Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 416/2023-T
Data da decisão: 2023-12-04  IRS  
Valor do pedido: € 9.075,59
Tema: IRS – opção pelo regime da contabilidade organizada.
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SUMÁRIO

  1. A declaração de alteração de atividade, em IRS, tem efeitos meramente declarativos, e não efeitos constitutivos.
  2. O método regra de determinação do lucro tributável, eleito pelo legislador fiscal para a tributação dos rendimentos empresariais, por ser aquele que melhor permite uma maior aproximação à realidade, é o da contabilidade organizada, corrigida de acordo com as imposições especiais da lei tributária.
  3. À luz do princípio da justiça e da boa-fé, e na ausência de quaisquer indícios de fraude ou evasão fiscal, a entrega fora do prazo do artigo 28.º, n.º 3 e 4 do CIRS, como tem sido o entendimento da jurisprudência do STA e igualmente do CAAD (em casos com muitas semelhanças), não exclui o direito de o Sujeito Passivo optar pelo regime, desde que seja feito no prazo previsto no art.º 45.º da LGT, ou seja, o momento limite até ao qual a Lei permite à AT proceder à liquidação ou correção da liquidação do imposto respetivo.

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Pedro Guerra Alves, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído em 16-08-2023, decide o seguinte:

  1. Relatório

A..., doravante “Requerente”, NIF..., com residência na Rua ..., n.º..., ...-... Braga, veio, em 05-06-2023, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA") contra os atos de liquidação de Imposto de IRS n.º 2022..., do ano de 2019, assim como da demonstração de liquidação de IRS n.º 2022..., do ano de 2020, e respetivas liquidações de juros e demonstrações de acerto de contas, no valor global de €9.075,59, e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022..., pretendendo a respetiva declaração de ilegalidade e anulação, bem como o reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”).

O Requerente fundamenta a sua pretensão, em síntese, nos seguintes termos:

  1. O Requerente encontra-se coletado para as atividades principais de compra e venda de bens imobiliários e como atividade secundária arrendamento de bens imobiliários.
  2. Em 09-01-2019, o contabilista certificado do Requerente, Dr. B..., deslocou-se ao Serviço de Finanças de Braga ..., com uma declaração para reinício de atividade parcialmente preenchida e já assinada pelo Requerente. Cfr. documento 3. Da PPA.
  3. O contabilista foi atendido pelo funcionário do Serviço de Finanças de Braga ..., Sr. C... .
  4. Nessa declaração, na segunda página, no quadro referente às informações relativas à contabilidade, na questão “Possui Contabilidade?”, constava a seguinte inscrição “por opção”, e no tipo de contabilidade constava “informatizada”.
  5. E no quadro a seguir constava a morada de centralização da contabilidade, que era a ..., n.º..., ...-... Braga.
  6. Consta da página 2 declaração de alterações entregue (documento 3) que o Requerente possui contabilidade organizada por opção, consta a morada de centralização da contabilidade, assim como a identificação do contabilista.
  7. Caso contrário, não teria indicado a morada da centralização da contabilidade.
  8. Com a entrega da declaração, ficou claro para o contabilista e para o Requerente que este ficou enquadrado, por opção, no regime da contabilidade organizada.
  9. Tal como ficaria claro para qualquer destinatário ao analisar a declaração submetida.
  10. Com efeito, no atendimento, o contabilista comunicou a intenção do Requerente de reabrir atividade na categoria B do IRS com contabilidade organizada.
  11. E em nenhum momento verbalizou qualquer intenção de que o Requerente ficasse enquadrado no regime simplificado de tributação
  12. Assim, pela análise desta declaração, que foi entregue ao contabilista pelo funcionário da AT, se pode concluir que o Requerente optou pelo regime da contabilidade organizada para efeitos de IRS, conforme opções declaradas no quadro referente às informações relativas à contabilidade.
  13. E ficou convencido que o enquadramento estava correto e era o pretendido pelo Requerente. 
  14. No entanto, o funcionário que atendeu o contabilista (Sr. C..., funcionário do Serviço de Finanças de Braga ...), contrariando as indicações do contabilista que pediu o enquadramento na categoria B com contabilidade organizada, preencheu “não” na opção por contabilidade organizada.
  15. E na parte do formulário de uso exclusivo dos serviços, o funcionário colocou “enquadramento: regime simplificado”.
  16. Esta inconformidade só foi detetada aquando do envio da modelo 3 de IRS do ano de 2019. O Requerente submeteu a sua declaração de IRS de 2019, dentro do prazo legal,
  17. E nessa declaração considerou que estaria enquadrado no regime da contabilidade organizada, tendo junto o anexo C.
  18. Em 19-06-2020, foi notificado da existência de erros centrais da declaração modelo 3 de IRS de 2020, que se junta em anexo como documento 4.
  19. Da referida notificação consta que existe “incompatibilidade entre o anexo entregue e opção em cadastro”.
  20. Posteriormente, o Requerente recebeu a mensagem de correio eletrónico, que refere o seguinte: “A declaração de IRS 2020 do contribuinte A... com NIF  ... está em erro central porque o contribuinte encontra-se no regime simplificado de IRS e está com Anexo C. Assim, deve em declaração entregue e com erros de validação central, obter a declaração, retirar o Anexo C e entregar com Anexo B”.
  21. Assim, o Requerente foi erradamente enquadrado no regime simplificado desde 01-01-2019, quando o que pretendia com a entrega da declaração de reinício de atividade, em 09-01-2019, era o enquadramento no regime da contabilidade organizada a partir dessa data, 09-01-2019.
  22. O Requerente apresentou pedido de correção do cadastro, que foi indeferido, conforme documento 6 que se junta.
  23. O Requerente apresentou em 07-02-2022, uma ação administrativa junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que corre termos sob o processo n.º 274/22.6BEBRG, onde discute precisamente a decisão de enquadramento no regime simplificado, conforme documento 7 que se junta. 
  24. Na pendência da ação administrativa, o Requerente foi notificado da liquidação oficiosa de IRS n.º 2022..., relativa ao ano de 2019, assim como da liquidação oficiosa de IRS n.º 2022..., relativo ao ano de 2020, tendo a AT tributado o Requerente com base no regime simplificado de tributação, conforme documentos 8 e 9 que se juntam. 
  25. O Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação oficiosa de IRS n.º 2022..., relativa ao ano de 2019, assim como da liquidação oficiosa de IRS n.º 2022..., relativo ao ano de 2020, por sujeitarem o Requerente a tributação no regime simplificado de tributação. 
  26. Através do Ofício n.º..., de 08-02-2023, o Requerente foi notificado do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
  27. Sustenta o Requerente, que o enquadramento que foi efetuado pela AT não corresponde ao enquadramento comunicado pelo Requerente e que consta da declaração de reinício de atividade que se juntou como documento 3. 
  28. Ora o ato de enquadramento no regime simplificado de tributação praticado, sem a manifesta vontade do ora Requerente não encontra fundamento na lei, e tal situação acarreta uma errónea qualificação e quantificação dos factos tributários.
  29. Pelo que as liquidações objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, ao terem sujeitado o Requerente a ser tributado no regime simplificado de tributação, são ilegais, devendo, por  isso, serem anuladas.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 07-06-2023, e subsequentemente notificado à AT.

