SUMÁRIO:
A excepção de litispendência assenta num critério não apenas formal, dos seus pressupostos referidos no artigo 581º do Código de Processo Civil, mas também, e essencialmente, substancial/ material, atento o disposto no º 2 do artigo 2º do artigo 580º, onde se afirma que a litispendência tem por finalidade evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.
DECISÃO ARBITRAL
I-RELATÓRIO
1. A...,S.A., (doravante designada por Requerente ou sujeito passivo), pessoa colectiva nº..., com sede no ..., ..., nº..., ..., ...-... Lisboa, apresentou em 2023-05-25 pedido de constituição de tribunal arbitral tributário singular, e consequente pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto da alínea b) o nº 1 do artigo 2º, alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, (doravante referido por RJAT), e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112/A, de 2 de Março, em que é requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à anulação dos actos de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”), melhor identificados como segue:
1.1. Liquidação de IMT nº ..., na qual se apurou o montante total a pagar de 7.445,43 €, cuja data limite de pagamento ocorreu em 28.02.2023;
1.2. Liquidação de IMT nº..., na qual se apurou o montante total a pagar de 1.032,96 €, cuja data limite de pagamento ocorreu em 28.02.2023;
1.3. Liquidação de IMT nº..., na qual se apurou o montante total a pagar de 303,78€, cuja data limite de pagamento ocorreu em 02.03.2023;
1.4. Liquidação de IMT nº ..., na qual se apurou o montante total a pagar de 1.079,69 €, cuja data limite de pagamento ocorreu em 31.03.2023, totalizando o valor global das mencionadas liquidações é de 9.861,86 €.
2. O pedido de constituição de tribunal foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2023-05-26 e notificado à Requerida em 2023-05-30 nos termos legais nessa mesma data.
3. Nos termos, e para efeito do disposto na alínea a) do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário, que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo, no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.
4.Em 2023-07-13 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº 3, alíneas a) e b) do RJAT, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5. O tribunal arbitral singular ficou constituído em 2023-07-31, de acordo com a prescrição da alínea c) artigo 11º do RJAT, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
6.Devidamente notificada para tanto através de despacho proferido em 2023-07-31 a Requerida após pedido de prorrogação em 2023-09-27 apresentou em 2023-10-23 a sua resposta, juntamente com o processo administrativo.
7. Por despacho proferido em 2023-11-22, devidamente notificado às partes, que fundamentou, para além do mais a dispensa da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, foram as partes convidadas a apresentar, querendo, alegações escritas, designada como data limite para a prolação da decisão e sua notificação às partes o prazo limite previsto no artigo 21º do RJAT.
8. No despacho supra referido, foi ainda a Requerente advertida para proceder ao pagamento da taxa de justiça complementar até aquela referida data.
9.As partes não apresentaram alegações, sendo que a Requerida veio afirmar expressamente, não pretender produzir alegações, remetendo para a sua resposta.
10. Na sequência do despacho arbitral de 2023-10-26 a Requerente veio em 2023-11-10 apresentar resposta às excepções suscitadas pela Requerida no seu articulado de resposta.
11. A Requerente encerra o seu pedido no sentido de que “deverá o presente pedido de constituição do tribunal arbitral ser julgado totalmente procedente, por provado, e, em consequência ser anuladas as liquidações de IMT nºs..., ..., ... e ..., o que se requer nos termos do disposto da alínea a) do artigo 99º do CPPT, aplicáveis por força da alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT, tudo com as legais consequências, nomeadamente, o reembolso do montante indevidamente pago pela Requerente (€ 9.861,86), acrescido de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até ao seu efetivo reembolso”
12. A Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu a sua resposta, para além do mais, pela procedência da excepção dilatória de litispendência, ou caso assim não se entenda, seja ordenada a suspensão da instância em conformidade com o disposto nos termos do artigo 272º, nº1 do CPC, ou caso assim não se entenda, julgada improcedente por não provada.
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13.O tribunal arbitral singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído, nos termos do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º do RJAT.
14. As partes têm personalidade e capacidade judiciária, estão devida e legalmente representadas (artigos 3º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tribunal Tributário, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT.
