Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 381/2023-T
Data da decisão: 2024-01-31  IUC  
Valor do pedido: € 892,78
Tema: IUC – Imposto Único de Circulação; pedido de revisão oficiosa.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

  1. No dia 26 de junho de 2023, a sociedade A..., Lda., com o número de identificação de pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., ..., ...-... ..., Vila Nova de Gaia, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade parcial dos atos de liquidação de IUC, no valor total de € 892,78 (oitocentos e noventa e dois euros e setenta e oito cêntimos), que aqui se identificam:

 

  1. Para fundamentar o seu pedido a Requerente, alega, em síntese, que não foi atendido o pedido de revisão oficiosa das liquidações feitas na Categoria C, quando os mesmos seriam enquadráveis na categoria “D” do IUC.

 

  1. No dia 26-05-2023, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

  1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

  1. Em 13-07-2023, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro.

 

  1. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 31-07-2023.

 

  1. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

  1. Notificada para a Resposta, a Requerida alega, em síntese, que:

 

  1.  Relativamente às liquidações dos anos liquidações dos anos de 2018 a 2021 dos veículos com as matrículas ..., ... e ... se devem manter, pois não enfermam de erro ou vicio por não ter sido comprovado, em tempo, de afetação dos veículos ao transporte público de mercadorias ou ao transporte por conta própria;
  2. No que respeita à liquidação de 2021 do veículo com a matrícula ..., verifica-se que a Requerente não dispõe, reportada à data do facto tributário que ocorreu em 27 de maio desse ano (data de aniversário da matrícula cf. artigos 4.º, n.º 2 e 6.º n.º 3, ambos do CIUC), de licença válida para o transporte internacional de mercadorias por conta de outrem ou transporte público, pois a validade da licença apresentada abrange apenas o período de 20 de julho de 2021 a 22 de fevereiro de 2022.

 

  1. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir decisão.

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

  1. A Requerente é uma pessoa coletiva que se encontra licenciada para o transporte internacional de mercadorias por conta de outrem, conforme documento que se junta e se dá por reproduzido.

 

  1. Os veículos supra identificados integram a frota da Requerente e estão licenciados para o transporte internacional de mercadorias por conta de outrem. (Documentos n.º 17, 18, 19 e 20 juntos ao Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral);

 

  1. A Requerente apresentou, em 14 de setembro de 2022, pedido de revisão oficiosa relativa às liquidações supra identificadas, indeferido pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

  1. Do indeferimento do pedido de revisão foi apresentado o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

B. DO DIREITO

 

Nos termos das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 2.º do CIUC, o imposto único de circulação incide sobre os veículos das seguintes categorias, matriculados em Portugal:

 

“c) Categoria C: Automóveis de mercadorias e automóveis de utilização mista com peso bruto superior a 2500Kg, afetos ao transporte particular de mercadorias, ao transporte por conta própria, ou ao aluguer sem condutor que possua essas finalidades;

d) categoria D: Automóveis de mercadorias e automóveis de utilização mista com peso bruto superior a 2500Kg, afetos ao transporte público de mercadorias, ao transporte por conta de outrem, ou ao aluguer sem condutor que possua essas finalidades”.

 

Acrescenta ainda o n.º 3 do mesmo artigo que “Presumem-se afetos ao transporte particular de mercadorias ou ao transporte por conta própria os veículos relativamente aos quais se não comprove a afetação ao transporte público de mercadorias ou ao transporte por conta de outrem”.

Para este efeito, cabe referir que o artigo 3º do Decreto-Lei n.º 257/2007, de 16/07/2007, que institui o regime jurídico aplicável aos transportes rodoviários de mercadorias, por meio de veículos com peso bruto igual ou superior a 2500 kg, determina que:

 

1 — A actividade de transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem, nacional ou internacional, por meio de veículos de peso bruto igual ou superior a 2500 kg, só pode ser exercida por sociedades comerciais ou cooperativas, licenciadas pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I. P. (IMTT).

2 — A licença a que se refere o número anterior consubstancia -se num alvará ou licença comunitária, a qual é intransmissível, sendo emitida por um prazo não superior a cinco anos, renovável por igual período, mediante comprovação de que se mantêm os requisitos de acesso e de exercício de actividade.

3 — O IMTT procede ao registo, nos termos da lei em vigor, de todas as empresas que realizem transportes de mercadorias por conta de outrem.”

 

Quanto à comunicação à AT daquele licenciamento, a Lei n.º 22-A/2007, 29 de Junho de 2007, que procedeu à reforma global da tributação automóvel, aprovando o Código do Imposto sobre Veículos e o Código do Imposto Único de Circulação  estabeleceu no seu artigo 5.º, que “A Direcção-Geral dos Impostos, a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e a Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros celebram protocolos com o Instituto dos Registos e Notariado, I. P., o Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I. P., o Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, I. P., o Instituto Nacional de Aviação Civil, I. P., e com as forças da autoridade, designadamente com a Polícia de Segurança Pública e a Guarda Nacional Republicana, com vista à troca de informação necessária à liquidação [nosso sublinhado] e fiscalização do ISV e do IUC. “

 

Cabe, por fim, acrescentar que, nos termos do artigo 16.º do CIUC, a competência para a liquidação do imposto é da Autoridade Tributária e Aduaneira, considerando-se, para todos os efeitos legais, o ato tributário praticado no serviço de finanças da residência ou sede do sujeito passivo.