O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou o ora signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 28-07-2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 16-08-2023, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alíneas a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.

A Requerida apresentou a sua resposta, com defesa por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”) em 17-10-2023, alegando, em síntese, o seguinte:

  1. Remete-se e dá-se como integralmente reproduzida a decisão de pronúncia da DSIRS, tendente à manutenção do ato ora posto em crise.
  2. As Liquidações contestadas, com os n.ºs 2022... e 2022..., são referentes aos exercícios de 2019 e  de 2020, respetivamente.
  3. Quanto ao enquadramento factual, reproduz-se, por com o mesmo se concordar inteiramente, fazendo nosso, o teor da informação, da decisão de pronúncia pela manutenção do ato ora posto em causa:

As Liquidações contestadas são de IRS, com os nºs 2022... e 2022..., referentes aos períodos de tributação de 2019 e de 2020, respetivamente, tendo sido proferido Despacho de Pronúncia da DSIRS tendente à manutenção dos atos tributários sub júdice.

Assim,

“B - Pedido de Pronúncia

1. A matéria relativamente à qual foi suscitada a apreciação do Tribunal Arbitral, reporta-se à qualificação do regime de tributação da categoria B.

2. Refere o Requerente que se encontra coletado para as atividades, principal de compra e venda de bens imobiliários e secundária arrendamento de bens imobiliários.

3. Mais refere que:

•Em 09/01/2019, o seu contabilista, deslocou-se ao Serviço de Finanças de Braga ..., com uma declaração para reinício de atividade parcialmente preenchida e já por si assinada.

•Nessa declaração, na segunda página, no quadro referente às informações relativas à contabilidade, na questão "Possui Contabilidade?", constava a seguinte inscrição "por opção", e no tipo de contabilidade constava "informatizada".

•Mais, no quadro a seguir constava a morada de centralização da contabilidade, que era a ..., ..., ...-... Braga.

•Consta da página 2, da declaração de alterações entregue, que possui contabilidade organizada por opção, assim como a morada de centralização da contabilidade e a identificação do contabilista.

•Pela análise da declaração, que foi entregue ao contabilista pelo funcionário da AT, se pode concluir que optou pelo regime da contabilidade organizada para efeitos de IRS, conforme opções declaradas no quadro referente às informações relativas à contabilidade.

•Caso contrário, não teria indicado a morada da centralização da contabilidade.

•Com a entrega da declaração, ficou claro para o contabilista e para si que ficou enquadrado, por opção, no regime da contabilidade organizada.

•Tal como ficaria claro para qualquer destinatário ao analisar a declaração submetida.

•Em 07/02/2022, apresentou ação administrativa junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que corre termos sob o processo nº 274/22.6BEBRG, onde se discute a decisão de enquadramento no regime simplificado.

