Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 38/2015-T
Data da decisão: 2015-06-30  IRS  
Valor do pedido: € 25.519,05
Tema: IRS - duplicação de colecta e erro na quantificação da matéria colectável, tempestividade
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Processo n.º 38/2015-T

 

Requerente: A

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

I.              RELATÓRIO

 

A, NIF …, com domicílio fiscal na …, em … (doravante apenas designado por Requerente), apresentou, em 23-01-2015, um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com as alíneas a) do art. 99.º do CPPT, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

O Requerente pede a declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRS n.º 2014 ... referente ao ano de 2012 que resultou de um acréscimo à matéria colectável no montante de Euro 63.588,00. Em consequência desta anulação, o Requerente requer o reembolso das quantias indevidamente pagas no processo executivo, no montante de Euro 26.749,30, acrescidas de juros indemnizatórios.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 26-01-2015 e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nessa mesma data.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a ora signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 16-03-2015 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 31-03-2015.

Na resposta apresentada a Requerida solicitou, a título de questão prévia, a correcção do valor da utilidade económica do pedido de pronúncia arbitral para Euro 25.519,05, e não os Euro 26.749,30 declarados pelo Requerente, suscitando diversas excepções que obstariam ao conhecimento do pedido deduzido.

Notificado para o efeito, o Requerente apresentou resposta escrita às excepções invocadas pela Requerida, tendo, a final, requerido a redução do pedido no montante de Euro 1.230,25 e fixando o valor da utilidade económica da acção em Euro 25.519,05, conforme proposto pela Requerida.

Depois dos articulados apresentados, foi, por despacho de 16-06-2015, dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por se entender estar este tribunal em condições de tomar posição quanto ao pedido do Requerente.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

II.          DO PEDIDO DO REQUERENTE

 

Como referido, o Requerente vem pedir a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de IRS n.º 2014 ... referente ao ano de 2012, com imposto a pagar no montante de Euro 25.519,05 (correspondente à diferença entre o valor da liquidação adicional - Euro 30.343,65 - e o montante inicialmente liquidado e pago - Euro 4.824,60). Para além do reembolso do referido montante, o Requerente solicita, também, o reembolso do montante de Euro 1.230,25, correspondente a juros de mora e custas, pago no âmbito do processo executivo instaurado com vista à cobrança coerciva da dívida de IRS ora contestada, tudo acrescido de juros indemnizatórios.

Na sequência da contestação apresentada pela Requerida e das excepções invocadas, o Requerente reduziu o pedido em Euro 1.230,25, mantendo apenas o pedido de declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2012, no valor de Euro 25.519,05, com consequente reembolso deste valor, acrescido de juros indemnizatórios.

A liquidação adicional efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira teve origem num acréscimo à matéria colectável no valor de Euro 63.588,00 correspondente às facturas n.ºs …/2012 e …./2012, no valor de Euro 61.248,00 e Euro 2.340,00 respectivamente, referentes a vendas de cortiça amadia e bocados.

Sucede que, no entender do Requerente, este acréscimo à matéria colectável é ilegal porquanto tal rendimento havia sido reconhecido como proveito ao longo dos 9 anos anteriores a 2012 ao abrigo do princípio do diferimento, tendo sido sujeito a tributação em IRS nesse período.

De acordo com as regras contabilísticas adoptadas pelo Requerente, nos 9 anos anteriores a 2012, um nono da previsão de receita futura decorrente da venda da cortiça foi sendo anualmente reconhecida na conta #2719 por contrapartida da conta de proveitos # 71. Com a entrada do SNC, a contabilização passou a efectuar-se na conta #34, de acordo com as NCRF n.ºs 17 e 18. Ao contabilizar anualmente tais valores na conta #71, tais proveitos – ainda que meramente estimados e previsíveis – foram considerados para efeitos de determinação do rendimento tributável do exercício e, nessa medida, sujeitos a IRS.

Assim sendo, ao desconsiderar os valores registados na contabilidade do Requerente e sujeitos a IRS nos anos anteriores, a Autoridade Tributária e Aduaneira liquidou e cobrou duplamente imposto sobre o mesmo rendimento: em cada um dos anos referidos, em virtude do reconhecimento efectuado, e em 2012, em virtude da facturação efectivamente emitida.

Face ao exposto, conclui o Requerente que a liquidação adicional de IRS contestada é ilegal por duplicação de colecta e erro na quantificação da matéria colectável pelo que requer a sua anulação, com a consequente devolução do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.

