Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 367/2023-T
Data da decisão: 2024-01-16   Outros 
Valor do pedido: € 134.137,35
Tema: ASSB – Adicional de solidariedade sobre o sector bancário. Liquidação e pagamento relativo ao ano de 2020. Princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal – art.103º, nº 3 da Constituição da República.
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SUMÁRIO:

1. O facto tributário correspondente à liquidação e pagamento do ASSB no ano de 2020, relativo ao primeiro semestre de 2020, é o apuramento contabilístico semestral dos saldos finais de cada mês desse semestre.

2. A norma transitória do art. 21º, nº 1, alínea a) da Lei nº 27-A, de 24 de Julho, é inconstitucional, na parte em que se refere ao cálculo do imposto relativo ao primeiro semestre do ano de 2020, por violação do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal, consagrado no art. 103º, nº 3, da Constituição.

 

                                                        DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

A..., SA, com o número único de matrícula, identificação fiscal e pessoa colectiva nº..., com sede no ..., Rua ..., ..., ..., ...-... Lisboa, doravante designado por Requerente, tendo sido notificado em 20 de Fevereiro de 2023 do indeferimento da Reclamação Graciosa nº ...2022...contra a liquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (doravante ASSB), requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária, ao abrigo do prescrito no art. 2º, nº 1, alínea a) do Decreto – Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico de Arbitragem Tributária - RJAT) e nos arts. 1º, alínea a) e 2º da Portaria nº 112 – A/2011, de 22 de Março, pediu que o Tribunal Arbitral proceda à anulação do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa nº ...2022..., e a consequente anulação da autoliquidação de ASSB nº... no valor de 134.137,35 euros, nos termos descritos no Pedido de Pronúncia Arbitral, e, em consequência, determine a restituição do imposto que foi pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios e o pagamento das custas do processo.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, apresentado em 19/05/2023, foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerente e à Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira em 22/05/2023, Requerida esta que designou juristas para a representar por despacho de 09/06/2023, comunicado nesta data, tendo o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designado, em 11/07/2023, os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, ao abrigo do disposto no art. 6º, nº 1, do RJAT, encargo que por estes foi aceite, nos termos legalmente estabelecidos.

Em 11/07/2023, as Partes foram notificadas dessas designações, nos termos das disposições combinadas do art. 11º, nº 1, alínea b) do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico, não tendo manifestado vontade de recusar as mesmas.

Nestas circunstâncias, o Tribunal foi constituído em 31/07/2023, nos termos do preceituado na alínea c), do nº 1, do art. 11º do Decreto – Lei nº 10/2011, o que foi notificado às Partes nessa data.

     Após a comunicação da data da constituição do Tribunal Arbitral, em 31/07/2023, seguiram-se os posteriores termos processuais na forma seguinte:

- Em 31/07/2023 – Foi notificada a Requerida para nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 17º do RJAT, apresentar Resposta no prazo de 30 dias e, querendo, solicitar produção de prova adicional e juntar o processo administrativo.

- Em 02/10/2023 – A Requerida apresentou Resposta ao Pedido de Pronúncia Arbitral e juntou o Processo Administrativo.

 - Em 20/11/2023 – O Tribunal exarou um despacho arbitral, que foi notificado às Partes, visando:

    - Dispensar a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, em aplicação dos princípios processuais gerais da economia processual e da proibição da prática de actos inúteis e por não ter sido requerida prova adicional para lá da prova documental incorporada nos autos;

    - Determinar o prosseguimento do processo, mediante a notificação das Partes, para apresentarem alegações escritas, no prazo simultâneo de vinte dias;

    - Solicitar a remessa das peças processuais em formato word;

    - Fixar que a prolação da decisão arbitral e a sua notificação sejam efectuadas até ao termo do prazo fixado no art. 21º, nº 1 do RJAT, devendo ser paga a taxa de arbitragem remanescente.

   - Em 07/12/2023, o Requerente apresentou alegações escritas

   - Em 12/12/2023, a Requerida apresentou alegações escritas.

 

II. POSIÇÃO DAS PARTES

II. 1. Posição da Requerente

      A fundamentar o Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

- A Requerente é uma instituição de crédito residente em Portugal, do tipo previsto na al. a) do artigo 3.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, e cujo objeto social consiste no exercício da atividade bancária, incluindo todas as operações compatíveis com essa atividade e permitidas por lei.

- Enquanto Banco, a Requerente viu-se sujeita ao pagamento do ASSB, criado e disciplinado pelo artigo 18.º e pelo anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que procedeu à segunda alteração da Lei n.º 2/2020, de 31 de março.

- Embora tivesse procedido à liquidação e o pagamento do ASSB, a Requerente sempre intuiu que a sujeição ao ASSB se afigurava ilegal.

 - Com efeito, em 15 de Dezembro de 2020, o Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB de 2020, através da entrega da declaração Modelo 57.

 - No mesmo dia, a Requerente procedeu ao pagamento do imposto apurado na referida autoliquidação, no valor de 134.137,55 Euros.

- Conforme estabelecido na Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, bem como na Portaria n.º 191/2020, de 10 de agosto, que viria a aprovar o modelo oficial do ASSB (em concreto, o Modelo 57), a autoliquidação em causa teve por base a média dos saldos finais do passivo de cada mês relativo às contas do primeiro semestre de 2020.

- Entende, no entanto, a Requerente que o ASSB constitui um imposto que se encontra em total desconformidade com as normas constitucionais, bem como com as normas do direito financeiro, do direito tributário e ainda do direito europeu, bem como com os próprios fundamentos do Direito suprapositivo.

- Discordando, assim, da autoliquidação efectuada, a Requerente apresentou reclamação graciosa, em 15 de Dezembro de 2022, tendo a AT indeferido a mesma apenas por alegada falta de competência para se pronunciar sobre o fundamento da inconstitucionalidade invocado pelo Requerente.

Pelos motivos expostos e pelas razões de direito que melhor se expõem de seguida, a liquidação de ASSB n.º ... não pode prevalecer na ordem jurídica e deverá ser anulada.

 - O ASSB foi criado pelo artigo 18.º e respetivo anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, que procedeu à segunda alteração à LOE 2020, e que aprovou o Orçamento Suplementar para 2020 (“LOE Suplementar 2020”).

- Conforme resulta do artigo 1.º e do artigo 9.º do anexo VI da LOE Suplementar 2020, o ASSB foi criado com o propósito de reforço dos mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, operado através da consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (“FEFSS”) da receita arrecadada com a respetiva cobrança.

- Esta criação do ASSB, bem como a sua aplicação exclusiva ao sector bancário, foi justificada como forma de compensação pela isenção de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando, assim, supostamente, a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores, conforme estabelecido no n.º 2 do artigo 1.º do anexo VI da LOE Suplementar 2020.

- E, não obstante ter sido criado sob a ‘veste’ de um adicional à Contribuição sobre o Sector Bancário, o facto é que o ASSB preenche integralmente as notas típicas que definem o conceito de imposto, bem diferentes daquelas que correspondem ao conceito de tributo bilateral, onde se incluem então as contribuições financeiras a favor de entidades públicas.

- A qualificação do ASSB enquanto imposto resulta claramente do seu regime legal, com a natureza de imposto, bem patente no seu recorte normativo, quer da sua incidência subjetiva e das diversas componentes da sua incidência objetiva, quer da sua administração ou gestão, uma vez que visa a satisfação de necessidades públicas próprias e goza de regulamentação própria.

- Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, do citado anexo VI, da LOE Suplementar 2020, são sujeitos passivos do ASSB (a) as instituições de crédito residentes em Portugal, (b) as filiais em Portugal de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português, e (c) as sucursais em Portugal de instituições de crédito residentes noutros Estados.

- Já em relação à incidência objetiva, determina o artigo 3.º do mesmo anexo que o ASSB incide sobre o passivo apurado e aprovado, deduzido do valor dos fundos próprios e de certos elementos do passivo que contam para o cálculo dos fundos próprios de nível 1 e os fundos próprios de nível 2, bem como sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço, ambos apurados contabilisticamente no final do exercício.

- Entende a Requerente que a criação e o regime do ASSB revela, essencialmente, três vetores de ilegitimidade jurídica, a saber:

  • a sua inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, e ainda, por desvio do poder tributário, violação do princípio da igualdade fiscal e da liberdade de empresa, incluindo as vertentes da capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo lucro real;
  • a sua incompatibilidade com o Direito suprapositivo, i.e. com os princípios básicos ordenadores da praxis social;
  • a sua ilegalidade por violação da lei de valor reforçado que é a LEO, por haver violação do princípio geral da não consignação de receitas.

- No que respeita à inconstitucionalidade da criação e do regime do ASSB:

  • A Requerente defende haver violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal

- A Requerente entende existir, e invoca, a inconstitucionalidade do ASSB, em relação à autoliquidação ora em crise, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal constante do artigo 103.º, n.º 3, da CRP.

- O ASSB assenta sobre um facto tributário de natureza complexa, sendo a base tributável apurada conforme a incidência objetiva prevista no artigo 3.º, em conjugação com o disposto no n.º 4 do artigo 4.º da LOE Suplementar 2020, e calculada por referência à média anual dos saldos finais do passivo de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.

- No entanto, tendo em conta que o regime do ASSB apenas entrou em vigor no segundo semestre de 2020, mais precisamente a 25 de julho de 2020, com publicação em Diário da República a 24 de julho de 2020, o mesmo consagrou, no seu artigo 21.º, várias «Disposições transitórias e finais», as quais ditaram que a liquidação e pagamento do ASSB teria por referência (i) as contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do ASSB devido em 2020 e (ii) as contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do ASSB devido em 2021.