•Alega ainda a falta de fundamentação das de IRS de 2019 e 2020.

Solicita a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022..., que apreciou a legalidade da demonstração das liquidações de IRS dos anos de 2019 e 2020, a restituição do valor pago a mais em imposto e pagamento de juros  indemnizatórios.

IV – Factos/Apreciação

4. Em relação ao Requerente, consta nas aplicações informáticas que:

> Iniciou a atividade em 15/06/2001, Cat. B- Rend. Empresariais, CAE CAFÉS, ficando enquadrado no regime simplificado, que cessou em 25/09/2001.

>Em 25/09/2001, procedeu à alteração do CAE, para OUTROS ESTABELECIMENTOS DE BEBIDAS SEM ESPETACULO, ficando enquadrado no regime simplificado, que cessou em 31/01/2006.

>Reiniciou em 04/07/2008, a atividade CAE CAFÉS, ficando enquadrado no regime simplificado, que cessou 31/07/2008.

>Reiniciou atividade em 02/01/2019, com o CAE Principal, Compra e Venda de Bens Imobiliários e o Secundário, Arrendamento de Bens Imobiliários. Tendo ficado enquadrado em IVA, no regime de isenção (artigo 9) e no regime simplificado em IRS.

5. Em 18/06/2020, submete a declaração de IRS respeitante ao ano de 2019, com os anexos A, C, e H. Esta declaração ficou no estado de “errada”.

6. Em 18/06/2020, é iniciado um procedimento de divergências, relativo ao ano de 2019, por incompatibilidade entre o anexo entregue e a opção em cadastro. O contribuinte é notificado do erro verificado na declaração entregue, pois da mesma deveria constar um anexo B ao invés de um anexo C.

7. Em 17/11/2020, é iniciado novo procedimento de divergências do mesmo ano de 2019, notificado o contribuinte, nos termos do nº 3 art.º 76 CIRS, para a falta da entrega da declaração modelo 3 de IRS.

8. Em 22/06/2021, submete a declaração de IRS respeitante ao ano de 2020, com os anexos A, C e G. Esta declaração ficou no estado de “errada”.

9. Em 23/06/2021, é iniciado um procedimento de divergências, agora relativo ao ano de 2020, por incompatibilidade entre o anexo entregue e a opção em cadastro. O contribuinte é notificado do erro verificado na declaração entregue, pois da mesma deveria constar um anexo B ao invés de um anexo C.

10. Em 07/11/2021, é iniciado novo procedimento de divergências ao ano de 2020, notificando-se o contribuinte, nos termos do nº 3 art.º 76 CIRS, para a falta da entrega da declaração modelo 3 de IRS.

11. Em 02/02/2022, é elaborada uma declaração oficiosa para o ano de 2019, nº ...- 2019 -..., que dá origem à liquidação nº 2022..., de 11/02/2022, com o montante a pagar de 3.994,52€.

12. Em 07/04/2022, é elaborada uma declaração oficiosa ao ano de 2020, nº ...- 2020 -..., que dá origem à liquidação nº 2022..., de 30/04/2022, com o montante a pagar de 5.081,07€.

13. Inconformado com as liquidações resultantes das declarações oficiosas, deduz reclamação graciosa em 24/08/2022, registada sob o nº ...2022..., que foi, em 02/03/2023, objeto de indeferimento, pelo Chefe de Divisão da DF de Braga.

14. Entende o Requerente que, existiu erro dos serviços em enquadrar a forma de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado, uma vez que o reclamante indicou que possuía contabilidade organizada por opção, campo 16 da declaração, pois pretendia que a determinação dos rendimentos empresarias e profissionais se efetuasse com base na contabilidade.

15. Após consulta da declaração de reinício de atividade a 02/01/2019, constata-se que o Requerente efetuou a opção pela contabilidade organizada como forma de cumprimento das suas obrigações de registo das suas operações comerciais. Declaração que se encontra devidamente assinada pelo requerente e o TOC D... .

16. Todavia, não preencheu o quadro 19 dessa declaração de alterações, que é o campo relativo à opção pela determinação dos rendimentos de acordo com o regime de contabilidade organizada, conforme instruções na referida declaração (“Se reunir as condições previstas no art.º 28.º do CIRS, para ficar enquadrado no regime simplificado de tributação, e pretende optar pelo regime de contabilidade organizada, assinale o campo 1”), pelo que se manteve no regime simplificado de acordo com a previsão legal.

17. Nos termos do nº 2 do artigo 28.º do CIRS, ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 200 000.

18. Dispõe ainda o mesmo normativo legal, nos seus números 3 e 4, que os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade, na declaração de início de atividade ou até ao fim do mês de março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de declaração de alterações.

19. Refere o Requerente que tendo optado pelo regime de contabilidade organizada, teria que permanecer nesse regime, até apresentar declaração com diferente manifestação de vontade. 

