CAAD – Centro de Arbitragem Tributária
PROCESSO ARBITRAL N.º 96/2015-T
Tema: IRS. Tributação de não residentes. Rendimentos prediais.
DECISÃO ARBITRAL
1. RELATÓRIO
A, sujeito passivo com o NIF …, residente fiscal nos Estados Unidos da América, …, representada por B, com o NIF …, residente na Avenida …, na qualidade de Representante Fiscal (doravante designada por Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto no artigo 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação de IRS do ano de 2011 (liquidação n.º 2012 ..., da quantia de € 2 271,95) e do ano de 2013 (liquidação n.º 2014 ..., da quantia de € 7 386,04), no valor global de € 9 657,99, bem como das decisões de indeferimento das reclamações graciosas e do recurso hierárquico apresentadas contra as mesmas liquidações.
Cumulativamente, formula a Requerente os pedidos de reembolso do imposto indevidamente pago, bem como a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios sobre as respetivas quantias.
São os seguintes os fundamentos dos pedidos de anulação dos atos de liquidação de IRS dos anos de 2011 e de 2013 e das decisões de indeferimento das reclamações graciosas e recurso hierárquico, notificados à Requerente:
1. Nos anos de 2011 e de 2013, a Requerente, residente nos Estados Unidos da América, apresentou a declaração modelo 3 de IRS, na qual declarou ter auferido rendimentos da categoria F e suportado encargos relativos aos prédios fonte daqueles rendimentos, sitos em Portugal, tendo optado pelo englobamento dos rendimentos declarados;
2. As liquidações de IRS emitidas pela AT para os anos em referência (2011 e 2013), não tiveram em consideração o reporte de perdas da categoria F, relativas ao ano de 2010, ano em que foi residente em território nacional;
3. Em 27 de julho de 2011, a Requerente comunicou à AT a alteração da sua residência fiscal para os Estados Unidos da América, assim como a designação do seu Representante em Portugal;
4. Sustenta a Requerente que os atos de liquidação impugnados, tal como as decisões de indeferimento das reclamações graciosas e do recurso hierárquico contra elas apresentados violam os princípios da tributação do rendimento efetivo e da legalidade tributária, constantes do artigo 103.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP);
5. Violam ainda o disposto no n.º 2 do artigo 8.º, da CRP, por violação do artigo 26.º, da Convenção para Evitar a Dupla Tributação Internacional entre Portugal e os Estados Unidos da América (CDT);
6. Os referidos atos tributários e decisões de indeferimento padecem do vício de violação de lei, por violação das normas constantes dos artigos 22.º, n.º 1 e n.º 3, alínea a); 55.º, n.ºs 1 e 2 e 72.º, n.ºs 8 e 9, todos do Código do IRS e do artigo 8.º, da Lei Geral Tributária (LGT);
7. Devem ainda ser anulados por assentarem em erro de facto e de direito, imputável à AT, e por carecerem de fundamentação;
8. Assentam em erro sobre as regras do englobamento de rendimentos auferidos por entidades não residentes e em violação da CDT celebrada entre os Estados Unidos da América e o Estado Português, designadamente o seu artigo 26.º;
9. O entendimento da AT tem por base: (i) o artigo 72.º, n.º 1, do Código do IRS – tributação de rendimentos prediais auferidos por não residentes; (ii) o artigo 22.º, n.ºs 1 e 3, do Código do IRS – o rendimento coletável é o que resulta do englobamento das diversas categorias, após terem sido efetuadas as deduções e abatimentos, não sendo de englobar os rendimentos auferidos por não residentes; (iii) o artigo 15.º, n.º 2, do Código do IRS – o IRS devido por não residentes incide apenas sobre os rendimentos obtidos em território português, desconhecendo a capacidade contributiva dos não residentes; (iv) o n.º 1 do artigo 15.º, do Código do IRS – só nos casos em que a base do imposto é determinada mediante englobamento poderá ser efetuada a dedução de perdas apuradas em anos anteriores;
10. Porém, a lei estabelece expressamente a comunicabilidade das perdas apuradas na categoria F, que não podem nem devem ser desconsideradas;
11. Para o reporte das perdas da categoria F aos rendimentos da mesma categoria, pelo período de cinco anos, é irrelevante a capacidade contributiva dos sujeitos passivos não residentes;
12. A forma de apuramento do rendimento líquido da categoria F e a dedução das perdas é idêntica, quer se trate de sujeitos passivos residentes ou de não residentes;
13. Não existe na legislação interna nenhuma norma que limite o reporte de prejuízos da categoria F aos rendimentos líquidos da mesma categoria por não residentes;
14. No que respeita à opção pelo englobamento por não residentes, a Requerente entende que a mesma só pode ser vedada com violação das normas legais referidas, incluindo com violação do princípio da não discriminação, acolhendo-se neste requerimento toda a doutrina vertida, sobre esta matéria, na Decisão Arbitral n.º 127/2012-T;
