SUMÁRIO:
1. O tribunal arbitral é competente para conhecer o pedido de anulação de liquidação de IRS, de que resulta imposto a pagar, mesmo que a AT tenha indeferido o pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual à requerente, que não impugna esse acto de indeferimento neste processo arbitral.
2. Tendo a requerente impugnado esse indeferimento em acção administrativa que foi julgada totalmente procedente, na apreciação da legalidade da liquidação deve ser tida em conta tal decisão.
3. Contendo a declaração de IRS apenas rendimentos das categorias E e G, obtidos nos Estados Unidos da Améria, aí podendo ser tributados, a eliminação da dupla tributação far-se-á pelo método da isenção de tributação em Portugal, nos termos do artigo 81º., nº. 5, alínea a) e da Convenção para eliminar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 20/3/2023, profere a presente decisão arbitral, nos termos seguintes:
1. Relatório:
A... vem, na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa a anulação da liquidação de IRS n.º 2021 ... e de juros compensatórios n.º 2021 ..., relativa ao exercício de 2020, no valor total de € 19.179,93 (como objeto mediato), bem como a anulação da referida presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa (como objeto imediato).
1.1 Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral:
O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 4/1/2023, aceite em 6/1/2023, nos termos regulamentares aplicáveis, tendo o Requerente optado pela não designação de árbitro.
Por despacho de 27/2/2023 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi designado para árbitro o ora subscritor, tendo sido comunicada essa designação no mesmo dia às partes e não tendo havido reclamação da mesma, em 20/3/2023, foi comunicada às partes a constituição do Tribunal Arbitral;
A 27/4/2023, a Requerida apresentou a sua Resposta e fez juntar, em 4/5/23, aos autos o processo administrativo (PA), tendo, nessas mesmas datas, o CAAD notificado o requerente da Resposta da AT e da junção do PA, respectivamente.
A requerente respondeu à excepção de incompetência do tribunal arbitral em 15/5/2023.
Tendo indicado a matéria de facto a que as testemunhas deveriam responder e tendo sido designada esta inquirição para 13/10/2023, veio a requerente a desistir da mesma nesse mesmo dia, tendo sido proferido ainda nessa data despacho a dar a inquirição sem efeito e a designar prazo para alegações e pagamento da taxa de justiça subsequente, tendo a requerente apresentado alegações em 26/10/2023 e pago a taxa de justiça subsequente, juntando ainda nessa data certidão do seu casamento e cópia do seu passaporte como cidadã americana, conforme protestara fazer no seu requerimento inicial.
A AT notificada dessa junção nada disse, bem como não apresentou alegações.
Por despacho de 14/11/2023 foi prorrogado o prazo para proferir a decisão por mais 2 meses.
1.2 – Posição da Requerente:
A requerente impugna a liquidação de IRS que a AT lhe notificou por não considerar a condição de residente não habitual, de que a requerente tinha solicitado a respetiva inscrição, em 30-03-2022, pretensão esta que lhe foi indeferida, a 9 de maio de 2022 e contra esse indeferimento propôs a respetiva ação administrativa.
Alega ainda a requerente que pagou imposto nos EUA, tendo a AT reconhecido isso, através do reconhecimento de um crédito desse imposto pago, pois que a Requerente é também cidadã norte-americana, conforme cópia do passaporte que protestou juntar, o que fez mais tarde.
Alega a Requerente ainda que, antes de 17 de agosto de 2020 residia nos Estados Unidos da América (EUA), há mais de 5 anos, onde se encontrava registada como residente para efeitos fiscais, pelo que a Requerente considera que a liquidação impugnada deve ser corrigida, refletindo a tributação que seria devida em conformidade com a atribuição do estatuto de RNH, com efeitos desde 2020, porquanto considera estarem reunidos os pressupostos para a atribuição de tal estatuto.
É que, no seu entender, o pedido de atribuição do estatuto de RNH não é constitutivo do direito a ser tributado como tal, mas apenas meramente declarativo, face ao que consta do artigo 81.º, n.º 5, alínea a), do Código do IRS, onde se determina que “aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos das categorias E e G, aplica-se o método da isenção quando tais rendimentos possam ser tributados no outro Estado Contratante, em conformidade convenção para eliminar a dupla tributação (CDT) celebrada por Portugal com esse Estado.”
