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SUMÁRIO:
I – Como se escreveu no acórdão do STA de 9 de Dezembro de 2021, a verificação das condições de isenção do pagamento de mais-valias imobiliárias por reinvestimento constitui um “facto tributário complexo de formação sucessiva, que apenas se completa (…) com a efectiva disponibilização (…) do imóvel adquirido para a finalidade estabelecida no âmbito da condição aposta ao benefício de isenção fiscal”.
II – As condições para Reinvestimento mediante a aquisição de outro imóvel para habitação diferem das condições para Reinvestimento mediante a aquisição de terreno para construção de imóvel e/ou respetiva construção, ou ampliação ou melhoramento de imóvel.
III – Tal como os gastos com a aquisição de terrenos para construção, ou os gastos com as obras de ampliação ou melhoramento de imóveis, relevam como reinvestimento nas condições previstas nos ns. 5 e 6 do artigo 10.º do Código do IRS, também os gastos com a aquisição de edifícios onde são realizadas essas obras ficam sujeitos a esse regime, qualquer que seja a sua natureza jurídica ou material prévia.
IV – Se a AT não o reconheceu, não pode escudar-se numa suposta obediência à lei para se eximir ao pagamento de juros indemnizatórios.
DECISÃO ARBITRAL
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RELATÓRIO
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No dia 3 de Abril de 2023, A..., com o NIF ..., residente na Rua B..., Porta ... Lisboa (Requerente), apresentou requerimento de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT).
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Pretendia que fosse declarada a ilegalidade da decisão final de indeferimento parcial proferida no âmbito da reclamação graciosa n.º ...2021..., que teve por objecto a liquidação de IRS n.º 2020 ... e a respectiva liquidação de juros compensatórios e acerto de contas relativas a 2016, que tinha inicialmente apurado um montante a pagar de € 421.308,10.
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Nomeados os árbitros que compõem o presente Colectivo, que aceitaram a designação no prazo aplicável, e não tendo a Requerente, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida), suscitado qualquer objecção, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 14 de Junho de 2023.
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Seguindo-se os normais trâmites, em 14 de Agosto a AT apresentou resposta, tendo juntado um link para o processo administrativo (PA) em 31 desse mês, e enviado o seu conteúdo em 7 de Setembro.
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Em 12 de Setembro, foi proferido despacho a dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, a dispensar a produção de alegações – sujeita a não oposição – e a fixar a data previsível para a pronúncia da decisão arbitral.
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Como a Requerente manifestou intenção de apresentar alegações, em 26 desse mês foi fixado um prazo de 20 dias para alegações simultâneas.
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No prazo fixado, Requerente e Requerida apresentaram as suas alegações.
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PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
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O tribunal arbitral foi regularmente constituído e o pedido de pronúncia contém-se no âmbito das suas atribuições.
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As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.
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Não foram suscitadas excepções, nem o Tribunal as divisou.
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MATÉRIA DE FACTO
III.1. FACTOS PROVADOS
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No dia 17 de Novembro de 2016, o Requerente alienou o imóvel que era, à data, a sua habitação própria e permanente, sito na Avenida ... e Rua..., na freguesia de..., descrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., pelo montante de € 1.600.000,00;
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Na declaração de rendimentos relativa a esse ano, o Requerente declarou no anexo G a mais-valia gerada, tendo ainda dado conhecimento da intenção de reinvestir a totalidade do valor realizado na aquisição de um imóvel para afectar à sua nova habitação própria e permanente;
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Em 22 de Agosto de 2017, o Requerente adquiriu um armazém devoluto de uma antiga empresa de torrefacção de café, sito na Rua ..., ..., ...-... Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo..., na freguesia de..., anteriormente inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., pelo valor de € 700.000,00;
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Este imóvel encontrava-se à data afecto a Serviços, tendo ficado expresso na escritura pública que a transferência da propriedade se encontrava condicionada à possibilidade da transformação do imóvel em habitação;
