.308,17 (= €78.280,42 – €61.972,25), deixando para liquidação de sentença o apuramento do prejuízo sofrido pela B...;
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As partes acordaram em compensar os créditos entre si e em não avançar com a execução da sentença, pelo que nenhum montante foi pago pela Requerente à B..., nem pela B... à Requerente;
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No dia 20 de Julho de 2022 foi proferida sentença de declaração de insolvência da B... cf. informação pública disponível no citius - Publicidade dos processos especiais de revitalização, dos processos especiais para acordo de pagamento, dos processos extraordinários de viabilização de empresas e dos processos de insolvência);
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A Requerente não reclamou créditos no âmbito do processo de insolvência da B... (cf. informação pública disponível no citius - Publicidade dos processos especiais de revitalização, dos processos especiais para acordo de pagamento, dos processos extraordinários de viabilização de empresas e dos processos de insolvência).
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Factos dados como não provados:
Não se considera factualidade dada como não provada com relevância para a decisão arbitral.
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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada e produzida nos autos, nos factos admitidos por acordo das partes, nas declarações prestadas na reunião de 4 de Outubro de 2023 e, no que concerne à declaração de insolvência da B... –, S.A., na informação pública disponível para consulta na plataforma Citius.
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais apresentadas pelas Partes, nos documentos juntos aos autos e nas declarações de parte.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pela Requerente, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei [e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil (CC) e havendo documentos, a prova testemunhal (ou, subalternamente, as declarações de parte) cingir-se-á à interpretação do contexto desses documentos, não podendo incidir nos factos que esses documentos provam, conforme artigo 393.º do CC], é que não domina o princípio da livre apreciação da prova.
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Delimitação do objecto
Atenta as posições das partes assumidas nos argumentos apresentados, constitui questão central dirimida, a qual cumpre, pois, apreciar e decidir: a “determinação da legalidade e consequente anulação do acto tributário de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), referente ao exercício de 2018, consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2022..., de 09.12.2022, no valor de €20.665,88”.
Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões a decidir.
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Questão prévia: Da excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral
A Autoridade Requerida, na sua resposta ao pedido de pronúncia arbitral, invoca excepção dilatória de incompetência material do presente Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido formulado pela Requerente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.º 1 e 2 do CPC aplicável ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, o qual obsta ao conhecimento do pedido e a absolvição da instância da Administração Tributária nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
O âmbito de competência material dos tribunais constitui matéria de ordem pública e o seu conhecimento antecede qualquer outra matéria, cumprindo, antes de mais, proceder à sua apreciação conforme dispõem os artigos 16.º do CPPT, 13.º do CPTA e 96.º e 98.º do CPC, subsidiariamente aplicáveis por remissão, respectivamente, das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Constitui uma excepção dilatória a incompetência, quer absoluta, quer relativa, do Tribunal Arbitral no que respeita à capacidade material de apreciação dos actos objecto do pedido arbitral, nos termos do disposto nos artigos 577.º do CPC e 2.º do RJAT.
A competência material dos tribunais arbitrais é definida pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, nos seguintes termos:
“A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
(…)”
Acresce que a competência material dos tribunais arbitrais é ainda limitada pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, nos termos em que a Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, que estabelece o seguinte: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão; c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.”
Devendo, pois, entender-se que a competência dos tribunais arbitrais “restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT” (cf. Jorge Lopes de Sousa, “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 105).
Feito o enquadramento jurídico da questão, importa começar por atender ao pedido formulado pela Autoridade Requerida.
Ora, a Requerente formula o pedido nos seguintes termos:
“Nestes temos e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá se requer:
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A declaração de ilegalidade da decisão proferida no relatório de inspeção pela Requerida AT relativamente:
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aos gastos não aceites fiscalmente em virtude de furto na loja de Portimão;
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a perdas por imparidades em créditos não dedutíveis.”
Não obstante, importa salientar que no artigo 30.º do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente, peticiona a anulação da liquidação adicional: “De todo o modo, entende a Requerente que a posição adotada pela Requerida AT é contrária aos princípios da justiça, da tributação do lucro real ou da tributação de acordo com a capacidade contributiva, pelo que constituindo vicio de violação de lei, deve a liquidação adicional ser anulada.”
A Requerente junta ainda ao processo a notificação pessoal da liquidação adicional cuja anulação pretende, apesar de não ter peticionado expressamente, em sede de pedido, a sua anulação, nem indicado a liquidação sub judice.
