SUMÁRIO:
Ao alegar, em sede de reclamação graciosa, que declarou os seus rendimentos em duplicado, no anexo G e no anexo J da declaração modelo 3 do IRS, sem demonstrar que no anexo G foi declarado o valor global das mais-valias, o sujeito passivo não prova a duplicação de coleta.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A..., contribuinte nº..., e domicílio na Rua..., ..., ...-... Porto, doravante “Requerente”, apresentou, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, na alínea a) do n.º 1 e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista a:
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Declaração de ilegalidade do ato de indeferimento expresso do recurso hierárquico proferido no procedimento n.º ...2018..., referente à liquidação adicional de IRS nº 2015... do ano 2012;
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Anulação da liquidação de IRS nº 2015..., objeto do mesmo recurso hierárquico.
É requerida a AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “Requerida”, “Autoridade Tributária” ou simplesmente “AT”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 04-05-2023.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 21-06-2023, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a mesma, nos termos conjugados das alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 10-07-2023.
O Requerente baseia a sua pretensão nos seguintes argumentos, em síntese:
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O ato tributário imediatamente em crise é ilegal por ser ilegal a liquidação que lhe subjaz, desde logo, por manifesta duplicação da matéria coletável e, por conseguinte, da coleta;
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A realidade sujeita a tributação, e que está na origem do erro invocado, é a mesma;
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O rendimento declarado pelo Requerente no Anexo G da Declaração Modelo 3 do IRS de 2012, respeitante às mais-valias resultantes da alienação de valores mobiliários nesse exercício, é, pelo menos na parte que aqui releva, o mesmo que, por sua vez, veio a declarar no Anexo J da mesma Modelo 3, relativo aos rendimentos obtidos no estrangeiro;
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Além da declaração genérica feita no Anexo G, independentemente da fonte dos rendimentos/do país de origem, o Requerente voltou a declarar as mesmas mais-valias, nomeadamente as obtidas no estrangeiro, no valor total de € 35.916,19, no Anexo J;
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Tal redundância resultou apenas de um mero lapso que o Requerente reconheceu e procurou obviar através da apresentação de declaração de substituição, mas que, contudo, ainda persiste;
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Veja-se as instruções de preenchimento da Declaração Modelo 3 em relação aos anexos em causa, que determinam a indicação da totalidade dos rendimentos obtidos no estrangeiro no Anexo J, em especial, dos rendimentos em causa;
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Por outra parte, no Anexo G deve indicar-se precisamente as mais valias decorrentes da alienação de valores mobiliários, obtidas em território nacional, conforme instruções de preenchimento;
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Pelo que vem dito, sob pena de se tributar duas vezes a mesma realidade tributária (apenas porque, por lapso, consta em dois anexos distintos) e de se incorrer em intolerável duplicação de coleta e em injustiça grave da matéria coletável, deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser apreciado, revogados os despachos de indeferimento do recurso hierárquico e da reclamação graciosa, e aquela liquidação adicional ser anulada na parte respeitante a essa vicissitude;
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A duplicação de coleta tem três requisitos: (i) a unicidade dos factos tributários; (ii) a identidade da natureza entre o tributo pago e o que de novo se exige e (iii) a coincidência temporal do tributo pago e o que de novo se pretende cobrar. E tem por finalidade impedir que seja repetida a cobrança do mesmo tributo, por aplicação ao mesmo facto tributário do mesmo preceito legal, mais do que uma vez;
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No caso concreto, a questão central prende-se com uma duplicação de coleta por uma duplicação declarativa dos valores em causa que servem como base de incidência;
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Por outro lado, inexistem duas normas de incidência diversas que tenham por objeto a mesma realidade, pelo que nenhum sentido fará convocar a figura da dupla tributação;
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Atentas estas considerações, nenhuma outra conclusão se poderá retirar que não a de que estamos perante um caso de duplicação de coleta: por conta do erro na declaração de IRS inicial (duplicação do cômputo dos rendimentos de fonte estrangeira auferidos pelos Requerente), e da consequente duplicação da base de incidência (relativa a esses rendimentos de fonte estrangeira), verificou-se a emissão de um ato tributário de liquidação, com referência ao mesmo facto tributário (alienações de valores mobiliários assentes no princípio da realização), ao mesmo tributo (IRS) e ao mesmo período (2012), e que deve beneficiar da proteção do seu enquadramento como duplicação de coleta para todos os efeitos legais, sob pena de se consentir numa injustiça grave da matéria coletável.