- Assim, pese embora o regime do ASSB tenha entrado em vigor apenas no segundo semestre de 2020, o mesmo prevê a tributação dos saldos do passivo dos meses compreendidos entre janeiro e junho de 2020, ou seja, do primeiro semestre.

- Estas disposições transitórias e finais acrescentam, ainda, no artigo 21.º, n.º 1, alínea b), que a liquidação deve ser efetuada pelo próprio sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial (Modelo 57), cuja entrega era devida até ao dia 15 de dezembro de 2020.

- Ainda assim, é o sujeito passivo obrigado a liquidar o imposto relativo ao primeiro semestre de 2020, muito antes de encerrado o respetivo exercício de 2020, e sempre antes de aprovadas as respetivas contas, sendo que este imposto é criado no segundo semestre de 2020.

- Inexistindo a aprovação de contas, não poderá ser este o facto tributário relevante em sede de ASSB. Esse facto tributário só pode então ser, atendendo à redação do regime do ASSB, o apuramento contabilístico da existência de passivo.

- Ainda que se entendesse que o facto tributário apenas se forma com a média do semestre, isto é, no final do 6.º mês, o ASSB continuaria a ter entrado em vigor após a verificação do facto tributário, sendo, portanto, uma aplicação retroativa de um imposto, o ASSB, sobre factos tributários passados, vedada pela CRP, citando em abono jurisprudência do CAAD.

- Adicionalmente, sempre se há de ter por verificada a violação do princípio da segurança jurídica, na dimensão de princípio da proteção da confiança legítima, sendo assim constitucionalmente ilegítimo o ASSB quando aplicado a todo o ano de 2020.

- Também nesta sede, não vê como possa invocar-se qualquer interesse público, quanto mais um interesse público que se sobreponha à confiança dos contribuintes depositada no comportamento do Estado.

2) Entende, também, a Requerente haver desvio do poder tributário e violação do princípio da legalidade fiscal

- O desvio do poder tributário na criação do ASSB manifesta-se de forma bem visível, uma vez que o legislador, aquando da criação deste imposto, o tentou fazer passar por uma contribuição financeira acessória de outra contribuição – a CSB.

- Tal não é, nem podia ser possível, porque, sendo o ASSB um imposto especial sobre o sector bancário, é totalmente autónomo face à CSB.

- Sendo que um imposto, pela sua própria natureza, não pode ser acessório ou adicional de uma contribuição financeira.

- A técnica legislativa mencionada e merecedora de censura, de tentar habilidosa e artificialmente ligar o ASSB à CSB, viola o procedimento legislativo e o princípio da legalidade fiscal que resulta da conjugação do disposto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

- Apesar de o ASSB ter sido criado por lei, não se consegue entender qual a manifestação de capacidade contributiva das entidades bancárias que se visa atingir com o ASSB, violando-se assim o disposto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP.

- O ASSB é, assim, um imposto discriminatório incidente sobre o sector bancário, violador do princípio da igualdade

3) Entende a Requerente, ainda, haver violação do princípio constitucional da igualdade

- É clara a discriminação do sector bancário relativamente aos restantes sectores económicos da sociedade.

- Com a introdução do ASSB passou a exigir-se mais um imposto ao sector bancário, desta vez para o financiamento da Segurança Social, sem qualquer justificação possível mediante a consignação da receita do ASSB ao FEFSS, como se este sector da atividade económica estivesse em alguma situação de vantagem em sede de contribuições para a Segurança Social que pudesse, de alguma forma, ser entendido como justificativo, o que não se verifica.

- Estamos, portanto, perante uma discriminação que não pode ser permitida, discriminação essa que limita a liberdade de iniciativa económica privada e viola os artigos 13.º e 104.º da CRP, quer na sua dimensão de proibição do arbítrio quer na sua dimensão de respeito pela capacidade contributiva.

- Também tentar justificar a aplicação do ASSB com a isenção de IVA das operações praticadas pelas instituições bancárias é superficial e falacioso, uma vez que a isenção de IVA que recai sobre as operações financeiras é um ónus e não uma vantagem, pois tem como principal efeito a impossibilidade da dedução do IVA incorrido para a realização dessas operações.

- De facto, as operações bancárias e financeiras começaram por ser isentas não por se tratar isenções em benefício de certas actividades de interesse geral (Artigo 13 º, A) da Directiva 77/388/CEE9, mas porque se tratava de operações complexas e difíceis de rastrear.

- Conforme consta das notas explicativas ao Código do IVA de 1985 ‘O dinheiro é uma mercadora sui generis, cujos movimentos são, por vezes, difíceis de acompanhar;”

- Portanto em primeiro lugar convém compreender que a isenção das operações financeiras não foi uma benesse dada ao sector financeiro mas antes a forma de resolver uma dificuldade prática de aplicação do imposto.

- Mais tarde, com a prática da aplicação do IVA, veio a constatar-se que – tratando-se de uma isenção incompleta – os bancos não podiam deduzir o imposto suportado para efectuar a maior parte das suas operações, sendo o IVA debitado pelos fornecedores, afinal, mais um custo da sua actividade.

- Por outras palavras, a isenção das operações financeiras veio afinal a revelar-se um ‘presente envenenado’ que agravou a estrutura dos custos do sector bancário em geral.

- De resto, esta limitação ao nível da recuperação do IVA suportado pelas instituições bancárias não acontece com a generalidade das demais entidades integradas nos restantes setores económicos, as quais podem, regra geral, deduzir o IVA dos seus inputs produtivos e repercutem o IVA nos seus outputs ao consumidor final.

- Além disso, o ASSB promove uma clara violação do princípio da igualdade, constante do artigo 13.º e 104.º da CRP, nas suas vertentes de proibição do arbítrio e de respeito pela capacidade contributiva que, conforme já ficou acima assinalado, pressupõe a obtenção de rendimento, a titularidade ou transmissão de património e/ou a utilização do rendimento ou património na aquisição de bens e serviços.

- Ora, nada disso acontece neste imposto a que se deu o nome de “Adicional de Solidariedade Sobre o Setor Bancário”.

- Ademais, e não menos importante, é o incumprimento do preceito constitucional de acordo com o qual “[a] tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”, conforme consagrado no artigo 104.º, n.º 2, da CRP.

- E de facto, o ASSB não incide sobre qualquer manifestação da capacidade contributiva, como seja o rendimento, o património ou o consumo, incidindo antes sobre os passivos dos bancos.

- Efetivamente, como tributo que é, o ASSB não pode derrogar aquele princípio basilar da tributação das empresas, sob pena de clara inconstitucionalidade.

- Incidindo sobre passivos – maxime os depósitos dos clientes – e não sobre rendimento, o ASSB actua, no fundo, como um agente erosivo dos depósitos e portanto como um factor de descapitalização.

Para a Requerente a criação e o regime do ASSB é ilegítimo por ser incompatível com o Direito suprapositivo, i.e. com os princípios básicos ordenadores da praxis social.

- O ASSB é um imposto sobre o passivo, i.e. sobre valores devidos pelos bancos a clientes e terceiros.

 - Se o legislador decidisse lançar, sobre as empresas, um imposto sobre as dívidas a fornecedores seria um absurdo jurídico.

 - Uma dívida representa uma responsabilidade ou encargo futuro, e não uma vantagem.

- Por isso, à luz do princípio universal da tributação do rendimento ou manifestações deste – património, consumo - procurar onerar uma responsabilidade com um imposto ofende até os princípios mais básicos da sociedade.

- O requerente entende em síntese, que o ASSB se tratou de um desacerto do legislador, que cabe ao jurista e ao julgador frustrar, recusando a aplicação desse regime ilegal.

- Sendo, também, violadora dos princípios da especificação e não consignação de receitas.

- Entende ainda o Requerente que o ASSB viola também o direito orçamental, uma vez que a LOE Suplementar 2020 não respeita as regras da especificação e da não consignação das receitas públicas como constam, respetivamente, do artigo 17.º e do artigo 16.º da LEO, uma lei de valor reforçado, em cumprimento, de resto, do disposto nos artigos 105.º e 106.º da CRP.

- A LEO, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, estabelece, nos termos do seu artigo n.º 1, «os princípios e as regras orçamentais aplicáveis ao setor das administrações públicas», e «o regime do processo orçamental, as regras de execução, de contabilidade e reporte orçamental e financeiro, bem como as regras de fiscalização, de controlo e auditoria orçamental e financeira, respeitantes ao perímetro do subsetor da administração central e do subsetor da segurança social».

- É, assim, ao abrigo da LEO que se regula quer a elaboração do Orçamento do Estado - bem como de eventuais Orçamentos Suplementares - quer a sua execução, por força do disposto no artigo 1.º da mesma e do artigo 106.º da CRP, cuja epígrafe é «Elaboração do Orçamento», e que dita no seu n.º 1 que «a lei do Orçamento é elaborada, organizada, votada e executada, anualmente, de acordo com a respetiva lei de enquadramento, que incluirá o regime atinente à elaboração e execução dos orçamentos dos fundos e serviços autónomos». sendo uma lei de valor reforçado.

- Na redação do artigo 112.º, n.º 3, da CRP, têm valor reforçado entre outras, as leis que por força da Constituição sejam pressuposto normativo necessário de outras leis ou que por outras devam ser respeitadas, como é o caso da LEO em relação às leis que aprovem o Orçamento do Estado.

