Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 550/2023-T
Data da decisão: 2023-12-07  IRS  
Valor do pedido: € 220.025,62
Tema: IRS. Rendimentos obtidos no estrangeiro. Retenção na fonte. Falta de fundamentação substantiva.
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Decisão Arbitral

 

Processo n.º 550/2023-T

 

            Os árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Sónia Martins Reis e Dr. Amândio Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 03-10-2023, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

           

A..., contribuinte fiscal n.º..., residente na..., ..., ..., ...-... Estoril, doravante a “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), pretendendo a anulação, «com fundamento em preterição do dever de fundamentação nos termos do artigo 77.º da LGT e do artigo 268.º da CRP e por erro na aplicação do direito, nomeadamente do número 17 do artigo 71.º do Código do IRS e, subsidiariamente, do número 1 do artigo 28.º da LGT, o despacho de indeferimento da reclamação graciosa, bem como a subjacente liquidação de IRS n.º 2022... e respetivo acerto de contas n. 2022..., assim como as demais consequências legais, bem como ser indemnizada da hipoteca constituída devidamente, indemnização essa a ser liquidada em execução de sentença».

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 27-07-2023.

Os Árbitros designados pelo Conselho Deontológico do CAAD aceitaram as designações.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 13-09-2023.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 03-10-2023.

A AT apresentou resposta em defendeu que deve julgar-se improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 08-11-2023 foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

Na sequência de notificações, as Partes juntaram documentos.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O processo não enferma de nulidades.

 

 

            2. Matéria de facto

 

  1. A Requerente é uma cidadã portuguesa, residente em Portugal;
  2. A B..., titular do NIPC ..., é sucursal em Portugal de uma instituição de crédito com sede de União Europeia (como se refere em https://www.bportugal.pt/sucursal...);
  3. Durante o ano de 2018, a Requerente auferiu rendimentos de dividendos pagos pelas empresas portuguesas C... SGPS e D... SGPS, no valor global de € 692.621,14, sendo o pagamento feito em Portugal pela B... (documentos n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral e n.º 2 junto em 05-12-2023, cujos teores se dão como reproduzidos);
  4. A B... efectuou os seguintes pagamentos à Requerente, com retenção na fonte de IRS:

– em 30-05-2018, nos valores de € 310 265,40 e € 252 264,29, relativamente aos quais foram retidas na fonte as importâncias de € 108 592,89 e € 88 292,50, respectivamente;

– em 14-12-2018, no valor de € 130 091,45, relativamente ao qual foi retida na fonte a importância de € 45 532,01;

(documentos n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral e n.º 2 junto em 05-12-2023);

  1. As importâncias retidas relativas aos pagamentos efectuados em 30-05-2018, foram entregues ao Estado em 20-06-2018, através da guia n.º ... (documento n.º 4);
  2. A importância retida relativa ao pagamento efectuados em 14-12-2018, foi entregue ao Estado em 20-04-2019, através da guia n.º ... (documento n.º 4);
  3. A AT instaurou um procedimento de divergência que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

A declaração de rendimentos modelo 3 do ano de 2019 do sujeito passivo acima identificada, com o n° ...-2018-..., foi selecionada para efeitos de análise das divergências:

• D84 - (capitais de fonte estrangeira - divergência de rendimento (Suíça));

Em 22/07/2022 foi enviado a contribuinte, n/ oficio n.° ... (entregue em 25/07/2022 - consulta ao Portal CTT) para o eventual exercício do direito de audição, nos termos do art.º 60 da LGT (ou submissão de declaração de substituição com a totalidade dos rendimentos declarada).

Em 4/08/2022, uma representante da contribuinte, enviou a esta Divisão, por correio eletrónico, uma justificação para a não declaração de rendimentos de capitais auferidos no estrangeiro, exercendo assim (ainda que sem procuração), o direito de audição da sua cliente (?).

A defesa, em suma, indicava os seguintes argumentos:

• Os dividendos pagos por entidades portuguesas em Portugal sujeitos a retenção na fonte a taxa liberatória, ficam excluídos da sua tributação em Portugal, salvo se outra for a opção da contribuinte, o que não foi o caso. As retenções associadas aos rendimentos (de capitais) podem facilmente ser verificadas pela AT nas suas bases de dados.