Além disso, os dividendos, juros, outros rendimentos de capitais, mais-valias imobiliárias e mais-valias mobiliárias, todos com origem nos EUA, poderiam ser tributadas, nesse país, por via da respetiva CDT, sendo certo que a Requerente e o marido são casados no regime de separação de bens, pelo que tais bens pertencem exclusivamente ao seu marido e deveriam ter sido exclusivamente declarados declaração de IRS do mesmo.
Por isso, a Requerente alega que em 2021.05.03, juntamente com o marido, B..., NIF..., procederam à entrega da Modelo 49, na qualidade de casados, por forma a solicitar a prorrogação do prazo de entrega da declaração de IRS até 2021.12.31, pois, nesse sentido, a referida Modelo 49 produz efeitos para ambos os cônjuges, independentemente da opção posterior pela tributação separada - opção esta que apenas pode ser tomada aquando do conhecimento de toda a informação necessária para completar a declaração de IRS, nomeadamente o imposto final pago no estrangeiro.
Diga-se ainda, a este propósito que o marido da Requerente reclamou da nota de liquidação do IRS nº 2021 ... referente ao ano fiscal de 2020. (reclamação graciosa nº ...2022...).
Pede, por fim, a procedência do presente pedido de pronúncia arbitral, com a anulação da liquidação, em conformidade, bem como o pagamento de juros indemnizatórios.
1.3 – Posição da Requerida
A requerida começa por suscitar a questão da incompetência material deste Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação à Requerente do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais, com o fundamento que isso resulta da factualidade aduzida, atenta a causa de pedir subjacente quer ao pedido efetuado à DSRC, quer ainda ao presente pedido de pronuncia arbitral (PPA), pelo que resulta manifesto que está em causa um pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual para o ano de 2020, tendo como fundamento a ilegalidade da decisão administrativa, mesmo que a Requerente no PPA insista em sentido contrário.
Acrescenta que a natureza declarativa que a requerente aponta aos efeitos do acto de reconhecimento da residência não habitual, não se confunde com a exigência do reconhecimento da condição de RNH, tendo manifesta natureza prejudicial esse reconhecimento/inscrição do contribuinte, como residente não habitual, de modo a beneficiar do correspondente regime, lembrando que nos termos do nº 10 do artigo 16 do CIRS, expressamente se prevê que o sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual até 31 de março inclusive do ano seguinte àquele em que se torne residente em Portugal, pelo que a interpretação sufragada pela Requerente retiraria qualquer sentido á citada disposição legal.
A exigência de impugnação autónoma do reconhecimento da condição de residente não habitual, não prejudicaria a possibilidade de contestação contenciosa de actos eventualmente nocivos de direitos e interesses legalmente protegidos.
Deste modo, perante a natureza autónoma da impugnação do acto de reconhecimento da residência não habitual, estamos a impropriedade do meio contencioso, destinado à discussão da liquidação, é manifesta, o que determina a improcedência da pretensão em juízo.
Na sua resposta, a AT tece longas e demoradas considerações sobre a não concessão do estatuto da RNH à requerente, considerando essa a questão subjacente ao presente PPA, acrescentando que tem conhecimento de a requerente ter proposto uma acção administrativa a 1 de setembro de 2022, em função do indeferimento da correspondente pretensão.
Ora, não é controvertido que a norma do artigo 81º, nº 5 do CIRS, pressupõe a conferência da residência não habitual da exponente, pelo que fica prejudicada a respetiva verificação.
Quanto à questão das menos-valias e rendimentos de capitais que a Requerente alega que pertenceriam à esfera de tributação do cônjuge, entende a Requerida que a Requerente não demonstra nenhum dos quesitos aduzidos, pois não comprova o regime de separação de bens mencionado, nem, tão pouco, a imputação dos valores concernentes às transmissões e rendimentos aduzidos, ao respetivo cônjuge.
Além disso, sendo a inscrição como RNH um requisito prévio necessário à concessão do estatuto/ benefício de RNH e não tendo este sido concedido, não se verifica qualquer ilegalidade da liquidação contestada.
No que concerne aos juros indemnizatórios, prejudicada a ilegalidade da liquidação em crise, tão pouco é possível viabilizar o pagamento de juros indemnizatórios peticionados, admitindo por isso o pagamento pelo Requerente do montante que lhe foi liquidado a título de IRS.
1.4 – Posição do Requerente perante a excepção deduzida.