15. A acção é tempestiva, tendo o pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo previsto no artigo 10º, nº 1 do RJAT, de acordo com a remissão para o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
16. Foi suscitada pela AT matéria de excepção que será analisada infra.
17. O processo não enferma de nulidades.
18. Inexiste, deste modo qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
II- FUNDAMENTAÇÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
Perante os documentos aportados ao processo, da factualidade aceite pelas partes, e do processo administrativo junto pela AT, consideram-se provados os seguintes factos:
a. A Requerente é uma Sociedade de Titularização de Créditos (“STC”) constituída ao abrigo do Decreto-Lei nº 453/99, de 5 de Novembro (e republicado pela Lei nº 69/2019, de 28 de Agosto e com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 144/2019, de 23 de Setembro),
b. A Requerente encontra-se registada junto de CMVM desde 08 de Março de 2018 sob o nº 9217.
c. O objecto social da Requerente é, para além de outros, a realização de operações de titularização de créditos, mediante a aquisição, gestão e transmissão de créditos e a emissão de obrigações titularizadas para o pagamento dos créditos adquiridos.
d. A Requerente possui como códigos da sua actidade o CAE principal 64992-R3, e, desde 7 de Março de 2019, o CAE secundário 68100-R3.
e. A Requerente em 02 de Janeiro de 2023, através da interacção e-balcão nº..., apresentou pedido de reconhecimento de isenção previsto no artigo 7º do CIMT em 2023.
f. Por ofícios nº ... de 13 de Fevereiro de 2023 e nº ... de 22 de Fevereiro de 2023, foi a Requerente notificada do projecto de decisão e para exercer o direito de Audição prévia nos termos e para os efeitos do artigo 60º da LGT, sendo que não exerceu tal direito.
g. Em cinco de Abril de 2023 através do ofício nº..., foi a Requerente notificada do indeferimento de pedido de isenção proferido pelo Director da UGG em três de Abril de 2023.
h. De tal indeferimento, apresentou a Requerente junto do Tribunal Tributário de Lisboa, acção administrativa especial, a que veio a ser atribuído o nº 797/23.0BELRS.
i. A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações de IMT subjacentes, no total de 9.861,86 €.
j. Em vinte e cinco de Maio de 2023, a Requerente dirigiu ao CAAD, pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
k. Em 17/01/2024, em cumprimento ao despacho arbitral de 04/01/2024 a Requerente procedeu à junção de cópia da petição inicial da impugnação administrativa supra identificada, que corre termos no Tribunal Tributário de Lisboa.
A. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, inexistem factos que devam considerar-se não provados.
A.2. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada
Relativamente à matéria dada como provada, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que é alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 670º, nº 3 do CPCivil, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 2 alíneas a) e e) do RJAT.
Deste modo os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica a qual é estabelecida em atenção às várias soluções da (s) questão (ões) de Direito (cfr., artgo 596º do CPCivil, ex vi artigo 29º, alínea e) do RJAT).
Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às produzidas na sua íntima convicção tomada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo, e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr, artº 607º, nº 3 do CPCivil, na redação que lhe foi conferida pela Lei nº 43/2013 de 26 de Junho).
Deste modo, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, e a prova documental carreada para os autos, consideram-se provados com relevo para a decisão os factos supra elencados.
Não se deram como provados, nem como não provados, as alegações produzidas pelas partes, e apresentadas como factos consistentes em afirmações conclusivas, insusceptíveis de prova, e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto supra consolidada.
B. DO DIREITO
-litispendência e sua verificação nos presentes autos
A litispendência constitui uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, que, a verificar-se obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, determinado a absolvição da instância, face ao disposto nos artigos 576º, nº 2, 577º, alínea i) 578º, todos do Código de Processo Civil.
Dispõe o artigo 581º do Código de Processo Civil:
“Requisitos da litispendência e do caso julgado”
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Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
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Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
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Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
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Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzia nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.”
A excepção dilatória de litispendência visa impedir a repetição de uma causa anterior que está em curso, e evitar, dessa forma que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
A litispendência (e o caso julgado), pressupõe a repetição de uma causa, divergindo apenas quanto ao estado em que ambas se encontram: se numa delas foi proferida decisão final transitada em julgado, verifica-se a excepção do caso julgado; na situação oposta, há litispendência.
“Para que se constate este pressuposto são exigidas três condições, que implicam uma tripla identidade: de sujeito, de pedido e de causa de pedir (cfr. 557º alínea i), 580º e 581º do CPC, aplicáveis por remissão da alínea e) do nº1 do artigo 29ª do RJAT).