 

Feito o enquadramento jurídico, cabe analisar as liquidações impugnadas.

 

Relativamente aos veículos com as matrículas..., ... e ..., entende a Requerida que, “não obstante a Requerente ter licenças válidas que poderiam permitir o enquadramento na categoria D e consequentemente a aplicação das taxas previstas no art.º 12.º do CIUC, o facto é que NÃO APRESENTOU, para COMPROVAÇÃO junto dos serviços da AT, a licença individual de cada veículo.” Tendo-o feito apenas em 2022, já precludiu o seu direito.

 

Conforme jurisprudência pacífica do STA na jurisprudência citada pela Requerente, “I– A revisão do acto tributário por iniciativa da administração tributária pode ser efectuada a pedido do contribuinte, como resulta do artigo 78.º, n.º 7, da LGT e do artigo 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT, no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou, no caso o tributo não ter sido pago, a todo o tempo), ficando com isso investido de um direito a uma decisão sobre o pedido formulado.

II – E o “erro imputável aos serviços” a que alude o artigo 78.º, nº 1, in fine, da LGT compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como, também, o erro de direito, e essa imputabilidade aos serviços é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afectada pelo erro” – Acórdão do STA, de 14-03-2012, relativo ao Proc. 01007/11.

 

Assim sendo, como se disse na Decisão Arbitral, relativa ao Proc. 739/2019-T, “Caso na execução de tal protocolo, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I. P., não fornecer à Requerida a  informação correta necessária à liquidação e fiscalização do IUC e, em consequência, a Requerida inserir informação errada na sua base de dados, no âmbito da relação  jurídico-tributária existente entre Requerente e Requerida, tal erro não pode deixar de ser imputável à Requerida uma vez que está em causa  a sua  base de dados, independentemente da fonte de informação de que a Requerida lança mão para elaboração da mesma. Se a Requerida usa os dados que lhe são fornecidos pelo IMT, como alega, o que  tem cobertura legal face ao art. 5º da Lei n.º 22-A/2007, 29 de Junho de 2007, o grau de  responsabilidade ou corresponsabilidade  pela  existência de  erros em  tais dados é questão entre a Requerida e o IMT que não pode ser aposta pela requerida à  Requerente. Bem pelo contrário, a existência de erros na base de dados da Requerida, faz a mesma incorrer, objetivamente, em   violação do princípio da colaboração consagrado no artigo 59º da Lei Geral Tributária.

 

Em consequência, à data da apresentação do pedido de revisão oficiosa ainda não tinha sido ultrapassado o prazo de 4 anos, pelo que é tempestivo o pedido e, face à prova da licença das viaturas para o transporte rodoviário internacional de mercadorias por conta de outrem, é ilegal o imposto liquidado relativamente a estas viaturas.

 

Relativamente à viatura ..., a liquidação relativa ao período de 2021 não padece de qualquer vício, conforme alega a Requerida, já que a licença para o transporte foi emitida após a data de verificação do facto tributário (27 de maio, data de aniversário da matrícula) – de 20 de julho de 2021 a 22 de fevereiro de 2022. A liquidação relativa ao período de 2022 foi, segundo a Requerida (artigo 71.º da Resposta), objeto de correção e anulação parcial da liquidação.

 

 

Do direito a juros indemnizatórios

 

A par da anulação dos atos de liquidação, e consequente reembolso das importâncias indevidamente cobradas, a Requerente solicita ainda que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.

 

Com efeito, nos termos da norma do n.º 1 do referido artigo, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.".

 

A al. c) do n.º 3 estabelece ainda que são devidos juros indemnizatórios “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

 

Conforme jurisprudência do STA, os juros indemnizatórios só são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto (Vide a título exemplificativo o Acórdão do STA, de 27-02-2019, relativo ao Proc. 022/18.5BALSB, disponível em www.dgsi.pt).

 

Assim, atendendo a que o pedido de revisão foi apresentado em 14-09-2022, só haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios a partir de 14-09-2023, relativamente ao imposto pago em excesso das liquidações ora consideradas ilegais.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

  1.  Julgar procedente o pedido arbitral formulado quanto às liquidações impugnadas e, em consequência, determinar a anulação parcial das liquidações de IUC identificadas no pedido arbitral, ordenando-se o reembolso à Requerente da quantia paga em excesso, relativamente às viaturas ..., ... e ...;
  2. Julgar improcedente a impugnação relativamente à liquidação do IUC de 2021 da viatura com a matrícula ....
  3. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais, a partir de 14-09-2023.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 892,78 nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 306,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerente (9,78%) e pela Requerida (90,22%).

 

 

Lisboa, 31 de janeiro de 2024

O Árbitro

 

 

 

(Amândio Silva)