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Antes da celebração da escritura de aquisição do imóvel, foi submetido à Câmara Municipal de Lisboa um pedido de informação para execução do projeto urbanístico que permitisse a conversão necessária, sobre o qual veio a incidir despacho de aprovação em 9 de Maio de 2017;
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Em 2018, o Requerente iniciou obras de melhoramento e modificação, nas quais foi reinvestido um montante de € 336.143,22;
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Em 2019, gastou nessas obras o montante de € 556.928,14;
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O Requerente reinvestiu, assim, na realização das obras o valor total de € 893.071,36;
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Por despacho de 20 de Fevereiro de 2020, foi emitida a licença de utilização do e o Alvará de Utilização n.º .../UT-CML/2020;
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Em 5 de Março de 2020, o Requerente procedeu à inscrição das alterações realizadas no imóvel na matriz predial, através da submissão da Declaração Modelo 1 do IMI;
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Após o fim das obras de melhoramento e adaptação do imóvel, o Requerente apresentou as declarações de rendimento Modelo 3 de substituição relativas aos anos de 2017, 2018 e 2019, de modo a identificar os concretos montantes reinvestidos em cada ano no imóvel;
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Em novembro de 2020, foi o Requerente notificado de projetos de correcções oficiosas aos Anexos G das declarações Modelo 3 referentes a 2016, 2017 e 2018, nos termos dos quais lhe foi exigido que desconsiderasse o montante despendido na aquisição do imóvel adquirido em 2017, por o mesmo estar afecto a Serviços na caderneta predial urbana;
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Em Dezembro de 2020, o Requerente recebeu as decisões finais em que a AT manteve as correcções propostas;
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O Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2020..., da liquidação de juros compensatórios n.º 2020... e da respectiva demonstração de acerto de contas n.º 2020..., totalizando um montante de IRS a pagar de € 421.308,10, relativo ao período de 2016;
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Em 7 de Janeiro de 2021, o Requerente efectuou o pagamento do montante de IRS e juros compensatórios liquidados, no valor de € 421.308,10;
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O Requerente apresentou reclamação graciosa, que correu termos na Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) sob o n.º ...2021...;
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Em 2 de Dezembro de 2022, o Requerente foi notificado do Projecto de Decisão Final, que desconsiderava o valor de aquisição do imóvel adquirido em 2016, por este não se encontrar afecto a habitação no momento da respectiva aquisição nem ter sido afecto a este fim no prazo de 12 meses após o reinvestimento, mas aceitava o montante de € 893.071,36 relativo às obras de melhoramento e modificação realizadas nos anos de 2018 e 2019 e o pagamento de juros indemnizatórios relativos às obras de 2018;
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A 29 de Dezembro de 2022, o Requerente foi notificado da Decisão Final da AT que manteve o deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada, nos termos do Projecto de Decisão;
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Em 3 de Abril de 2023, o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA).
III.2. FACTOS NÃO PROVADOS
Tendo em conta as posições das partes e, consequentemente, a matéria relevante para a decisão da presente causa, não há factos não provados.
III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados resultam dos documentos disponíveis nos autos e, ou, do acordo das Partes – que, de resto, não divergem quanto ao seu estabelecimento.
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DIREITO
IV.1. Questões a decidir
A única questão substantiva a discutir é a da interpretação das normas dos n.º 5, alínea a), e n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS.
O Requerente invoca ainda uma questão formal: a da fundamentação a posteriori que imputa à decisão da reclamação graciosa, ao convocar a aplicação da norma daquele segundo dispositivo, que não fora referida aquando da liquidação.
Em qualquer caso, sempre haverá que ponderar as consequências indemnizatórias da decisão.
IV.2. Posição da Requerente
No PPA e nas suas alegações, o Requerente entendeu, essencialmente, que:
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“A fundamentação oferecida pela AT aquando das correções oficiosamente levadas a cabo nos Anexos G da Modelo 3 dizia unicamente respeito ao facto de, supostamente, não ser possível beneficiar do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS quando o imóvel objeto do reinvestimento não estivesse afeto a habitação no momento em que foi adquirido.”;
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“O fundamento referente ao suposto incumprimento, por parte do Requerente, do prazo de reinvestimento, só foi apresentado pela AT já em sede de reclamação graciosa, constituindo fundamentação a posteriori do ato, não podendo ser admitida.”
