SUMÁRIO:
1 - Os n.ºs 1 e 4 do artigo 134.º do CPPT, bem como os n.ºs 1 do artigo 76.º e 1 e 2 do artigo 77.º do CIMI, interpretados conjugadamente, fazem depender a impugnação judicial dos atos de fixação dos valores patrimoniais tributários para efeitos de AIMI do prévio esgotamento dos meios graciosos da sua revisão.
2 - Ao contribuinte que não tiver requerido segunda avaliação para efeitos da determinação do VPT de terreno para construção, com base em erro na aplicação dos coeficientes de localização, afetação, qualidade e conforto, está vedada a impugnação da consequente liquidação de AIMI com esse fundamento.
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DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A..., Lda. (doravante abreviadamente designada por “Requerente”), com número de identificação fiscal..., e com sede na ... ...‐... Vila Real Santo António, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e n.os 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112‐A/2011, de 22 de março, requereu a constituição de Tribunal Arbitral pedindo a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa em crise e, consequentemente, da (i)legalidade dos atos tributários de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) n.os 2018..., 2019..., e 2020 017650792, referentes ao ano de 2018, 2019, e 2020, no montante total de € 83.569,49, e o reembolso dos montantes de imposto liquidado e pago em excesso acrescido de juros indemnizatórios, com as demais consequências legais.
Pedindo a título subsidiário, e sem prescindir:
a) Seja desaplicado, no caso concreto, a norma pretensamente se extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redação vigente à data da verificação do fato tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal e a majoração de 25% prevista no n.º 1 do artigo 39.º do mesmo Código deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade dos atos tributários de liquidação de AIMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais.
É Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 22-03-2023 e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT.
Os árbitros comunicaram a sua aceitação no prazo aplicável. As partes não manifestaram vontade de recusar a sua designação.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 30-05-2023.
A AT apresentou Resposta, em que se defendeu por impugnação.
Por Despacho de 04-07-2023, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
A Requerente apresentou alegações escritas, reproduzindo, no essencial a posição apresentada no PPA.
2. Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe no artigo 2.º, n.º 1, al. a) e 4.º, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
3. Matéria de facto.
3.1. Factos provados.
O Tribunal Arbitral, com base nos documentos juntos pelas partes e não impugnados, considera provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
1-A Requerente tem como atividade principal a compra e venda de bens imobiliários, com o CAE 68.100, figurando no seu ativo, entre outros bens imóveis, terrenos para construção.
2- Nos termos do n.º 1 do artigo 135.º - A do CIMI, é sujeito passivo de AIMI.
3- A 01-01-2018, foi-lhe liquidado o AIMI desse ano com base no VPT global, correspondente à soma dos VPTs de todos os imóveis abrangidos de € 10.841 368,16, 01-01-2019, foi-lhe liquidado o AIMI desse ano de € 10.946 507,21 e a 01-01/2020 o AIMI desse ano de € 10.946 507,21, tendo a administração fiscal emitido as notas de cobrança, n.ºs 2018..., 2019... e 2020..., todas pagas dentro do prazo legal de cobrança voluntária.
4- Os prédios abrangidos pela liquidação do AIMI de 2018 integram a seguinte lista:
5- Os prédios abrangidos pela liquidação de AIMI de 2019 integram a seguinte lista.
6- Os prédios abrangidos pela liquidação de AIMI de 2020 integram a seguinte lista:
7. A Administração Tributária determinou o VPT dos terrenos para construção com base na fórmula prevista no n.º 1 do artigo 38.º do CIMI para prédios urbanos, edificados, classificados como habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços e não de acordo com as regras aplicáveis à avaliação dos terrenos para construção.
8- As avaliações dos referidos terrenos para construção identificados nos autos, que originaram as liquidações de AIMI impugnadas, ocorreram entre 09-03-2013 e 25-05-2015, não tendo apresentado a Requerente, nos prazos legais, qualquer pedido de 2.ª avaliação ou impugnação, previstos no n.º 1 do artigo 76.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º do CIMI.
9- A 10-11-2022, a Requerente apresentaria junto da Direção de Finanças de Faro pedido de revisão oficiosa das referidas liquidações de AIMI nos termos do artigo 78.º da LGT, que receberia o n.º-...2022... .