- Em densificação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 105.º da CRP, que dispõe que «[o] Orçamento do Estado contém: a) A discriminação das receitas e despesas, incluindo as dos fundos e serviços autónomos», apresenta-se a previsão do n.º 2 do artigo 17.º da LEO, que dita que «[a]s receitas são especificadas por classificador económico e fonte de financiamento».

- Ora, nem na LOE 2020, nem na LOE Suplementar 2020, há qualquer referência às receitas deste imposto especial, o ASSB, não sendo possível apurar com a devida segurança e a clareza necessária a caracterização, a natureza e a classificação da receita em causa.

- Estamos, portanto, perante uma violação do princípio da especificação, constante daquele artigo 17.º da LEO.

- Tal determina a nulidade das normas que criam o ASSB e preveem a sua cobrança, por violação do princípio da especificação das receitas, por falta de previsão e de especificação das receitas do ASSB, em virtude de não haver qualquer referência específica ao ASSB nos mapas e desenvolvimentos orçamentais da LOE Suplementar 2020, que o instituiu, em violação do disposto no artigo 105.º, n.º 1 e n.º 3, da CRP, e do artigo 17.º da LEO.

- Esta não é, porém, a única violação da LEO e de princípios que dela resultam ou nela encontram desenvolvimento.

 - O artigo 16.º, n.º 1, da LEO, inserido no capítulo de Princípios orçamentais, sob a epígrafe «Não consignação», que «[não pode afetar-se o produto de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas», estabelece assim a regra geral que dá corpo ao princípio geral da não consignação de receitas orçamentais.

- Ora, em sentido contrário, e em clara violação deste princípio de não consignação de receitas e em violação da LEO, vai o artigo 9.º do Anexo VI da LOE Suplementar 2020 que criou o ASSB, quando dita que a «receita do adicional de solidariedade sobre o setor bancário constitui receita geral do Estado, sendo integralmente consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social», sob a epígrafe «Consignação da receita».

- Entende o Requerente, por conseguinte, haver uma violação frontal do sentido e alcance das normas constitucionais e legais relativas à elaboração, aprovação e execução do Orçamento do Estado, ou, mais especificamente, uma violação direta da LEO e uma violação indireta da CRP e dos princípios constitucionais.

- A Requerente juntou um parecer sobre o regime do ASSB, que foi solicitado pela Associação Portuguesa de Bancos ao Professor José Casalta Nabais, a sufragar os seus pontos de vista.

- Acrescenta ainda a Requerente que o ASSB Incidindo sobre passivos – máxime, os depósitos dos clientes – e não sobre rendimento, actua como um agente erosivo dos depósitos e portanto como um factor de descapitalização.

- Por último, alega a Requerente que, ao tributar responsabilidades (passivos) em vez de rendimento ou manifestações deste, o ASSB é um imposto incompatível até com o Direito suprapositivo, i.e. com os princípios básicos ordenadores da praxis social.

- Terminando por dizer que, dos motivos expostos, afigura-se como justificado o pedido de anulação da autoliquidação de ASSB n.º..., considerando a sua ilegitimidade constitucional, orçamental e europeia, por violação do n.º 2 do art.º 4 da LGT, dos artigos 13º, 103º, 104º, 105º, 106º e 165º da CRP, dos artigos 16º e 17º da LEO e da Directiva 2014/59/EU

No que respeita a juros indemnizatórios, a Requerente diz que, nos termos do art. 43º, n.º 1 da LGT “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

Razão pela qual, tendo a AT indeferido a reclamação graciosa, mantendo ilegalmente na ordem jurídica a liquidação ora impugnada, dúvidas não existem de que o Requerente tem direito ao recebimento de juros indemnizatórios.

 

II. 2. Posição da Requerida

      Alegou, em síntese, a Requerida:

- No ppa, o Requerente defende que o ASSB é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (previsto no art.º 13.º da CRP), princípio da legalidade fiscal, princípio da retroatividade da lei fiscal e o princípio da discriminação orçamental (previsto no art.º 105.º da CRP).

 - Requer assim a anulação da decisão do indeferimento da reclamação graciosa e a anulação do ato de autoliquidação do ASSB, bem como a devolução do valor pago acrescido de juros indemnizatórios.

- Tendo em consideração os argumentos articulados pelo Requerente na petição inicial, seguindo a ordem ali indicada, contesta-se, isoladamente, os fundamentos aduzidos contra o ato de autoliquidação impugnado, chamando à colação o informado e decido no procedimento de reclamação graciosa.

- Adiante-se, desde já, que a AT não contesta a qualificação jurídica do ASSB como imposto.

- Nem o podia fazer, posto que é o próprio legislador que anuncia, logo no artigo 1.º do regime que criou o ASSB, que este se destina a aproximar “a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores”, assumindo-se assim que, no cômputo global da carga fiscal incidente sobre este sector, existe uma vantagem associada à “isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras”.

- O ASSB foi criado no contexto da situação excecional de saúde pública e dos seus profundos reflexos na vida social e económica do país resultantes da pandemia COVID-19.

- Com o objetivo de mitigar os impactos económicos decorrentes da pandemia COVID-19, o Conselho de Ministros, a 4 de junho de 2020, aprovou o Programa de Estabilização Económica e Social, o qual integra, como uma das medidas fiscais, o ASSB.

- Portanto, o ASSB está indissociavelmente associado ao contexto histórico da pandemia COVID-19, como resposta aos custos da resposta à crise pandémica, conforme referido na Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020 (aprova o Programa de Estabilização Económica e Social), que se transcreve:

A pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, para além de consistir numa grave emergência de saúde pública a que foi necessário dar resposta no plano sanitário, provocou inúmeras consequências de ordem económica e social, que igualmente têm motivado a adoção de um vasto leque de medidas excecionais.”

- A concretização do teor programático incluído na Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020 resultou na alteração da Lei n.º 2/2020 (Orçamento de Estado 2020), de 31 de março, pela Lei n.º 27-A/2020 (Orçamento Suplementar 2020), de 24 de julho.

- Neste contexto, o artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho, aprovou o regime do ASSB (Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho), estabelecendo que a sua receita se destina a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, através da sua consignação ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (doravante FEFSS).

- Com efeito, nos termos do artigo 9.º do mesmo regime, a receita do ASSB “constitui receita geral do Estado, sendo integralmente consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.”.

- A sustentabilidade e estabilidade da Segurança Social, sempre em dúvida, é uma preocupação permanente que tem justificado plúrimas iniciativas, bem evidenciadas nas Grandes Opções do Plano para 2017 (Lei n.º 41/2016, de 28 de Dezembro) e para 2018 (Lei n.º 113/2017, de 29 de Dezembro) entre as quais se inclui a diversificação das fontes de financiamento, que constitui um princípio há muito adotado nas Leis de Bases da Segurança Social (artigo 78.º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, artigo 107.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro e artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro).

- Sendo de lembrar que, a par do IVA Social, novas fontes de financiamento da Segurança Social têm sido criadas, contando-se, entre as mais recentes, as receitas do Adicional ao IMI (AIMI) (cfr., n.º 2 do artigo 1.º do CIMI) e a, partir de 2018, a consignação de 2 p.p. das taxas previstas no Código do IRC ao FEFSS.

- Ademais, a consignação das receitas do ASSB está em consonância com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º da Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro (Lei de Enquadramento Orçamental) que integra nas exceções à regra de não consignação “As receitas afetas ao financiamento da segurança social e dos seus diferentes sistemas e subsistemas nos termos legais”.

- Conceptualmente, o ASSB foi configurado como um imposto sobre operações inerentes às atividades financeiras realizadas pelas instituições de crédito, tendo subjacente o desiderato de tributar indiretamente este setor.

- Em suma, o ASSB assume a mesma natureza do imposto cuja isenção visa compensar (o IVA), a de imposto indireto, propondo-se alcançar a manifestação de capacidade contributiva impulsionada pelos fundos obtidos pelas instituições de crédito e instrumentos derivados, através das operações financeiras abrangidas pela incidência do imposto.

- Ora, sendo o IVA uma das fontes de financiamento da segurança social, através da consignação de uma parcela da sua receita (IVA social, regulado pelo artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 367/2007, de 2 de novembro, que estabelece o quadro de financiamento do sistema de segurança social), e encontrando-se os serviços financeiros em larga medida isentos de IVA, é uma opção natural e coerente do legislador, na sua preocupação permanente com a sustentabilidade e estabilidade da segurança social e com a necessidade de diversificação das fontes de financiamento desta, a de criar o ASSB como compensação daquela isenção e de consignar a sua receita ao FEFSS.

Relativamente, à invocada violação da Constituição, em especial do princípio da igualdade, entende a Requerida que:

- O Requerente alega que o regime do ASSB cria uma violação do princípio da igualdade, nas suas vertentes de proibição do arbítrio e da capacidade contributiva.

- Assente que o ASSB é um imposto, importa analisar a sua conformidade com o princípio constitucional da igualdade tributária, para o que teremos de nos socorrer do critério da capacidade contributiva.

- Antes de se analisar o ASSB sob a perspetiva da capacidade contributiva, em particular na sua dimensão aplicável aos impostos indiretos, veja-se se procede a tese do Requerente, segundo o qual o ASSB é um imposto discriminatório porque não abrange outros setores de atividade isentos de IVA.