20. Porém, conforme se pode verificar pelos factos elencados no ponto 4 da presente informação, o requerente nunca esteve enquadrado no regime de contabilidade organizada de determinação dos rendimentos da categoria B do IRS, mas esteve sempre enquadrado no regime simplificado de determinação dos rendimentos dessa categoria.

21. Pelo que, foi corretamente notificado do erro na validação das declarações apresentadas, bem como da necessidade de proceder à sua correção, substituindo o Anexo C pelo Anexo B, sob pena de as mesmas se considerarem não entregues, conforme dispõe o nº 3 da portaria n.º 366/2015, de 16 de outubro e as suas subsequentes.

22. E, perante a omissão declarativa, em sede de IRS, era lícito à AT, depois de efetuar a notificação prevista no artº.76º nº 3 do CIRS, como efetuou, proceder à declaração oficiosa nos termos legais.

23. Efetivamente as declarações oficiosas respeitantes aos anos de 2019 e 2020 foram elaboradas com base nos elementos constantes do cadastro e nas declarações entregues pelo requerente com exceção dos rendimentos da categoria B. No anexo C, do ano de 2019, o requerente indicou o valor de 17.140,00€, enquanto no anexo B oficioso foi inscrito o montante de 17.250,00€, valor correspondente ao registado no e-fatura; já no que respeita ao ano de 2020, consta do anexo B da declaração oficiosa o valor de 13.490,00€, correspondente ao registado no e-fatura, ao invés do montante de 15.640,00€ mencionado pelo requerente no anexo C.

24. Assim não pode o Requerente alegar que desconhecia os valores sujeitos à tributação e as operações que levaram ao montante de imposto apurado, ou o itinerário cognitivo seguido pela Administração Tributária nas correções que foram efetuadas.

25. Isto é, está demonstrado que o requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do ato, como resulta da presente petição inicial e respetiva argumentação.

26. Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, é o artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) que define os pressupostos do direito aos mesmos a favor do contribuinte, consignando, na sua redação atual, sob a epígrafe «Pagamento indevido da prestação tributária»:

“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. …”

27. No entanto, não se verificando erro imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, não existem direito a juros indemnizatórios.

V – Conclusão

Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que deverá ser negado provimento ao solicitado (…).” ‘

  1. Conclui que deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.

No dia 31-10-2023 realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, com a inquirição da prova testemunhal apresentada pelo Requerente. As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas finais e o Tribunal indicou a data previsível para prolação da decisão arbitral, com advertência da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente pelo Requerente até essa data (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

O Requerente apresentou alegações em 13-11-2023, reafirmando, no essencial, a posição assumida no respetivo articulado.

  1. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar da legalidade de atos de liquidação de IRS, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT, contado da data de notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, fixada em 7 de Março de 2023.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Matéria De Facto

§3.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:

  1. O Requerente foi notificado através de carta registada, em 03-03-2023, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022..., que teve por objeto a apreciação da legalidade da demonstração de liquidação de IRS n.º 2022..., do ano de 2019, assim como da demonstração de liquidação de IRS n.º 2022..., do ano de 2020, e respetivas liquidações de juros e demonstrações de acerto de contas, conforme documento 1da PPA.
  2. Em 09-01-2019, o contabilista certificado do Requerente, Dr. B..., deslocou--se ao Serviço de Finanças de Braga ..., com uma declaração para reinício de atividade parcialmente preenchida e já assinada pelo Requerente. Cfr. documento 3. Da PPA
  3. Nessa declaração, na segunda página, no quadro referente às informações relativas à contabilidade, na questão “Possui Contabilidade?”, constava a seguinte inscrição “por opção”, e no tipo de contabilidade constava “informatizada”.
  4. E no quadro a seguir constava a morada de centralização da contabilidade, que era a ..., n.º..., ...-... Braga.
  5. Consta da página 2 declaração de alterações entregue (documento 3) que o Requerente possui contabilidade organizada por opção, consta a morada de centralização da contabilidade, assim como a identificação do contabilista.
  6. Esta inconformidade só foi detetada aquando do envio da modelo 3 de IRS do ano de 2019.
  7. O Requerente submeteu a sua declaração de IRS de 2019, dentro do prazo legal, e nessa declaração considerou que estaria enquadrado no regime da contabilidade organizada, tendo junto o anexo C.
  8. Em 19-06-2020, foi notificado da existência de erros centrais da declaração modelo 3 de IRS de 2020, que se junta em anexo como documento 4.
  9. Posteriormente, o Requerente recebeu a mensagem de correio eletrónico, que refere o seguinte: “A declaração de IRS 2020 do contribuinte A... com NIF ... está em erro central porque o contribuinte encontra-se no regime simplificado de IRS e está com Anexo C. Assim, deve em declaração entregue e com erros de validação central, obter a declaração, retirar o Anexo C e entregar com Anexo B”.
  10. Assim, o Requerente foi erradamente enquadrado no regime simplificado desde 01-01-2019, quando o que pretendia com a entrega da declaração de reinício de atividade, em 09-01-2019, era o enquadramento no regime da contabilidade organizada a partir dessa data, 09-01-2019.
  11. O Requerente apresentou pedido de correção do cadastro, que foi indeferido, conforme documento 6 da PPA.
  12. O Requerente apresentou em 07-02-2022, uma ação administrativa junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que corre termos sob o processo n.º 274/22.6BEBRG, onde discute precisamente a decisão de enquadramento no regime simplificado, conforme documento 7.
  13. Na pendência da ação administrativa, o Requerente foi notificado da liquidação oficiosa de IRS n.º 2022..., relativa ao ano de 2019, assim como da liquidação oficiosa de IRS n.º 2022..., relativo ao ano de 2020, tendo a AT tributado o Requerente com base no regime simplificado de tributação, conforme documentos 8 e 9 da PPA 
  14. O Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação oficiosa de IRS n.º 2022..., relativa ao ano de 2019, assim como da liquidação oficiosa de IRS n.º 2022..., relativo ao ano de 2020, por sujeitarem o Requerente a tributação no regime simplificado de tributação. 
  15. Através do Ofício n.º..., de 08-02-2023, o Requerente foi notificado do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa