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Invocou em abono os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 13 de Maio de 2003, no processo n.º 7439/02 (“ao enunciar que é “de todo em todo irrelevante para cumprimento do imperativo legal de fundamentação do acto administrativo a fundamentação a posteriori, incluindo-se, manifestamente, nesse tipo de fundamentação, a fundamentação invocada na resposta da autoridade fiscal no processo de impugnação por força do disposto nos artºs 129º e 130º do CPT, que, como tal, é destituída de valor seja como complemento da fundamentação do acto ou como apta a destruir ou contrariar esta última” (com negrito e sublinhado nossos).”) e de 10 de Maio de 2011, proferido no processo n.º 3716/10 (“em que se afirma, de forma veemente, que uma “fundamentação a posteriori consubstancia gritante ilegalidade, em virtude de, no contencioso de mera legalidade, onde nos encontramos, o tribunal se ter de limitar a ajuizar da legalidade do acto sindicado nos estritos moldes em que este ocorreu, ou seja, apreciando a respectiva conformidade legal em face da fundamentação contextual, contemporânea e integrante do próprio acto” (com negrito nosso).”,
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bem como a jurisprudência pacífica do STA (“designadamente nos acórdãos de 03.02.1994, no processo n.º 32325, de 04.11.1993, no processo n.º 31798, de 11.02.1993, no processo n.º 26389, de 04.04.2001, no processo n.º 25611, de 26.03.2014, no processo n.º 01674/13, de 22.04.2014, no processo n.º 01690/13, de 06.07.2016, no processo n.º 01436/15 e de 22.08.2018, processo n.º 0208/17”, “de 26.03.2014, proc. n.º 01674/13 e de 23.04.2014, proc. n.º 01690/13” e de “10.06.2021 no processo n.º 01457/5BERG”, que remetiam para outros)
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e a jurisprudência arbitral (“decisão proferida no processo n.º 59/2022-T de 30.10.2022” e a “decisão arbitral proferida no processo n.º 646/2020-T”);
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No caso, estavam preenchidos todos os requisitos fixados nas alíneas a) a c) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS):
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“ficou sobejamente provado que o Imóvel 1, alienada pelo Requerente a 17.11.2016, era a sua habitação própria e permanente – o que nunca foi contestado pela AT”;
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“ficou também demonstrado que 99,57% do valor de realização do Imóvel 1 foi reinvestido no Imóvel 2 nos 35 meses posteriores à alineação do Imóvel 1.”;
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“não só é pacífico que o Requerente manifestou a sua intenção em ter o Imóvel 2 como sua habitação própria e permanente (quer na escritura de aquisição, quer depois ao alterar o seu domicílio fiscal para essa morada), sendo que, à data de hoje, este Imóvel 2 continua a ser o domicílio fiscal do Requerente.”;
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“a exigência da afetação a Habitação no momento da aquisição do Imóvel não decorre da letra lei, nem muito menos da sua ratio!;”
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o que corresponderia ao “entendimento da AT plasmado na Informação Vinculativa da AT n.º 1560/2018, de 18.09.2019 que clarifica que “(…) de acordo com os valores referidos e para efeitos de exclusão tributária, desde que reunidos todos os requisitos, poderá o sujeito passivo indicar, a título de “valor a reinvestir”, o valor de € 100 000,00, (correspondente à diferença entre o valor de realização e a amortização do capital em dívida à data da alienação) desde que proceda efetivamente ao reinvestimento desse montante, na aquisição do imóvel e nas obras de reconstrução/ampliação do mesmo.