Notificada para o efeito, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta no prazo estabelecido, contestando o pedido apresentado pela Requerente por impugnação, com base, em síntese, nos seguintes argumentos:
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O recorrente fundamentou o seu pedido invocando duplicação de coleta por alegadamente declarar os mesmos rendimentos quer no anexo G quer no anexo J;
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Mas o sujeito passivo limitou-se a apresentar documentação que alegadamente comprovava o invocado sem especificar se todos ou apenas parte dos rendimentos declarados no anexo G tinham sido declarados no anexo J;
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Da análise à documentação apresentada pelo sujeito passivo concluiu-se que os rendimentos indicados no anexo J estavam corretos, verificando-se uma omissão quanto aos rendimentos que deveriam ter sido declarados no anexo G;
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Em face da análise da DSRI, a Direção de Finanças do Porto resolveu indeferir a pretensão do sujeito passivo, uma vez que o objeto da reclamação consistia no alegado preenchimento em duplicado dos rendimentos (anexo G e J) implicando que os mesmos estariam a ser duplamente tributados, o que após análise da documentação se ter constatado que não se observava o alegado pelo sujeito passivo bem como ainda estaríamos perante rendimentos omissos no anexo G;
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Começando por analisar a ilegalidade do despacho, o qual de acordo com o alegado pelo recorrente resulta por a reclamação ter sido arquivada, não ter sido apreciada a matéria de facto e estarmos perante duplicação de coleta;
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O primeiro fundamento, o arquivamento do referido procedimento de reclamação graciosa, não se entende o alegado pelo recorrente, uma vez que houve um despacho proferido pela Chefe de Divisão de Finanças do Porto indeferindo expressamente a reclamação graciosa;
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Aliás, o sujeito passivo foi notificado validamente da decisão, tendo apresentado dentro do prazo o presente recurso hierárquico, pelo que não se entende o alegado quanto ao arquivamento do procedimento de reclamação graciosa;
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Quanto à não apreciação da matéria de facto, tal como foi acima descrito nos pontos 10 a 13 da presente informação, houve uma apreciação quanto ao alegado pelo sujeito passivo;
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Neste sentido, importa referir que o recorrente apenas invocou que a totalidade dos rendimentos declarados no anexo G tinham sido também declarados no anexo J, sem especificar concretamente quais os rendimentos que teriam sido declarados em duplicado;
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E, conforme já supra mencionado, da análise aos documentos apresentados pelo sujeito passivo concluiu-se que não assistia razão quanto ao alegado, havendo inclusive a possibilidade do contribuinte não ter declarado a totalidade dos rendimentos no anexo G;
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Quanto à alegada duplicação de coleta, deve ser considerado o argumento como inválido, uma vez que no caso em apreço estamos perante inexistência de duplicação de coleta;
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É que a duplicação de coleta, como aliás estabelece o nº 1 do artº 205º do CPPT, surge quando, estando pago por inteiro um tributo, se exige da mesma ou de diferente pessoa, um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo;
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De onde se infere que a mesma só acontece quando há repetição na aplicação da mesma norma de incidência ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo, o que implica a sua ocorrência na mesma sede tributária, não sendo essa a realidade aqui presente, porquanto são vários os ordenamentos jurídicos em causa – o português e os de outros Estados;
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Isto é, não estamos perante a mesma realidade porque em causa estão dois ordenamentos jurídicos distintos, pelo que não se pode verificar o estabelecido no art. 205º do CPPT;
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Resumindo, mais uma vez se esclarece que no nosso ordenamento jurídico o mecanismo de eliminação de dupla tributação efetua-se através da concessão de um crédito de imposto, o qual por sua vez no nosso ordenamento tem a configuração de dedução à coleta, não sendo considerado imposto;
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Deste modo, vindo em sede de recurso hierárquico o sujeito passivo usar a mesma argumentação e documentação apresentada em sede de reclamação graciosa, confirma-se e reforça-se o fundamentado pela Direção de Finanças do Porto;
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E, tendo em conta a documentação do presente processo, o invocado pelo sujeito passivo carece de documentos que fundamentem o alegado, nomeadamente o recorrente em sede do presente recurso hierárquico veio alegar de forma genérica que os rendimentos declarados no anexo G também constam do anexo J, sem especificar se todos ou apenas parte deles;
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Desta forma, do que é possível confirmar verifica-se que o sujeito passivo recebeu rendimentos do estrangeiro e de Portugal que deram origem a mais valias mobiliárias;
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É que ao contrário do alegado pelo sujeito passivo, conforme apurado em sede reclamação por esta Direção de Serviços e confirmada pela Direção de Finanças do Porto o rendimento auferido foi superior ao declarado, nomeadamente verificou-se a omissão de dois rendimentos cujos valores de realização foram nos montantes de €210.000,00 e €25.000,00, cuja entidade emitente tem o NIF...;
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De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 74º da Lei Geral Tributária o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos invocados recai sobre quem os invoca, pelo que conforme ficou demonstrado o recorrente não fundamentou devidamente quais os rendimentos específicos que alegadamente foram tributados em duplicado;
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Resumindo, o sujeito passivo não demonstrou que durante o ano de 2012 o rendimento declarado no anexo G contestado também consta do anexo J, uma vez que a prova documental por ele apresentada vem comprovar a fundamentação que sustentou o indeferimento da reclamação graciosa.
No dia 11.12.2023, realizou-se entre o Tribunal e as Partes a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, na qual foi inquirida a testemunha indicada pelo Requerente.
Nessa mesma reunião, foi concedido às Partes prazo para apresentarem, querendo, alegações escritas.
No dia 20.12.2023, o Requerente apresentou as suas alegações, em que, não acrescentando argumentação de direito, alegou dever-se considerar provada, com o reforço da prova testemunhal, toda a matéria de facto alegada na sua petição inicial.
A Requerida não apresentou alegações.
Em 08.01.2024, por não se encontrar totalmente decorrido o prazo para apresentação de alegações, o Tribunal determinou a prorrogação por dois meses, ao abrigo do nº 2 do art.º 21º do RJAT, do prazo para prolação da decisão arbitral.
II. SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e é materialmente competente, à luz do disposto no nº 1, al. a) do art.º 2.º do RJAT, uma vez que está em causa a apreciação da legalidade de um ato de liquidação.
As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe resolver, pelo que nada obsta ao conhecimento do mérito do pedido.
III. QUESTÕES A APRECIAR
A questão a apreciar e a decidir no presente processo é a de saber se a decisão que negou provimento ao recurso hierárquico, interposto do indeferimento da reclamação graciosa nº ...2015..., mantendo na ordem jurídica a liquidação de IRS reclamada, é ilegal, por a liquidação se encontrar ferida de ilegalidade, por duplicação de coleta.