 

§3.2. Factos não provados

Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.

Não foram identificados outros factos que devam ser considerados não provados.

§3.3. Fundamentação da matéria de facto

Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e da prova testemunhal.

Em relação à prova testemunhal importa salientar os testemunhos de:

O Sr. D..., contabilista da Requerente, o contributo trazido pelo seu depoimento, que o seu colega e socio, que o mesmo levou o requerimento junto do departamento das finanças a AT para proceder a alteração do regime do Requerente para o regime da Contabilidade Organizada, tendo levado para o efeito uma declaração pré-preenchido assinada por si. O Requerente encontrava-se no regime simplificado, pelo que não faria sentido submeter um requerimento de alteração do regime para o mesmo regime que já se encontrava. Mais referiu que no documento gerado com a entrega foi feito um enquadramento pela AT que não corresponde ao que tinha sido solicitada, e que no momento não verificaram esse erro, porque como se tratava de um procedimento regular e porque o requerimento entregue visava a alteração do regime de contabilidade organizada . Não verificaram porque fazem este procedimento dezenas de vezes e que é um processo comum.

No que se refere ao depoimento da testemunha Sra. E..., que trabalha na empresa efetua a contabilidade do Requerente, a mesma referiu que nesse ano a empresa em que trabalha foi contratada para prestar os serviços de contabilidade, mediante o pagamento de uma avença mensal, e que nesse ano iniciaram e tratavam dos processos contabilísticos do Requerente, e tendo no ano em questão, prestaram os serviços normais de regime de contabilidade organizada. Mais referiu que não tratam de assuntos de clientes no regime simplificado. Sabe que, foram contratados para submeter o a declaração para ser enquadrado no regime de contabilidade organizada. E que entregaram todas as declarações junto das entidades, como Segurança Social e AT, as declarações normais decorrentes do regime de contabilidade organizada.

Quanto ao depoimento trazido pela testemunha, Sr. F..., trabalhada na empresa que presta serviços de consultoria contabilística e fiscal. Que na época descolocavam-se pessoalmente aos serviços de finanças para proceder a alteração de atividade, pré-preenchidas, que continha os dados do contabilista certificado e a sua vinheta. Deslocou-se para proceder passagem do regime simplificado para o regime de contabilidade organizada. Sempre foi este o procedimento efetuado. E no ano seguinte, é que verificaram que o enquadramento não tinha sido efetuado, mantendo-se o regime de contabilidade organizada. Mais referiu, que nesse momento entregou igualmente outro pedido de alteração de atividade de outro cliente, e que esse cliente, resultou o mesmo problema, não tendo sido alterado o respetivo registo para os anos de 2019.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

  1. Matéria de Direito

§4.1. Delimitação das questões a decidir:

Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:

  1. Ilegalidade das liquidações de Imposto de IRS n.º 2022..., do ano de 2019, assim como da demonstração de liquidação de IRS n.º 2022..., do ano de 2020, e respetivas liquidações de juros e demonstrações de acerto de contas, no valor global de €9.075,59, e da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022... .
  2.  §4.2. Sobre a ilegalidade das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares

Face à factualidade em análise nos presentes autos e aos articulados das partes, a questão que se impõe conhecer é a seguinte, se pode o Requerente submeter a sua declaração de IRS de 2019 e 2020 com base no regime de contabilidade, quando estava, independente de erro ou não da Requerida ou AT, inscrita no regime simplificado.

Na situação sub júdice, conforme dos factos provados, o Requerente em 09-01-2019, por meio do seu contabilista certificado, Sr. B..., deslocou--se ao Serviço de Finanças de Braga ..., com o objetivo de alterar o regime do Requerente para o regime de contabilidade Organizada, contudo, o pedido não ficou registado com essa alteração.

O Requerente, deveria no momento da entrega da declaração pela opção do regime de contabilidade organizada ter conferido o respetivo formulário, independentemente da existência e imputação da culpa no erro do preenchimento, culpa essa, sem relevo para os presentes autos, sendo meramente relevante para efeitos de uma eventual contra-ordenação.