Cumpre então avaliar os argumentos aduzidos, bem como a prova produzida:

• Em 4/08/2022, a contribuinte submeteu nova declaração modelo 3 de IRS para 2018 (com o n.° ...-2018-..., o que motivou o encerramento de uma divergência, e a abertura de uma nova, em 6/08/2022, com o n.° ...), constando do quadro 8A do anexo J desta nova modelo 3 de IRS, o montante total de rendimento de 18.763,00 €;

• Não foi submetido qualquer anexo E (devido pelos rendimentos de capitais, se, porventura, a contribuinte tivesse optado pelo seu englobamento - art.º 22 do Código de IRS);

• E, de fato, quanto aos rendimentos auferidos em território nacional, a opção declarativa é uma realidade;

• Consultada a base de dados "obrigações acessórias", nomeadamente a modelo 39 - rendimentos e retenções a taxas liberatórias (declaração de entrega obrigatória para entidades devedoras e pelas entidades que paguem ou coloquem a disposição dos respetivos titulares, pessoas singulares, residentes em Portugal, rendimentos a que se refere o art.º 71 do C6digo de IRS (CIRS), verifica-se que o total dos rendimentos ascendeu, em 2018, a 12.920,64 €, sendo o imposto retido 3.617,78 €;

• Já feita a consulta à base de dados SITI (Sistema Integrado de Troca de Informações - entre Estados), verifica-se ter a administração fiscal Suíça, comunicado à administração fiscal Portuguesa, ter a contribuinte aqui em análise, auferido 696.722,62 € a título de dividendos, e 4.692,24 € a título de juros, perfazendo um total de rendimento de capitais de FONTE ESTRANGEIRA de 718.810,04 €;

• A diferença de valores declarados, e os detetados pela AT (mais uma vez, por indicação da administração fiscal da Suíça), não foi justificada nem pelos argumentos aduzidos, nem tampouco pela prova produzida, pelo que, salvo melhor opinião, existe falta declarativa.

Nesta conformidade, propõe-se a elaboração de DCU sobre a declaração 1503-2018-J5812-17, nos termos propostos em sede de audição, ou seja, alterando o quadro 8A do anexo J, eliminando os valores ali constantes, e inscrevendo os comunicados pela administração fiscal Suíça:

•E11- 708.734,22 €;

•E21-10.075,82 €.

para, desta forma, se encerrar a atual divergência (24277352 - dado a divergência 23940447 ter sido fechada automaticamente com a submissão de declaração de alterações.

 

  1. Em 12-10-2022, foram notificadas à Requerente os seguintes actos:

– a liquidação de IRS com o n.º 2022..., referente ao exercício de 2018, o qual apurou um montante a pagar no valor de € 237.212,50;

– a respectiva demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2022 ... no valor de € 24.319,50;

– a demonstração de acerto de contas com o número de documento 2022..., apurando um valor a pagar de € 220.025,62 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

  1. Posteriormente, a Requerente foi citada para o processo de execução fiscal n.º ...2022... para cobrança coerciva do valor de € 221.214,40, constituído pelo referido valor de € 220.025,62, acrescido de custas no valor de € 808,06 e juros de mora no valor de € 380,62 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Em 16-01-2023, Requerente apresentou reclamação graciosa, nos termos que constam do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, que veio a ter o n.º ...2022... (documento n. 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Em 19-01-2023, a Requerente deduziu ainda oposição à execução onde, em síntese, invocou a ilegitimidade da pessoa citada e duplicação da coleta, correndo o processo termos sob o número 295/23.1BESNT, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. A Requerente apresentou um requerimento de prestação de garantia sob a forma de hipoteca voluntária sobre imóveis, perante o órgão de execução fiscal, tendo sido aceite e notificado o deferimento à Requerente a 03-07-2023 (Documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. Em 14-07-2023, a Requerente constituiu a referida hipoteca (escritura pública de hipoteca emitida pelo Notário, que se junta como Documento n.º 9, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  6. A Requerente foi notificada para exercício do direito de audição sobre o projecto de indeferimento da reclamação graciosa, nos termos que constam do documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

IV – DESCRIÇÃO SUCINTA DOS FACTOS

 

A Reclamante submeteu em 2019.06.30 a declaração mod.3 de IRS respeitante ao ano de 2018, a que coube o nº ...-2018-..., que deu origem à liquidação nº 2019..., no montante de 14.390,78€.

Naquela declaração, a contribuinte inscreve rendimentos prediais no Anexo F (71.634,88€) e rendimentos obtidos no estrangeiro no Anexo J, Rendimentos de Capitais (14.703,88€), tendo declarado as respetivas retenções na fonte de 8.950,00€ e 2.407,71€ (estas no país da fonte).