15. Porém, independentemente do entendimento que seja acolhido relativamente à opção pelo englobamento por não residentes, o que é de concluir é que a dedução de perdas da categoria F não depende de englobamento;
16. O princípio da legalidade impõe que a AT não introduza limitações que não constam da lei;
17. A Requerente optou por pagar o imposto, não obstante o mesmo ser ilegal, assistindo-lhe o direito ao ressarcimento do prejuízo causado pelo erro administrativo, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou atempadamente a sua resposta, na qual impugna os factos e argumentos em que se funda o pedido de pronúncia arbitral, propugnando pela manutenção das liquidações de IRS dos anos de 2011 e de 2013 objeto daquele pedido, com os fundamentos que se passam, resumidamente, a expor:
1. A Requerente era, em 2010, residente fiscal em Portugal e, em 2011, alterou a residência fiscal para os Estados Unidos da América, situação que se manteria no ano de 2013;
2. Sendo proprietária de imóveis sitos em Portugal, auferiu, entre 2011 e 2013, rendimentos da categoria F, provenientes de contrato de arrendamento;
3. Em 2010, a Requerente entregou a declaração modelo 3 de IRS, ainda com a qualidade de residente em território nacional, composta somente pelo anexo F, com rendimentos prediais e encargos com os imóveis fonte daqueles rendimentos, de onde resultaram perdas a reportar;
4. A Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos do ano de 2011, na qualidade de não residente em território nacional, composta unicamente pelo anexo F, no qual declarou rendimentos prediais e retenções na fonte;
5. Notificada da liquidação sub judicio, a Requerente interpôs reclamação graciosa, na qual pugnava pela anulação da mesma, em virtude de aquela não considerar a dedução de perdas declaradas em 2010;
6. Do indeferimento da reclamação graciosa foi interposto recurso hierárquico, que foi indeferido;
7. A Requerente procedeu à entrega da declaração modelo 3 de IRS referente ao ano de 2013, na qualidade de não residente, composta unicamente pelo anexo F, na qual foram inscritos rendimentos prediais e retenções na fonte;
8. Notificada da liquidação, interpôs reclamação graciosa, na qual pugnava pela anulação da mesma, em virtude de não considerar a dedução de perdas declaradas em 2010; a reclamação graciosa foi indeferida;
9. (…) Em face do princípio da territorialidade ou da fonte dos rendimentos, por contraposição ao princípio do “world wide income” aplicável aos residentes, dispõe o n.º 2 do artigo 15.º, do Código do IRS que “tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.”;
10. No que se refere aos rendimentos dos não residentes, determina, e determinava, a alínea a) do n.º 3, do artigo 22.º, do Código do IRS, que não ocorra o englobamento, antes prevendo uma tributação por via da aplicação de taxas com caráter especial ou liberatório, nomeadamente naquilo que vem previsto no artigo 72.º, do Código do IRS;
11. Os rendimentos prediais auferidos por não residentes eram tributados nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 72.º, do Código do IRS, à taxa de 15%, em 2011 e de 16,5%, em 2013;
12. O artigo 72.º, do Código do IRS, não previa o englobamento dos rendimentos da categoria F auferidos por não residentes; o englobamento de rendimentos de não residentes apenas era previsto nos casos dos n.ºs 4, 5 e 6, dos quais não constam os rendimentos prediais;
13. Para os não residentes, o englobamento apenas era permitido nas situações do n.º 8 do artigo 72.º, situações em que se não enquadra a factualidade dos presentes autos;
14. As taxas especiais do artigo 72.º, do Código do IRS, não são liberatórias, pressupondo obrigações declarativas, tendo as retenções na fonte delas decorrentes a natureza de pagamento por conta;
15. (…) Tendo como dado assente que os rendimentos auferidos pela Requerente nos anos de 2011 e de 2013 não eram passíveis de englobamento, cumpre averiguar a natureza do englobamento: este é a operação pela qual se apura a totalidade dos rendimentos das diversas categorias, com vista ao apuramento do rendimento líquido, depois de efetuadas as deduções e abatimentos previstos nas secções seguintes (artigo 22.º, n.º 1, do Código do IRS);
16. A operação de deduções, mormente a dedução de perdas (que não é uma dedução específica da categoria F), e abatimento é um processo prévio, anterior e condicionado pela possibilidade de englobamento (negrito no original);
17. Na falta de previsão normativa que possibilite o englobamento dos rendimentos obtidos em território nacional por não residentes, por maioria de razão, aquela operação prévia (dedução de perdas) não pode ser realizada, porquanto a mesma sempre estaria condicionada ao prévio englobamento dos rendimentos, só possível para os residentes;