3. Acresce que, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS, não haverá lugar ao benefício concedido ao abrigo do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, nos casos de reinvestimento e ampliação ou melhoramento de imóvel, se o adquirente não requerer a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data da realização, devendo afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização.” (com negrito nosso).”;
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“a lógica que subjaz à exclusão da tributação de mais-valias auferidas com a alienação da habitação própria e permanente de um sujeito passivo corresponde ao facto de o valor de realização, decorrente da venda da habitação, ter de ser necessariamente utilizado na aquisição de um novo imóvel com o mesmo destino, i.e. habitação própria e permanente do sujeito passivo -, não constituindo rendimento disponível suscetível de ser tributado em sede de IRS.”;
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“Na interpretação da AT, o legislador fiscal estaria a dificultar a conversão da imóveis afetos a outros fins à habitação… que é exatamente o contrário dos interesses manifestados pelo legislador e até pela CRP, onde o direito à habitação tem consagração expressa.”;
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“Assim sendo, a interpretação que a AT faz do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, no sentido de não ser aplicável o regime do reinvestimento quando um imóvel é adquirido com a intenção de ser afeto a habitação própria e permanente porque, na data da sua aquisição, ainda não está afeto à habitação, embora a alteração seja admitida por um PIP que autorize a execução de um projeto urbanístico que converta o imóvel numa moradia unifamiliar, e que tal autorização venha a ocorrer dentro do prazo legalmente previsto, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade e do direito à habitação.”
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Sendo embora considerações que entendia desnecessárias, por se referirem a fundamentação a posteriori, acrescentava que:
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“aquando da aquisição pelo Requerente do Imóvel 2, este era um antigo armazém, à data da compra devoluto, relativamente ao qual havia já sido emitido, pela CML, um PIP que autorizava a execução de um projeto urbanístico que convertesse o imóvel numa moradia unifamiliar.”;
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o “Requerente dispunha de 48 meses contados da alienação do Imóvel 1 – alínea b) do n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS –, ou seja até novembro de 2020, para proceder à inscrição do Imóvel 2 na matriz, devendo ainda afetar o Imóvel à sua habitação própria e permanente até ao final de 2021.”, tendo cumprido esses prazos;
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demais, “Se a AT reconhece que estão preenchidos os requisitos para aceitar as despesas incorridas com obras de reparação e melhoramento num imóvel objeto de reinvestimento, necessariamente reconheceria que o montante despendido com a aquisição desse mesmo imóvel também deverá ser relevado para efeitos da exclusão de tributação de mais-valias, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS.”;
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pois “se o Requerente teve que realizar obras de melhoramento para que pudesse afetar o Imóvel 2 à sua habitação própria e permanente, obras essas que decorreram durante o período de dois anos, só após as mesmas é que seria lógico a afetação do Imóvel à habitação própria e permanente do Requerente”;
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“a situação é semelhante àquela em que o sujeito passivo adquire um terreno para construção onde leva a cabo as obras tendentes a erguer a sua habitação própria e permanente: evidentemente, só no final das obras de construção é que o imóvel estará afeto a Habitação e poderá efetivamente ser habitação própria e permanente do adquirente do terreno”;
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“O reinvestimento realizado na aquisição do Imóvel 2 e as obras nele levadas a cabo são factos indissociáveis um do outro, uma vez que ambos os factos conduzem ao mesmo fim, i.e. ao Requerente poder converter esse imóvel objeto de reinvestimento na sua habitação própria e permanente.”;
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invocava ainda o decidido no “Acórdão do TCAN, processo n.º 00484/04.8BEVIS, de 12.01.2017, proferido no âmbito da anterior redação do n.º 5 e do n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS, mas aplicável à situação vertente com as necessárias adaptações”: “(…) são exigidos três requisitos para que seja excluída a tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel: que as obras sejam iniciadas até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deve ser efetuado, seja requerida a inscrição ou alteração na matriz até 24 meses sobre a data do início das obras e afetado o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização.””;
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ora, “tendo em consideração que as obras se finalizaram no ano de 2019, aquando da inscrição das alterações na matriz predial urbana (05.03.2020) não havia ainda decorrido o prazo de 48 meses indicado no n.º 6 do artigo 10.º do Código de IRS.” e “entre a data da alienação do Imóvel 1 e a afetação do Imóvel 2 à habitação própria e permanente do Requerente decorreram apenas 3 anos e 4 meses”;
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“Finalmente, não pode a Requerida ignorar que o IRS visa tributar o sujeito passivo de acordo com a sua capacidade contributiva, sendo que esta deve ser aferida de acordo com a realidade económica do sujeito passivo e não apenas dando relevância a aspetos formais.”;
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pelo que reclamava o “reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescidos do pagamento de juros indemnizatórios nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.”.