10- Tal pedido foi indeferido por despacho do Diretor de Finanças do distrito de Faro por subdelegação de 19-12-2022, sendo esse indeferimento o objeto imediato do presente pedido de pronúncia arbitral.
3.2. Factos não provados
Não há factos não provados com relevância para a decisão.
3.3. Fundamentação da Decisão sobre a Matéria de Facto
Quanto à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância, em face das várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, e), do RJAT).
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral com base na análise crítica dos documentos juntos aos autos, tendo sido selecionada de acordo com o disposto no artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e artigo 607.º, n.º 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT e teve em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
4. Matéria de direito.
4.1. Posição da Requerente
Invoca a Requerente, como fundamento da sua pretensão, ter o apuramento do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção, em que se basearam as liquidações impugnadas, violado o n.º 3.º do artigo 45.º do CIMI, que determina que, na fixação da percentagem do valor do terreno de implantação, o qual, nos termos do n.º 2 dessa norma legal, pode variar entre 15 % e 45 % do valor das edificações autorizadas ou previstas, sejam tomadas em conta as caraterísticas no n.º 3 do artigo 42.º desse Código.
Segundo esse n.º 3 do artigo 42.º, na fixação do coeficiente de localização têm-se em consideração, nomeadamente, as seguintes características:
a) Acessibilidades, considerando-se como tais a qualidade e variedade das vias rodoviárias, ferroviárias, fluviais e marítimas;
b) Proximidade de equipamentos sociais, designadamente escolas, serviços públicos e comércio;
c) Serviços de transportes públicos;
d) Localização em zonas de elevado valor de mercado imobiliário.
Por outro lado, segundo a fórmula do n.º 1.º do artigo 38.º do CIMI, invocado pela AT para justificar os atos impugnados, a determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:
Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv
em que:
Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;
Ca = coeficiente de afectação;
Cl = coeficiente de localização;
Cq = coeficiente de qualidade e conforto;
Cv = coeficiente de vetustez.
Segundo a Requerente, tal fórmula apenas abrangeria a determinação do Valor Patrimonial Tributário (VPT) dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços (prédios urbanos já construídos), e não a determinação do VPT dos terrenos para construção.
Na determinação do VPT para efeitos de IMI e AIMI não relevariam, assim, os coeficientes de ajustamento de áreas, localização, afetação e qualidade e conforto, apenas aplicáveis à avaliação de edifícios já construídos.
O VPT dos terrenos para construção seria determinado apenas com base nesses n.ºs 2 e 3 do artigo 45.º e indiretamente, por remissão, no n.º 3 do artigo 42.º do CIMI.
Do mesmo modo, seria inaplicável para esse efeito o n.º 1 do artigo 39.º do CIMI, de acordo com o qual o valor base dos prédios edificados corresponde ao valor médio de construção, por metro quadrado, adicionado do valor do metro quadrado do terreno de implantação fixado em 25 % daquele valor, bem como consequentemente o n.º 2 dessa norma, de acordo com o qual o valor médio de construção é determinado tendo em conta, nomeadamente, os encargos diretos e indiretos suportados na construção do edifício, tais como os relativos a materiais, mão-de-obra, equipamentos, administração, energia, comunicações e outros consumíveis.
Sob pena de duplicação da valorização consequente da localização dos prédios urbanos, por já servir de base à fixação da percentagem do valor do terreno de implantação, ainda que dentro dos limites desse n.º 2 do artigo 45.º, o coeficiente de localização, bem como a majoração prevista nesse n.º 1 do artigo 39.º não seriam, deste modo, aplicáveis à fixação do VPT dos terrenos para construção.
Tal doutrina, segundo a Requerente, seria consagrada em termos inequívocos pelo Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 21-09-2016, proferido no Proc. n.º 01083/13, que inauguraria uma vasta jurisprudência nesse sentido, para o qual a aplicação destes fatores de valorização na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser fundamentada por analogia com o artigo 38.º do CIMI, mas que é proibida por força do disposto no n.º 4 do artigo 11.º da LGT, por essa norma do CIMI ser o desenvolvimento do tipo de incidência desse imposto .