Notificado da resposta da AT e para querendo responder à excepção de incompetência material deste Tribunal Arbitral por ela deduzida, veio a requerente reafirmar a competência do Tribunal Arbitral.
O âmbito da jurisdição arbitral tributária encontra-se previsto no artigo 2.º do RJAT, mais concretamente no seu nº. 1 onde se encontram os critérios de repartição material da competência.
Nos termos do referido artigo, compete a estes tribunais a apreciação das seguintes pretensões:
a) "A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.
Ora, a Requerente formula um pedido muito concreto, conforme resulta do Pedido de Pronúncia Arbitral por ela apresentado, no qual peticiona que seja "(...) anulado o ato de liquidação de IRS n.º 2021..., bem assim como o ato de liquidação de juros compensatórios n.° 2021..., referentes ao exercício de 2020.".
É que não é exacto que com o presente PPA a Requerente pretenda, como entende a Requerida, que lhe seja reconhecido o estatuto de RNH, a verdade é que, a competência do tribunal determina-se pelo pedido do autor e pela causa de pedir em que o mesmo se apoia, expressos na petição inicial.
Por isso, face ao pedido efetuado pela Requerente, não está, pois, em causa nos presentes autos conhecer qualquer outra decisão, para além da legalidade das liquidações.
Acresce que e em resposta ao referido pela Requerida no sentido de que o meio de reação idóneo para o acto de indeferimento do pedido de inscrição no regime dos RNH seria a Acção Administrativa, refere a Requerente que efectivamente lançou mão desse meio processual, conforme já alegou no PPA.
É manifestamente evidente que o objeto daquela Acção Administrativa e o objeto do presente processo arbitral são totalmente distintos, e a procedência de ambos surtirá distintos efeitos: a procedência da ação administrativa terá como efeito o reconhecimento do estatuto de residente não habitual e a ser tributado como tal durante um período de 10 anos, ao passo que a procedência do presente pedido arbitral terá como efeito a anulação da concreta liquidação de IRS relativa ao ano de 2020 e circunscrita a este ano.
Depois de citar abundante jurisprudência no sentido do seu ponto de vista e de tecer críticas à requerida pela incoerência de posições em processos diversos que cita, termina pedindo que deve ser julgada improcedente a excepção invocada pela Requerida, tendo o presente tribunal competência para conhecer, nesta sede, de todos os vícios de ilegalidade assacados ao acto tributário posto em crise.
2. Saneamento:
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são as legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
É suscitada a questão da competência deste tribunal arbitral, que, a proceder, inquinaria todo o processado.
Como, porém, estas questões dependem dos factos que forem considerados provados, remetemos o seu conhecimento para depois de apreciada e decidida a matéria de facto.
3. Fundamentação de facto.
Considerando os articulados das partes, os documentos juntos e o processo administrativo, são considerados provados os factos que a seguir se indicam.
3.1 - Factos provados:
De acordo com a alegação das partes e dos documentos juntos e com interesse para a decisão final dos presentes autos, estão provados os seguintes factos:
a) Em 30.03.2022, a Requerente apresentou pedido de inscrição como residente não habitual (RNH), em Portugal (provado pelo doc. n.º 2 junto com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo instrutor).
b) O Portal das Finanças apenas permitia optar entre os anos de 2021 e 2022, pelo que o pedido foi restrito a estes dois anos. (provado pelo doc. n.º 3 junto com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo instrutor).
c) Para a sua inscrição como residente não habitual com efeitos desde 2020, a Requerente apresentou, em simultâneo com o pedido de inscrição, um requerimento dirigido à Direção de Serviços de Registo de Contribuintes (DSRC) (provado pelo doc. n.º 4 junto com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo instrutor).
d) Em 17 de agosto de 2020, a Requerente foi registada como residente para efeitos fiscais no cadastro da AT, na sequência da alteração de morada que efetuou para efeitos do cartão de cidadão. (provado por acordo das partes)
e) Nessa data, a requerente não tinha permanecido em Portugal mais de 183 dias e ainda não tinha manifestado a intenção de aqui residir de forma habitual logo a partir dessa data. (provado por acordo das partes).
f) Até 17 de Agosto de 2020, a Requerente residia nos Estados Unidos da América (EUA), desde, pelo menos. 2015, onde se encontrava registada como residente para efeitos fiscais, conforme declarado no pedido de inscrição como RNH. (provado pelos documentos (certidões de residência) juntos aos autos em 9-10-2023).