Posteriormente, a Requerente submeteu as suas declarações de IRS para os anos de 2019 e 2020, tempestivamente, aplicando as regras de contabilidade organizada, e submetendo os respetivos anexos – Modelo 22 Anexo C - para esse efeito junto da AT, tendo nessa sede e posteriormente em sede da reclamação graciosa solicitado a inscrição ou correção para o regime da contabilidade organizada.

Por outras palavras, conforme resulta da factualidade, a Requerente, solicitou em tempo a sua alteração para o regime de contabilidade organizada, contudo, o registo ficou incorretamente realizado, e o Requerente, por meio do seu contabilista, no momento, não verificou o lapso. Posteriormente o Requerente entregou a sua declaração de rendimentos de IRS para 2019 e 2020 com a opção do regime de contabilidade organizada, sendo que essas declarações não foram aceites pela AT.

A matéria de facto está fixada e provada, razão pela qual vamos agora determinar o direito aplicável aos factos controvertidos, dando prioridade, em cumprimento do disposto na alínea a) do nº 2 do artº 124º do CPPT, aos vícios cuja procedência determine uma mais estável e eficaz tutela dos interesses dos Requerente.

Cumpre decidir,

Iniciamos pela análise das normas ficais de relevo aplicáveis ao caso sub júdice.

O artigo 28.º do CIRS, estipula a forma de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, dispunha o referido artigo, com a redação em vigor à data dos factos, o seguinte:

Artigo 28.º

Formas de determinação dos rendimentos empresariais e profissionais

1 - A determinação dos rendimentos empresariais e profissionais, salvo no caso da imputação prevista no artigo 20.º, faz-se:

a) Com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado;

b) Com base na contabilidade.

2 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, no exercício da sua atividade, não tenham ultrapassado no período de tributação imediatamente anterior um montante anual ilíquido de rendimentos desta categoria de (euro) 200 000.

3 - Os sujeitos passivos abrangidos pelo regime simplificado podem optar pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade.

4 - A opção a que se refere o número anterior deve ser formulada pelos sujeitos passivos:

a) Na declaração de início de atividade;

b) Até ao fim do mês de março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de declaração de alterações.

5 - A opção referida no n.º 3 mantém-se válida até que o sujeito passivo proceda à entrega de declaração de alterações, a qual produz efeitos a partir do próprio ano em que é entregue, desde que seja efetuada até ao final do mês de março.

6 - A aplicação do regime simplificado cessa apenas quando o montante a que se refere o n.º 2 seja ultrapassado em dois períodos de tributação consecutivos ou, quando o seja num único exercício, em montante superior a 25 %, caso em que a tributação pelo regime de contabilidade organizada se faz a partir do período de tributação seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.

7 - Os valores de base necessários para o apuramento do rendimento tributável são passíveis de correção pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos do artigo 39.º, aplicando-se o disposto no número anterior quando se verifiquem os pressupostos ali referidos.

8 - Se os rendimentos auferidos resultarem de serviços prestados a uma única entidade, exceto tratando-se de prestações de serviços efetuadas por um sócio a uma sociedade abrangida pelo regime de transparência fiscal, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 6.º do Código do IRC, o sujeito passivo pode, em cada ano, optar pela tributação de acordo com as regras estabelecidas para a categoria A.

9 - (Revogado.)

10 - No exercício de início de atividade, o enquadramento no regime simplificado faz-se, verificados os demais pressupostos, em conformidade com o valor anual de rendimentos estimado, constante da declaração de início de atividade, caso não seja exercida a opção a que se refere o n.º 3.

11 - (Revogado.)

12- (Revogado.)

13 - (Revogado.)

14 - Os titulares de rendimentos da exploração de estabelecimentos de alojamento local na modalidade de moradia ou apartamento podem, a cada ano, optar pela tributação de acordo com as regras estabelecidas para a categoria F.

Continuando a nossa analise da legislação relevamos os seguintes artigos da LGT a data dos factos:

Artigo 4.º

Pressupostos dos tributos

1 - Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património..

(…)

Artigo 45.º

Caducidade do direito à liquidação

1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

2 - No caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.

3 - Em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.

4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.

5 - Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

6 - Para efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1, as notificações sob registo consideram-se validamente efectuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.

7 - O prazo referido no n.º 1 é de 12 anos sempre que o direito à liquidação respeite a factos tributários conexos com:

a) País, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, que devendo ser declarados à administração tributária o não sejam; ou

b) Contas de depósito ou de títulos abertas em instituições financeiras não residentes em Estados membros da União Europeia, ou em sucursais localizadas fora da União Europeia de instituições financeiras residentes, cuja existência e identificação não seja mencionada pelos sujeitos passivos do IRS na correspondente declaração de rendimentos do ano em que ocorram os factos tributários.

Artigo 55.º da LGT:

Princípios do procedimento tributário

A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.