Há identidade de sujeitos, quando as partes são as mesmas, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. Na identidade de sujeitos, importa apenas atender à qualidade jurídica das partes, não sendo exigível uma correspondência física nas duas acções.
Há identidade de pedido, quando em ambas as causas se pretende obter o mesmo efeito jurídico. A identidade dos pedidos é perspetivada em função da posição das partes, quanto à relação material: existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado, sem que seja de exigir uma adequação integral das pretensões, nem sequer do ponto de vista quantitativo.
Há identidade de causa de pedir quando as pretensões formuladas em ambas as ações emergem do mesmo facto jurídico genético do direito reclamado comum a ambas, entendendo-se que nas ações de anulação é o facto concreto que se invoca para obter o efeito pretendido”
Como se consignou no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 25/10/2010, recurso nº 00292/08.7BEPNF, “ocorre a exceção de litispendência quando se instaura um processo, estando pendente, no mesmo ou em tribunal diferente, outro processo entre os mesmos sujeitos, tendo o mesmo objeto e fundado na mesma causa de pedir.” [1]
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Nos presentes autos está em causa a acção administrativa impugnatória que corre termos sob o nº 797/23.0BELRS, do Tribunal Tributário de Lisboa, e o pedido de pronúncia arbitral subjacente nos presentes autos.
Naquela, resulta claro, desde logo do seu introito que é dirigida “contra o Ofício nº ... de, 05.04.2023 emitido pela Unidade dos Grandes Contribuintes, através do qual foi notificada a decisão final de indeferimento do reconhecimento da aplicabilidade da isenção prevista no artigo 7º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis”.
Pugnando a Requerente “em consequência, ser declarada a ilegalidade da decisão de indeferimento do benefício fiscal requerido pela Impugnante, consubstanciada no Ofício da Unidade dos Grandes Contribuintes nº..., de 05.04.2023 e, em consequência, ser a referida decisão substituída por outra que garanta a aplicabilidade , ao presente caso, do artigo 7º do Código do IMT, por reunidos todos os pressupostos para o efeito, nos termos e para os efeitos do disposto artigo nº 50º do CPTA, tudo com as legais consequências.”
Nos presentes autos, o pedido da Requerente encerra as quatro liquidações de IMT supra referidas e melhor identificadas no Relatório, cuja anulação é peticionada.
As liquidações cuja ilegalidade é peticionada derivam na perspetiva deste tribunal do referido acto de indeferimento do reconhecimento da isenção prevista no artigo 7º do CIMT.
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A Requerida na sua resposta, invoca a excepção de litispendência nos termos que se mencionam maioritariamente por transcrição, em breve síntese e como segue:
“ A origem do diferendo que opõe a Requerente à Autoridade Tributária diz respeito ao indeferimento do pedido de reconhecimento da isenção do artigo 7º do IMT, que se refletiu na emissão das liquidações em causa nos presentes autos”,
Importa desde já destacar que a Requerente fundamentou o pedido de pronúncia arbitral, ou seja a ilegalidade das referidas liquidações refutando exclusivamente os argumentos do despacho de indeferimento do pedido do reconhecimento de direito à isenção do artigo 7º do CIMT.
A Requerente afirma expressamente que pretende o reconhecimento do direito à isenção do artigo 7º do CIMT através da anulação das liquidações em causa nos presentes autos (cf artigos 66º a 107º do ppa)”.
Ora como consta dos factos provados, a Requerente apresentou ação administrativa no Tribunal Tributário de Lisboa, pugnando pela anulação da decisão final de indeferimento do reconhecimento da aplicabilidade da isenção prevista no artigo 7º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (“IMT”) em 2023, proferida em 03-04-2023 pelo Sr. Diretor da UGC, por considerar que cumpre todos os requisitos para beneficiar da citada isenção.”
Pelo que cumpre averiguar se estão reunidos os pressupostos para se considerar verificada a exceção da litispendência nos termos do artigo 581º do CPC aplicável ex vi artigo 29º do RJAT.
“(…) Ora, no que se refere à identidade dos sujeitos, esta é evidente, pois a Requerente é o mesma em ambos os litígios e a entidade requerida também é a mesma”.
“Também se verifica a identidade na causa de pedir, pois a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, ou seja, em ambos os pedidos a Requerente fundamenta a sua pretensão nos vícios do ato que indeferiu o pedido de reconhecimento à isenção do artigo 7º do IMT – o despacho proferido em 03-04 2023 pelo Sr. Diretor da UGC (cf doc 13 do ppa).”