g) A Requerente tem nacionalidade portuguesa (provado por acordo das partes).
h) Com a alteração da sua morada no cartão do cidadão foi comunicada essa morada à Autoridade Tributária (provado por acordo das partes).
i) Em 17.12.2021, a Requerente apresentou a declaração de IRS relativa ao exercício de 2020, na qual declarou ter auferido nos EUA rendimentos de capitais (dividendos, juros e outros rendimentos de capitais) e rendimentos de mais-valias, por alienação de bens imóveis e por alienação ou resgate de unidades de participação ou liquidação de fundos de investimento (provado pelo doc. n.º 5 junto com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo instrutor).
k) Nessa declaração foram incluídos rendimentos de capitais declarados, no valor total de € 13.995,76, bem como os elementos relativos à alienação de valores mobiliários (que resultou numa menos-valia), que alegadamente foram auferidos apenas pelo marido, B..., com o NIF ... (provado pelo doc. n.º 5 junto com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo instrutor)..
l) A Requerente e B..., com o NIF..., são casados no regime de separação de bens (provado pela certidão de casamento junta em 26/10/2023).
m) B..., com o NIF..., apresentou reclamação graciosa para corrigir a sua declaração de IRS e nela incluiu os referidos rendimentos (provado pelo documento n.º 3 junto com a petição inicial).
n) Em resultado da declaração de IRS da Requerente, foi emitida a liquidação que foi impugnada, dela constando um valor total a pagar de € 19.179,93 (provado pelo doc. n.º 1 junto com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo instrutor).
o) A requerente procedeu ao pagamento do valor da liquidação referido na alínea anterior em 02.01.2022 (provado por acordo das partes).
p) A Requerente foi notificada, em 05.04.2022, do projeto de decisão de indeferimento da atribuição do estatuto de RNH (provado pelo doc. n.º 7 junto com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo instrutor).
q) O fundamento para esse projecto de indeferimento era o facto de a Requerente não reunir as condições previstas no artigo 16.º do Código de IRS (CIRS) e constantes das Circulares n.º 2/2010, de 6/5 e n.º 9/2012, de 3/8, por já se encontrar registada no cadastro do contribuinte da Autoridade Tributária como residente em território português (n.º 8 do artigo 16.º do CIRS e alínea b) do ponto 1, da Circular n.º 9/2012), no ano de 2020 (provado pelo doc. n.º 7 junto com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo instrutor)
r) Em 20.04.2022, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia ao projecto referido na alínea anterior (provado pelo doc. n.º 8 junto com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo instrutor).
s) Em 9 de maio de 2022, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da atribuição do estatuto de RNH (provado pelo doc. n.º 9 junto com a reclamação graciosa que integra o processo administrativo instrutor).
t) Em 1 de setembro de 2022, a Requerente deduziu ação administrativa, em que formula o pedido de anulação da decisão de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual (ID: IRN...) sancionada por despacho de 02.05.2022 do Diretor de Serviços de Registo dos Contribuintes, referida na alínea anterior e a sua substituição por outra que defira o pedido da Autora de inscrição como RNH desde 2020, com os devidos e legais efeitos, designadamente a anulação dos actos tributários consubstanciados nas liquidações de IRS que tenham entretanto sido emitidos (provado pelo documento n.º 4 junto com o PPA).
u) Por sentença de 28/9/2023, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no Proc. nº 1750/22.6BEPRT, foi decidido;
a) reconheço o direito da Autora a ser inscrita, na base cadastral da AT, como residente não habitual a partir de 2020, inclusive;
b) condeno a Entidade Demandada, a proceder à inscrição da Autora, como residente não habitual em território português, a partir do ano de 2020, inclusive. (provado por documento junto em 26/9/2023)
v) Não foi prestada a informação de que tenha sido interposto recurso dessa sentença.
x) A Requerente suportou imposto nos EUA, tendo a AT reconhecido inclusivamente o crédito de imposto na liquidação efectuada (provado pela declaração Mod. 3 de IRS da requerente a fls. 41 do processo administrativo e liquidação de fls. 68 do mesmo processo).
y) A Requerente é também cidadã norte-americana, (provado pela cópia do passaporte junto em 26/10/23).