A aplicação desses coeficientes na determinação do VPT dos terrenos para construção, a descoberto de lei da Assembleia da República ou de autorização legislativa concedida por esta, seria, aliás, sempre violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no nº 2 do artigo 103.º da CRP.
Em especial, segundo esse Acórdão, as qualidades que determinam a aplicação desses fatores teriam de ser efetivas, tornando-se apenas palpáveis e medíveis se e quando efetivada a construção, sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que obrigatoriamente justifica cada projeto de construção.
Invocando o VPT que lhe serviu de base ter sido superior ao legalmente previsto, a Requerente, que não requereu a segunda avaliação do imóvel nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 76.º e do n.º 1 do artigo 77.º do CIMI, solicitou à AT a revisão oficiosa dos referidos atos tributários, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, que, no entanto, seria indeferida constituindo esse indeferimento o ato impugnado no presente processo arbitral. Com efeito, a AT não considerou aplicável ao caso o n.º 1 do artigo 78.º da LGT, de acordo com o qual “A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.” E também não considerou aplicável o n.º 4 do mesmo artigo, segundo o qual “O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”.
É indiscutível, por outro lado, que as liquidações de AIMI impugnadas tiveram por base os VPTs dos terrenos para construção fixados pela Administração Tributária de acordo com a fórmula do artigo 38. º do CIMI, que a Requerente considera inaplicável, e não apenas de acordo com os n.ºs 2 e 3 do artigo 45.º do CIMI, como a lei impunha. Tal procedimento seria demonstrado nas cadernetas prediais urbanas que a Requerente juntou como doc. n.º 3 anexo ao PPA.
A consequência desses fatos é a ilegalidade das liquidações de AIMI controvertidas, doutrina que se extrairia também em particular das Decisões Arbitrais n.º 760/2020-T e 167/2022-T. Tendo em conta essa jurisprudência do STA, a Administração Tributária, por despacho genérico da Diretora-Geral da AT de 21/9/2021, corrigiria o cálculo e a fixação dos valores patrimoniais tributários dos terrenos para construção, deixando de aplicar tais coeficientes bem como a majoração dos custos de construção referida no n.º 1 do artigo 39.º do CIMI.
Porém, a AT não retificou retroativamente os VPTs que serviram de base tributável do qual resultaram as coletas de AIMI destes mesmos terrenos para os anos de 2018, 2019 e 2020) – para estes anos, as coletas de AIMI destes terrenos para construção continuaram assentes em VPTs ilegalmente determinados.
4.2. Posição da Requerida.
Segundo a Requerida, a pretensão da Requerente carece de fundamento.
Admite que a jurisprudência superior tem entendido a fórmula do n.º 1 do artigo 38.º do CIMI, com base na qual foi apurado o VPT dos terrenos para construção, apenas abranger a determinação do VPT dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços e não a determinação do VPT dos terrenos para construção.
A Instrução de Serviço n.º 60 318/2021, Série I, da Direção de Serviços de Justiça Tributária (DSJT), emitida nos termos do n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT, na sequência do referido despacho da Diretora-Geral da AT, confirmaria o entendimento jurisprudencial anteriormente referido, no sentido de que, de acordo com redação do n.º 3 do artigo 45.º do CIMI, anterior à dada pelo artigo 392.º da Lei nº. 75-B/2020 de 31/12, que entrou em vigor a 01-01-2021, totalmente aplicável, por isso, aos fatos controvertidos, não há lugar, na avaliação dos terrenos para construção, à consideração do coeficiente de afetação e do coeficiente de localização.
No mesmo sentido, concorreria o Acórdão do STA de 07-04-2021, Proc. 0919/07 8 BEBRG, que reproduziria essencialmente a doutrina do Acórdão 21-09-2016, Proc. 01083/13.
No entanto, a Requerente pretende a anulação dos atos de liquidação de AIMI de 2018, 2019 e 2020 apenas com base em vícios do ato de fixação do VPT que serviu de base a essas liquidações, nos termos do n.º 1 do artigo 113.º do CIMI, de acordo com o qual o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada município, pelos serviços centrais da AT com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios e em relação aos sujeitos passivos que constem das matrizes em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeita. Não invocou nem provou quaisquer vícios específicos dessas liquidações, apesar da relação de prejudicialidade que mantêm com os atos de fixação do VPT que lhes serviram de base.