No anexo J, declarou igualmente a alienação onerosa de partes sociais e outros valores mobiliários.

Posteriormente, em 2022-06-13, entregou declaração mod.3 de IRS de substituição, para o ano em apreço, a que coube o nº ...-2018-..., e que deu origem à liquidação nº 2022..., no montante de 14.645,58€ bem como a referente a juros compensatórios com o nº 2022.., cuja compensação com a anteriormente deu lugar ao pagamento total de 284,92€ (Imp.- 254,80€; J.Compºs – 30,12€).

Nesta declaração, apenas é alterado o Anexo J, tendo o montante de rendimentos de Capitais anteriormente declarado passado a 16.663,88€, mantendo-se o valor do imposto pago no estrangeiro.

Em 2022.08.04, submete nova declaração mod.3 de IRS de substituição, a que coube o nº ...-2018-..., na qual é alterado, novamente o Anexo J – Rendimentos de Capitais, que passa de 16.663,88€ a 18.763,00€, retirando o valor do imposto pago no estrangeiro.

Esta declaração deu origem à emissão da liquidação nº 2022..., no montante de 16.879,83€, bem como a de juros compensatórios nº 2022..., no montante de 307,05€, cuja compensação com a anterior deu o montante total a pagar de 2.511,18€ (Imp.- 2.234,25€; J.Compºs 276,93€).

 

 Em 2002.09.02, é notificada, no âmbito de uma análise de divergências, em virtude de os rendimentos de capitais declarados e obtidos no estrangeiro, serem inferiores aos conhecidos.

Apresentados documentos, não logrou contrariar os rendimentos conhecidos pela AT e que haviam sido comunicados pelas entidades fiscais suíças, pelo que foi elaborado, em 2022.09.20, o competente documento de correção (DC), a que corresponde a declaração oficiosa com o nº...-2018... .

E deste modo, foi alterado o valor anteriormente declarado para 718.810,04€, sem qualquer valor de imposto pago, originando a liquidação que agora se reclama.

 

V – ANÁLISE DO PEDIDO

 

Analisados os argumentos invocados pela Reclamante, bem como os documentos carreados com a sua petição, com os elementos constantes do sistema informático, verificamos que os documentos agora trazidos são os apreciados no âmbito do processo de divergências.

De acordo com informação prestada em face das conclusões no referido processo de divergências, os valores que serviram de base à elaboração do mencionado DC, são os constantes da base de dados SITI, devidamente comunicados pelas autoridades tributárias da Suíça, no âmbito da troca de informações fiscais entre Estados.

Refira-se, que a contribuinte foi notificada das referidas conclusões no âmbito do procedimento de divergências em carta registada com a viso de receção, assinado em 2022.09.30

Parece-nos, assim, que a contribuinte deverá comprovar o alegado através de declaração emitida pela entidade tributária da Suíça, que afira quer o rendimento auferido quer o imposto que foi pago nos cofres daquele País, cujos documentos a apresentar deverão ser originais ou cópias certificadas.

E deste modo, afigura-se-nos ser de indeferir a pretensão da contribuinte ora Reclamante.

 

  1. A Requerente exerceu o direito de audição em 25-05-2023, nos termos que constam do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  2. No dia 03-07-2023, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, nos termos que constam do documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

II – ALEGAÇÕES E PARECER

 

A Reclamante, no exercício do seu direito de audição vem refutar todos os argumentos anteriormente invocados, não carreando aos autos os documentos tidos como imperativos para a aferição da sua pretensão.

De facto, no projeto de decisão de que foi notificada, foi convidada a suprir a falta de documentos probatórios da sua pretensão, através de declaração emitida pela entidade tributária da Suíça, que afira quer o rendimento auferido quer o imposto que foi pago nos cofres daquele País, cujos documentos a apresentar deverão ser originais ou cópias certificadas.

E mais uma vez não logrou carrear aos autos tais documentos, não sendo a “declaração de responsabilidade da entidade que está obrigada a efetuar a retenção na fonte” emitida pelo B..., suficiente, pelo que, nos parece ser de convolar o projeto de decisão em definitivo, no sentido do indeferimento.

 

III - CONCLUSÃO

Face ao acima exposto e, salvo melhor entendimento, conclui-se pela legalidade da liquidação adicional de IRS do ano de 2018 e pelo INDEFERIMENTO do pedido.