IV. MATÉRIA DE FACTO
Factos considerados provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
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Em 31-05-2013, o Requerente entregou a sua Declaração Modelo 3 do IRS, referente ao ano de 2012, instruindo a mesma com os respetivos anexos A, G e J;
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No anexo G (Mais-valias e outros incrementos patrimoniais), no quadro 8 (alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários – Artigo 10º nº 1, alínea b) do Código do IRS), na coluna “Aquisição”, o Requerente declarou o valor de 2.752.184,82 €;
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No mesmo anexo G, no mesmo quadro, na coluna “Realização”, o Requerente declarou o valor de 2.825.690,70;
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No mesmo anexo e no mesmo quadro, na coluna “despesas e encargos”, o Requerente declarou o valor de 1.493,66 €;
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No anexo J (Rendimento obtidos no estrangeiro), no quadro 4 (Rendimentos obtidos no estrangeiro), no campo 414 (Mais-valias ou ganhos da alienação de valores mobiliários – alíneas b), e), f) e g) nº 1 art.º 10º CIRS), o Requerente declarou o valor negativo de (-)152.609,76 €;
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No mesmo anexo J, no quadro 6 (discriminação dos rendimentos obtidos no estrangeiro), o Requerente declarou o valor negativo já declarado no campo 414 do quadro 4: (-) 152.609,76 €;
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Esta declaração original deu origem à demonstração de liquidação de IRS n.º 2013..., com valor apurado de € 0,00, emitida em 20-07-2013;
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Em 08.08.2013, o Requerente apresentou uma declaração de substituição da anterior;
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No anexo G, no quadro 8, na coluna “Aquisição”, o Requerente declarou o valor de 2.752.184,82 €;
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No mesmo anexo G, no mesmo quadro, na coluna “Realização”, o Requerente declarou o valor de 2.825.690,70 €;
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No mesmo anexo e mesmo quadro, na coluna “Despesas e encargos”, o Requerente declarou o valor de 1.493,66 €;
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No anexo J, no quadro 4 (Rendimentos obtidos no estrangeiro), o Requerente declarou:
- No campo 408 (Juros referidos no nº 5 do art.º 78º do CIRS), o valor 7.229,38 €;
- No campo 414 (Mais valias ou ganhos da alienação de valores mobiliário), o valor de 35.916,19 €.
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No mesmo anexo J, no quadro 6, o Requerente declarou:
- País 76: rendimento de 47.216,25 €
- País 136: rendimento de (-) 12.428,48 €
- País 826: rendimento de 1.128,42 €
- País 756: rendimento de 7.229,38 €
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No total, no quadro 6 do anexo J, o Requerente declarou um rendimento positivo de 43.145,57 €;
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Esta declaração deu origem a uma liquidação emitida em 10.08.2013, que apurou um valor global a pagar de 33.823,27 €, incluindo juros compensatórios;
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Existiram contactos, nomeadamente uma reunião, entre o Requerente, e a Direção de Serviços de IRS e da Direção de Finanças do Porto;
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Em 16-12-2015, o Requerente apresentou reclamação graciosa, contra este segundo ato de liquidação, com base em duplicação de coleta;
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Na reclamação graciosa, o Requerente alega:
“5º
No anexo G, atinente à declaração dos incrementos patrimoniais (mais-valias), o ora reclamante declarou a totalidade dos movimentos de aquisição (€2752184,82 €) e de realização de valores mobiliários registados naquele ano fiscal, independentemente do país de origem, registando ainda os respetivos encargos inerentes (248,32€ e 1.245,34 €).
6º
Por sua vez, no anexo J, referente à declaração de rendimentos obtidos no estrangeiro, o reclamante voltou a declarar o apuro de mais-valias obtidas com a alienação de títulos no estrangeiro (em país cujo emitente não fosse Portugal), no valor de 35916,19€.
7º
Ora, surge então por evidência que este valor foi erradamente declarado nos dois anexos (G e J), dando origem a uma duplicação da matéria tributável, e assim, da coleta”.
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Em 31.07.2018, foi indeferida a reclamação graciosa, com os seguintes fundamentos:
“Relativamente a alegada falta de fundamentação da liquidação, importa sublinhar que o reclamante não logra especificar em que medida se traduz essa falta, nada dizendo de concreto do porquê entender que a liquidação padece do referido vício. (...)
No atinente aos demais argumentos, o reclamante junta ao processo documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, quer quanto ao declarado no anexo G, quer quanto ao anexo J.
Os rendimentos declarados no anexo J, referem-se a rendimentos de capitais pagos pelo Banque Prive, Espírito Santo, provenientes do Luxemburgo no montante de 7229,38 €.
Face ao alegado pelo reclamante e, dada a matéria controvertida em apreciação, foi solicitado a direção de serviços das relações internacionais para que se pronunciasse sobre os documentos juntos pelo sujeito passivo, aqui a reclamante (...) a que se refere a primeira liquidação de IRS do ano de 2012 (...).
A DSRI e elaborou a informação número 1070 em 22/5/2014 a qual obteve despacho de concordância do chefe de divisão proferido em 31/8/2015, na qual refere que:
“...3 nos termos do disposto no artigo 13 da Convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e a Confederação Helvética, norma residual, atribui a competência para tributar os ganhos provenientes da alienação de valores mobiliários ao estado contratante do que o alienante é residente.
4. Conforme a portaria 1303/2010, de 9/5/2007 da direção de serviços das relações internacionais, na linha do entendimento consagrado no ofício circulado número 20022 de 19/5/2000 da direção de serviços de benefícios fiscais, deve ser apresentado pelo sujeito passivo, documento que comprove o montante de imposto pago no estrangeiro, emitido pela autoridade tributária do país da fonte dos rendimentos.
5. Atendendo ao pedido e cingindo-nos aos documentos apresentados pelo sujeito passivo supra identificado, uma cópia da declaração modelo três de 2012; declarações de movimentos de registo/depósito de valores mobiliários de 2010, 2011 e 2012 emitida pelo Banco Espírito Santo e declaração de movimentos de valores mobiliários de 2012, emitida pelo ESAF- Administração de Patrimónios e declaração de 10/4/2013 emitida pelo Banque Privé Espírito Santo verifica-se que:
- No que diz respeito ao preenchimento do anexo J, constata-se que dos elementos fornecidos pela instituição financeira apenas rendimentos e mais valias em títulos depositados em instituição financeira não residentes em Portugal foram considerados no anexo J e que se cifra em 7229,35 €.