Conforme Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em 29 de Setembro de 2022, no âmbito do processo n.º 605/17.0T8PVZ.P1.S1, “Quando perante o alegado na petição inicial há dúvidas quanto aos concretos e efectivos pedidos pretendidos pelo Autor ou ao real conteúdo da pretensão e, recorrendo às regras interpretativas da declaração judicial, se extrai implícita uma outra pretensão petitória não expressamente ali formulada, pode o tribunal levá-la em conta, extraindo os efeitos jurídicos correspondentes, sem dessa forma violar o princípio do pedido.”, sob pena de excessivo formalismo.
Acrescendo ainda, na senda do Acórdão supracitado, que “Pedido implícito é aquele que, com base na natureza das coisas, está presente na acção, apesar de não ter sido formulado expressis verbis ou seja, o pedido apresentado na petição pressupõe outro pedido que, por qualquer razão, o autor não exprimiu de forma nítida ou óbvia.”
Neste sentido, atendendo ao facto de a Requerente ter peticionado (apesar de não constar formalmente do pedido) a anulação da liquidação de IRC de 2018 n.º 2022..., bem como procedido à junção da notificação pessoal da referida liquidação, liquidações de juros, e acerto de contas, contestando, para o efeito, parte das correcções realizadas pelos serviços de inspecção tributária [saliente-se que, conforme resulta do artigo 9.º do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente não contestou as correcções da tributação autónoma e dos encargos não dedutíveis para efeitos fiscais, que aceitou, requerendo a regularização voluntária] retira-se com clareza que o que a Requerente efectivamente pretende é a declaração de ilegalidade e a anulação parcial do acto tributário de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), referente ao exercício de 2018, consubstanciado na liquidação adicional de IRC n.º 2022..., de 09 de Dezembro de 2022, no valor de € 20.665,88.
Acresce que a Requerente não elenca qualquer vício do procedimento inspectivo, mas tão e somente, fundamentos passíveis de anular parte da liquidação de imposto. Ademais, sempre se diga que a eventual anulação parcial da liquidação adicional de IRC n.º 2022..., nos termos peticionados pela Requerente sempre acarretaria, necessariamente, a anulação, na parte correspondente, das liquidações de juros e respectiva demonstração de acerto de contas, pelo que dúvidas não subsistem de que ainda que não expressamente mencionado pela Requerente, o pedido abrange todo o acto tributário de IRC de 2018.
Termos em que o pedido de anulação parcial da liquidação adicional de IRC n.º 2022 ... tem de ser tido em conta pelo Tribunal Arbitral em cumprimento do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT conjugado com o disposto no artigo 2.º, à contrário, da portaria 112-A/2011, de 22 de Março, por ser a única interpretação conforme com a peça processual apresentada pela Requerente.
Não obstante, conforme alega a Autoridade Requerida, e em conformidade com o disposto no artigo 4.º, n.º 1 alínea a) do RJAT, não tem o Tribunal Arbitral competência material para declarar a ilegalidade das decisões dispostas no RIT, sob pena de violação do disposto no artigo 2.º do RJAT, por não se tratar da declaração de ilegalidade de qualquer um dos actos previstos nas alíneas a) e b) do referido artigo, designadamente, “actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e “actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.
Em virtude do exposto, impõem-se ao presente Tribunal Arbitral, em cumprimento do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, do RJAT e nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do CPC aplicável ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT e artigo 577.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, declarar-se materialmente incompetente quanto ao pedido de “declaração de ilegalidade da decisão proferida no relatório de inspeção pela Requerida”, abstendo-se de apreciar tal pedido, absolvendo a Autoridade Requerida da instância apenas quanto ao mesmo.
Contudo, é materialmente competente para julgar o pedido de anulação parcial da liquidação adicional de IRC de 2018 n.º 2022..., por aplicação do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º do RJAT, conjugado com o disposto no artigo 2.º, à contrário, da portaria 112-A/2011, de 22 de Março.
Deste modo, improcede a excepção da incompetência material suscitada pela Autoridade Requerida.
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Quanto aos gastos não aceites fiscalmente (furtos na loja de Portimão), nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC
Em síntese, a pretensão da Requerente subsume-se à não consideração e dedutibilidade fiscal de gastos/encargos no montante de €7.936,73, correspondentes a valores de caixa alegadamente furtados da loja de Portimão da Requerente.