 

  1.  Em 25-07-2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

 

2.1. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto 

 

2.1.1. Não se provaram os factos afirmados nos artigos 39.º a 44.º do pedido de pronúncia arbitral.

Na verdade, não foi apresentada qualquer prova dos factos que são afirmados nesses artigos.

 

2.1.2. Não se provou qual o teor da informação da administração tributária suíça a que alude a AT, nem se apurou quais os factos em que se baseou para emiti-la.

Designadamente, não se provou se foi efectuado o pagamento de 696.722,62  de dividendos à Requerente na Suíça (diferentes dos que lhe foram pagos em Portugal pela B...), nem qual a entidade que eventualmente teria pagado à Requerente esse montante de dividendos na Suíça, nem quais os seus valores e datas dos pagamentos, nem quais as empresas de que provenham esses dividendos.

Na verdade, para além do processo qualquer documento comprovativo do teor da comunicação que a AT diz ter recebido da administração tributária suíça, o relato da consulta que a AT refere ter efectuado à base de dados SITI (Sistema Integrado de Troca de Informações) não permite concluir que tenham sido efectuados pagamentos de dividendos na Suíça. Na verdade, a AT refere na informação em que se baseou a decisão do procedimento de divergência que, através dessa consulta, verificou «ter a administração fiscal Suíça, comunicado à administração fiscal Portuguesa, ter a contribuinte aqui em análise, auferido 696.722,62 € a título de dividendos, e 4.692,24 € a título de juros, perfazendo um total de rendimento de capitais de FONTE ESTRANGEIRA de 718.810,04 €».

Não se refere nesta informação que os dividendos a que alude tenham sido pagos à Requerente na Suíça, pelo que, mesmo que se admitisse que o relato da consulta corresponde à realidade, não se poderia concluir que houve outros pagamentos de dividendos para além dos que foram pagos em Portugal, com retenção na fonte, pela B... .

De resto, de harmonia com o preceituado no artigo nos n.ºs 1 e 4 do artigo 76.º da LGT, as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos.

No caso em apreço, não foi apresentada pela AT qualquer documento que contenha fundamentação da informação que a AT diz ter recebido das autoridades tributárias suíças, nem é indicado qual o suporte probatório da referida informação, pelo que não estão satisfeitos os requisitos exigidos por aquele artigo 76.º para dar relevo probatório à invocada informação.

Por isso, não se pode dar comprovado que a Requerente tenha recebido na Suíça € 696.722,62 a título de dividendos, e € 4.692,24 a título de juros.

 

2.1.3. No que concerne à retenção na fonte relativa aos dividendos pagos em Portugal pelo B..., é confirmada pelo documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral que não foi impugnado e não se vê razões a duvidar que corresponda à realidade. O pagamento de impostos relativos a esses pagamentos é corroborado pelo documento n.º 2 junto pela Requerente em 05-12-2023.

Nomeadamente, são indicadas naquele documento n.º 4 os números das guias relativas aos pagamentos, pelo que a AT teve a possibilidade de comprovar se elas foram apresentadas e a AT não questiona que essas guias lhe tenham sido entregues nem que os correspondentes pagamentos tenham sido efectuados.

 

2.2. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente, nos que constam do processo administrativo e os que foram jutos pela AT em 29-11-2023.

 

 

3. Apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou a liquidação de IRS impugnada, tendo como pressuposto que a Requerente tenha obtido rendimentos de fonte estrangeira (Suíça), que não foram incluídos nas declarações de IRS que a Requerente apresentou relativas ao ano de 2018.

A decisão da Autoridade Tributária e Aduaneira baseou-se numa consulta que refere ter efectuado à base de dados SITI (Sistema Integrado de Troca de Informações), através da qual refere que verificou que a administração fiscal Suíça comunicou à administração fiscal portuguesa «ter a contribuinte aqui em análise, auferido 696.722,62 € a título de dividendos, e 4.692,24 € a título de juros, perfazendo um total de rendimento de capitais de FONTE ESTRANGEIRA de 718.810,04 €».