Contrariando a interpretação da lei em que a Requerente se baseia, o Acórdão uniformizador de jurisprudência do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de STA de 23-02-2023, tirado no processo n.º 102/22.2BALSB, em que está igualmente em causa a impugnação judicial da liquidação de AIMI, com alegado fundamento na errónea aplicação dos coeficientes de localização, de afetação e qualidade e conforto no cálculo do VPT de terrenos para construção, decidiria que “deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável”.
Segundo esse Acórdão, com efeito: “Ora, a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admite a impugnação imediata do ato de avaliação. Estabelece o n.º 1 do art. 86º da LGT que a avaliação direta é suscetível nos termos da lei de impugnação contenciosa direta. O que significa que, se essa avaliação se inserir num procedimento de liquidação, o ato de avaliação é diretamente impugnável. A impugnabilidade fica, no entanto, dependente do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão nos termos do n.º 2 daquele art. 86.º da LGT”.
Especificamente, ainda segundo esse Acórdão, os atos de fixação dos valores patrimoniais a que se refere são, nos termos dos nº.s 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT, autonomamente impugnáveis com fundamento em qualquer ilegalidade, não tendo a sua impugnação efeito suspensivo, e apenas podendo ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação.
Assim segundo a Requerida, o CIMI teria criado um expediente especial de reação contra as ilegalidades da avaliação, de acordo com o qual, quando o sujeito passivo não concorde com o resultado da primeira avaliação, pode requerer uma segunda avaliação que é, no entanto, condição da impugnação judicial do ato de fixação do VPT, sendo deste modo obrigatória.
Assim, a fixação do VPT que serve de base a todas as liquidações de IMI e, se for o caso, AIMI, que vierem a ser efetuadas com base no valor matricial inscrito em resultado dessa fixação, pode ser impugnada com fundamento em vício de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (Acórdão do STA de 16-04-2008, no Proc. 004/09).
No entanto, não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, formou -se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que o resultado desta não pode voltar a ser discutido administrativa ou judicialmente (Acórdão do STA de 12-01-2011, no Proc. 0758/10).
No caso em apreço, as avaliações dos referidos prédios urbanos identificados nos autos, que originaram as liquidações de AIMI impugnadas, ocorreram entre 09-03-2013 e 25-05-2015, não tendo apresentado a Requerente, nos prazos legais, qualquer pedido de 2.ª avaliação ou impugnação, previstos no n.º 1 do artigo 76.º e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º do CIMI.
É certo que o n.º 4 do artigo 78.º da LGT consagra um meio especial de revisão da matéria tributável, de acordo com o qual o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
Tal meio já tinha precludido, no entanto, a 06-12-2022, por então já terem passado mais de três anos sobre a determinação dos VPTs controvertidos, não obstante as liquidações impugnadas com base nesses VPTs erroneamente determinados terem sido efetuadas há menos de três anos.
4.3. Apreciação da questão
Está em causa se o princípio da impugnação unitária do ato tributário consagrado no artigo 54.º da LGT veda ou não a possibilidade de, na impugnação do AIMI, como, aliás, na impugnação do IMI, poderem ou não ser arguidas ilegalidades do ato de fixação do VPT que não tiverem sido invocadas aquando do procedimento específico de avaliação, por o proprietário do imóvel não ter cumprido o ónus de requerer segunda avaliação, imposto no n.º 2 do artigo 86.º da LGT e nos n.ºs 1 e 7 do CPPT.
Não está, assim, em causa a ilegalidade dos atos de avaliação (que são atos de fixação da matéria tributável, como decorre do n.º 1 do artigo 81.º da LGT) subjacentes às liquidações de AIMI impugnadas, reconhecida por Requerente e Requerida, mas a eventual preclusão do pedido de pronúncia arbitral.