IV.3. Posição da Requerida
Em contrapartida entendeu a Requerida, na sua resposta e nas alegações, que:
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“A questão dos presentes autos prende-se com o facto da AT não obstante ter aceite os valores acima identificados como passiveis de serem aceites como reinvestimento ao abrigo do regime do art.º 10, nº 5 CIRS a título de ampliação ou melhoramento de imóvel (foi proferido despacho de deferimento parcial no procedimento de Reclamação Graciosa supra identificada), ter desconsiderado a concretização do reinvestimento na parte respeitante à aquisição concretizada em agosto de 2017,”;
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“porquanto entenderam os serviços da AT que a “nova” aquisição - o art.º..., encontrava-se adstrito na sua funcionalidade e natureza a serviços e não a habitação, pelo que não se mostrava cumprido um dos requisitos fundamentais para a aceitação do regime de beneficio previsto no art.º 10º, nº 5 CIRS, concretamente o de que o imóvel alienado e a nova aquisição têm de ter o mesmo destino, o de constituírem a HPP do sujeito passivo e/ou do seu agregado.”;
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“O art.º 10º, nº 5 do CIRS admite o beneficio de exclusão, total ou parcial, de tributação dos ganhos provenientes da alienação de imóvel destinado a constituir a HPP dos contribuintes e/ou seu agregado, se o valor de realização deduzido do remanescente de eventual empréstimo contraído, for aplicado, no prazo legal definido na al.b), na aquisição de um outro imóvel, de terreno para construção e respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de imóvel, desde que o destino desse novo imóvel seja exclusivamente o de constituir habitação própria e permanente.”;
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“o legislador destrinça situações que permitem a aceitação do reinvestimento, total ou parcial, do valor de realização, verificados que estejam os demais pressupostos fixados na norma, sendo que de forma clara no art.º 10, nº 5, al. a) CIRS identificam-se os casos em que o reinvestimento se concretize na aquisição de um novo imóvel, conjugando-se com o prazo previsto na al. b) bem como com o requisito previsto no nº 6 - al. A) e,”
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“o legislador destrinça situações que permitem a aceitação do reinvestimento, total ou parcial, do valor de realização, verificados que estejam os demais pressupostos fixados na norma, sendo que de forma clara no art.º 10, nº 5, al. a) CIRS identificam-se os casos em que o reinvestimento se concretize na aquisição de um novo imóvel, conjugando-se com o prazo previsto na al. b) bem como com o requisito previsto no nº 6 - al. A) e, as outras situações, concretamente da aquisição de terreno para construção e /ou a construção nova que aí venha a ser implantada, bem como um outro caso traduzido no reinvestimento aplicado nas diversas obras de melhoramento ou ampliação realizadas em imóvel pre-existente, em que para além do prazo da sua realização ( nº 5 b), importa atender ao disposto no nº 6 – al.b) deste art.º 10 CIRS.”;
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“a aceitação por parte dos serviços da AT do reinvestimento de parte do valor de realização nas obras de melhoramento e ampliação incidentes sobre o imóvel adquirido em 2017, não significa que se tenha aceite que o mesmo poderia ser aceite como constituindo a sua HPP à data da aquisição, por óbvia impossibilidade de natureza jurídica e de facto, não obstante a intencionalidade manifestada e que parece corroborado pelas diversas diligencias realizadas (como o pedido antecipado junto da CML) que permitem reforçar a veracidade desse objetivo, na realidade mais não foram, à data, do que uma mera expetativa e objetivo provável, mas não efetivo no momento.”;
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“as obras realizadas e custos suportados, uma vez cumpridos os demais pressupostos legais, como o cumprimento do nº 6, al.b) do art.º 10CIRS, permitiram que o “novo” imóvel pudesse ser afeto a HPP, pelo que aceite enquanto reinvestimento do VR, mas não se trata de reinvestimento na aquisição num imóvel per si, tao pouco reinvestimento numa construção nova a implantar em terreno para construção, antes reinvestimento em obras que permitiram considerar a “nova” realidade, daí o mod 1 de IMI e posterior avaliação.”;
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“no caso da aquisição que efetiva e de facto se verificou em AGOT2017 – art.º ... sito em ... e onde o disposto na al. a) do nº 6 do art.º 10 CIRS relevaria mostrar-se cumprido para efeitos deste regime de exclusão de tributação, o que se verifica é que o imóvel por si só e para além de qualquer intervenção de melhoramento que veio a concretizar-se em 2018 e 2019, na realidade não permita constituir-se numa habitação onde o contribuinte e/ou o seu agregado pudesse situar o seu centro de interesses fundamentais, como se encontra expresso/registado em sede patrimonial e que o próprio contribuinte peticionário refere nos autos.”;