Revertendo ao caso concreto, estipula a alínea b), do n. 4 do artigo 28 do CIRS, que o Sujeito passivo tem até ao fim do mês de março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de declaração de alterações.

Nos presentes autos, estamos perante duas declarações de rendimentos, rejeitadas pelo facto de o Requerente não estar no sistema da AT com o regime de contabilidade organizada.

Tendo já decorrido o prazo previsto alínea b), do n. 4 do artigo 28.º, quando o Requerente entregou a sua declaração de 2019 e 2020, a questão que se coloca, como já se referiu, pode o Requerente, submeter a sua declaração com a aplicação do regime de contabilidade organizada, e inclusive se em sede administrativa de Reclamação Graciosa, pode ser feita a respetiva correção e consequentemente ser aceite a declaração.

Face ao regime legal, a entrega da declaração de alteração de atividade não é uma faculdade, mas um dever, do sujeito passivo, e que a mesma não tem efeito constitutivo, mas, meramente, declarativo.

Ora, a entrega fora do prazo suprarreferido do artigo 28.n.º 3 e 4 do CIRS., como tem sido o entendimento da jurisprudência do STA e igualmente do CAAD em casos com muitas semelhanças, não exclui o direito de o sujeito passivo optar pelo regime, desde que seja feito no prazo previsto no 45.º da LGT, ou seja, o momento limite até ao qual a Lei permite à AT proceder à liquidação ou correção da liquidação do imposto respetivo.

Entende a jurisprudência supra citada, que este atraso constitui meramente uma contraordenação tributária prevista e punida nos termos do artigo 117.º, n.º 2 do RGIT, e não deverá como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime da contabilidade organizada, conforme resulta do normativo:

2 - A falta de apresentação, ou a apresentação fora do prazo legal, das declarações de início, alteração ou cessação de actividade, das declarações autónomas de cessação ou alteração dos pressupostos de benefícios fiscais e das declarações para inscrição em registos que a administração fiscal deva possuir de valores patrimoniais é punível com coima de (euro) 300 a (euro) 7500.

E poderá eventualmente ser nessa sede que é ou não determinada a culpa no erro da submissão da entrega da declaração ocorrida em 09-01-2019.

Neste sentido, veja-se o acórdão do STA, no processo 01654/15 de 26-10-2016, numa questão muito semelhante vinculada aos mesmos princípios basilares do Direito Fiscal:

- A validação pela AT da declaração do início de atividade apresentada pelos contribuintes, não impede que o enquadramento para efeitos de IVA, regime de isenção ou regime normal, possa ser alterado posteriormente ao abrigo dos princípios da legalidade, da justiça e da verdade material, cfr. artigo 55º da LGT.

- O único limite para tal alteração coincide com o fim do prazo a que alude o artigo 45º da LGT, ou seja, o momento limite até ao qual a Lei permite à AT proceder à liquidação ou correção da liquidação do imposto respetivo.

(…)

Na verdade, o facto de a AT validar a declaração do início de atividade por si apresentada, não impede que posteriormente o enquadramento para efeitos de IVA, regime de isenção ou regime normal, possa ser alterado ao abrigo dos princípios da legalidade, da justiça e da verdade material, cfr. artigo 55º da LGT.

A argumentação expendida pela recorrente teria acolhimento, ao abrigo dos princípios da boa fé e da cooperação, se a situação fosse reconduzível às situações previstas nos artigos 68º da LGT e 57º do CPPT que regulam a prestação de informações vinculativas por parte da AT, o que manifestamente não é o caso.

E também a concreta situação não é reconduzível à situação prevista no artigo 68º-A da LGT, por não se tratar aqui de qualquer informação genérica ou outra.

De todos os modos, tendo nós como assente que a intervenção da AT, no momento da declaração do início de atividade dos contribuintes, se funda na realidade que lhe é apresentada pelos interessados, incumbe-lhe sempre proceder às correções necessárias em momento posterior, sempre que verifique ter ocorrido uma desconformidade que implique o não pagamento, ou pagamento de menos imposto, do que aquele que seria devido.

Como bem se refere na sentença recorrida, o limite a tal correção será sempre o momento coincidente com o fim do prazo a que alude o artigo 45º da LGT, ou seja, o momento limite até ao qual a Lei permite à AT proceder à liquidação ou correção da liquidação do imposto respetivo (também no que toca às declarações de rendimentos referentes a determinado ano incumbe à AT valida-las após a sua apresentação, não ficando por essa razão impedida de posteriormente proceder à sua correção, se entender que existe fundamento de facto ou de direito que o imponha).