- E quanto a isto, importa desde já clarificar que a razão de ser da isenção de IVA aplicada genericamente aos serviços financeiros não decorre, como na generalidade isenções de IVA, da prossecução de quaisquer objetivos de política económica, social ou ambiental, mas tão só da dificuldade em determinar o valor tributável em uma parte substancial das suas operações, algo que se mostrava particularmente desafiante nos anos 70, aquando da génese do IVA.

- Segundo o estudo que acompanhou a supracitada comunicação da Comissão Europeia de 2010, cerca de dois terços dos serviços financeiros não terão IVA associado porque operam com base num sistema de margem, o que torna muito difícil aplicar-lhes o método subtrativo indireto que caracteriza o IVA.

E como se concluiu na avaliação de impacto que sustentou a proposta da Comissão Europeia para um FTT harmonizado, em 2011: «a isenção do IVA prevista para uma grande parte dos serviços financeiros assume grande relevância. É possível que da mesma resulte um tratamento preferenbcial do setor financeiro em relação a outros setores da economia, bem como distorções de preços».

- No relatório do Relatório do FMI para o G20, de junho de 2010, vários países reportaram receitas muito significativas de IVA originadas no setor financeiro. Por exemplo, na Austrália, 10% das receitas de IVA provêm de serviços financeiros, no Canadá essa percentagem corresponde a 6,5%, e no México a 7%.

- O que permite enquadrar a afirmação do Requerente como falaciosa – de que o sector financeiro é prejudicado com as isenções de IVA, porque, tratando-se de isenções incompletas, “não permitem a dedução do IVA suportado a montante nas aquisições de bens e serviços necessários à realização da atividade financeira”.

- Ora, esta asserção ignora o facto de que, na atividade financeira, os inputs com IVA são residuais, também eles genericamente isentos de IVA. De resto, os estudos e casos empíricos assinalados refutam esta tese.

- Também não se mostra procedente o argumento de que uma isenção de IVA não beneficia determinado setor porque este imposto apenas onera o consumidor final e não, por regra, as restantes cadeias de transmissão.

- Com efeito, este argumento labora no erro de tomar o conceito de “setor” na perspetiva apenas dos prestadores de serviços, ignorando que a não tributação do valor acrescentado a final em determinado setor, desonera-o objetivamente de tributação.

- Em Portugal, apenas parte da atividade das instituições de crédito é sujeita a tributação indireta, em concreto em sede de imposto do selo.

- É consabido que a isenção de IVA aplicável às operações em que se consubstancia parte do negócio das instituições de crédito– e.g., operações de receção de depósitos, concessão de crédito, cobrança de juros e comissões, garantias  – é, em parte, colmatada pela incidência do imposto do selo, que, aliás, desde a reforma levada a cabo pela lei n.º 150/99, de 11 de setembro, apresenta um mecanismo de funcionamento semelhante ao do IVA, porquanto, o imposto é liquidado e entregue ao Estado pelo sujeito passivo (no caso das operações financeiras, pela entidade concedente do crédito ou pelo prestador dos serviços) e repercutido ao adquirente.

- No entanto, não só as taxas de imposto do selo se afiguram substancialmente inferiores à taxa média do IVA, como ficam de fora da sua incidência as restantes operações em que intervêm instituições de crédito, designadamente transações financeiras, locações financeiras.

- Mais, a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo estabelece uma isenção para «Os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objeto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com exceção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças

- Ou seja, a norma de isenção cobre operações entre instituições financeiras diretamente associadas à concessão de crédito.

- Daqui resulta que as diferentes formas de obtenção de fundos por parte das instituições de crédito (as realizadas no mercado interbancário ou através de aceitação de depósitos ou de contratos de mútuos), não são oneradas com o Imposto do Selo, diferentemente do que ocorre com a quase generalidade das operações de concessão de crédito, incluindo os juros, comissões e garantias associadas.

- Sendo certo que o setor financeiro ocupa uma posição muito relevante na economia portuguesa, a não incidência de tributação indireta sobre uma parte relevante das suas operações, nomeadamente, como é o caso das transações financeiras, das que se traduzem em aplicação de capitais e investimento, poderá suscitar não só questões de perda de receita fiscal e de distorção e desigualdade entre operadores, mas também de desigualdade na distribuição do esforço tributário.

- Na verdade, as isenções em IVA, como, de resto, nos restantes impostos, representam justamente exceções (quando não entorses) ao princípio da igualdade.

- E assim é que, quando o legislador decide atenuar ou eliminar uma delas, em particular quando tal isenção tem a sua razão de ser em limitações intrínsecas à mecânica do imposto (como é o caso da isenção de IVA nos serviços financeiros), o legislador está, na verdade, a repor igualdade, em vez de a constringir.

- Neste particular, cumpre também recordar que a isenção de IVA aplicável aos serviços financeiros constitui um dos principais fundamentos assinalados em experiências internacionais tendo em vista a introdução de impostos indiretos que incidem sobre este setor, designadamente impostos sobre transações financeiras e impostos sobre atividades financeiras. Subjacentes à introdução destes tributos, estão propósitos de justiça fiscal e não, evidentemente, de penalização deste setor.

- Este tipo de tributo, materializado na compensação do erário público pela despesa fiscal associada à isenção de IVA de que beneficiam determinados sujeitos passivos, não é inovador – contrariamente ao que argumenta o Requerente –, particularmente no que concerne à isenção de IVA de que beneficiam, em geral, os serviços financeiros.

- Depois da crise financeira de 2007-2008, o FMI e a Comissão Europeia exploraram soluções, de natureza tributária, tendo em vista reforçar a contribuição do setor financeiro para o financiamento dos custos que os Estados suportaram com a referida crise.

- Um dos pressupostos que legitimava esse contributo adicional era a constatação de que o setor financeiro se encontra, em larga medida, subtributado no âmbito da fiscalidade indireta. Neste contexto, no Relatório do FMI para o G20, de junho de 2010, foi proposta a introdução de dois tipos de tributos:

  • um contributo para a estabilidade financeira, ajustado ao risco que as instituições de crédito assumem, e
  • um imposto sobre atividades financeiras (doravante, na sigla inglesa FAT – “Financial activities tax”), que seria um sucedâneo do imposto sobre o valor acrescentado. Em alternativa ao FAT, foi equacionada a criação de impostos sobre transações financeiras (doravante, na sigla inglesa FTT – “Financial transactions tax”).

- Em sentido semelhante pronunciou-se a Comissão Europeia, na comunicação “A fiscalidade do sector financeiro”, de 07-10-2010, na qual é proposta a criação de um FTT ou, em alternativa, de um FAT “concebido como complemento ao IVA actual”

- Num comunicado do Ministro das Finanças da Alemanha, o então Ministro Olaf Scholz apresentou uma proposta de FTT aos restantes Estados-Membros participantes da cooperação reforçada (em linha com uma prévia abordagem franco-alemã), onde referiu que um FTT «contribui para a tributação justa do sistema financeiro», porque «Ao contrário de outros bens e serviços, a grande maioria dos serviços financeiros não está atualmente sujeita a impostos sobre vendas.» E prossegue: «A Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional também apontam no mesmo sentido. O FTT contribui, assim, para a tributação justa do setor financeiro.»

- No final de 2020, a Comissão Europeia iniciou trabalhos no sentido de apresentar uma proposta de uma nova diretiva para rever o IVA nos serviços financeiros, – as soluções alvitradas em sede de consulta pública passam pela abolição da isenção do IVA ou pela sua redução para os serviços baseados em comissões (cfr. a “Inception impact assessment”). Sendo que a Comissão Europeia tem a expectativa de que tais soluções venham a produzir impactos positivos na receita do imposto.

- Face ao que antecede, a incidência do ASSB sobre o setor financeiro, com o intuito de compensar a isenção de IVA que este atualmente aproveita, permite enquadrá-lo no contexto das atuais dinâmicas políticas e legislativas no sentido de reforçar a tributação indireta do setor bancário, tais como a revisão das regras do IVA no setor financeiro, ou como os impostos sobre as atividades financeiras e os impostos sobre as transações financeiras.

- A este propósito, lê-se na supracitada comunicação da Comissão Europeia de 2010, sobre a tributação do sector financeiro, o seguinte:

«O mundo enfrenta importantes desafios num momento em que os orçamentos públicos estão sob forte pressão em toda a UE. Estes desafios são muitos e variados.

(...)

Para fazer face a estes desafios, há argumentos em favor da revisão da tributação das actividades do sector financeiro. O sector deve dar um contributo justo e substancial para os orçamentos públicos, sendo lícito afirmar que essa contribuição deve ser superior à actual. As razões decorrem da posição particular que o sector ocupa no conjunto da economia, que se tornou tão evidente durante a crise financeira, e do facto de que alguns dos seus serviços estão isentos de IVA.».

- Acresce que, como já antes foi assinalado, a tributação indireta que em Portugal incide sobre o setor financeiro, através do Imposto do Selo, deixa de fora elementos relevantes da atividade das instituições de crédito, como as transações financeiras, sendo que as operações de financiamento das instituições de crédito no mercado interbancário estão também isentas do Imposto do Selo, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS.

- É, por isso, notória a existência, de há uns anos para cá, de uma dinâmica política, em que Portugal tem estado ativamente empenhado, no sentido de incrementar a fiscalidade indireta dos serviços financeiros, que no geral são considerados, nesta vertente, subtributados.

- Verifica-se assim que, também no direito comparado, se encontram impostos que, visando compensar a isenção de IVA, incidem sobre um único setor.