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“Não era possível afetação do imóvel, à data, a HPP porque a sua natureza era de serviços e, reitera-se, mesmo em sede de escritura publica o que se verifica é que há a manifesta intenção futura de destinar o bem adquirido, após a sua alteração e adaptação, o que necessariamente implicará uma nova realidade, essa sim passível de ter nova afetação, a de habitação.”;
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“no caso configurou-se um investimento numa nova aquisição imobiliária, com intencionalidade e expetativa futura da mesma vir a assumir outra natureza que à data da aquisição não detinha, não constituindo, portanto, um reinvestimento tendente à aceitação do beneficio de exclusão.”;
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“Relativamente à alegação de fundamentação inovadora e a posteriori, o que os serviços fizeram aquando da ponderação em sede de Reclamação Graciosa, foi esclarecer que a não aceitação como reinvestimento da aquisição do imóvel identificado matricialmente sob art ... encontra-se fundamentado na lei, i.e. não preenchimento dos pressupostos que a lei de modo expresso e claro delimita,”
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“seja a impossibilidade de afetação do imóvel à data da sua aquisição (serviços e não habitação),”
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“seja os demais requisitos, aqui se incluindo o do prazo do nº 6, alínea a) do art.º 10.”;
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“Esta fundamentação radica desde a emissão do ato contestado e o eventual desconhecimento pelo interessado dificilmente parece ser de aceitar quando os demais requisitos parecem não ser suscetíveis de surpresa, aliás, este requisito não permitiria, mesmo que preenchido, ultrapassar a impossibilidade de afetação em razão da natureza do imóvel em 2017.”;
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pelo que “também não estão preenchidos os pressupostos para o pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que, à data dos factos, a Administração tributária fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT.”.
IV.4. Ponderação do Tribunal
Na parte relevante, é a seguinte a redacção dos ns. 5 e 6 do artigo 10.º do Código do IRS, epigrafado “Mais-valias”:
“5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:
a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português (…);
b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;
c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;
(…)
6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:
a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;
b) Nos demais casos, o adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data da realização, devendo afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização;
(…)”.
Como escreveu P. ROSADO PEREIRA[1], a norma do n.º 5 prevê “uma suspensão da tributação aplicável mediante a simples manifestação, na declaração de rendimentos do ano da realização da intenção de proceder ao reinvestimento”. “A efetiva exclusão tributária apenas se verifica se e quando ocorrer o reinvestimento, efetuado nos termos e dentro dos prazos estabelecidos legalmente.”. Quer isto dizer que – como em várias outras situações[2] – a suspensão é automática, mas a tributação é condicional, pelo que estamos perante um “facto tributário complexo de formação sucessiva, que apenas se completava com a efectiva disponibilização (e efectiva utilização, acrescentamos nós) do imóvel adquirido para a finalidade estabelecida no âmbito da condição aposta ao benefício de isenção fiscal”, para o dizer nas palavras do já citado acórdão do STA de 9 de Dezembro de 2021[3].
Vistas assim as coisas, não há como recusar, à aquisição do edificado que foi transformado em imóvel de habitação própria e permanente do Requerente dentro dos prazos estabelecidos na lei (que são os da alínea b) do n.º 5 e do n.º 6 do artigo 10.º, como se verá a seguir), o benefício de reinvestimento previsto no n.º 5 desse artigo. O que importa apurar não é o tipo de bem adquirido no momento em que o é – como é óbvio no caso dos terrenos para construção, mas é-o igualmente no caso das ruínas de uma casa de habitação – é a sua natureza no termo dos prazos que são estabelecidos para se fazer a averiguação dos requisitos. Aliás, bastaria inverter a situação para isso ser (ainda mais) evidente: uma declaração do propósito de reinvestir os montantes realizados na alienação de um imóvel usado como habitação própria e permanente em conjunto com a aquisição de um imóvel licenciado para esse fim não preencheria esses requisitos se este fosse supervenientemente transformado em escritório – ou em armazém de torrefacção de café.