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende no presente processo, em suma, que

– «por consulta ao SITI (Sistema Integrado de Troca de Informações), verifica-se que foi comunicado pelas autoridades fiscais suíças, nomeadamente, a título de dividendos, terem sido pagos à requerente, em 2018, os montantes brutos de €12.011,60 e de €696.722,62»;

– «de acordo com aquele documento, os dividendos são provenientes de empresas sediadas em Portugal, mas foram colocados à disposição da requerente através do banco sediado no estrangeiro (Suíça), pelo que não foi feita a retenção na fonte de 28% conforme previsto na lei portuguesa e alegado pela requerente, pelo que foram os mesmos mencionados no Anexo J da declaração de IRS de 2018 elaborada oficiosamente, uma vez que foram obtidos no estrangeiro (Suíça)»;

– «no caso em análise é aplicável a alínea d) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS, o que significa que os rendimentos auferidos pela requerente são tributados à taxa autónoma de 28%, estando neste caso a requerente obrigada a declará-los na Modelo 3 de IRS»;

– «verificando-se que os rendimentos de capitais foram obtidos no estrangeiro e que, por esse motivo, não foram efetuadas retenções na fonte a título definitivo à taxa liberatória de 28% em Portugal, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, é sob a requerente que incide o ónus de provar o facto que alega, i.e., o imposto suportado no estrangeiro, através de certificado fiscal emitido pela autoridade fiscal competente onde seja mencionado o valor do rendimento, a natureza do mesmo e o imposto pago, por ser esse o documento idóneo para o efeito»;

– «declaração entregue em sede arbitral, emitida pelo banco B..., nada tem que ver com a entidade que colocou aqueles rendimentos à disposição da requerente, acrescendo o facto de das guias de retenção mencionadas no referido documento não ser possível identificar a que rendimentos e contribuinte respeitam, pelo que, quando muito, aquele documento informa que aquela entidade entregou imposto relativo a rendimentos de capitais».

 

A Requerente imputa à liquidação impugnada vícios de falta de fundamentação, erro na aplicação do artigo 71.º do CIRS e duplicação de colecta e ainda, subsidiariamente, erro de aplicação do n.º 1 do artigo 28.º da LGT, alegando que os rendimentos de dividendos que recebeu em 2018, no valor de € 692.621,14, foram pagos através da B..., que é sucursal em Portugal de uma instituição de crédito com sede na União Europeia.

Os rendimentos de dividendos que se provou a Requerente ter recebido em 2018 são apenas os que foram pagos pela B... e foram tributados em Portugal através de retenção na fonte, à taxa liberatória de 35%, nos termos do artigo 71.º do CIRS, tendo sido retido o montante de € 242.417,40.

A Requerente defende o seguinte, em suma:

– «o dever de fundamentação importa necessariamente a tarefa de demonstrar algo que se alega, de comprovar um facto com recurso a elementos de prova aptos a esse fim»;

– «continuam por apurar as premissas utilizadas pela AT no cálculo aritmético aquando da liquidação do imposto»;

– «os rendimentos de capitais obtidos em território português, por residentes ou não residentes, pagos por ou através de entidades que aqui tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável (…)» estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo à taxa liberatória de 28% ou à taxa de 35% (como é o caso)»;

– «tratando-se o B... de uma sucursal em Portugal de uma instituição de crédito, o mesmo é qualificado como um estabelecimento estável de acordo com o disposto no número 1 e na alínea b) do número 2 do artigo 5.º do Código do IRC»;

– «o tax voucher emitido pelo B... que constitui o Documento n.º 4, ao montante bruto de dividendos pagos de € 692.621,14, foi retida, por aplicação da taxa de 35% e a título de retenção de imposto, a quantia de € 242.417,40»:

 – «assim, não declarou a Requerente estes rendimentos porque não tinha de os declarar – trata-se de rendimentos sujeitos a taxa liberatória».

 

3.1. Vício de falta de fundamentação

 

Devem distinguir-se os conceitos de «fundamentação material» e «fundamentação formal».

Esta última «pode ser entendida como uma exposição enunciadora das razões ou motivos da decisão», enquanto a fundamentação material corresponde à «recondução do decidido a um parâmetro valorativo que o justifique: no primeiro sentido, privilegia-se o aspecto formal da operação, associando-a à transparência da perspectiva decisória; no segundo, dá-se relevo à idoneidade substancial do acto praticado, integrando-o num sistema de referência em que encontre bases de legitimidade». (...)

«O dever da fundamentação expressa obriga a que o órgão administrativo indique as razões de facto e de direito que o determinaram a praticar aquele acto, exteriorizando, nos seus traços decisivos, o procedimento interno de formação da vontade decisória. O dever cumpre-se desde que exista uma declaração a exprimir um discurso que pretenda justificar a decisão, independentemente de esse arrazoado». (VIEIRA DE ANDRADE, O dever da Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, páginas 11-13).