Tal ilegalidade com a fundamentação invocada pela Requerente, é confirmada, entre outros, além da jurisprudência referida pelas Requerente e Requerida, pelos Acórdãos do Pleno do STA de 23-10-2019; Proc. 170/16.6BELRS 0684/17 de 23-03-2022; Proc. 0653/09.4BELLE e da 1ª Secção do Contencioso Tributário do STA de 05-04-2017; Proc. 01107/16 de 28-06-2017; Proc. 0897/16, de 16-05-2018; Proc. 0986/16 de 14-11-2018; Proc. 0133/18 de 23-10-2019; Proc. 170/16.6BELRS 0684/17 de 23-10-2019 e Proc. 0732/12.0BEALM 01348.
Diferente é a questão da preclusão do pedido de pronúncia arbitral, em virtude de a ilegalidade do ato de fixação do VPT em que se basearam as liquidações impugnadas não ter sido invocada aquando do procedimento específico de avaliação previsto nos artigos 76.º e 77.º do CIMI, por o proprietário do imóvel não ter cumprido o ónus de requerer segunda avaliação, imposto no n.º 2 do artigo 86.º da LGT e nos n.ºs 1 e 7 do artigo 134.º do CPPT.
A jurisprudência do STA tem sido uniforme no sentido de que a impugnação contenciosa da fixação do VPT depende do esgotamento dos meios graciosos da sua revisão (Acórdãos do STA proferidos nos Processos: 0659/12, de 19-09-2012; 633/14, de 15-02-2017; 0885/16, de 10-05-2017; 0713/16 de 13-07-2016, e do TCA Sul 01215/07 de 12-02-2008).
Caso o sujeito passivo de IMI não tiver requerido segunda avaliação, nos termos, além dos referidos n.ºs 2 do artigo 86.º da LGT e dos n.º 7 do artigo 134.º do CPPT, do n.º 1 do artigo 76.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º do CIMI, o VPT fixado na primeira avaliação, que, na falta de pedido de segunda avaliação, foi inscrito na matriz predial para efeitos do n.º 1 do artigo 113.º do CIMI (liquidação do IMI com base no VPT), torna-se inimpugnável, não podendo as subsequentes liquidações de IMI ser atacadas com fundamento em erro na fixação do VPT.
Essa medida visa assegurar uma maior ponderação e reflexamente uma fundamentação acrescida do ato de fixação do VPT: a segunda avaliação é efetuada por um órgão colegial em que o contribuinte e, eventualmente, o município têm representação e podem manifestar as suas divergências aquando da votação. Tal fundamentação acrescida tem também o propósito de evitar contradição, ainda que implícita, de decisões, por o VPT não servir de base apenas à liquidação do IMI ou IMT, sendo também utilizado na determinação da matéria coletável do Imposto de Selo e de um conjunto de taxas municipais, bem como, ainda que presuntivamente, da determinação do rendimento coletável dos impostos sobre o rendimento. É também um meio de mensuração da capacidade contributiva que justifica a atribuição de um conjunto de benefícios sociais, como, entre outros apoios especiais, o rendimento social de inserção (Lei n.º 13/2003, de 21 de maio).
O entendimento da Requerente, conduzido às últimas consequências levaria a que coexistissem no mesmo período dois ou mais VPT's o que, além de constituir uma clara violação dos critérios legais de fixação do valor dos imóveis, poria em causa a certeza e segurança jurídicas e o princípio da igualdade tributária.
O facto não prejudica que, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 130.º do CIMI, os sujeitos passivos possam reclamar do VPT inscrito na matriz com fundamento em qualquer ilegalidade, incluindo erro na sua determinação, desde que tenham passado mais de três anos sobre a última avaliação. A retificação da matriz consequente dessa reclamação tem, no entanto, apenas efeitos para o futuro, de acordo com essas disposições legais.
Uma parte significativa da jurisprudência do CAAD tem entendido que o princípio da obrigatoriedade do esgotamento dos meios graciosos de que depende a impugnação da fixação do VPT para efeitos de IMI e AIMI deve entender-se sem prejuízo do n.º 4 do artigo 78.º da LGT de acordo com o qual o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excecionalmente, nos três anos posteriores ao do ato tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. Para esse efeito e segundo o n.º 5 do artigo 78.º LGT, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
É o caso, para referir apenas a jurisprudência mais recente do CAAD, das Decisões Arbitrais n.ºs 29/2021-T; 812/2021- T; 11/2022-T; 32/2022-T; 91/2022- T; 285/2022- T; 288/20222- T; 289/2022-T; 290/2022-T; 482/2022-T; 321/2022-T; 369/2022-T; 370/2022-T; 390/2022-T; 410/2022-T; 453/202-T; 454/2022-T; 462/2022-T; 466/2022-T; 510/2022-T; 567/2022-T; 769/22-T e 35/2023- T, que reportam o início da contagem do prazo de revisão oficiosa à data da liquidação impugnada e não à data da primeira avaliação para efeitos de IMI ou AIMI, que, em geral, é muito anterior.