6. Alerta-se ainda da análise do quadro resumo emitido pela entidade bancária em confronto com o anexo G da Declaração modelo 3 de substituição não foram declarados dois rendimentos um de valor de realização de €210.000,00 e outro de €25.000.00 que deverão constar do anexo G, 48, campos 811 e 812.
(...)
7. Pese embora a documentação apresentada não tenha sido emitida ou autenticada pelas autoridades fiscais suíças, tal não se afigura do ponto de vista formal como um impedimento à sua aceitação.
8. Com efeito, nos termos do nº 2 do art.º 9º do acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça, que prevê medidas equivalentes às previstas na Diretiva 2003/48/CE (diretiva poupança) se o juros recebidos por um beneficiário efetivo tiverem sido sujeitos a qualquer tipo de imposto ou retenção na fonte, para além da prevista no presente acordo, e o estado membro da residência fiscal conceder um crédito fiscal em relação a esses impostos ou retenções na fonte, segundo o seu direito interno ou convenções destinadas a prevenir a dupla tributação, devendo ser aceites os certificados emitidos pelos agentes pagadores suíços, como prova bastante do imposto ou de retenção na competente Suíça a verificação das informações contidas nesses certificados emitidos pelos agentes pegadores.
9. Porém tal entendimento só se afigura possível caso os documentos apresentados contenham todos os elementos necessários para a comprovação pretendida.
10. No anexo J é indicada a conta à qual se referem os rendimentos (a mesma a que se refere o documento apresentado) pelo que se afigura suscetível de aceitação a prova apresentada.
11. Em conclusão dos documentos apresentados constam os valores declarados no anexo J (€7229,38) a inscrever no quadro 4 campo 408, verificando-se que foram omitidos rendimentos do preenchimento no anexo G, conforme o exposto nº 6 presente informação.
Ademais, os elementos probatórios juntos não demonstram o alegado pelo reclamante, ou seja de que os valores contidos no anexo G são em parte os mesmos que figuram no anexo J”.
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Em 03.09.2018, o Requerente interpôs recurso hierárquico desta decisão, perante o Ministro das Finanças e o “diretor-geral dos impostos”;
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Através de ofício datado de 30.01.2023, o recurso hierárquico foi indeferido pelo diretor de serviço central da direção de serviços de relações internacionais da Autoridade Tributária, em que se diz:
“7. Ora, a matéria aqui controvertida já foi objeto de análise, em sede do presente recurso hierárquico por parte da Direção de Finanças do Porto, onde se concluiu que a decisão proferida no âmbito da reclamação graciosa seria de manter face ao disposto na lei vigente.
8. Atendendo ao alegado pelo recorrente e em face da prova documental apresentada, constata-se que em sede de reclamação relativamente ao IRS de 2012 a pretensão do sujeito passivo não foi acolhida porque os documentos apresentados não foram considerados suficientes para fundamentar o pedido.
9. Ora, resumidamente, consultando o processo de reclamação verifica-se que o recorrente fundamentou o seu pedido invocando duplicação de coleta por alegadamente declarar os mesmos rendimentos quer no anexo G quer no anexo J. 10. Mais, o sujeito passivo limitou-se a apresentar documentação que alegadamente comprovava o invocado sem especificar se todos ou apenas parcialmente dos rendimentos declarados no anexo G tinham sido todos declarados no anexo J.
11. A Direção de Finanças do Porto solicitou a esta Direção de Serviços apoio quanto à obrigatoriedade do sujeito passivo apresentar o anexo J e quais os rendimentos que deveriam constar naquele anexo.
12. Da análise à documentação apresentada pelo sujeito passivo concluiu-se que os rendimentos indicados no anexo J estavam corretos, verificando-se uma omissão quanto aos rendimentos que deveriam ter sido declarados no anexo G.
13. Em face da análise da DSRI, a Direção de Finanças do Porto resolveu indeferir a pretensão do sujeito passivo, uma vez que o objeto da reclamação consistia no alegado preenchimento em duplicado dos rendimentos (anexo G e J) implicando que os mesmos estariam a ser duplamente tributados, o que após análise da documentação se ter constatado que não se observava o alegado pelo sujeito passivo bem como ainda estaríamos perante rendimentos omissos no anexo G.
14.Tendo estas conclusões como fundamento a reclamação graciosa foi indeferida, vindo o sujeito passivo recorrer da decisão alegando novamente a duplicação de coleta e que o despacho de indeferimento estava ferido de ilegalidade.
15.Começando por analisar a ilegalidade do despacho, o qual de acordo com o alegado pelo recorrente resulta por a reclamação ter sido arquivada, não ter sido apreciada a matéria de facto e estarmos perante duplicação de coleta;
16.O primeiro fundamento, o arquivamento do referido procedimento de reclamação graciosa, não se entende o alegado pelo recorrente, uma vez que houve um despacho proferido pela Chefe de Divisão de Finanças do Porto indeferindo expressamente a reclamação graciosa.
17. Aliás, o sujeito passivo foi notificado validamente da decisão, tendo apresentado dentro do prazo o presente recurso hierárquico, pelo que não se entende o alegado quanto ao arquivamento do procedimento de reclamação graciosa.”
18. Quanto à não apreciação da matéria de facto, tal como foi acima descrito nos pontos 10 a 13 da presente informação, houve uma apreciação quanto ao alegado pelo sujeito passivo.
19. Neste sentido, importa referir que o recorrente apenas invocou que a totalidade dos rendimentos declarados no anexo G tinham sido também declarados no anexo J, sem especificar concretamente quais os rendimentos que teriam sido declarados em duplicado.
20. E, conforme já supra mencionado, da análise aos documentos apresentados pelo sujeito passivo concluiu-se que não assistia razão quanto ao alegado, havendo inclusive a possibilidade do contribuinte não ter declarado a totalidade dos rendimentos no anexo G.
21. Quanto à alegada duplicação de coleta, deve ser considerado o argumento como inválido, uma vez que no caso em apreço estamos perante inexistência de duplicação de coleta.