- E vem a propósito dizer também que, além de se mostrar falaciosa a imputação ao ASSB de violação do princípio da igualdade tributária por não abranger outros setores isentos de IVA, não poderá igualmente vingar a tese segundo a qual o ASSB violaria o princípio da segurança jurídica – porquanto há anos que Portugal vem negociando a criação de um imposto que, tal como o ASSB, tem justamente como um dos seus fundamentos a isenção do IVA dos serviços financeiros e, em geral, a subtributação destes no domínio da fiscalidade indireta

Pelo que, também nesta sede, sucumbem os argumentos aduzidos na presente impugnação judicial.

  • Quanto à conformidade com o princípio da igualdade na vertente da capacidade contributiva.

- A este respeito, alega o Requerente, a propósito do ASSB que viola o princípio da capacidade tributária porque os elementos objetivos da sua incidência não têm relação com manifestações de rendimento, património ou despesa o que se não mostra correcto. Com efeito

- São sujeitos passivos do ASSB as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português, e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português, principais beneficiárias da isenção de IVA aplicável às operações  descritas no n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA.

- Como se referiu, a finalidade do imposto encontra-se expressa no próprio articulado do regime, no n.º 2 do seu artigo 1.º, onde se lê:

«O adicional de solidariedade sobre o setor bancário tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores.»

- O ASSB enquadra-se na tipologia de imposto sobre atividades financeiras, assumindo assim a natureza de imposto indireto.

- Ora, a argumentação que o Requerente desenvolve nesta sede avalia o ASSB na perspetiva de um imposto direto, olhando para a capacidade contributiva revelada pelas instituições financeiras.

- Porém, o ASSB tem como objetivo constituir um sucedâneo do IVA no setor financeiro, logo, a sua incidência dar-se-á sobre uma “manifestação mediata” de capacidade contributiva, um proxy que revele, indiretamente, a capacidade contributiva no estádio do consumo final.

- É por esse motivo que, por exemplo, a Diretiva que criou o IVA em 1977 (Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977), visa a “harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios”.

- O ASSB tem como objetivo compensar uma vantagem aferida em termos de carga fiscal global incidente sobre o setor das instituições de crédito associada à aplicação da isenção de IVA sobre um conjunto vasto de operações financeiras, que, como se viu, também são em, em certos casos, desoneradas do imposto do selo.

- E que, portanto, a manifestação de capacidade contributiva sobre que incide o ASSB, revela-se nos efeitos incrementais na atividade desenvolvida, induzidos pelos fundos obtidos de variadas fontes, expressos no passivo das instituições qualificadas como sujeitos passivos.

- Para este efeito, as experiências internacionais mostram que os impostos sobre atividades financeiras, inclusive os que operam como sucedâneos do IVA no setor financeiro, utilizam vários indicadores objetivos que permitem estabelecer uma correlação com o valor acrescentado.

- O legislador nacional, entre vários indicadores possíveis, optou pelo valor do passivo e o valor dos derivados fora do balanço

- Com efeito, o âmbito da incidência objetiva do ASSB, definido no artigo 3.º do Regime, ao assumir o mesmo recorte da CSB, i.e., grosso modo, abarca operações registadas no passivo das instituições de crédito e instrumentos financeiros derivados fora do balanço que não são tributadas em IVA (e, muitas vezes também, como vimos, nem sequer no Imposto do Selo).

- No fundo, o legislador, dentro da liberdade de conformação das normas reguladoras dos tributos, encontrou como fundamento para delinear o âmbito de incidência do novo ASSB, a ausência ou a menor de tributação num imposto indireto – IVA e Imposto do Selo – de determinadas operações.

- Desde logo se diga que, em termos de volume de operações, os derivados são uma fatia muitíssimo relevante das operações que, não sendo tributadas em IVA, sobre elas não incide qualquer tributação indireta.

- Não por acaso, os derivados constituem a componente principal da receita do FTT proposto pela Comissão Europeia em 2011 e o mesmo sucede na proposta atualmente em negociação, no âmbito da cooperação reforçada dos dez Estados-Membros.

- Já o passivo das instituições de créditos mais até do que nas empresas de setores convencionais, mostra-se particularmente revelador da dimensão da sua presença no mercado, inclusivamente em termos que permitem correlacioná-lo com o valor acrescentado que gera e com o montante de operações realizadas no estádio do retalho.

- Nesta escolha da base de incidência do ASSB, no quadro da liberdade de conformação legislativa, pesaram certamente também fatores de operacionalidade do tributo, dada a existência de uma contribuição que incide sobre as instituições de crédito (a CSB), e cujos mecanismos de liquidação e controlo, quer ao nível dos sujeitos passivos, quer ao nível da Autoridade Tributária e Aduaneira, estão já consolidados e em funcionamento desde 2011.

- Ao que acresce, que os elementos subjetivos e objetivos de incidência daquela contribuição financeira se ajustam perfeitamente aos objetivos prosseguidos com um imposto sobre as atividades financeiras.

- Nestes termos, ao fazer coincidir a base de incidência do ASSB com a da CSB, logrou o legislador alcançar significativos ganhos de eficiência, desde logo ao mitigar custos de implementação e contexto, o que se justifica tanto mais pela expressão patentemente residual das receitas fiscais que se estima resultarão deste tributo, especialmente quando comparado com a dimensão do setor financeiro no PIB.

- Ou seja, ao contrário do que afirma o Requerente, não só não houve qualquer arbitrariedade na criação do ASSB, como a sua configuração permite atingir adequadamente as formas de expressão da capacidade contributiva que se propõe enquanto imposto que compensa a isenção do IVA nas operações financeiras, sendo também possível enquadrá-lo em experiências internacionais, algumas das quais, como a cooperação reforçada do FTT-10, em que o Estado português se encontra politicamente empenhado, pelo menos desde 2013, e que, de resto, propôs relançar durante a sua presidência do Conselho da UE, em 2021.

  • Quanto à violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal

- Entende o Requerente que o ASSB tem natureza retroativa ao aplicar-se a factos tributários decorridos antes da sua entrada em vigor, mais concretamente retroatividade autêntica/própria, o que não colhe.

- Resulta do regime jurídico que criou o ASSB (art. 18.º da Lei n.º 27-A/2020), mais precisamente do art. 3.º e do art. 4.º, que a base de incidência do ASSB “é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, takl como aprovadas no ano seguinte”

- No que concerne ao ASSB respeitante ao primeiro semestre de 2020, em causa nos presentes autos, o artigo 21.º da Lei nº. 27-A/2020, estabeleceu um regime transitório:

- O que se constata desde logo é que a base de incidência do ASSB para o primeiro semestre de 2020 é a que resulta dos artigos 3.º e 4.º do respetivo regime, por remissão expressa da al. a) do n.º 1 do artigo citado.

- Nos termos do artigo 3.º do regime do ASSB, a base de incidência do imposto coincide com o «passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios (…)».

- Nos termos do n.º 4 do artigo 4.º do regime do ASSB, aquela base de incidência é «calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.».

- Por esse efeito, o que releva na formação do facto tributário sujeito a ASSB é o momento do apuramento e aprovação das contas e não o «facto material de contabilisticamente ser apurada a existência de passivo», citando jurisprudência nesse sentido.

- O mesmo se aplica, portanto, ao ASSB relativo ao primeiro semestre de 2020, que, por remissão expressa da alínea a) do artigo 21.º da Lei nº. 27-A/2020, incide sobre a «base de incidência apurada nos termos dos artigos 3.º e 4.º do regime».

- Significa isto que o ASSB do primeiro semestre de 2020 não deixa de incidir outrossim sobre «os passivos apurados e aprovados» pelo sujeito passivo [deduzidos dos fundos próprios de base (Tir 1), dos complementares (Tier 2) e dos depósitos abrangidos do Fundo de Garantia de Depósitos].

- Implica também que, na formação do facto tributário do ASSB relativo ao primeiro semestre de 2020, não se prescinde dessas “complexas operações de avaliação” nem se pode deixar de ter em conta os “ajustamentos posteriores à data de balanço”.

- O que se estabelece naquela alínea a) do artigo 21.º da Lei nº. 27-A/2020, é a forma de “cálculo” daquela base de incidência, feito com referência à média semestral dos saldos finais de cada mês que tenham correspondência, - não nas contas do ano seguintes, como se verifica no ASSB incidente sobre as contas anuais (artigo 4.º n.º 4 do regime) - mas nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, «tal como publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco de Portugal sobre os elementos de prestação de contas.»

- Ora, do Aviso do Banco de Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, resultam obrigações de prestação de contas intercalares que impendem sobre os sujeitos passivos do ASSB, cujos relatórios são objeto de divulgação pública e que, necessariamente, são objeto de operações de apuramento e aprovação em termos equivalentes às contas anuais.

- Por outro lado, é factual que o balanço de final de cada período (quer seja anual ou trimestral) só fica 'fechado' com a divulgação de contas, o que implica que possa haver (e há, por norma) ajustamentos com base em análises mais aprofundadas feitas às contas (e.g. imparidades), que mudem o valor do balanço ou dos resultados face à fotografia inicial.

- Não por acaso o legislador remete expressamente o cálculo da base de incidência do ASSB do primeiro semestre de 2020 para uma obrigação de prestação e divulgação de contas que vincula legalmente as instituições financeiras sujeitas ao ASSB.

- Tal obrigação de prestação e divulgação de contas, os chamados relatórios intercalares, é obviamente sujeita a aprovação pelo sujeito passivo – ao contrário do que se diz na decisão ora recorrida.

- Trata-se de uma evidência, que pode ser constatada em qualquer relatório intercalar de instituições financeiras publicados online, nos quais, em todos eles sem exceção, é referida a aprovação das contas com referência a 30 de junho do mesmo ano.