Para o efeito, a Requerente alega que, in casu, se encontram preenchidos os critérios do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, bem como as condições previstas no PIV n.º 15076, de 24 de Abril de 2019.
Por sua vez, a Autoridade Requerida considera que não se encontram reunidos os critérios do referido artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, na medida em que, no seu entender, a Requerente não cumpriu com o ónus de demonstrar e comprovar a veracidade da operação e a sua indispensabilidade/necessidade para a obtenção dos rendimentos sujeitos a imposto, nem demonstrou que o incidente (furto de valores monetários) não fosse atribuível a deficiências de controlo interno, por falha na adopção de procedimentos com vista à protecção dos activos em causa, requisito obrigatório na informação vinculativa invocada pela Requerente.
Perante o exposto, cabe ao Tribunal Arbitral decidir, com base na matéria de facto e de direito, se o montante de €7.936,73, que corresponde à correcção efectuada pela AT referente ao furto na loja de Portimão da Requerente, deve ser aceite como custo fiscalmente dedutível nos termos do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC.
Ora, o lucro tributável para efeitos de tributação em IRC, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do CIRC, tem como suporte o resultado apurado na contabilidade, a qual deverá, designadamente, estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade e reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, termos em que, de acordo com o disposto no artigo 75.º da LGT, “presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte”.
Nos termos do artigo 23.º do CIRC: “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
Veja-se que até 1 de Janeiro de 2014, identificavam-se como requisitos gerais para a dedutibilidade dos gastos a comprovação, a indispensabilidade para a obtenção de rendimento ou, em alternativa, para a manutenção da fonte produtora. Nesse sentido, consideravam-se como custos fiscais ou perdas, os que comprovadamente fossem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Contudo, com a alteração efectivada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, o requisito da indispensabilidade dos gastos deixou de constar expressamente do texto normativo, passando a indicar-se apenas que são dedutíveis os gastos incorridos para obter rendimentos sujeitos a IRC, o que pretende consagrar na lei a orientação mais ampla que já vinha sendo seguida pela doutrina e jurisprudência – de que são gastos dedutíveis todos aqueles que forem efectuados no âmbito da actividade da sociedade (cf. neste sentido, JOAQUIM MIRANDA SARMENTO, “Dedução de encargos financeiros em IRC”, em Tributação do Rendimento: IRC – 2019, Formação Contínua – CEJ, pp. 45 e 46, ANTÓNIO MARTINS, «A dedutibilidade dos juros e a noção de “atividade” das sociedades: a propósito do artigo 23.º do CIRC», em Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano V, 12, p. 97 e 101 e RUI DUARTE MORAIS, “Apontamentos ao IRC”, Almedina, 2007, pp. 86 e 87). É o que resulta, ademais, do Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, de 30 de Junho de 2013, no qual é referido que atendendo à posição da doutrina e jurisprudência acerca do conceito de gastos dedutíveis, “(…) o artigo 23.º do Código do IRC passa a consagrar como princípio geral que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis os gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados (…)".
Com efeito, o artigo 23.º do CIRC, não refere que a despesa se apresente como condição sine qua nom dos proveitos. Defende-se, assim, que os custos indispensáveis serão aqueles que correspondam a gastos realizados no interesse da sociedade, sendo excluídos os que não se insiram no interesse da sociedade, isto é, que foram incorridos para outros fins.
Refira-se, a este propósito, a decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 06 de Outubro de 2009, segundo a qual, da "(…) noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.º do Código de IRC não resulta que a Administração Tributária possa pôr em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram diretamente proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.º exige tão só uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro" (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 6 de Outubro de 2009, proferido no âmbito do processo 03022/09; sublinhado nosso).
Refere ainda o n.º 3 do artigo 23.º do CIRC que: “os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”.
No que tange à matéria do ónus da prova, encontra-se solidificado a nível jurisprudencial que se a contabilidade organizada goza da presunção de veracidade, cabendo assim à Administração Tributária o ónus de ilidir essa presunção, já no que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova de que o custo foi realizado no interesse da empresa, em ordem, directa ou indirectamente, à obtenção de lucros.
Em função do exposto, é ponto assente que um custo, para ser relevante fiscalmente, tem de ser afecto à actividade prosseguida pelo sujeito passivo, tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, considerando o risco normal da actividade económica, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção ou manutenção de resultados.