22. É que a duplicação de colecta, como aliás estabelece o nº 1 do artº 205º do CPPT, surge quando, estando pago por inteiro um tributo, se exige da mesma ou de diferente pessoa, um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.
23. De onde se infere que a mesma só acontece quando, há repetição na aplicação da mesma norma de incidência ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo, o que implica a sua ocorrência na mesma sede tributária, não sendo essa a realidade aqui presente, porquanto são vários os ordenamentos jurídicos em causa – o português e os de outros Estados.
24. Isto é, não estamos perante a mesma realidade porque em causa estão dois ordenamentos jurídicos distintos, pelo que não se pode verificar o estabelecido no art. 205º do CPPT.
25. Resumindo, mais uma vez se esclarece que no nosso ordenamento jurídico o mecanismo de eliminação de dupla tributação efetua-se através da concessão de um crédito de imposto, o qual por sua vez no nosso ordenamento tem a configuração de dedução à colecta, não sendo considerado imposto.
26. Deste modo, no nosso entender e atendendo ao alegado pelo sujeito passivo não lhe assiste razão quanto à ilegalidade do despacho tendo como fundamento existência de duplicação da colecta.
27. Concluindo, da análise aos elementos constantes nos autos resulta, desde já, que não constam quaisquer documentos novos ou diferentes dos apresentados em sede de reclamação graciosa.
28. Pelo que, não podemos deixar de remeter para a fundamentação que sustentou o
indeferimento da reclamação graciosa.
29. Deste modo, vindo em sede de recurso hierárquico o sujeito passivo usar a mesma argumentação e documentação apresentada em sede de reclamação graciosa, confirma-se e reforça-se o fundamentado pela Direção de Finanças do Porto.
30. E, tendo em conta a documentação do presente processo, o invocado pelo sujeito passivo carece de documentos que fundamentem o alegado, nomeadamente o recorrente em sede do presente recurso hierárquico veio alegar de forma genérica que os rendimentos declarados no anexo G também constam do anexo J, sem especificar se todos ou apenas parte deles.
31. Desta forma, do que é possível confirmar verifica-se que o sujeito passivo recebeu rendimentos do estrangeiro e de Portugal que deram origem a mais valias mobiliárias.
32. É que ao contrário do alegado pelo sujeito passivo, conforme apurado em sede reclamação por esta Direção de Serviços e confirmada pela Direção de Finanças do Porto o rendimento auferido foi superior ao declarado, nomeadamente verificou-se a omissão de dois rendimentos cujos valores de realização foram nos montantes de €210.000,00 e €25.000,00, cuja entidade emitente tem o NIF ... .
33. De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 74º da Lei Geral Tributária o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos invocados recai sobre quem os invoca, pelo que conforme ficou demonstrado o recorrente não fundamentou devidamente quais os rendimentos específicos que alegadamente foram tributados em duplicado.
34. Resumindo, o sujeito passivo não demonstrou que durante o ano de 2012 o rendimento declarado no anexo G contestado também consta do anexo J, uma vez que a prova documental por ele apresentada vem comprovar a fundamentação que sustentou o indeferimento da reclamação graciosa.
35. Assim, face ao exposto, sou de parecer que seja negado provimento ao presente recurso hierárquico.”
Não existem factos considerados não provados com relevância para a decisão da causa.
Os factos considerados provados foram-no com base na prova documental constante do processo, na prova testemunhal produzida em reunião do Tribunal com as Partes, e ainda na omissão de contestação por cada uma das Partes dos factos invocados pela Parte contrária.
V. DISCUSSÃO DE DIREITO
O Requerente alega, resumidamente, que, tendo auferido rendimentos de mais-valias no ano de 2012 com origem em países estrangeiros, declarou esses rendimentos (na declaração de substituição, que é a única que agora releva) duas vezes: no anexo G (Mais-valias e outros incrementos patrimoniais) e no anexo J (Rendimentos obtidos no estrangeiro).
De acordo com o Requerente, essa declaração dos mesmos rendimentos nos dois anexos é incorreta, pois os rendimentos de fonte estrangeira apenas deveriam ser declarados no anexo J.
Tendo sido declarados nos dois anexos, foram declarados em duplicado, do que resultou uma duplicação de coleta.
O Requerente alega que, ao proceder do modo descrito, cometeu um erro declarativo.
É sabido que, atualmente, o sistema fiscal português assenta no princípio da declaração, o qual tem várias implicações, sendo a primeira de ordem prática: o sistema fiscal, tal como hoje se configura, com a variedade de impostos e número de sujeitos passivos existentes, não funcionaria se os sujeitos passivos não estivessem obrigados a declarar os factos tributários. Logo, para a maior parte dos tributos e na grande maioria dos casos, a liquidação do tributo depende da declaração do sujeito passivo.
A segunda vertente do princípio da declaração complementa a primeira, sendo ela a presunção de veracidade e boa-fé de que goza a declaração do sujeito passivo. Esta segunda vertente contrabalança o peso do ónus que o princípio da declaração acarreta para os sujeitos passivos. Neste sentido, dispõe o art.º 75, n.º 1 da LGT que “presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”
Mas impendendo sobre os sujeitos passivos o ónus da declaração, também tem que lhes ser reconhecido o direito a cometer erros na declaração. Se os erros implicarem uma vantagem para o sujeito passivo, esses erros presumem-se de boa-fé, o que significa que não pode ser imputada ao sujeito passivo, sem prova, uma intenção dolosa no erro, tendo a administração tributária o direito e o poder de corrigir os factos declarados. Se os erros implicarem uma desvantagem para o sujeito passivo, este tem direito a obter a correção de tais erros, de modo a não ser prejudicado pelos mesmos. É nesta lógica que o art.º 59º nº 3 do CPPT estabelece o regime da correção dos erros declarativos em geral.