- Mas mesmo que se entenda inexistir uma obrigação legal de aprovação de contas, não significa que as contas intercalares não sejam aprovadas – que o são – e muito menos que não sejam objeto de operações de apuramento em termos equivalentes às contas anuais – que também o são.

- A base de incidência do ASSB respeitante ao primeiro semestre de 2020 corresponde ao “passivo apurado e aprovado” pelos sujeitos passivos nas suas contas intercalares, facto tributário que se objetiva e emerge na ordem jurídica com o apuramento e aprovação das contas, necessariamente posteriores à entrada em vigor da Lei nº. 27-A/2020, 24 de julho, e ao início de vigência do regime do ASSB.

- Em face do exposto, é forçoso concluir que, no momento em que entrou em vigor o regime do ASSB, ainda não tinha ocorrido facto que determina o pagamento do imposto.

- Pelo que não se verifica a violação do princípio proibição da retroatividade da lei fiscal (art. 103º n.º 3 da CRP), nem do princípio da proteção da confiança (como se reforçará de seguida), não se podendo assacar ao ato impugnado o vício de inconstitucionalidade do ASSB.

  • Quanto à alegada violação da lei de enquadramento orçamental

- Vem o Requerente invocar a violação da Lei de Enquadramento Orçamental (doravante LEO), nomeadamente, a violação do princípio da não consignação de receitas e o princípio da especificação orçamental.

  • Da violação do princípio geral da não consignação de receitas

- Entende o Requerente que, estando perante um imposto, ocorre violação do princípio da não consignação de receitas, pela alocação da cobrança do ASSB ao FEFSS, o que determina a violação de um princípio fundamental da gestão financeira do Estado e que deve ser respeitado.

- Antes de mais, recorde-se que o fundamento para a criação do ASSB consiste na compensação da “isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços financeiros”.

 - E que o IVA é, desde 1995, uma das fontes de financiamento da segurança social, através da consignação de uma parcela da sua receita.

 - Compreende-se assim que, encontrando-se os serviços financeiros em larga medida isentos de IVA, e que sendo o IVA uma das fontes de financiamento da segurança social, seja a receita do ASSB afetada ao financiamento desta, num momento de enorme pressão sobre o seu orçamento, resultante do aumento das suas despesas e redução de receitas, em virtude do aumento do desemprego e redução salarial.

 - Ora, o ASSB foi concebido justamente com o objetivo de reforçar o financiamento do sistema público de segurança social, exigido pela situação de crise económico-financeira atual, resultante da atual crise sanitária, como contrapartida da isenção de IVA de que beneficiam os sujeitos passivos deste imposto.

 - Relativamente ao respaldo legal desta opção legislativa, a mesma decorre da alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º da LEO, que configura uma exceção ao princípio da não consignação, formulada nos seguintes termos: “c) As receitas afetas ao financiamento da segurança social e dos seus diferentes sistemas e subsistemas, nos termos legais;”.

 - Como se pode verificar, consubstancia uma exceção ao princípio da não consignação a afetação de receitas ao financiamento dos sistemas e subsistemas da segurança social

 - O Sistema de Segurança Social é aquele que pretende assegurar direitos básicos dos cidadãos e a igualdade de oportunidades, bem como, promover o bem-estar e a coesão social entre todos os cidadãos portugueses ou estrangeiros que exerçam atividade profissional ou residam no território português.

 - Conforme supra contestado, o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social é um património autónomo que tem por objetivo assegurar a estabilização financeira do sistema contributivo de Segurança Social, constituindo-se como uma reserva.

 - Ora, o n.º 1 e n.º 5 do artigo 90.º da Lei de Bases da Segurança Social, Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, sob a epigrafe “Formas de financiamento”, dispõe que:

“1 - A protecção garantida no âmbito do sistema de protecção social de cidadania é financiada por transferências do Orçamento do Estado e por consignação de receitas fiscais.

(…)

5 - Podem constituir ainda receitas da acção social as verbas consignadas por lei para esse efeito, nomeadamente as provenientes de receitas de jogos sociais.” (sublinhado nosso).

 - Assim, o Financiamento da Segurança Social está regulado no Capítulo VI da Lei de Bases da Segurança Social e obedece a dois princípios, o princípio da diversificação das fontes de financiamento e o princípio da adequação seletiva.

 - O primeiro implica ampliação das bases de obtenção de recursos financeiros tendo em vista, designadamente, a redução dos custos não salariais da mão-de-obra. Retira-se deste princípio que o financiamento da segurança social deve consistir de diversas fontes que não apenas as resultantes do trabalho.

 - Assim sendo, a segurança social não apresenta unicidade na sua forma de financiamento, recorrendo desde transferências do OE, a consignação de receitas fiscais e a contribuições.

 - Como resultado do princípio de diversificação das fontes de financiamento, a segurança social apresenta, na própria LBSS, art.º 92, as diversas fontes admissíveis para o seu financiamento.

 - Como tal, constituem fontes de financiamento, as quotizações dos trabalhadores, as contribuições das entidades empregadoras, as transferências do Estado e outras entidades públicas, as receitas fiscais legalmente previstas, os rendimentos de património próprio e os rendimentos do património consignados ao reforço do fundo de estabilização financeira da segurança social, o produto de comparticipação previsto na lei ou regulamentos, o produto de sanções pecuniárias, as transferências de organismos estrangeiros e o produto de eventuais excedentes da execução do OE de cada ano, bem como outras legalmente previstas ou permitidas.

 - Perante o exposto, assente que o ASSB é consignado, por lei, ao FEFSS, é inequívoco que se enquadra na exceção ao princípio da não consignação de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas, contemplada na alínea c) do artigo 16.º da LEO.

- Pelo mesmo motivo também não colhe a argumentação expendida na petição inicial relativamente ao carácter excecional e temporário da medida, nos termos da alínea f) do n.º 2 e n.º 3 do artigo 16.º da LEO.

Pelo que, também neste aspeto, improcede a argumentação do Requerente, devendo manter-se na ordem jurídica a autoliquidação impugnada.

  • Da violação da especificação orçamental

- Alega também o Requerente que o ASSB viola o princípio da especificação orçamental, uma vez que nos mapas orçamentais do Orçamento de Estado para 2020 e no Orçamento Suplementar para 2020 não há qualquer referência específica ao ASSB.

- Ora, antes de avançar cumpre esclarecer que o ASSB foi aprovado pela Lei n.º 27-A/2020 (Orçamento Suplementar 2020), de 24 de julho, que alterou a Lei n.º 2/2020 (Orçamento de Estado 2020), de 31 de março, bem como o Orçamento da Segurança Social (Mapa X -Receitas e Mapa XI – Despesas), havendo a assinalar que a estimativa de receita do ASSB foi incluída no Mapa X – Receitas da Segurança Social por Classificação Económica, rúbrica 06 – Transferências correntes – Estado.

- No entendimento do Requerente, não se afigura possível averiguar se a receita proveniente do ASSB se encontra classificada no OE, ou seja, se de facto se verifica a habilitação necessária para a sua cobrança.

Ora, o artigo 105.º da CRP, sob a epigrafe “Orçamento” dispõe que:

“1. O Orçamento do Estado contém:

a) A discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos;

b) O orçamento da segurança social.

2. O Orçamento é elaborado de harmonia com as grandes opções em matéria de planeamento e tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato.

3. O Orçamento é unitário e especifica as despesas segundo a respectiva classificação orgânica e funcional, de modo a impedir a existência de dotações e fundos secretos, podendo ainda ser estruturado por programas.

4. O Orçamento prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas, definindo a lei as regras da sua execução, as condições a que deverá obedecer o recurso ao crédito público e os critérios que deverão presidir às alterações que, durante a execução, poderão ser introduzidas pelo Governo nas rubricas de classificação orgânica no âmbito de cada programa orçamental aprovado pela Assembleia da República, tendo em vista a sua plena realização.”

- O artigo 106.º da Constituição da República Portuguesa consagra o princípio orçamental da anualidade, ao estabelecer no n.º 1 que “a lei do Orçamento é elaborada, organizada, votada e executada, anualmente...”, e a LEO consagra esse princípio de anualidade no artigo 14.º, ao afirmar que o “Orçamento do Estado e os orçamentos dos serviços e das entidades que integram o sector das administrações públicas são anuais”.

A regra da anualidade desdobra-se em dois aspetos: a votação anual do Orçamento pela Assembleia da República e a execução anual do Orçamento pelo Governo e Administração Pública.

- Como supra referido, o artigo 18.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho (Orçamento de Estado Suplementar 2020), aprovou o regime do ASSB (Anexo VI da Lei n.º 27-A/2020, de 24 de julho), cuja receita é adstrita a contribuir para suportar os custos da resposta pública à atual crise, através da sua consignação ao FEFSS.

- Assim, o Requerente não tem razão, dado que, o ASSB foi aprovado no âmbito do Orçamento Suplementar de 2020 pela Assembleia da República, verificando-se assim que este órgão soberano, concedeu autorização à Administração Tributária para a liquidação e cobrança do ASSB no ano de 2020, citando para o efeito doutrina e jurisprudência.

- Do exposto podemos concluir que, em primeiro lugar, tendo em conta o princípio da anuidade, a Assembleia da República concedeu autorização à Administração Tributária para a liquidação e cobrança do ASSB no ano de 2020.

- Em segundo lugar, a inscrição orçamental do ASSB, enquanto receita, constitui uma autêntica previsão, porquanto não é possível, como pretende o Requerente, a inscrição do valor exato a arrecadar com o ASSB.