No que diz respeito ao tratamento fiscal a dar aos furtos em concreto, esta matéria já foi alvo de análise em decisões arbitrais (cf. decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 615/2014-T, e decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 262/2019-T) e judiciais [designadamente, do Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 11 de Junho de 1997, proferido no âmbito do recurso n.º 12.610, Acórdão de 29 de Junho de 2005, proferido no âmbito do processo n.º 0317/05, e Acórdão de 26 de Novembro de 2010, proferido no âmbito do processo n.º 0943/10) e do Tribunal Central Administrativo Sul (Acórdão de 09 de Dezembro de 1998, proferido no âmbito do processo n.º 00400/97 e Acórdão de 2 de Julho de 2002, proferido no âmbito do Processo n.º 6540/02)], enquadrando a jurisprudência tais custos na previsão da alínea m) do n.º 2 do artigo 23.º do CIRC, nos termos da qual se consideram custos ou perdas as indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável, fazendo depender a sua dedução «da prova [casuística] de que o furto era imprevisto, acidental, com consequências para a exploração da empresa, para ela constituindo um verdadeiro “sinistro económico”» (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 09 de Dezembro de 1998, proferido no âmbito do processo n.º 00400/97).
O Acórdão de 24 de Junho de 2021, do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 2263/171.7BELSB, condiciona a dedução à prova de que o furto constitua uma consequência inevitável ou normal decorrente da actividade económica do sujeito passivo, como seria, por exemplo, o caso de uma grande superfície de venda a retalho, com inúmeros funcionários e inúmeros terminais de pagamento, onde não fosse possível fazer um controlo efectivo das transacções efectuadas diariamente nos vários terminais.
Aqui chegados, importa atender à matéria dada como provada nos presentes autos.
Relativamente aos factos provados neste processo, observa-se inicialmente que não há esclarecimentos da Requerente sobre a existência de um seguro que pudesse cobrir esta ocorrência.
Além disso, não se demonstra que o furto, no caso concreto, seja uma consequência inevitável ou habitual da actividade económica exercida pela Requerente ou que o furto represente um "sinistro económico", dada a sua natureza imprevisível e acidental.
Pelo contrário, verificou-se um claro incumprimento das normas internas da Requerente, especialmente no que toca à não realização dos depósitos dos montantes existentes em caixa no dia imediatamente seguinte, sem que tenha sido apresentado qualquer motivo justificativo convincente. Veja-se que resultou demonstrado nos autos que o incumprimento desta regra não foi um episódio isolado, mas sim um episódio reiterado, nomeadamente durante as férias do Gestor de Clientes, sem que a Requerente tivesse adoptado mecanismos alternativos para assegurar os depósitos atempados e, consequentemente, a protecção dos activos em causa.
Acresce que os montantes furtados correspondem aos valores em caixa dos dias 20 de Julho a 31 de Julho de 2018 e 1 de Agosto de 2018, período durante o qual o Gestor de Clientes não se encontrava de férias. Verificando-se assim, que face ao incumprimento da norma interna de depósito dos valores monetários pelo trabalhador responsável, a Requerente não tomou quaisquer medidas disciplinares ou correctivas em relação a este colaborador, o que evidência um certo grau de conformismo da Requerente perante uma situação de incumprimento das suas normas internas, resultando em significativas perdas financeiras.
Consequentemente, o argumento da Requerente de que o incidente não foi atribuível a deficiências de controlo interno não se sustenta. Dado o contexto apresentado, não se encontram as condições excepcionais que justificariam a dedução dos custos em análise.
Por último, importa referir que, conforme estabelecido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22 de Março de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 07228/13, a Informação Vinculativa, enquanto promessa administrativa e de acordo com a sua regulamentação específica, produz efeitos apenas entre as partes envolvidas (cf. artigo 68.º da LGT). Isto significa que a AT, ao emitir uma Informação Vinculativa, não fica obrigada ao seu cumprimento em todas as situações semelhantes, mas apenas em relação ao caso concreto que originou o pedido (cf. artigo 68.º, n.º 14, da LGT).
Este enquadramento difere do regime aplicável às orientações genéricas contidas em circulares, regulamentos ou instrumentos de natureza idêntica, que, nos termos do artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT, vinculam a AT ao seu cumprimento em todas as situações abrangidas pelo seu objecto.
Contudo, o facto de as informações vinculativas só produzirem efeitos entre as partes não significa que sejam desprovidas de relevância jurídica para terceiros. Em virtude do princípio da protecção da confiança legítima, fundamentado no princípio na segurança jurídica e no Estado de Direito Democrático, estas informações podem criar nos sujeitos passivos, terceiros em relação às mesmas, uma expectativa legítima de que, em casos semelhantes, a AT seguirá uma interpretação e aplicação da lei em conformidade com o sentido interpretativo nelas expresso (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22 de Março de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 07228/13 e decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 701/2021-T).