Neste sentido, veja-se igualmente a Decisão Coletiva do CAAD no processo 746/2019-T de 05-02-2021:

“I – A declaração de alteração de actividade, em IRS, tem efeitos meramente declarativos, e não efeitos constitutivos;

II – À luz do princípio da capacidade contributiva, a aplicação do regime simplificado de tributação pressupõe a verificação do seu pressuposto material relativo ao exercício de uma actividade cujo volume de negócios, previsivelmente, se contenha nos montantes fixados na lei para o efeito, não sendo de aceitar a sua aplicação quando, à partida, é notório que a actividade iniciada irá gerar um volume de negócios notoriamente superior àqueles limites;

III – À luz do princípio da justiça e da boa-fé, e na ausência de quaisquer indícios de fraude ou evasão fiscal, não é aceitável que a AT faça retroagir os efeitos de uma declaração de alteração de actividades em IRS, à data do efectivo início da actividade, no que diz respeito à tributação dos rendimentos por aquela gerados, bem como à alteração do regime de tributação em IVA (de isenção para sujeição), e não o faça quanto à opção, exercida na mesma declaração, de tributação pela contabilidade organizada.”

O princípio da tributação pelo rendimento real, ínsito no n.º 2 do artigo 104.º da CRP, “A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.” e espelhado no artigo 4.º, n.º 1, da LGT “1 - Os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património.”, determina que a tributação incide sobre o rendimento efectivamente obtido pelos contribuintes, apurado com base na contabilidade, caso em que a matéria colectável de imposto corresponderá então ao resultado contabilístico dessa actividade depois de “corrigido” segundo as prescrições da lei fiscal, nos termos prescritos no art.º 17.º, n.º 1 do CIRC.

O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edi­ção, pág. 261). E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155). Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto e matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).

Assim o tem afirmado o Tribunal Constitucional, neste sentido o Acórdão n.º 84/2003 e 97/2013:

«O princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de “uniformidade” – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação», entendendo-se esse critério como sendo aquele em que «a incidência e a repartição dos impostos – dos “impostos fiscais” mais precisamente – se deverá fazer segundo a capacidade económica ou “capacidade de gastar” (…) de cada um e não segundo o que cada um eventualmente receba em bens ou serviços públicos (critério do benefício). (…) Não obstante o silêncio da Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal” sendo que a ele se pode (ou deve) chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artigos 103º e 104º da CRP (…)».

Como se refere no acórdão do TCAS, de 21.11.2019, proc. 016646/13.2BELRA:

«O dito princípio da capacidade contributiva (não obstante o silêncio da atual Constituição, é entendimento generalizado da doutrina que a “capacidade contributiva” continua a ser um critério básico da nossa “Constituição fiscal”, sendo que a ele se pode, ou deve, chegar a partir dos princípios estruturantes do sistema fiscal formulados nos artºs.103 e 104 do diploma fundamental) exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária. Isto porque se o princípio da igualdade tributária pressupõe o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais, a capacidade contributiva é o “tertium genus” - leia-se, o critério - que há de servir de base à comparação. Neste sentido, o princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição, ou pressuposto, quanto como critério ou parâmetro da tributação. Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua “capacidade de gastar” (ability to spend). Ou seja, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos (igualdade horizontal), e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (igualdade vertical). Outro dos corolários deste princípio é precisamente a tributação do rendimento líquido do contribuinte, de onde deflui uma exigência de dedução das despesas necessárias à angariação do próprio rendimento (cfr. acórdão do T. Constitucional 601/2004, de 12/10/2004, proc. 793/03; acórdão do T. Constitucional 197/2013, de 9/04/2013, proc. 602/12; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2007, pág.227 e seg.).»

Por sua vez, o princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária, isto porque se o princípio da igualdade tributária pressupõe o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais, a capacidade contributiva é o critério que há de servir de base à comparação. Neste sentido, o princípio da capacidade contributiva opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe e vale como critério ou parâmetro porque determina que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua "capacidade de gastar". Ou seja, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos (igualdade horizontal), e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (igualdade vertical).

O método regra de determinação do lucro tributável, eleito pelo legislador fiscal para a tributação dos rendimentos empresariais, por ser aquele que melhor permite uma maior aproximação à realidade, é o da contabilidade organizada, corrigida de acordo com as imposições especiais da lei tributária.

Face ao exposto, atendendo à prevalência da tutela dos princípios da tributação pelo rendimento real, da capacidade contributiva e da justiça e boa-fé, deverão ser anuladas as liquidações de IRS objeto da presente ação arbitral, bem como a decisão da reclamação graciosa que teve aquelas por objeto, procedendo o pedido formulado pelo Requerente.

 

§4.3. Questões de conhecimento prejudicado

Na sentença a proferir deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). Contudo as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Em face da solução dada, fica prejudicado o conhecimento de qualquer outra questão incluída no pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Decisão

Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral, julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado pelo Requerente, e em consequência:

  1. Ordenar a devolução ao Requerente dos referidos montantes;
  2. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do processo.

 

 

  1. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 9.075,59, indicado pelo Requerente e não contestado pela Requerida, correspondente ao valor das liquidações de IVA e de juros compensatórios cuja anulação constitui o objeto desta ação.

 

  1. Custas Arbitrais

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, cabendo à Requerida suportar.

 

Registe e notifique-se.

 

Lisboa, 4 de Dezembro de 2023

 

O Árbitro

 

Pedro Guerra Alves