Contudo, precludida a possibilidade de substituição da declaração, e vendo-se o sujeito passivo obrigado a recorrer à reclamação graciosa ou outro meio equivalente, o sujeito passivo já não tem a seu favor a presunção de veracidade de que gozam as “declarações efetuadas nos termos da lei,” impendendo sobre ele o ónus da prova dos factos por si invocados, nos termos do art.º 74º nº 1 da LGT. A prova exigida ao sujeito passivo, contudo, terá que ser razoável, não podendo a administração tributária fazer uma exigência de prova tal que, pela sua forma ou pelo seu conteúdo, torne impossível ao sujeito passivo, na prática, retificar o seu erro.
No caso, na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a administração tributária começa por dizer:
“...3 nos termos do disposto no artigo 13 da Convenção para evitar a dupla tributação entre Portugal e a Confederação Helvética, norma residual, atribui a competência para tributar os ganhos provenientes da alienação de valores mobiliários ao estado contratante do que o alienante e residente.
4. Conforme a portaria 1303/2010, de 9/5/2007 da direção de serviços das relações internacionais, na linha do entendimento consagrado no ofício circulado número 20022 de 19/5/2000 da direção de serviços de benefícios fiscais, deve ser apresentado pelo sujeito passivo, documento que comprove o montante de imposto pago no estrangeiro, emitido pela autoridade tributária do país da fonte dos rendimentos.
Ora, não se alcança como esta argumentação pode ajudar a esclarecer a verdade sobre a situação do Requerente, quando este não coloca à administração tributária nenhum problema de dupla tributação internacional dos rendimentos, ou qualquer outro problema em que tenha relevância a determinação da competência para tributar. O Requerente em momento algum põe em causa a competência do Estado português para tributar os ganhos. Pedir ao sujeito passivo que junte documento que mostre que ele pagou imposto no estrangeiro, quando ele em momento algum alega que pagou impostos no estrangeiro, traduz-se numa exigência de prova impossível e desprovida de sentido útil.
Em seguida, o órgão decisor diz:
No que diz respeito ao preenchimento do anexo J, constata-se que dos elementos fornecidos pela instituição financeira apenas rendimentos e mais valias em títulos depositados em instituição financeira não residentes em Portugal foram considerados no anexo J e que se cifra em 7229,35 €.
O Requerente em momento algum diz que declarou no anexo J rendimentos obtidos em Portugal. O que ele diz é que declarou os rendimentos obtidos no estrangeiro duas vezes: no anexo G e no anexo J. Portanto, também este argumento não põe em causa o declarado pelo Requerente.
A fundamentação da RG prossegue:
7. Pese embora a documentação apresentada não tenha sido emitida ou autenticada pelas autoridades fiscais suíças, tal não se afigura do ponto de vista formal como um impedimento à sua aceitação.
8. Com efeito, nos termos do nº 2 do art.º 9º do acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça, que prevê medidas equivalentes às previstas na diretiva 2003/48/CE (diretiva poupança) se o juros recebidos por um beneficiário efetivo tiverem sido sujeitos a qualquer tipo de imposto ou retenção na fonte, para além da prevista no presente acordo, e o estado membro da residência fiscal conceder um crédito fiscal em relação a esses impostos ou retenções na fonte, segundo o seu direito interno ou convenções destinadas a prevenir a dupla tributação, devendo ser aceites os certificados emitidos pelos agentes pagadores suíços, como prova bastante do imposto ou de retenção na competente Suíça a verificação das informações contidas nesses certificados emitidos pelos agentes pegadores.
9. Porém tal entendimento só se afigura possível caso os documentos apresentados contenham todos os elementos necessários para a comprovação pretendida.
10. No anexo J é indicada a conta à qual se referem os rendimentos (a mesma a que se refere o documento apresentado) pelo que se afigura suscetível de aceitação a prova apresentada.
11. Em conclusão dos documentos apresentados constam os valores declarados no anexo J (€7229,38) a inscrever no quadro 4 campo 408, verificando-se que foram omitidos rendimentos do preenchimento no anexo G, conforme o exposto nº 6 presente informação.
Mais uma vez, não se alcança o que pode ter toda esta argumentação a ver com o alegado pelo Requerente e como pode a mesma invalidar os factos por este alegados: que os rendimentos obtidos no estrangeiro foram declarados duas vezes.
Já na decisão do recurso hierárquico, o órgão decisor diz, nos pontos 21 a 25:
“21. Quanto à alegada duplicação de coleta, deve ser considerado o argumento como inválido, uma vez que no caso em apreço estamos perante inexistência de duplicação de coleta.
22.É que a duplicação de colecta, como aliás estabelece o nº 1 do artº 205º do CPPT, surge quando, estando pago por inteiro um tributo, se exige da mesma ou de diferente pessoa, um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.
23.De onde se infere que a mesma só acontece quando, há repetição na aplicação da mesma norma de incidência ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo, o que implica a sua ocorrência na mesma sede tributária, não sendo essa a realidade aqui presente, porquanto são vários os ordenamentos jurídicos em causa – o Português e os de outros Estados.
24. Isto é, não estamos perante a mesma realidade porque em causa estão dois ordenamentos jurídicos distintos, pelo que não se pode verificar o estabelecido no art. 205º do CPPT.
25. Resumindo, mais uma vez se esclarece que no nosso ordenamento jurídico o mecanismo de eliminação de dupla tributação efetua-se através da concessão de um crédito de imposto, o. qual por sua vez no nosso ordenamento tem a configuração de dedução à colecta, não sendo considerado imposto.”
Ora, ao contrário do que diz o órgão decisor, a ser certo o que o Requerente alega, que o mesmo rendimento foi declarado e incluído na coleta do imposto duas vezes, efetivamente verificar-se-ão todos os pressupostos da duplicação de coleta.