Ora, do teor do PIV n.º 15076, resulta expressamente que a AT condiciona a aceitação fiscal de perdas resultantes de sinistros com valores monetários à verificação cumulativa de circunstâncias muito excepcionais, avaliadas casuisticamente, nomeadamente: “o evento que ocasiona a perda não se possa atribuir a deficiências de controlo interno, designadamente, mediante a adoção de procedimentos com vista à proteção dos ativos em causa; tenha sido feita a devida participação policial; que o furto ou roubo não seja atribuído a sócio ou dirigente da empresa, ou familiares dos mesmos”.
No caso em análise, a Requerente não logrou cumprir com o ónus da prova que se lhe impunha, nomeadamente, comprovar que o furto não fosse atribuível a deficiências de controlo interno. Nestes termos, não deveria a Requerente ter a expectativa legítima de que os custos em análise seriam aceites pela AT como dedutíveis nos termos do artigo 23.º do CIRC, não sendo, portanto, tal argumento de acolher.
Pelo que se conclui que a perda não se encontra devidamente suportada, sendo a pretensão da Requerente improcedente, quanto aos gastos não aceites fiscalmente decorrentes de furto na loja de Portimão.
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Quanto às perdas por imparidades em créditos não dedutíveis (artigos 28.º-B e 41.º do CIRC) no montante de €48.774,25
Relativamente às perdas por imparidades em créditos não dedutíveis contestadas pela Requerente no valor de €48.774,25, alega esta que tais perdas foram registadas de acordo com o disposto no artigo 28.º-B, n.º 1, alínea b) do CIRC, devendo ser aceites fiscalmente.
Argumenta a Requerente que tais perdas cumprem os requisitos necessários para serem aceites para efeitos fiscais, na medida em que resultam da interposição de uma ação judicial que correu termos no Juízo Central Cível da Comarca de Setúbal (processo n.º .../13...YIPRT), onde a Requerente peticionou o pagamento da quantia de €78.280,42, baseando-se em facturas não liquidadas pelo cliente B..., quantia que nunca foi recebida.
Deste modo, a Requerente considera que ocorreu uma perda efectiva do montante reivindicado em Tribunal, susceptível de dedução como perda por imparidade.
Por sua vez, a Autoridade Requerida argumenta, em suma, que a referida imparidade não pode ser aceite fiscalmente na medida em que a sentença proferida no âmbito de referido processo apenas reconheceu o direito da Requerente a receber da B... o montante de €16.308,17, único montante eventualmente admissível.
Contudo, uma vez que a Requerente optou por não prosseguir com a execução da sentença, e não se encontrando preenchidas quaisquer das condições previstas no artigo 41.º do CIRC, tal quantia não pode ser considerada como gasto aceitável para efeitos fiscais.
Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 28.º-A do CIRC: “Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores: a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade; (…)” (sublinhado nosso).
Por sua vez dispõe o artigo 28.º-B do CIRC que:
“Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos: a) O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto; b) Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral; c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de imparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.” (sublinhado nosso).
Do mencionado preceito legal retira-se que, para que as perdas por imparidade sejam consideradas gastos fiscais, importa não só que esteja apurado o requisito do “risco de incobrabilidade”, mas também que o mesmo se mostre “devidamente justificado”. Para o efeito, o legislador apresenta uma lista não taxativa das situações em que considera verificados os aludidos requisitos, onde se inclui, nomeadamente, as situações em que “os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral” (cf., no sentido da não taxatividade das situações elencadas no n.º 1 do artigo 28.º-B do CIRC, decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 284/2017-T) [cf. RUI MARQUES, in “Código do IRC – Anotado e comentado”, Almedina, 2019, anotação ao artigo 28.º-B, p. 267].
Face ao exposto, conclui-se que, em 2018, estavam reunidas as condições gerais para a aceitação fiscal de gastos ou perdas por imparidade em créditos, desde que estes cumprissem determinados critérios. Estes critérios incluíam que os créditos fossem resultantes da actividade normal da Requerente, fossem considerados de cobrança duvidosa, estivessem devidamente registados como tal na contabilidade, e que o risco de incobrabilidade estivesse devidamente fundamentado. Esta situação aplicar-se-ia aos créditos reclamados judicialmente.