z) a Requerente apresentou em 1/6/22, a reclamação graciosa, a que foi atribuído o n.º ...2022..., contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2021 ... e contra a liquidação de juros compensatórios n.º 2021 ..., referentes ao exercício de 2020, e também para “expurgar” os rendimentos auferidos pelo marido conforme referido supra. (provado pelo documento junto a fls. 12 do Processo Administrativo).
aa) A Autoridade Tributária não notificou a ora requerente de qualquer decisão no prazo de quatro meses relativamente à reclamação referida alínea anterior, por ter arquivado o referido procedimento gracioso, sem qualquer decisão, pelo que se presume tacitamente indeferida a reclamação graciosa apresentada pela Requerente (provado pelo documento de fls. 24 do Processo Administrativo).
bb) A Requerente apresentou em 4-1-2023, o presente pedido de pronúncia no Tribunal Arbitral.
3.2 Factos não provados e fundamentação da matéria de facto considerada provada.
Não existem outros factos não provados com interesse para a decisão deste processo.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela requerente e no que consta do processo administrativo e também os factos que as partes estão de acordo em considerar provados, conforme resulta do por si alegado em sede de requerimento inicial e das respostas que lhe sucederam, estando a seguir a cada facto a razão pela qual foram considerados provados.
4. Matéria de direito
4.1 - Questões a resolver:
Como questões a resolver, teremos desde logo, a excepção suscitada pela AT, do eventual erro na forma do processo por utilização do meio processual adequado, face à incompetência deste tribunal arbitral para conhecer o presente PPA.
Como questão de fundo, se a excepção referida não proceder, teremos a necessidade de averiguar da legalidade da liquidação notificada à ora requerente, caso se entenda que essa liquidação deveria ter tido em conta a situação de residente não habitual (RNH) da requerente, com a consequente isenção dos rendimentos das categorias E e G, obtidos no estrangeiro que aí tenham sido tributados ou podiam sê-lo.
4.2 – Da excepção de incompetência do tribunal arbitral
1. A requerida começa por suscitar a questão da incompetência material deste Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação à Requerente do regime jurídico-tributário dos residentes não habituais, com o fundamento que isso resulta da factualidade aduzida, atenta a causa de pedir subjacente quer ao pedido efetuado à DSRC, quer ainda ao presente pedido de pronuncia arbitral (PPA), pelo que resulta manifesto que está em causa um pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual para o ano de 2020, tendo como fundamento a ilegalidade da decisão administrativa, mesmo que a Requerente no PPA insista em sentido contrário.
Como referimos atrás, alega a Requerida que a natureza declarativa que a Requerente aponta aos efeitos do acto de reconhecimento da residência não habitual, que esta não se confunde com a exigência do reconhecimento da condição de RNH, sendo manifesta a natureza prejudicial desse reconhecimento/inscrição do contribuinte, como residente não habitual, de modo a beneficiar do correspondente regime, lembrando que, nos termos do nº 10 do artigo 16 do CIRS, expressamente se prevê que o sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual até 31 de março inclusive do ano seguinte àquele em que se torne residente em Portugal, pelo que a interpretação sufragada pela Requerente retiraria qualquer sentido á citada disposição legal.
Entende, por isso, que a necessidade de impugnação autónoma do reconhecimento da condição de residente não habitual, não prejudicaria a possibilidade de contestação contenciosa de actos eventualmente nocivos de direitos e interesses legalmente protegidos.
É este o fundamento da alegada incompetência deste tribunal arbitral para conhecer o presente PPA.
2. É nosso entender que a requerida não tem razão.
Conforme consta de acórdão do CAAD, proferido no processo 507/2022-T, de que fomos relator, datado de 22 de Março de 2023 e cujo entendimento continuamos a perfilhar, no artº. 2º. do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), dispõe-se que:
1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;
Este RJAT foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, tendo, pela Portaria n.º 112-A/2011, de 20-04, ficado vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, os serviços da então Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que depois se converteram na Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), por força do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15-12.
Como escrevemos nesse acórdão, um primeiro critério que podemos desde logo usar é o de que “o facto de a alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do art. 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele art. 2.º do RJAT.
Assim, para resolver a questão da competência deste Tribunal Arbitral torna-se necessário apurar se a legalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa podia ou não ser apreciada, num tribunal tributário, através de processo de impugnação judicial ou acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo”. - Cfr. citado ac. de 22-2-2016, proferido no Procº. 617/2015-T do CAAD, que, como referimos, seguimos de muito perto na presente decisão.