Como é afirmado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08.06.2022 proc. nº 0915/11.0BEBRG 01037/12, relator Joaquim Condesso), a duplicação de coleta consiste na aplicação do mesmo preceito legal mais do que uma vez ao mesmo facto tributário ou situação tributária concreta. Os seus elementos ou pressupostos são (i) a unicidade do facto tributário; (ii) a identidade da natureza entre a contribuição ou imposto já pago integralmente e o que de novo se pretende cobrar; e (iii) a coincidência temporal entre a incidência do imposto pago e o que de novo se exige. Os três elementos verificam-se no caso vertente: o facto tributário é um único, sendo este o rendimento proveniente de valores mobiliários obtidos no estrangeiro; o imposto é o IRS; e nas duas tributações está em causa o mesmo período do rendimento, o ano de 2012. Não tem, pois, também razão o órgão decisor nesta parte.
No ponto 19 da decisão do RH, porém, o órgão decisor argumenta da seguinte forma:
19. Neste sentido, importa referir que o recorrente apenas invocou que a totalidade dos rendimentos declarados no anexo G tinham sido também declarados no anexo J, sem especificar concretamente quais os rendimentos que teriam sido declarados em duplicado.
E no ponto 30, diz ainda:
30. E, tendo em conta a documentação do presente processo, o invocado pelo sujeito passivo carece de documentos que fundamentem o alegado, nomeadamente o recorrente em sede do presente recurso hierárquico veio alegar de forma genérica que os rendimentos declarados no anexo G também constam do anexo J, sem especificar se todos ou apenas parte deles.
Ora, examinando a reclamação graciosa, vemos o Requerente alegar aí o seguinte:
No anexo G atinente a Declaração dos incrementos patrimoniais (mais valias o ora reclamante declarou a totalidade dos movimentos de aquisição (2.752.184,82 €) e de realização de valores mobiliários registados naquele ano fiscal, independentemente do país de origem - registando ainda os respetivos gastos inerentes (248,32€ e 1245,34€).
Por sua vez, no anexo J, referente a declaração de rendimentos obtidos no estrangeiro, o reclamante voltou a declarar o apuro de mais valias obtidas com a alienação de títulos no estrangeiro (em país cujo emitente não fosse Portugal) no valor total de 35.916,19 €.
Ora, surge então por evidência que este valor foi erradamente declarado nos dois anexos (G e J) dando origem a uma duplicação da matéria tributável e, assim, da coleta.
Mais adiante, o Requerente alega:
“Com efeito, o rendimento declarado pelo reclamante no seu anexo G, atinente a declaração de mais valias resultantes da alienação de valores mobiliários no ano de 2012, é, pelo menos na parte que é aqui releva, o mesmo que, por sua vez veio declarar no anexo J da mesma declaração, referente a declaração de rendimentos obtidos no estrangeiro.
Além da declaração genérica que havia feito no anexo G - independentemente do país de origem - o reclamante voltou a declarar o apuro dessas mesmas mais valias, mormente as obtidas no estrangeiro no valor total de 35.916,19 € no anexo J”.
Já na sua petição inicial, o Requerente alega:
“Nessa declaração de substituição, o Anexo G mantém-se inalterado: declarou a totalidade dos movimentos de aquisição (€ 2.752.184,82) e de realização de valores mobiliários registados naquele exercício (€ 2.825.690,70), independentemente da fonte/do país de origem dos rendimentos, registando ainda os respetivos despesas e encargos inerentes (no total de € 1.493,66). O Requerente não optou pelo englobamento desses rendimentos.
11º
Já no Anexo J da declaração de substituição, o contabilista do Requerente declarou € 7.229,38 no campo 408, do quadro 4, respeitante a juros referidos no n.º 5 do artigo 72.º do Código do IRS, na redação à data dos factos, sem retenção em Portugal. O contabilista declarou igualmente € 35.916,19 no campo 414, do quadro 4, respeitante a mais-valias ou ganhos da alienação de valores mobiliários previstos nas alíneas b), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS à data dos factos. O total do quadro dos rendimentos obtidos no estrangeiro (quadro 4) era de € 43.145,57. O Requerente não optou pelo englobamento desses rendimentos.
12.º Na discriminação dos rendimentos obtidos no estrangeiro, no quadro 6, o Requerente voltou a declarar esses rendimentos positivos e negativos, associados aos campos 408 e 414, consoante o código do país de origem dos rendimentos.”
Mais diante, o Requerente argumenta:
26º
O ato tributário imediatamente em crise é ilegal por ser ilegal a liquidação que lhe subjaz, desde logo, por manifesta duplicação da matéria coletável e, por conseguinte, da coleta.
27.º A realidade sujeita a tributação, e que está na origem do erro invocado, é a mesma.
28.º O rendimento declarado pelo Requerente no Anexo G da Declaração Modelo 3 do IRS de 2012, respeitante às mais-valias resultantes da alienação de valores mobiliários nesse exercício,
29.º É, pelo menos na parte que aqui releva, o mesmo que, por sua vez, veio a declarar no Anexo J da mesma Modelo 3, relativo aos rendimentos obtidos no estrangeiro.
30.º Além da declaração genérica que havia feito no Anexo G – independentemente da fonte dos rendimentos/do país de origem – o Requerente voltou a declarar o apuramento dessas mesmas mais-valias, nomeadamente as obtidas no estrangeiro, no valor total de € 35.916,19, no Anexo J.
31.º Tal redundância resultou apenas de um mero lapso que o Requerente reconheceu e procurou obviar através da apresentação de declaração de substituição, mas que, contudo, ainda persiste.
Vemos assim que o Requerente nunca afirma, como pretende a Requerida, que todo o rendimento declarado no anexo G foi declarado também no anexo J.
O Requerente afirma, sim, que o valor das mais-valias obtidas no estrangeiro e declarado no anexo J (€ 35.916,19) também está incluído no anexo G.
O erro é simples de perceber.
Vejamos:
Na declaração de substituição, o Requerente declarou, no anexo G (no quadro 8, referente a alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários), o montante realizado de 2.825.690,70€ e o montante de aquisições de 2.752.184,82€, com um valor de encargos de 1.493,66€, o que perfaz um rendimento (mais-valias) de 72.012,22€.