Em sentido diferente, de que o não esgotamento dos meios graciosos de revisão da primeira avaliação preclude definitivamente o direito de impugnação da liquidação ainda que com base em pretensa injustiça grave ou notória na determinação do VPT, militam entre outras as Decisões Arbitrais n.ºs 265/2022- T; 266/2022-T; 286/2022-T; 287/2022- T; 386/2022-T; 435/2022-T; 465/2022-T; 486/2022-T; 512/2022-T; 775/2022-T; 779/32022-T; 338/2022-T; 85/2022-T; 791/2022-T; 17/2023-T e 18/2023-T.
Um outro segmento relevante da jurisprudência do CAAD sustentaria uma posição intermédia. consideraria aplicável o n.º 4 do artigo 78.º da LGT apenas quando, entre a fixação do VPT que em que se baseou a liquidação impugnada e o pedido de revisão oficiosa da liquidação com fundamento na injustiça grave ou notória nessa fixação, não tivessem sido ultrapassados os três anos aí referidos (nesse sentido concorreriam as Decisões Arbitrais n.ºs 487/2020- T, 254/2021-T, 465/2021-T 339/2022-T, 467/2022- T, 511/2022-T, e 625/2022-T
Tal prazo de três anos de revisão oficiosa da liquidação contar-se-ia assim, a partir da fixação do VPT e consequente inscrição na matriz predial e não da liquidação do AIMI e do IMI com base nesse VPT.
No entanto, como as avaliações dos referidos terrenos para construção identificados nos autos, que originaram as liquidações de AIMI impugnadas, ocorreram entre 09-03-2013 e 25-05-2015, não tendo apresentado a Requerente, no prazo legal, qualquer pedido de segunda avaliação, da aplicação da doutrina desenvolvida neste último segmento da jurisprudência do CAAD não poderia resultar o sucesso da pretensão da Requerente, já que os três anos a que se refere o n.º 4 do artigo 78.º da LGT foram largamente excedidos.
Mais recentemente, desenvolvendo e aprofundando a jurisprudência anterior, o Pleno do STA viria a pronunciar-se no sentido de na impugnação das liquidações de IMI ou AIMI efetuadas com base no valor matricial inscrito na matriz não poderem ser invocados vícios na determinação do VPT - Acórdão de 23-02-2023, Proc. 102/22 2 BALSB, considerando que a ausência de reclamação da primeira avaliação implicaria, assim, a consolidação do resultado da primeira avaliação, pelo que o erro nesta não poderia servir de fundamento à impugnação da liquidação do IMI ou AIMI, ainda que com fundamento em injustiça grave ou notória, nos termos do n.º 4 do artigo 78º.[1]
Posteriormente, o Acórdão de 21-06-2023 proferido no Proc. 065/22.4 BALSB, consideraria na sequência desse Acórdão constituir jurisprudência consolidada do STA, para efeito do n.º 4 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), admitindo, assim, o trânsito em julgado dos mencionados Acórdãos e consequentemente inadmissibilidade dos recursos que apliquem essa jurisprudência.
Deve, para o efeito, lembra esse Acórdão, reputar-se como "jurisprudência consolidada" aquela que revele uma estabilidade de julgamento, seja porque provém do Pleno, segundo a formação prevista no n.º 2 do artigo do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (E.T.A.F.), seja porque evidencie uma constância decisória através de uma sequência ininterrupta de decisões no mesmo sentido oriundas de uma das Secções deste Tribunal, obtidas por unanimidade ou maiorias significativas.