Aliás, sendo isso medianamente claro, corresponde ao que se escreve no ponto “3.1.2.3. Tipos de Reinvestimento em imóveis e suas particularidades” do já citado Manual de IRS de P. ROSADO PEREIRA[4], que distingue dois regimes:
“Reinvestimento mediante a aquisição de outro imóvel para habitação
A exclusão de tributação de mais-valia depende do preenchimento das seguintes condições:
• O reinvestimento deve ser efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores à data da realização;
• O imóvel adquirido deve ser afetado à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar no prazo de 12 meses após o reinvestimento*.
Reinvestimento mediante a aquisição de terreno para construção de imóvel e/ou respetiva construção, ou ampliação ou melhoramento de imóvel
No âmbito destas alternativas de reinvestimento, a exclusão de tributação de mais-valia depende do preenchimento das seguintes condições: • O reinvestimento deve ser efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores à data da realização;
• O sujeito passivo deve requerer a inscrição na matriz predial do imóvel ou das alterações até decorridos 48 meses após a data da realização*;
• Deve afetar o imóvel à sua habitação própria e permanente, ou do seu agregado familiar, até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização**.”
Acresce que é isso que decorre directamente da lei: se a “inscrição na matriz predial do imóvel” resulta de um terreno ter dado lugar a uma construção, a “inscrição na matriz predial (…) das alterações”, prevista autonomamente na mesma norma da alínea b) do n.º 6 do artigo 10.º do Código do IRS, há-de resultar da alteração do fim anteriormente atribuído ao imóvel[5].
Do que se conclui que a invocada “fundamentação a posteriori” aduzida pela AT em sede de reclamação graciosa, traduzindo-se na invocação de uma norma inaplicável ao caso (a da alínea a) do n.º 6 do referido artigo 10.º, que vale para “Reinvestimento mediante a aquisição de outro imóvel para habitação”, mas não para “Reinvestimento mediante (…) ampliação ou melhoramento de imóvel”[6], para o qual vale a da sua alínea b)) não constitui, na verdade, por ser fruste, fundamentação alternativa à que foi invocada no acto de liquidação e que não tem qualquer suporte na letra ou na teleologia da norma.
IV.5. Juros devidos
Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Em 7 de Janeiro de 2021, o Requerente efectuou o pagamento do montante de IRS e juros compensatórios liquidados, no valor de € 421.308,10. Não havia razão para tal, como subsequentemente reconheceu a AT em relação aos gastos com as obras realizadas em 2018 e 2019 no imóvel adquirido em 2017, e como agora reconhece este Tribunal em relação ao montante usado na aquisição do imóvel onde essas obras foram realizadas. O que, acrescente-se, só tornava mais incoerente o decidido pela AT: se os gastos em cimento e tijolos eram relevantes, os gastos com a aquisição do local onde eles iriam formar paredes deveria sê-lo também.
Houve, portanto, erro imputável aos serviços, uma vez que nem a interpretação “maximalista” inicialmente adoptada (que desconsiderou todo o valor do reinvestimento), nem a “moderada” (que só desconsiderou o montante da aquisição do imóvel que foi transformado na residência do Requerente) tinham sustentação legal.
Deve a AT, portanto, apurar os montantes de juros indemnizatórios que são devidos ao Requerente, desde a data do pagamento das quantias indevidas até ao seu integral pagamento.