Mas outro critério possível e que algum modo se aproxima do anteriormente exposto é o de o acto impugnado poder determinar o pagamento de quaisquer impostos ou quantias derivadas de obrigação legal ou não conceder a devolução de qualquer quantia já entregue à AT em cumprimento de obrigações fiscais. Este critério aproxima-se do anterior, pois a impugnação desse acto da AT terá sempre de ser objecto de uma decisão do tribunal tributário, a obter por meio de impugnação judicial.
Não vemos razões para nos afastarmos do que se escreveu e que mereceu o acordo unanime dos árbitros intervenientes.
No caso presente, a decisão administrativa de indeferimento apurado tacitamente não deferiu a reclamação graciosa, a que foi atribuído o n.º ...2022..., contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2021... e contra a liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referentes ao exercício de 2020, e também para “expurgar” os rendimentos auferidos pelo marido da requerente, como resulta da al. z) dos factos provados, pelo que desse indeferimento tácito resulta a manutenção da liquidação reclamada e juros, daí resultando imposto a pagar pelo ora requerente.
O que está em causa é um mero acto de liquidação de imposto, de que resulta a obrigação de pagar qualquer quantia, embora lhe esteja subjacente a não aceitação de uma qualidade tributária, ou seja, não residente habitual, que a Requerida não reconheceu à Requerente, mas que esta impugnou pelo meio próprio – acção administrativa.
Ora, das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária deve ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou de acção administrativa, conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação.
Eventualmente, como excepção a esta regra, poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, pelo facto de haver uma norma especial, que é o n.º 2 do art. 102.º do CPPT, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável.
3. Acresce que como bem refere a Requerente, ela formula um pedido muito concreto, conforme resulta do Pedido de Pronúncia Arbitral por ela apresentado, no qual peticiona que seja "(...) anulado o ato de liquidação de IRS n.º 2021..., bem assim como o ato de liquidação de juros compensatórios n.° 2021..., referentes ao exercício de 2020."
Por isso, não é exacto que com o presente PPA a Requerente pretenda, como entende a Requerida, que lhe seja reconhecido o estatuto de RNH, sendo certo que a competência do tribunal determina-se pelo pedido do autor e pela causa de pedir em que o mesmo se apoia, expressos na petição inicial.
É que o meio de reação idóneo para o acto de indeferimento do pedido de inscrição no regime dos RNH seria a Acção Administrativa e a Requerente demonstra que efectivamente lançou mão desse meio processual, conforme alegou no PPA.
4. Aplicando os princípios que deixámos enunciados ao caso presente verificamos que, nos termos da alínea d) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 97.º do CPPT, estamos perante a impugnação de acto de liquidação, com fundamento em ilegalidade, sendo que, por se tratar de acto de liquidação de tributos, cabe na previsão da al. a) do no 1 do artº. 2º. do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT).
Neste sentido, é também a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, de que é exemplo o acórdão de 14/5/2015, proferido no processo 01958/13, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta, cujo sumário é significativo, ou seja, “a utilização do processo de impugnação judicial ou da acção administrativa especial depende do conteúdo do acto impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial, se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável a acção administrativa especial.”
Assim sendo, este tribunal arbitral é competente para o conhecimento do presente PPA e como tal se declara.
4.4 – Da eventual ilegalidade da liquidação de IRS de 2020:
1. Somos chegados às questões de fundo que se prendem essencialmente com a eventual ilegalidade de tributação da requerente, sem que seja reconhecido o seu estatuto de residente não habitual.
Além disso, também se prendem com a exclusão de rendimentos que foram auferidos pelo seu cônjuge com o qual está casada, segundo o regime da separação de bens.
Porém, como bem refere a Requerente, como se trata de rendimentos correspondentes a dividendos, juros, outros rendimentos de capitais, mais-valias imobiliárias e mais-valias mobiliárias, todos com origem nos EUA e aí obtidos em 2020 pelo seu marido, com quem é casada, segundo regime da separação de bens, devem ser expurgados da declaração de rendimentos da Requerente, mas se assim não for, sempre estariam isentos de tributação em Portugal, por a Requerente ser residente não habitual, nos termos do artº. 81º. do CIRS.