“Cumpre referir, que, quanto ao pedido, apesar de nos presentes autos o pedido recair sobre as liquidações supra identificadas e na ação administrativa o pedido referir a anulação do despacho de indeferimento proferido em 03-04-2023 pelo Sr. Diretor da UGC, o que é certo, é que pretende o mesmo efeito jurídico, pois a Requerente nos presentes autos visa o mesmo despacho, referindo inclusivamente que pretende a anulação das liquidações e que lhe seja reconhecida a isenção do artigo 7º do IMT, conforme refere nos articulados 66º e 107º do ppa.”
“Cumpre suscitar a exceção da Litispendência, pois que, tal como determina o nº 2 do artigo 580º do CPC, o presente Tribunal arbitral encontra-se perante a possibilidade de ser colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.”
No exercício do contraditório e no que concerne à resposta à excepção de litispendência suscitada pela AT, que aqui se dá por reproduzida e integrada, veio a Requerente manifestar a sua oposição quanto à verificação da identidade do pedido e causa de pedir, por referência entre a acção administrativa nº 797/23.0BELRS do Tribunal Tributário de Lisboa, e o presente ppa.
Concluindo, em brevíssima nota, que “o efeito jurídico pretendido em cada um dos processos é totalmente distinto na medida em que o presente pedido de tribunal arbitral visa a declaração de ilegalidade dos concretos atos de liquidação de IMT, bem como o reconhecimento de juros indemnizatórios em linha com um contencioso de mera anulação-, sendo que relativamente à ação administrativa que corre termos sob o nº 797/23.0BELRS, a pronúncia judicial que se espera obter é a declaração de ilegalidade do despacho de indeferimento e sua substituição por outro que reconheça a isenção prevista no artigo 7º do Código do IMT durante o ano de 2023.
Inexistem, portanto, dúvidas de que causa de pedir e os efeitos jurídicos decorrentes da utilização de cada um destes meios de tutela jurisdicional são diferentes, obstando assim à procedência da exceção da litispendência, por não se verificarem in casu os pressupostos legalmente exigidos”
Para ocorrer a exceção de litispendência, deverá impreterivelmente verificar-se, em simultâneo, a coincidência de sujeitos, pedido e causa de pedir, conforme é unanimemente aceite pela jurisprudência dos tribunais superiores e pela melhor doutrina civilística.”
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Importará pois, perante a posição das partes, analisar e decidir, se nos presentes autos se verifica a tríplice identidade dos pressupostos da excepção de litispendência.
Sendo que a identidade dos sujeitos não constitui controvérsia, uma vez que efectivamente “são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”, já quanto ao pedido e à causa de pedir, são objecto de interpretação divergente.
Vejamos pois;
Ambos os procedimentos jurisdicionais em presença (acção administrativa e pedido de pronúncia arbitral), na perspectiva deste tribunal procedem do mesmo facto jurídico, consubstanciado no despacho de indeferimento proferido em 03/04/2023 pelo Director da UGC, daí,
E se na verdade, inexiste aparentemente uma identidade formal no que concerne ao pedido e causa de pedir, entre os procedimentos jurisdicionais em causa, não poderá deixar de interpretar-se o disposto no nº 2 do artigo 580º do Código de Processo Civil, no sentido que o vem fazendo a jurisprudência,
“A excepção de litispendência assenta num não apenas formal (artigo 581º do Código de Processo Civil, mas também substancial dado o disposto no nº 2 do artigo 580º do Código de Processo Civil, onde se afirma que a excepção de litispendência (tal como a de caso julgado) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.”[2]
Com assinalável similitude factual com os presentes autos, retira-se do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22/02/2017 no âmbito do processo 0874715, Relatora Isabel Marques da Silva;
“(…) III-Não obsta à verificação da exceção de litispendência que a impugnação deduzida em primeiro lugar seja formalmente dirigida ao acto de indeferimento de recurso hierárquico e a outra directamente dirigida ao acto de liquidação, se os pedidos e causa de pedir são substancialmente idênticos e nenhum vício próprio é imputado ao indeferimento.”