Apenas a falta de fundamentação formal constituirá vício de forma.

A falta de fundamentação substancial, por incorrecção ou falta de prova dos pressupostos de facto ou o erro de direito, consubstanciará vício de erro sobre os pressupostos de facto ou erro sobre os pressupostos de direito.

Neste sentido, refere-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-09-2011, proferido no processo n.º 0494/11:   

O facto de, porventura, a valia substancial dos fundamentos aduzidos nesse discurso fundamentador não ser suficiente para retirar a conclusão que aí se retirou, isto é, ser insuficiente ou inapta, do ponto de vista legal, para suportar a correção efetuada, é matéria que não contende com a fundamentação formal do acto, mas sim com a fundamentação substancial, que pode levar à procedência da impugnação por força dos vícios de violação de lei que foram invocados.

Com efeito, não deve confundir-se a suficiência da fundamentação com a exatidão ou a validade substancial dos fundamentos invocados. É que, como adverte SÉRVULO CORREIA ("Noções de Direito Administrativo", I, pág. 403.), «a fundamentação pode ser inexata e ser suficiente, por permitir entender quais os pressupostos de facto e de direito considerados pelo autor do acto. Deste modo, a inexatidão dos fundamentos não conduz ao vicio de forma por falta de fundamentação. Ela pode sim revelar a existência de outros vícios, como o vicio de violação de lei por erro de interpretação ou aplicação de norma, ou (...) por erro nos pressupostos de facto» (...)".

 

No caso em apreço, ao invocar vício de falta de fundamentação, reporta-se não só à falta de fundamentação formal como à falta de fundamentação substancial.

Na verdade, a Requerente censura à AT não cumprir «a tarefa de demonstrar algo que se alega, de comprovar um facto com recurso a elementos de prova aptos a esse fim» (artigo 65.º do pedido de pronúncia arbitral), o que se reconduz à imputação de vício de erro sobre os pressupostos de facto na medida em que entende que a liquidação assenta em factos não provados.

A liquidação impugnada assenta no pressuposto de facto de a Requerente, no ano de 2018, ter recebido rendimentos de dividendos no montante de 696.722,62, pagos na Suíça, diferentes dos que recebeu e foram tributados em Portugal.

Ora, como resulta da matéria de facto fixada, os únicos rendimentos de dividendos que se provou terem sido recebidos pela Requerente foram os pagos em Portugal pela B... .

Assim, a liquidação impugnada, que assenta no pressuposto não provado de que tenham sido pagos rendimentos à Requerente na Suíça, diferentes dos que foram pagos em Portugal, enferma de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto que justifica a sua anulação.

A decisão da reclamação graciosa que manteve a liquidação enferma do mesmo vício, pelo que também se justifica a sua anulação.

 

            4. Questões de conhecimento prejudicado

 

Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação que é objecto do presente processo, por vício que impede a renovação do acto, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pela Requerente.

Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente à autoliquidação impugnada.

 

            5. indemnização por garantia indevida

 

A Requerente prestou garantia, soba forma de hipoteca voluntária sobre imóveis, para suspender uma execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da quantia liquidada e pede indemnização.

O art. 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência».

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de indemnização por garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

 

Artigo 53.º

 

Garantia em caso de prestação indevida

 

   1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

   2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

Como resulta do teor expresso do n.º 1 deste artigo 53.º, apenas de prevê indemnização, com este regime simplificado a que alude o artigo 171.º do CPPT, nos casos de prestação de garantia bancária ou equivalente e não nos de prestação de garantia da dívida por outros meios, designadamente hipotecas. ( [1] )

            Assim, improcede o pedido de indemnização por garantia indevida, sem prejuízo de o eventual direito a indemnização poder ser exercido em processo autónomo. ( [2] )

 

 

6. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2. Anular a liquidação de IRS n.º 2022... e respetivo acerto de contas n. 2022...;
  3. Anular a decisão da reclamação graciosa n.º ...2022...;  
  4. Julgar improcedente o pedido de indemnização por garantia indevida.

 

 

 

7. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º -A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 220.025,62, indicado pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

8. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente

 

Lisboa, 07-12-2023

Os Árbitros

 

 

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

 

 

(Sónia Martins Reis)

 

 

 

 

 

(Amândio Silva)

 

 



[1]             Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 24-10-2012, processo n.º 0528/12, e de 10-10-2018, processo n.º 0469/14.6BELRS 033/18.

[2]             Como também entendeu o Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos citados.