Deste modo, começaremos por analisar se a Requerente beneficia ou não do estatuto de residente não habitual.
2. Não cabe nesta sentença analisar se se verificam os pressupostos da atribuição à Requerente da qualidade de residente não habitual, nos termos do artº. 16º., nº. 8 do CIRS, incluindo a questão da tempestividade do requerimento apresentado pela Requerente para esse efeito, pois a declaração e subsequente condenação da AT a reconhecer o direito da Requerente a ser inscrita, na base cadastral da AT, como residente não habitual a partir de 2020, inclusive e, em consequência, a proceder à inscrição da Autora, como residente não habitual em território português, a partir do ano de 2020, inclusive é questão assente e, portanto, é pressuposto a ter em conta.
Não temos de curar aqui também a partir de que momento produz a referida declaração os seus efeitos, pois ela própria os faz retroagir a 2020.
Podemos passar de imediato para as consequências desta declaração e do facto de a Requerente ter a qualidade de residente não habitual para verificar se a liquidação que lhe foi feita é legal.
3. Nos termos do artº. 81º., nº. 2 do CIRS, “quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efetue nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos peia convenção”.
Ora, no caso presente existe uma convenção para eliminar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América CDT), a qual vigora desde 18/12/1995, tendo sido aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/95, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 73/95 e publicada em Diário da República Iª. Série -A, n.º 236, de 12/10/1995, tendo pelo Aviso n.º 35/96, de 09/01/1996 - torna público a troca dos instrumentos de ratificação da Convenção
Mais tarde, em desenvolvimento desta convenção foi celebrado um acordo entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para reforçar o cumprimento fiscal e implementar o Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA), de 6 de agosto de 2015 (aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 183/2016, DR Iª. Série, n.º 150, de 05/08/2016)
4. Como se alcança da declaração Mod. 3 de IRS apresentada pela requerente que se encontra de fls. 35 a 45 do processo administrativo, a mesma apenas contém rendimentos obtidos no estrangeiro e constantes do anexo J, rendimentos esses das categorias E e G.
Ora, aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos das categorias E, F e G, aplica-se o método de isenção, bastando que possam ser tributados no outro Estados Unidos, em conformidade com a convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse país, desde que os rendimentos, pelos critérios previstos no n.º 1 do art.º 18.º do CIRS, não sejam de considerar obtidos em território português. Aliás é este o regime consagrado no artº. 81º., nº. 5 do CIRS.
5. Por isso, no caso presente e como bem refere a Requerente, nos termos do artigo 10.º, n.º 1 e n.º 2, da CDT celebrada entre Portugal e os EUA, os dividendos pagos por uma sociedade residente num Estado Contratante (neste caso, EUA) a um residente no outro Estado Contratante (neste caso, Portugal) podem ser tributados no Estado Contratante de que é residente a sociedade que paga os dividendos (neste caso, EUA), não podendo nesse caso o imposto exceder 15% do montante bruto dos dividendos.
Consequentemente, os dividendos declarados pela Requerente são isentos em Portugal, porque podem ser tributados nos EUA.
Do mesmo modo, nos termos do artigo 11.º, n.º 1 e n.º 2, da CDT, os juros provenientes de um Estado Contratante (neste caso, EUA) e auferidos por um residente do outro Estado Contratante (neste caso, Portugal) podem ser tributados no Estado Contratante de que provêm (EUA), não podendo nesse caso o imposto exceder 10% do montante bruto dos juros.
Consequentemente, os juros declarados pela Requerente beneficiam de isenção em Portugal, porque podem ser tributados nos EUA.
Por fim, relativamente a outros rendimentos de capitais, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, ainda da CDT, os rendimentos de um residente num Estado Contratante (Portugal) que sejam provenientes do outro Estado Contratante (EUA), podem também ser tributados nesse outro Estado, de onde provêm (EUA).
Em consequência também estes rendimentos estão isentos de tributação em Portugal.
Quanto às mais-valias imobiliárias, dispõe o artigo 14.º, n.º 1, da CDT que os ganhos que um residente de um Estado Contratante (neste caso, Portugal) aufira da alienação de bens imobiliários situados no outro Estado Contratante (neste caso, EUA) podem ser tributados nesse outro Estado (nos EUA).
Portanto, a mais-valia pela alienação de imóveis situados nos EUA está isenta de tributação em Portugal.