No anexo J, o requerente declara (no quadro 4, referente a rendimentos obtidos no estrangeiro) no campo 408 (juros referidos no nº 5 do art.º 72º do CIRS), o valor de 7.229,38; e no campo 414 (mais valias ou ganhos da alienação de valores mobiliários), o valor de 35.916,19 €.
O que significa, a aceitar o que afirma o Requerente, que o valor de 35.916,19€ (apresentado no anexo J) está incluído no valor de 72.012,22€ (apresentado no anexo G).
Contudo, tendo em conta que impende sobre ele o ónus de provar os factos constitutivos dos direitos por si invocados, o Requerente não tem apenas que afirmar que declarou o valor de 35.916,19 € duas vezes. Para provar que existiu duplicação de coleta, o Requerente terá que demonstrar que o valor de 72.012,22€ corresponde a todas as mais-valias por si realizadas em Portugal e no estrangeiro, para, a partir daí, se poder concluir que o valor de 35.916,19 € está, necessariamente, incluído naquele valor global.
Ora, é aqui que, na opinião do Tribunal, reside o problema da prova do Requerente.
Para provar o erro, o Requerente juntou documentos referentes aos rendimentos. O que haveria que provar através desses documentos era que, efetivamente, o valor de 72.012,22€ corresponde a todas as mais-valias por si realizadas em Portugal e no estrangeiro. Se assim fosse, o valor de 35.916,19 € declarado no anexo G estaria necessariamente duplicado.
Na reclamação graciosa, o Requerente indica que junta um documento. Contudo, esse documento não se encontra no processo administrativo. E o mesmo acontece com o documento alegadamente junto ao recurso hierárquico.
Já em sede de processo arbitral, o Requerente junta à sua petição inicial 19 páginas de informação bancária, relativa a investimentos mobiliários, sem explicar que extratos, que páginas, que linhas, que valores desses documentos se devem juntar, somar ou subtrair, para demonstrar que o valor das mais-valias totais é de 72.012,22€ e que, desse valor, o montante de 35.916,19 € diz respeito a mais-valias obtidas no estrangeiro. Ora, o Requerente não pode esperar que seja a Autoridade Tributária ou, muito menos o Tribunal a fazer esse trabalho de demonstração.
Aliás, ao juntar, já após a reunião de 11.12.2023 do Tribunal com as Partes, documentação adicional, com o intuito de provar que os rendimentos foram declarados em duplicado, o Requerente admite que a documentação inicialmente incorporada não é suficiente.
Mas relativamente a este novo acervo de documentos – 19 páginas de informação bancária – mais uma vez, o Requerente não faz o trabalho de indicar quais são os valores que relevam para a demonstração, a que dizem respeito, que valores há que juntar, somar ou subtrair, para se chegar à conclusão inequívoca de que o total das mais-valias realizadas é de 72.012,22€, estando assim, necessariamente, incluído nesse valor o montante de 35.916,19 € respeitante a mais-valias realizadas no estrangeiro.
O tribunal entende que cabia ao Requerente fazer essa demonstração, que não fez, quer em sede de reclamação graciosa, quer em sede de processo arbitral.
O órgão decisor da reclamação graciosa também usa este argumento, quando diz, no ponto 11 (pág. 22 da RG):
Ademais, os elementos probatórios juntos não demonstram o alegado pelo reclamante, ou seja de que os valores contidos no anexo G são em parte os mesmos que figuram no anexo J”.
Além disso, o órgão decisor do recurso hierárquico ainda dá como provados factos que contrariam os factos que o Requerente pretende provar quando diz (ponto 12, pág. 40 do RH) que “da análise à documentação apresentada pelo sujeito passivo concluiu-se que rendimentos indicados no anexo J estavam corretos, verificando-se uma omissão quanto aos rendimentos que deveriam ter sido declarados no anexo G.”
Ou seja, mesmo sem dar aqui qualquer relevância à alegação – que efetivamente se considera inconsequente nesta sede - de que houve omissão nos rendimentos declarados, há que atentar em que a AT não considera provado, com base nos documentos juntos pelo Requerente, que o valor total das mais-valias realizadas seja de 72.012,22€; e se o rendimento total de mais-valias não é de 72.012,22€ - o que o Requerente também não prova em sede de processo arbitral – então o montante de 35.916,19 € não está necessariamente incluído nesse valor. Como já se disse anteriormente, o Requerente, para ver provada a duplicação de coleta tinha que provar necessariamente o valor total das mais-valias realizadas.
Refira-se ainda que, na decisão do recurso hierárquico, o órgão decisor remete (no ponto 28) para a fundamentação da decisão da reclamação graciosa, dizendo: “Pelo que, não podemos deixar de remeter para a fundamentação que sustentou o indeferimento da reclamação graciosa.”
Deste modo, não se pode considerar que o Requerente tenha, efetivamente, demonstrado que os rendimentos declarados no anexo J foram incluídos, também, no anexo G.
E com isso há que concluir que o Requerente não prova que se verifique duplicação de coleta, pelo que também não se pode considerar provada a ilegalidade nem do ato de indeferimento do recurso hierárquico, nem do ato de liquidação mediatamente impugnado.
VI. DECISÃO
Em vista de todo o exposto, decide-se:
-
Julgar improcedente o pedido de anulação e, consequentemente, manter na ordem jurídica o despacho datado de 15.12.2022, do Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Unidade de Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira, que negou provimento ao recurso hierárquico n.º ...2018..., referente à liquidação de IRS nº 2015 ... do ano 2012;
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Julgar improcedente o pedido de anulação da liquidação de IRS nº 2015 ... do ano 2012.
VII. VALOR DO PROCESSO
Nos termos do art. 97.º-A nº 1, al. a) do CPPT do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em 33.932,53 euros.
VIII. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.836,00 euros, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelo Requerente.
Notifiquem-se as Partes.
Porto, 17 de janeiro de 2024
O Árbitro
(Nina Aguiar)