De mencionar ainda o recente Acórdão do STA de 22-11-2023 proferido no Proc. n.º 72/23.0BALSB que decidiu: “o Acórdão deste Supremo Tribunal (Pleno) de 23-02-2023, proferido no Proc.º n.º 0102/22.2BALSB, www.dgsi.pt, deve ser lido no sentido de que o artigo 78º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação de qualquer tributo, o que equivale a dizer que, embora por motivos não inteiramente coincidentes, a decisão arbitral recorrida acaba, no final, por estar em conformidade com aquela que é a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, de acordo com os critérios que têm vindo a ser definidos”.
De referir que neste recurso para Uniformização de Jurisprudência em que o objeto de recurso foi o acórdão proferido no Proc. n.º 394/2022-T, com base em oposição de acórdãos, apontando como acórdão fundamento, o Acórdão deste Supremo Tribunal (Pleno) de 23-02-2023 proferido no Proc. 102/22.2BALSB, estava em causa a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado e, em consequência, à anulação parcial das liquidações de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”).
No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do STA de 22-11-2023 proferido no Proc. 0115/23.7BALSB em que o objeto do recurso foi o Acórdão do CAAD proferido no Proc. nº 462/2022-T apontando como acórdão fundamento, o Acórdão deste Supremo Tribunal (Pleno) de 23-02-2023, Proc. n.º 102/22.2BALSB.
Esses Acórdãos foram votados por unanimidade dos Conselheiros da 2.ª Secção do Contencioso Tributário do STA, e não se conhece jurisprudência superior que contrarie a anteriormente referida nem argumentos doutrinários novos que teriam de ser sempre bastante sólidos, suscetíveis de pôr em causa a mencionada jurisprudência.
Ainda que se possam manter no CAAD divergências sobre o assunto, o princípio da boa administração da justiça que está na base do mecanismo de uniformização da jurisprudência, impõe, assim, a rejeição do presente pedido de pronúncia arbitral.
5. Questões de conhecimento prejudicado
O juiz na sentença a proferir deve pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer - artigo 125.º, n.º 1 do CPPT.
Nos termos do artigo 608.º n.º 2 do CPC ex vi artigo 29.º n.º 1 a) do RJAT “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.
Em face da decisão de improcedência do pedido da Requerente pelas razões supra indicadas, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões incluídas no pedido de pronúncia arbitral.
6 - Decisão
Termos em que, o Tribunal decide:
a) Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, incluindo quanto ao indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa deduzido com fundamento do n.º 1 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT) dos atos de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) de 2018 n.º ..., de 2019 n.º ... e 2020, n.º ..., no valor total de € 83.569,49;
b) Manter na ordem jurídica a decisão expressa de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e as liquidações de AIMI impugnadas;
c) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios;
d) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.
e) Condenar a Requerente nas custas do processo.
7. VALOR
Fixa-se o valor do processo em € 83.569,49 nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi as alíneas a) e b) do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.
8. CUSTAS
Fixa-se em € 2.754,00 o valor das custas, a cargo da Requerida, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa.
Notifique-se
Lisboa, 09 de janeiro de 2024
O Tribunal Arbitral
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(Prof.ª Doutora Regina Almeida Monteiro – Presidente)
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(Dr. Sérgio de Matos – Adjunto)
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(Dr. António de Barros Lima Guerreiro – Adjunto)
[1] Essa jurisprudência desenvolve e aprofunda a doutrina dos Acórdãos do STA de 30-06-1999, Proc. 023160, de 02-04-2003; Proc. 02007/02, de 06-02-2011; Proc. n.º 037/11, de 19-09-2012; Proc. n.º 0659/12, de 05-2-2015; Proc. 08/13, de 13-07-2016; Proc. 0173/16, de 10-05-2017; Proc. 0885/16, de 18/10/2018; Proc. 1808/12.0, de 15-02-2017; Proc. 633/14, do Tribunal Central Administrativo Sul Acórdãos 5964/12 de 20-12-2012, 5964/12 de 20-12-2012, 03586/09 de 25-04-2010. Proc. 02125/07 de 12-02-2008 bem como dos Acórdãos do CAAD 398/2021-T, 487/2020-T, 540/2020-T, 40/2021-T, 510/2021-T, 528/2021-T, 756/2021-T, 754/2021-T, 652/2021-T, 667/2021-T, 697/2021-T,659/2021-T, 654/2021-T e 601/2021.