Em conclusão, todos os rendimentos declarados e uma vez que que foi reconhecido á requerente o estatuto de residente não habitual no ano de 2020, nos termos do artº. 16º., nº. 8 e 9 do CIRS, todos os rendimentos declarados e relativos ao ano de 2020, devem ser tributados nos termos do artº. 81º., nº. 5, al. a) do CIRS com referência à Convenção para eliminar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América (CDT), o que no caso presente significa a sua isenção de tributação em Portugal.
Logo, a liquidação ora impugnada é ilegal, porque liquidou imposto à ora requerente, e deve ser anulada como pede a Requerente.
6. Face ao que se deixa dito nos números anteriores e dado que não está alegado o que se passou com a reclamação graciosa a que se refere a al. m) dos factos assentes, não se demonstra que os rendimentos declarados pela Requerente e que esta pretende que sejam excluídos por dizerem respeito ao seu marido, com quem é casada segundo regime da separação de bens, devam ser excluídos da liquidação de IRS promovida pela Requerida relativamente ao no de 2020.
De qualquer modo, como se trata de rendimentos também recebidos nos Estados Unidos e como à requerente foi reconhecido á requerente o estatuto de residente não habitual, mantém-se a ilegalidade da liquidação realizada, pelos mesmos fundamentos expostos, pelo que fica prejudicada a questão da exclusão dos rendimentos declarados pela Requerente os que alegadamente foram auferidos pelo seu marido.
6. Devolução do imposto pago, juros e custas, acrescido de juros indemnizatórios.
Conforme vem provado na al. o) dos factos provados, a requerente procedeu ao pagamento do valor da liquidação referida na alínea anterior em 02.01.2022, ou seja, o montante total de € 19.179,93.
Além da restituição dessa quantia já paga por força da anulação da respectiva liquidação, pede ainda o requerente a condenação da requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, calculados desde a data em que procedeu ao pagamento do imposto liquidado até à data em que vier a ser reembolsado ao requerente o indevidamente pago, juros esses vencidos e vincendos, desde aquela data.
A propósito dos juros indemnizatórios, prescreve o artigo 43º nº 1 da LGT que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
No caso ora em apreciação, o vício que afeta a liquidação impugnada é exclusivamente imputável à requerida AT como se demonstrou pelo facto provado u), que julgou procedente a acção de reconhecimento à Requerente do estatuto de residente não habitual, acção essa proposta na sequência de indeferimento pela requerida do pedido desse reconhecimento, pelo que tem a requerente direito ao recebimento dos juros indemnizatórios.
É que, nos termos da alínea b) do artigo 24º do RJAT, 35º nº 10 e 43º nº 1 da Lei Geral Tributária e 61º nº 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a requerida incorreu em erro que lhe é imputável ao indeferir o pedido de reconhecimento á requerente o estatuto de residente não habitual e ao ter com base nesse indeferimento procedido à liquidação de IRS ora anulada, pelo que deve pagar à Requerente juros indemnizatórios sobre a quantia paga indevidamente por esta, contados à taxa legal, desde o pagamento das quantias indevidamente exigidas até à sua restituição.
Portanto, tem a ora requerente direito a ser reembolsada relativamente à parte que peticiona do que pagou indevidamente e, ainda, a ser indemnizada por esse pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios por parte da requerida, desde a data do pagamento da quantia, até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 43.º e n.º 10 do artigo 35.º da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
7. Decisão
Nestes termos, decide-se julgar procedente o presente pedido de pronúncia arbitral e consequentemente:
a) anular o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pela requerente contra a liquidação de IRS n.º 2021 ... e de juros compensatórios n.º 2021 ..., relativa ao exercício de 2020, no valor total de € 19.179,93;
b) anular a liquidação de IRS n.º 2021 ... e de juros compensatórios n.º 2021..., relativa ao exercício de 2020, no valor total de € 19.179,93;
c) julgar procedente o pedido de condenação da requerida na restituição de imposto relativo a essa nota de liquidação anulada, no valor total de € 19.179,93, acrescido de juros indemnizatórios, por parte da requerida, desde a data do pagamento dessa quantia, até efectivo reembolso, calculados à taxa legal supletiva que é actualmente de 4% ao ano.
8. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 19.179,93 indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
9. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante total das custas a pagar em € 1.224,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerida.
Lisboa, 16-01-2024
O Árbitro
(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)
Texto elaborado com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.