           

III.         DA RESPOSTA DA FAZENDA PÚBLICA

 

Na resposta apresentada, a Requerida suscita diversas excepções relativamente ao conhecimento do direito ao reembolso da quantia de Euro 1.230,25 paga a título de acrescido em sede de execução fiscal.

Quanto à questão de fundo do pedido de pronúncia arbitral – a ilegalidade da liquidação adicional de IRS do ano de 2012 com o n.º 2014 ... – a Requerida invoca, desde logo, a excepção de intempestividade na medida em que o pedido foi efectuado para além dos 90 dias previstos na alínea a ) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT, contados desde o termo do prazo para pagamento voluntário, por remissão para o n.º 1 do art. 102.º do CPPT.

A Requerida reconhece que o Requerente deduziu reclamação graciosa quanto à liquidação adicional contestada nos presentes autos e que esta veio a ser indeferida por despacho de 12/12/2014. No entanto, o pedido de pronúncia arbitral não tem como objecto imediato este indeferimento, dado que o Requerente não suscitou, em momento algum, qualquer questão quanto à referida decisão. Nessa medida, tendo o pedido de pronúncia arbitral como objecto imediato e único a liquidação adicional de IRS, o prazo de 90 dias conta-se, nos termos gerais, desde o termo do prazo de pagamento voluntário da dívida contestada (ou seja, desde 24/04/2014).

Em complemento, a Requerida invoca a falta de objecto do pedido de pronúncia arbitral, na medida em que o Requerente pretenderá a inclusão em 2012 de gastos ocorridos em anos anteriores, e a caducidade do direito de acção por entender que o Requerente pretenderá a revisão das liquidações de IRS dos anos anteriores a 2012, o que será juridicamente impossível relativamente às liquidações anteriores a 2008 por decurso do prazo geral de caducidade do direito à liquidação.

Sem prejuízo das excepções invocadas, e no que toca à questão da legalidade da liquidação contestada, a Requerida entende não assistir razão ao Requerente porquanto da documentação apresentada resultará demonstrado que, a partir de 2010, com a introdução do SNC e a consequente alteração de tratamento contabilístico, o Requerente deixou de considerar qualquer proveito antecipado a título de vendas de cortiça pelo que não será inteiramente correcta a alegação do Requerente de que tais proveitos já haviam sido anualizados nos anos anteriores a 2012.

Ainda no entender da Requerida, ficou demonstrado que, em 2012, as facturas n.ºs 1/2012 e 2/2012, nos montantes indicados, não foram contabilizadas na conta “Vendas”, tendo tais valores sido apenas deduzidos ao saldo da conta # 272109, sem integrarem a conta de resultados do Requerente.

Na óptica da Requerida, o Requerente não demonstrou, de forma sólida e convincente, as alegações efectuadas no pedido de pronúncia arbitral pelo que se deverá manter o acréscimo à matéria colectável que esteve na base da liquidação adicional de 2012.

Conclui, assim, pela improcedência do pedido do Requerente, pelo que este não terá direito a qualquer reembolso de imposto acrescido de juros indemnizatórios.

 

IV.         MATÉRIA DE FACTO

 

                        A. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

1.             Em 2013, a Requerida procedeu à liquidação de IRS n.º 2013 ... referente ao ano de 2012, com imposto a pagar no valor de Euro 4.824,60.

2.             Em 22/02/2014, a Requerida efectuou a liquidação adicional de IRS n.º 2014 ... com referência ao ano de 2012, com adicional de imposto e juros compensatórios a pagar no montante de Euro 25.519,05.

3.             O prazo para pagamento voluntário terminou a 24/04/2015.

4.             A 15/05/2015 foi instaurado processo executivo pelo Serviço de Finanças de Lisboa 3 que correu termos sob o número ....

5.             O Requerente deduziu reclamação graciosa da liquidação adicional referida em 2.

6.             A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 12/12/2014, notificado ao Requerente pelo ofício n.º …1, de 17/12/2014.

7.             A 04/11/2014 o Requerente procedeu ao pagamento da dívida e respectivo acrescido no âmbito do processo de execução fiscal referido no ponto 4.

8.             O pedido de pronúncia arbitral foi entregue a 23/01/2015.

 

B. Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.

 

C. Fundamentação da matéria de facto

 

A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada e não contestada.