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DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Anular a decisão da reclamação graciosa n.º ...2021... na parte em que indeferiu o pedido do Requerente, e a liquidação de IRS n.º 2020..., relativa ao período de tributação de 2016, e respectivos juros compensatórios, na parte ainda susbsistente (ie, na parte em que não considerou o reinvestimento na aquisição de um imóvel no valor de € 700.000,00 destinado a constituir habitação própria e permanente do Requerente);
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Em consequência:
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Julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado, condenando a AT a reembolsar o Requerente dos montantes pagos a título de mais-valias na parte em que o seu reinvestimento ainda não tinha sido reconhecido, e respectivos juros compensatórios, acrescidos dos juros indemnizatórios devidos desde 7 de Janeiro de 2021 até integral pagamento;
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Condenar a Requerida nas custas do processo, nos termos fixados a seguir.
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VALOR DO PROCESSO
Competindo ao Tribunal fixar o valor da causa (artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) e devendo ele, correspondendo à utilidade económica do pedido, equivaler à importância cuja anulação se pretende (alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi da alínea a) do artigo 6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária), fixa-se o valor do processo em € 185.784,56 (cento e oitenta e cinco mil, setecentos e oitenta e quatro euros, e cinquenta e seis cêntimos), valor calculado pela Requerente na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa que admitiu o reinvestimento de € 893.071,36 (o valor total das obras custeadas em 2018 e 2019) e não contestado pela AT.
Esse montante difere do montante de imposto que o Requerente calculou ser devido se se mantivesse a desconsideração do valor do imóvel adquirido em 2017 (que seria então de € 167.476,00 - cento e sessenta e sete mil quatrocentos e setenta e seis euros), por lhe ter somado o valor dos juros compensatórios pagos que calculou também subsistirem depois de deferida parcialmente essa reclamação graciosa (€ 22.870,46) e por lhe ter descontado o valor do imposto que entendeu que sempre seria devido (€ 4.561,90). Ainda que tais cálculos não correspondam necessariamente à importância cuja anulação pretendia, e que o Requerente afirmava não lhe ter sido ainda comunicado pela AT após o deferimento parcial da reclamação graciosa, desses diferentes valores não resultaria alteração ao montante de custas devido e, evidentemente, qualquer deles não interfere no valor dos juros indemnizatórios que são devidos pelo pagamento feito em excesso e que caberá à AT calcular.
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CUSTAS
Custas a cargo da Requerida, no montante de € 3.672,00 (três mil seiscentos e setenta e dois euros), nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, uma vez que o pedido foi julgado inteiramente procedente.
Lisboa, 19 de Dezembro de 2023
O árbitro presidente e relator
Prof. Doutor Victor Calvete
O árbitro adjunto
Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães
O árbitro adjunto
Dr. Fernando Miranda Ferreira
A redacção da presente decisão segue a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 execepto em transcrições que o sigam.
[1] Manual de IRS, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, p. 228.
[2] Por exemplo, a isenção de IMT que é concedida a entidades que tenham como actividade a compra e venda de imóveis e que tem um prazo de 3 anos para concretizar uma revenda final (vg, Acórdãos do STA de 2 de Fevereiro de 2022, proc. 02100/19.4BEPRT, e de 8 de Setembro de 2021, proc. 0206/15.8BEPDL), ou a que é concedida a Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional, que têm de afectar os imóveis que adquiram a arrendamento no prazo de 3 anos (vg, Acórdãos do STA de 9 de Dezembro de 2021, proc. 0289/18.9BELLE, e de 24 de Novembro de 2021, proc. 023/21.6BALSB).
[4] Cfr. nota 1. A transcrição é das pp. 232-233, *notas suprimidas.
[5] É o que se infere da conjugação da classificação dos prédios do n.º 1 do artigo 6.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (que, sob a epígrafe “Espécies de prédios urbanos”, os divide em “a) Habitacionais; b) Comerciais, industriais ou para serviços; c) Terrenos para construção; d) Outros.”) com a alínea b) do n.º 1 do artigo 13.º (epigrafado “Inscrição nas matrizes”) do mesmo diploma, que dispõe o seguinte:
“A inscrição de prédios na matriz e a actualização desta são efectuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo, no prazo de 60 dias contados a partir da ocorrência de qualquer dos seguintes factos:
a) …
b) Verificar-se um evento susceptível de determinar uma alteração da classificação de um prédio;”
[6] Citam-se, claro, as duas divisões do regime de reinvestimento identificadas por P. ROSADO PEREIRA, ob. cit..
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