- E, não podemos deixar de anotar que «o orçamento deve especificar ou individualizar de forma suficiente mas não exaustiva as receitas e as despesas previstas.»

- Conclui-se que o ASSB está devidamente autorizado pelo Orçamento de Estado Suplementar de 2020, e suficientemente discriminada uma vez que se trata de uma receita, o que significa que o valor inscrito é uma previsão do valor a arrecadar para o FEFSS.

Assim, se conclui que não tem razão o Requerente, e, por conseguinte, a autoliquidação impugnada deve manter-se válida na ordem jurídica e produtora dos seus efeitos.

- Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, o Requerente pagou o ASSB em causa, e, a final, solicita «a restituição da quantia indevidamente paga, acrescida de juros indemnizatórios»

Conforme contestado, afigura-se não existir qualquer erro de facto e ou de direito na autoliquidação impugnada que leve à procedência da impugnação judicial.

Assim, o valor pago a título de ASSB era devido e foi pago corretamente, de que resulta a impossibilidade de este pedido proceder.

- De qualquer modo, a AT está vinculada ao princípio da legalidade previsto no art. 55º da LGT, e o art. 3º n.º 1 do CPA (que é aplicável subsidiariamente às relações jurídico-tributárias ex vi alínea c) do art. 2.º da LGT) especifica que “Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins.”

- Da citada norma resulta que o princípio da legalidade, consubstanciando-se na obediência à lei e ao direito, não se limita ao dever de acatamento da lei em sentido estrito, abrangendo também a subordinação a todos os valores jurídicos, normativos ou não, como as normas e princípios de direito internacional e comunitário, as normas regulamentares, as situações definidas judicial ou administrativamente e as obrigações contratualmente assumidas.

- Acresce ainda que, na aplicação da legalidade, tanto pela administração como pelos tribunais, não pode ser encarada isoladamente cada norma que enquadra uma determinada actuação da administração, antes terá de se atender à globalidade do sistema jurídico com primazia para o direito constitucional.

- A subordinação da atividade da Administração à Constituição e à lei emerge, desde logo, do disposto no n.º 2 do art. 266º da CRP.

- Pelo que, é inequívoco, que a AT está obrigada a aplicar os diplomas legais criados pela Assembleia da República e pelo Governo, estando-lhe, consequentemente, vedado anular a autoliquidação em crise, dado que não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (arts. 281º e 282º da CRP), ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (art. 18º da CRP), o que não é o caso.

- Pelo que, contrariamente ao afirmado pelo Requerente, o erro não pode ser imputável à AT, mesmo tendo sido chamada a pronunciar-se em sede de Reclamação Graciosa, e tendo decidido indeferir o pedido feito pelo Requerente naquela.

- Assim, a ser procedente a impugnação judicial, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43º n.º 1 da LGT é totalmente ilegal, porque inexistiu erro imputável aos Serviços.

- Acresce que, também, a AT não pode ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do art. 43º n.º 3 al. d) da LGT, por esta condenação ser ilegal, decorrente da inconstitucionalidade daquela norma, por violação dos arts. 281º, 282º e 18º da CRP, nos termos supra referidos, dado que a AT não tinha disponibilidade legal de decidir de modo diferente, sob pena de violação dos identificados preceitos constitucionais.

- Nesta exata medida, a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios ao Requerente, em caso de vencimento na impugnação, é violadora do princípio da proporcionalidade (art. 18º n.º 2 da CRP), uma vez que não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu, sendo, contudo, sancionada com o pagamento de juros indemnizatórios.

- Ou seja, há falta de correspondência entre o objetivo dos juros indemnizatórios, que é reparar a privação indevida de meios financeiros do Contribuinte, e uma atuação da AT que lhe impute culpa na privação desses meios financeiros.

- Assim, afigura-se que em caso de vencimento do Requerente, o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios deve ser indeferido, porque não existe erro imputável aos serviços, nos termos do art. 43º n.º 1 da LGT, e cautelarmente, dado que a aplicação do art. 43º n.º 3 al. d) da LGT é ilegal e inconstitucional, por violar os arts. 281º, 282º e 18º da CRP, nos termos supra contestados,

– Em conclusão, a Requerida pede que o ppa deva ser julgado improcedente e, consequentemente, absolvida de todos os pedidos com as legais consequências.

 

II. 3. Questões a decidir

      Face às posições assumidas pelas Partes conforme os argumentos apresentados, são as seguintes questões que cabe apreciar e decidir:

     1 – Questões Principais:

      - Se a norma transitória do art. 21º, nº 1, alínea a) da Lei nº 27-A, dede 24 de Julho, é inconstitucional, na parte em que se refere ao cálculo do imposto relativo ao primeiro semestre do ano de 2020, por violação do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal, consagrado no art. 103º, nº 3, da Constituição.

      - Se as normas conjugadas dos arts. 1º, nº 2, 2º e 3º, nº 1, alínea a) da Lei nº 27-A/2020, de 24 de Julho, são inconstitucionais, por violação do princípio da igualdade, na dimensão da proibição do arbítrio e por violação do princípio da capacidade contributiva, enquanto decorrência do princípio da igualdade contributiva.

     2 – Juros indemnizatórios – Existência, ou não, do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo dos art. 24º do RJAT e art. 43º da LGT, no caso de ser anulada a liquidação e determinado o reembolso da importância peticionada, que teria sido indevidamente paga, e a partir de que momento.

     3 – Responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais.

 

III. – Saneamento

     1. O Tribunal Arbitral está regularmente constituído e é material competente, de acordo com o disposto na alínea a), do nº 1, do art. 2º do RJAT (Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro).

      2. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, nos termos dos arts. 4º e 10º, nº 2 do RJAT e art. 1º da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março.

        3. O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.

 

IV. – MATÉRIA DE FACTO

IV. 1 – Factos provados

     Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, o Tribunal dá como provado os seguintes factos:

 

1 – A Requerente é uma instituição de crédito residente em Portugal, do tipo previsto na alínea a) do art. 3º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-lei nº 298/92, de 31 de Dezembro e cujo objecto social consiste no exercício da actividade bancária, incluindo todas as operações compatíveis com essa actividade e permitidas por lei.

2 – Enquanto Banco, a Requerente foi sujeita ao pagamento do ASSB, criado e disciplinado pelo art. 18º e pelo anexo VI da Lei nº 27-A/2020.

3 – Em 15 de Dezembro de 2020, a Requerente procedeu à autoliquidação do ASSB de 2020, através da entrega da declaração Modelo 57.

4– Nesse mesmo dia, a Requerente pagou o montante de ASSB liquidado, no valor de 134.137,35 euros.

5 – A Requerente apresentou em 15 de Dezembro de 2022 a Reclamação Graciosa nº ...2022..., a qual foi indeferida pela Autoridade Tributária, conforme notificação de 20 de Fevereiro de 2023, baseada na Informação dos respectivos Serviços.

6 – Em 19 de Maio de 2023, a Requerente apresentou o Pedido de Pronúncia Arbitral.

 

IV. 2. Factos não provados

Não há factos não provados com relevância para a decisão.

 

IV.3. Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto

     Os factos dados como provados estão baseados no processo administrativo e nos elementos factuais carreados para o processo pelas Partes, na medida em que a sua adesão à realidade não foi questionada

 

V. MATÉRIA DE DIREITO

     Fixada a matéria de facto, procede-se, de seguida, à sua subsunção jurídica e à determinação do Direito a aplicar, tendo em conta as questões a decidir que foram enunciadas.

     As orientações arrogadas pela Requerente e pela Requerida quanto a esta matéria e a sua fundamentação estão expostas, em síntese, ou com parcial transcrição, em E. e F. do Relatório desta Decisão Arbitral.

 

    Cumpre, então, decidir:

 

     No Pedido de Pronúncia Arbitral, a Requerente que, enquanto Banco, efectuou em 15 de Dezembro de 2020 a autoliquidação do ASSB, referente ao ano de 2020, através da declaração Modelo 57, tendo pago no mesmo dia, veio, após ver indeferida, conforme notificação de 20 de Fevereiro de 2023, a Reclamação Graciosa, que apresentou contra a legalidade deste tributo em 15 de Dezembro de 2022, requerer que o tribunal arbitral julgue procedente, por provada, esta acção, anulando a liquidação do ASSB e condenando a Requerida no reembolso da quantia que tinha pago, acrescida de juros indemnizatórios e no pagamento de demais encargos, designadamente, das custas.

     Entende a Requerente que a criação e o regime do ASSB são ilegítimos por três ordens de razões:

 - a sua inconstitucionalidade, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, e ainda, por desvio do poder tributário, violação do princípio da igualdade fiscal e da liberdade de empresa, incluindo as vertentes da capacidade contributiva e da tributação das empresas pelo lucro real  - a sua incompatibilidade com o Direito suprapositivo, i.e. com os princípios básicos ordenadores da praxis social -  a sua ilegalidade por violação da lei de valor reforçado que é a LEO, por haver violação do princípio geral da não consignação de receitas.

     Assim sendo, procede-se de seguida, de forma resumida, e, em termos gerais, à determinação do regime jurídico do ASSB, de modo a verificar-se se a liquidação, em apreço, padecerá de ilegalidade, designadamente, das inconstitucionalidades que a Requerente lhe aponta.

     O ASSB foi criado pelo artigo 18.º da Lei nº 27-A/2020, de 29 de julho, que altera a Lei do Orçamento do Estado para 2020 (Lei nº 2/2020 de 31 março), constando o seu regime jurídico do Anexo VI a essa Lei.