 

V.          QUESTÕES A DECIDIR

 

Resulta do exposto supra que, na sua resposta, a Requerida suscitou a excepção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral porquanto este foi submetido para além dos 90 dias previstos na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT, contados desde o termo do prazo de pagamento voluntário – 24/04/2014, conforme ponto 3. dos factos provados - por aplicação da alínea a) do n.º 1 do art. 102.º do CPPT. Notificado para se pronunciar sobre esta excepção, o Requerente nada disse.

A primeira questão a decidir prende-se, assim, com a determinação do momento inicial de contagem do prazo para dedução do pedido de pronúncia arbitral, aventando-se duas hipóteses: (i) o termo do prazo para pagamento voluntário do acto de liquidação contestado, hipótese defendida pela Requerida; ou (ii) a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida pelo Requerente (junta pelo Requerente, sem qualquer enquadramento).

Optando-se pela primeira hipótese, teremos que concluir pela extemporaneidade do pedido de pronúncia arbitral; optando-se pela segunda hipótese, o pedido é tempestivo, impondo-se a este tribunal o conhecimento das demais questões suscitadas.

A nosso ver, a resposta a esta questão será encontrada no pedido efectuado pelo Requerente e na delimitação do objecto por este efectuada na petição inicial uma vez que é este pedido que baliza os poderes cognitivos e decisórios do tribunal (cfr. arts. 608.º e 609.º do CPC

Ora, o Requerente inicia a sua petição declarando que submete a decisão arbitral “a decisão da administração fiscal (AT) relativa à liquidação adicional em sede de IRS por ilegalidade no acto de liquidação de tributo e ilegalidade no acto de determinação da matéria colectável, por erro de liquidação e quantificação do rendimentos, lucros e valores patrimoniais com os fundamentos seguintes: (…)”.

E conclui com o seguinte pedido: “Nestes termos, com o douto e competente suprimento, deverá: a) ser anulada a liquidação adicional 2014 ... e respectivos juros compensatórios da liquidação; b) ser ordenada a devolução do pagamento dessa liquidação adicional que o contribuinte aqui requerente entretanto pagou em 04/11/2014 pela guia n.º ..., ordenando-se a devolução do valor pago de 26.749,30 € acrescida de juros indemnizatórios à taxa legal, nos termos do disposto no art. 43.º da LGT”.

O objecto do pedido, expressamente delimitado pelo Requerente, é a invocada ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRS e não o indeferimento da reclamação graciosa apresentada. De referir, aliás, que em momento algum da petição ou do requerimento apresentado, o Requerente faz qualquer apreciação ao indeferimento e seus fundamentos, não tendo formulado qualquer pedido sobre tal acto tributário. Este tribunal teve conhecimento da existência de uma reclamação graciosa apenas e só porque o Requerente juntou cópia da decisão de indeferimento sem que, contudo, dela tenha retirado qualquer efeito legal ou jurídico. Tal documento é junto ao processo mas nenhuma menção é feita ao mesmo e ao seu conteúdo ao longo da petição inicial.

Estando os poderes cognitivos do tribunal delimitados pelos factos alegados pelas partes, não pode o juiz decidir sobre questões não suscitadas pelas mesmas, nem condenar em objecto diferente ou em quantidade superior ao pedido. Salvo questões de conhecimento oficioso, tem que haver identidade entre a causa de pedir e a causa de julgar, não podendo estas diferir.

Nessa medida, tendo os presentes autos como objecto a liquidação adicional de IRS do ano de 2012, efectuada em Fevereiro de 2014, não pode este tribunal deixar de concordar com a Requerida e concluir que o pedido de pronúncia arbitral, apresentado a 23/01/2015, é extemporâneo. O prazo de 90 dias para requerer pronúncia arbitral teve início a 25/04/2014, após o termo do prazo para pagamento voluntário, pelo que estaria integralmente cumprido a 23/01/2015, data de entrada do pedido de pronúncia arbitral [cfr. alínea a) do n.º 1 do art. 102.º do CPPT por remissão da alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT].

Considerando-se procedente a excepção invocada, fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas nos autos.

 

VI.         DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral julgar procedente a excepção de intempestividade do pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, dele se absolvendo a Requerida.

 

Valor do processo: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 25.519,05.

Custas: Nos termos do n.º 4 do art. 22.º do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.530,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.

 

Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às partes.

 

Lisboa, 30-06-2015

O Árbitro Singular

 

 

 

(Maria Forte Vaz)