Ora, da prova documental junta aos autos, extrai-se que a Requerente, durante o período de 2018, procedeu ao reconhecimento de perdas por imparidade em dívidas a receber de clientes no montante total de €101.781,55, conforme consta na conta SNC 6511 – Perdas por Imparidade em Dívidas a Receber (Clientes em Contencioso). Nesse montante incluem-se, nomeadamente, as perdas por imparidade no valor de €48.774,25, constituídas ao abrigo do artigo 28.º-B, n.º 1, alínea b) do CIRC, respeitantes a facturas não liquidadas pela B... e reclamadas judicialmente (valor reclamado judicialmente = €78.280,42).
Contudo, resulta igualmente provado nos autos que a B... apresentou um pedido reconvencional no âmbito do processo judicial, o qual foi julgado procedente, sendo esta condenada a pagar somente a quantia de €16.308,17 (= €78.280,42 - €61.972,25) à Requerente, por efeitos de compensação de créditos. Nos termos da sentença, a Requerente foi condenada igualmente a pagar à B... uma indemnização pelos prejuízos sofridos, a apurar em liquidação de sentença.
Esclareça-se que nos termos do artigo 847.º do Código Civil, a compensação é uma forma de extinção das obrigações em que, em vez de cumprir com a sua obrigação, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor, e que “para que a extinção da dívida por compensação possa ser oposta ao credor, exigem-se a verificação dos seguintes requisitos: a) a existência de dois créditos recíprocos; b) a exigibilidade (forte) do crédito do autor da compensação; c) a fungibilidade e a homogeneidade das prestações; d) a não exclusão da compensação pela lei; e, e) a declaração de vontade de compensar.” (cf. sobre esta matéria, por exemplo, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01 de Julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 11148/12.9YIPRT-A.L1.S1).
Portanto, no que diz respeito ao cliente B..., a Requerente não poderia deduzir um valor superior a €16.308,17 ao abrigo do artigo 28.º-B, n.º 1, alínea b) do CIRC uma vez que, por efeitos da compensação de créditos, o crédito que a Requerente tinha em relação à B... foi reduzido para este montante, levando à extinção da parte da dívida correspondente a €61.972,25 (€78.280,42 - €16.308,17).
Dado que a dívida foi parcialmente saldada por compensação, não pode ser reconhecida na sua totalidade no âmbito do regime de créditos de cobrança duvidosa, uma vez que a parte compensada não configura uma perda patrimonial.
Desta forma, concorda-se com o entendimento manifestado no RIT de que apenas seria admissível a dedução de perdas por imparidade no montante de €16.308,17, correspondente ao valor efetivo do crédito.
No entanto, resultou igualmente provado que o montante de €16.308,17 não foi pago pela B... porquanto a Requerente optou por não executar a sentença, uma vez que verificou que os valores que teria que pagar em sede de liquidação de sentença seriam manifestamente superiores aos valores a receber. Veja-se o Anexo 8 do processo administrativo instrutor, de onde se retira que “(…) a A... tinha a haver da B... a quantia de 16.308,17 € mas tinha a pagar uma valor muito superior, pelo que após conversações entre os mandatários das partes foi decidido que, tendo em conta os valores devidos parte a parte e a dificuldade financeira que a empresa B... apresentava na altura que não iriamos avançar com a ação executiva para recuperação de valores, pois tal representaria um prejuízo superior para a A... .”.
Assim, tendo a própria Requerente admitido que os montantes a pagar à B... seriam superiores aos montantes a receber e que, por esse motivo, optou por não executar a sentença, é de concluir que, in casu, a Requerente não logrou fazer prova da verificação dos pressupostos previstos no artigo 28.º-B do CIRC, desde logo, a existência de um verdadeiro crédito. Consequentemente, não se encontram igualmente preenchidos os pressupostos do artigo 41.º do CIRC.
Nestes termos, conclui-se pela improcedência da pretensão da Requerente quanto às perdas por imparidades em créditos não dedutíveis.
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Em face do exposto, o Tribunal Arbitral singular decide:
A) Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
B) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos;
C) Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo.
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Fixa-se o valor da acção em €17.403,15 (dezassete mil quatrocentos e três euros e quinze cêntimos), correspondente à parte da liquidação impugnada pela Requerente, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
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Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, cujo pagamento fica a cargo da Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 31 de Janeiro de 2024
A Árbitra
Sofia Quental