     O objetivo prosseguido com a sua criação foi o de reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável a generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais sectores (art. 1º, nº 2).

        Nesta conformidade, o ASSB tem como sujeitos passivos as instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português, as filiais em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português e as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efectiva fora do território português, nos termos do seu art. 2º, nº 1.

     O seu âmbito de incidência objetiva é o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos e o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanco, apurado pelos sujeitos passivos, com as especificações constantes do artigo 3.º

     A quantificação da base de incidência consta do art. 4.º do anexo VI da Lei nº 27.º -A/2020, cujo nº 1 estabelece como passivo “o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros”, com as excepções constantes das diversas alíneas desse número, e como instrumento financeiro derivado, o que seja qualificado como tal pelas normas de contabilidade aplicáveis, com exceção dos instrumentos financeiros derivados de cobertura ou cujas posições em risco se compensem mutuamente (art. 4.º, nºs 1, 2 e 3).

 

      Por sua vez, o nº 4 deste art. 4.º esclarece, ainda que a base de incidência apurada nos termos do artigo 3.º e dos números anteriores é calculada por referência a média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas anuais do próprio ano a que respeita o adicional, tal como aprovadas no ano seguinte.

     Sendo que os arts. 5.º, 6.º, 7.º e 8.º referem-se, respectivamente, às taxas aplicáveis à base de incidência e aos procedimentos de liquidação e cobrança, e o art. 9.º, sob epígrafe “Consignação da Receita”, estabelece que a receita do ASSB constitui receita geral do Estado, sendo integralmente consignado ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social.

     Para se proceder à análise da situação em apreço, e pela sua indubitável relevância na apreciação do objecto do processo, transcreve-se da norma transitória constante do art. 21º o disposto no seu nº 1 e as suas duas primeiras alíneas:

Artigo 21

Disposição transitória

1 - Em 2020 e 2021, a liquidação e o pagamento do adicional de solidariedade sobre o setor bancário previsto no regime que consta no anexo VI à presente lei efetua-se de acordo com as seguintes regras:

a) A base de incidência apurada nos termos dos artigos 3º e 4º do regime é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020, e nas contas relativas ao segundo semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2021, publicadas em cumprimento da obrigação estabelecida no Aviso do Banco Portugal n.º 1/2019, de 31 de janeiro, que atualiza o enquadramento normativo do Banco Portugal sobre os elementos prestação de contas:

b) A liquidação é efetuada pelo próprio sujeito passivo, através de declaração de modelo oficial aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças que deve ser enviada até o dia 15 dezembro de 2020 e 2021, respetivamente;

 

      Concluída que foi a determinação do quadro normativo regulador do ASSB, passemos a analisar a situação em apreço, começando pelas invocadas inconstitucionalidades de que a Requerente diz o mesmo padecer.

 

Em primeiro lugar tem-se por assente que o ASSB é um imposto, o que, aliás foi reconhecido por ambas as Partes, que é autónomo da CSB (Contribuição do Sector Bancário), apesar da haver uma aparente coincidência no que concerne à base de incidência objectiva e subjectiva, e de o legislador o ter apelidado de “Adicional” porquanto visa a satisfação de necessidades públicas próprias e tem regulamentação própria, conforme se viu.

Ora, quando esteja em causa a liquidação do ASSB devido no ano se 2020, como é o caso dos autos, não existe coincidência quanto ao método de quantificação da base de incidência.

Com efeito, e no ponto em que nos interessa, a referida norma transitória do art. 21º da lei em apreço, estabelece na alínea a) do seu nº 1, que “A base de incidência apurada nos termos dos artigos 3º e 4º do regime é calculada por referência à média semestral dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas relativas ao primeiro semestre de 2020, no caso do adicional de solidariedade devido em 2020…”

A Requerente, que procedeu à autoliquidação do ASSB referente ao ano de 2020, no dia 15 de Dezembro de 2020, tendo nessa data efectuado o respectivo pagamento, invoca ser inconstitucional a referida alínea a), do nº 1 do art. 21º da lei em referência, por violar o princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal consignado no art. 103º, nº 3 da Constituição da República.

E tem razão. Com efeito, resulta desta mencionada disposição legal, que o facto tributário que origina o imposto, no que ao primeiro trimestre de 2020 diz respeito, não é a aprovação de contas, que não existe, uma vez que o sujeito passivo está obrigado a fazer a autoliquidação até 15 de Dezembro de 2020, mas o facto material de ser apurado contabilisticamente a média dos saldos do passivo, nos termos dos arts. 3º e 4º do Anexo VI.

Ora, tal facto, necessariamente, ocorreu antes da vigência da lei em apreço, quer se tenha em conta o que se verifica no final de cada um dos meses de Janeiro a Junho de 2020, quer no final deste primeiro semestre, pela determinação da média desses passivos.

Resulta, assim, claro, que, na data em que é liquidado o ASSB referente ao primeiro semestre de 2020, ainda não se encontra encerrado o exercício, nem aprovadas as contas, pelo que a verificação do passivo é efectuada através de dados inscritos na contabilidade, anteriores à criação e entrada em vigor deste imposto, pelo que é indubitável a sua aplicação retroactiva.

     Nestas circunstâncias, e, em conclusão, procede a invocada inconstitucionalidade das normas da Lei nº 27-A/2020, de 24 de julho, que determinam a sua autoliquidação até 15 de Dezembro de 2020, relativamente às contas do primeiro semestre de 2020 (art. 21º, nº 1, alíneas a) e b), em virtude do facto tributário gerador da obrigação da liquidação e pagamento, o apuramento contabilístico de saldos passivos no final de cada um dos meses e no final desse primeiro semestre, ter ocorrido antes da entrada em vigor da lei em apreço, sendo, assim violado o princípio da não retroactividade da lei fiscal consagrado no art.103º, nº 3 da Constituição

     Razão pela qual, a mencionada liquidação deve ser anulada, bem como a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, e, consequentemente, restituído à Requerente pela Autoridade Tributária o imposto que foi por esta indevidamente pago, ficando, deste modo prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pela Requerente.

 

VI. RESTITUIÇÃO DO VALOR DO IMPOSTO INDEVIDAMENTE PAGO E JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Pretende a Requerente, com a procedência do pedido, o reembolso do imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios que pagou em 15 de Dezembro de 2020.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em harmonia com o disposto no artº 100.º da LGT, aplicável por ex vi artigo art.º 29º, nº 1 a) do RJAT.

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

    Quanto aos juros indemnizatórios, esta matéria está regulada no art. 24º do RJAT, que no seu nº 5, que “É devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

     Também o art. 100º da LGT, cuja aplicação é autorizada pelo disposto no art. 29º, nº 1, alínea a) do RJAT, preceitua de modo idêntico, no sentido da imediata reconstituição da legalidade, compreendendo a mesma o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso.

     Por seu lado, o art. 43º, nº 1 da LGT condiciona o direito a juros indemnizatórios aos casos em que “houve erro imputável aos serviços de que resulta pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

     Analisada a situação, verifica-se que o erro que afecta a liquidação é imputável à Autoridade Tributária que, ao manter a liquidação ora anulada, indeferindo a reclamação graciosa apresentada pela Recorrente contra a liquidação do ASSB, defendeu a aplicação da norma legal julgada inconstitucional.

     Assim sendo, há lugar, sequentemente à declaração de ilegalidade do acto de autoliquidação de ASSB e satisfazendo o pedido da Requerente, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das disposições combinadas dos arts. 24º, nº 5 do RJAT, 43º, nº 1, da LGT e 61º, nº 5, do CPPT, a contar a partir da data do pagamento indevido até à data do processamento da respectiva nota de crédito, à taxa dos juros legais, nos termos dos arts. 35º, nº 10 e 43º, nº 4, da LGT.

 

VII. DECISÃO

     Atento o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide:

   a) - Declarar inconstitucional a norma transitória do art. 21º, nº 1, alínea a) da Lei 27-A/2020, de 24 de Julho na parte em que se refere ao cálculo do imposto no primeiro semestre de 2020, por violação do princípio da proibição de retroactividade dos impostos, consagrado no art. 103º, nº 3 da Constituição.

    b) - E, em consequência, anular a liquidação de ASSB nº ..., no valor de 134.137,35 euros, bem como a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa contra ela deduzida, julgando-se procedente a restituição do imposto pago.

c) - Julgar procedente o pedido do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente, a partir da data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

    d) - Condenar a Requerida a pagar as custas do presente processo (art. 527º, nºs. 1 e 2 do Código do Processo Civil, ex vi art. 29º, nº 1, alínea e) do RJAT).

 

VIII. VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC (ex. 315º, nº 2) e 97º - A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 134.137,35 euros.

 

IX. CUSTAS

De harmonia com o nº 4 do art. 22º do RJAT, fixa-se o montante das custas em 3.060,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

      Notificação do Ministério Público.

Nos termos do disposto no art. 17º, nº 3 do RJAT, notifique-se o representante do Ministério Público para os efeitos do recurso previsto no nº 3, do art.72º da Lei do Tribunal Constitucional 

 

Notifique-se.
 

Lisboa, 16 de Janeiro de 2024

 

Os Árbitros

 

 

___________

(Regina de Almeida Monteiro - Presidente)

 

 

(Fernando Miranda Ferreira - Adjunto)

 

 

________________

(José Nunes Barata – Adjunto e Relator)

 

  (Redacção pela ortografia antiga)