Retirando-se ainda do mesmo aresto;
“(..) Como muito bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos, citando a melhor doutrina, decorre do art. 581º do CPC a litispendência tem lugar quando exista repetição da causa, isto é, quando é proposta uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, encontrando-se a primeira ainda em curso e na apreciação dessa excepção” deve atender-se não só ao critério formal (assente na tríplice identidade dos elementos que definem a acção) fixado e desenvolvido no artigo 498º (agora o artº 581º do NCPC), mas também à directriz substancial traçada no nº 2 do artigo 497º (agora o nº 2 do artº 580º do NCPC), onde se afirma que a excepção de litispendência (tal como a de caso julgado) tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou repetir uma decisão anterior (cfr Antunes Varela, J.Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, a pags. 302), ensinando Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, a pgs.138 e 139, que a excepção em causa “destina-se a evitar que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença (razão de certeza ou segurança jurídica) e a (…) a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), intervindo ainda, num plano secundário, “a preocupação de salvaguardar o prestigio dos tribunais”
No caso em concreto, e pelo que já vem dito, não pode deixar de se considerar que embora não exista identidade formal entre os pedidos e a causa de pedir os procedimentos em causa, são substancialmente idênticos.
Reiterando-se não ser necessária uma identidade integral e formal de pedidos, para lograr alcançar-se a litispendência
Embora formalmente não exista, in casu, identidade formal dos pedidos, na acção administrativa e no pedido arbitral entende-se que substancialmente o pedido é o mesmo, já que a eventual procedência do processo arbitral sempre teria, pelo menos implicitamente, a nulidade do despacho de indeferimento administrativo já abundantemente referido.
Subscreve este tribunal, com as necessárias adaptações, o que foi afirmado em sede de arbitragem tributária [3]a propósito deste segmento e tendo como “pano de fundo” uma situação factual em tudo idêntica à que subjaz nos presentes autos.
“Aparentemente, inexiste identidade entre os pedidos formulados naquela ação administrativa especial e no processo arbitral. Efetivamente, naquela ação o que se pede é a anulação de despachos proferidos pelos Diretor-Geral da AT que fizeram cessar aos Autores o benefício fiscal (…) já neste processo arbitral o que se peticiona é a anulação (…) das liquidações (…).”
“Também aparentemente estamos perante causa de pedir diversas: dois atos administrativos em matéria tributária, quanto ao processo judicial, e (…) atos de liquidação (atos tributários stricto sensu), neste processo arbitral”.
“Acontece que, efetivamente, assim é apenas na aparência, pois na essência, estamos perante causas de pedir e pedidos idênticos, o que logramos percecionar com meridiana clareza se atentarmos ao âmbito/extensão da impugnação das ditas liquidações”.
“Para poder apreciar a invocada ilegalidade (…)das liquidações de (…) este Tribunal Arbitral não pode deixar de apreciar e pronunciar-se relativamente ao que está na origem das mesmas, ou seja, os mencionados despachos proferidos pelo Diretor-Geral da AT”.
“Por outras palavras, a apreciação deduzida pelos Requerentes neste processo arbitral não abrange somente os atos de de liquidação de (…)propriamente ditos, mas também, de modo mediato, a atuação administrativa a montante que retirou aos Requerentes o “benefício fiscal”.
Perante o que vem dito e citado, não restam dúvidas quanto à verificação dos pressupostos da litispendência, o que se decide, ficando prejudicado o conhecimento do mérito da causa.
III. DECISÃO
Perante o que vem exposto, decide este Tribunal Arbitral Tributário em;
(i) - julgar procedente a invocada excepção da litispendência, e, em consequência, absolver a Requerida da presente instância arbitral.
(ii)- condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
IV. VALOR DO PROCESSO
De conformidade ao estabelecido nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 46/2013, de 26 de Junho, 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 9.861,86 € (nove mil oitocentos e sessenta e um euros, oitenta e seis cêntimos).
V.CUSTAS
Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 1, 22º do RJAT, e artigos 3º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem e Tabela 1 à mesma anexa, fixa-se o montante de custas em 918,00 € (novecentos e dezoito euros), a cargo da Requerente.
NOTIFIQUE
Vinte e quatro de Janeiro de dois mil e vinte e quatro.
O árbitro,
j.coutinho pires
[ A redacção da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas]
[1] (cfr. Processo nº 627/2022-T, relatado em 31 de Agosto de 2023, sob a égide do CAAD).
[2] Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 30/11/2023, no âmbito do processo nº 00095/23.9BEPNF, relator Rogério Paulo da Costa Martins.
[3] cfr Processo nº 91/2014-T, de 19/06/2014, proferido no âmbito do CAAD.