18. É, no entendimento da Requerida, coerente concluir que o legislador não tivesse a intenção, de aplicar o regime de reporte de perdas previsto no artigo 55.º, do Código do IRS, pois que optou por uma tributação isolada e analítica dos rendimentos da categoria F auferidos por sujeitos passivos não residentes;
19. (…) o regime do artigo 55.º, não pode ser interpretado de outra forma que não seja no sentido de que só nos casos em que a base do imposto é determinada mediante o englobamento dos rendimentos, poderá ser efetuada a dedução de perdas, apuradas em anos anteriores (negrito e sublinhado no original);
20. (…) Quanto à alegada violação do artigo 26.º, da CDT celebrada entre a República Portuguesa e os EUA, cumpre referir que a taxa especial de tributação dos rendimentos prediais auferidos em território nacional por sujeitos passivos residentes nos EUA, sendo proporcional ao montante dos rendimentos auferidos, é tanto mais benéfica face à taxa aplicável aos mesmos rendimentos auferidos por residentes em Portugal, quanto maior for o valor em causa;
21. (…) o disposto no artigo 26.º da CDT permite que o Estado Português preveja um regime de tributação dos rendimentos auferidos em território nacional por sujeitos passivos residentes nos EUA, distinto daquele que é aplicado aos seus residentes (…);
22. Acresce que, nos termos do artigo 6.º, da CDT, é atribuído a Portugal o direito de tributar os rendimentos provenientes de imóveis, cabendo, posteriormente, ao Estado da residência (EUA) eliminar a dupla tributação;
23. (…) é evidente a conformidade legal dos atos tributários objeto do presente pedido arbitral (…), não se poderá considerar que tenha existido erro imputável aos serviços na emissão das liquidações em causa, condição indispensável para a condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
O pedido de constituição do tribunal arbitral deu entrada no CAAD em 13 de fevereiro de 2015, foi aceite pelo Exm.º Presidente do CAAD em 16 de fevereiro de 2015 e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, na mesma data.
Tendo a Requerente optado por não nomear árbitro, o Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular. Aceite o encargo no prazo aplicável, foram as Partes notificadas dessa designação, em 13 de abril de 2015, não se lhe tendo oposto.
O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 28 de abril de 2015 e é materialmente competente para apreciar e decidir o litígio objeto dos presentes autos.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º
112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
O artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, admite expressamente “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos (…) quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
Não tendo sido invocadas exceções nem requerida a produção de prova adicional, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º, do RJAT.
Por despacho de 2 de junho de 2015 e, atendendo ao teor das decisões das reclamações graciosas e do recurso hierárquico apresentados pela Requerente, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT) foi proposta a dispensa de alegações escritas, se a Requerente a isso se não opusesse, no prazo de 10 dias, tendo sido fixado o dia 30 de junho de 2015 para a prolação da decisão arbitral.
No requerimento dirigido a este Tribunal Arbitral Singular em 2 de junho de 2015, veio a Requerente dizer que não se opunha à dispensa de alegações escritas.
2. Matéria de facto.
a. Factos que se consideram provados.
2.1.Em 2010, a Requerente era residente em Portugal;
2.2.Em 27 de julho de 2011, a Requerente comunicou à AT a alteração da sua residência fiscal para os Estados Unidos da América, assim como a designação do seu Representante fiscal em Portugal, acima melhor identificado;
2.3.No ano de 2011, a Requerente apresentou a declaração modelo 3 de IRS, na qualidade de residente em território nacional, referente aos rendimentos auferidos em 2010;
2.4.A referida declaração continha apenas o anexo F, no qual foram declarados rendimentos prediais obtidos em Portugal, de € 21 900,00, retenções na fonte de IRS suportadas sobre o valor das rendas recebidas e encargos com os prédios arrendados, no valor de € 82 902,93, de onde resultaram perdas a reportar, de € 61 002,93 e um reembolso da quantia de € 408,30;
2.5.Em 2012, a Requerente apresentou a declaração modelo 3 de IRS registada sob o n.º ..., na qualidade de não residente, contendo apenas um anexo F, no qual foram inscritos rendimentos prediais obtidos em Portugal, da quantia de € 22 236,18, retenções na fonte da quantia de € 423,89, efetuadas sobre a renda de € 2 569,00, tendo optado pelo englobamento dos rendimentos declarados;
2.6.Em resultado da declaração apresentada, foi emitida a liquidação n.º 2012 ..., no valor de € 2 271,95, com data limite de pagamento em 31 de agosto de 2012;
2.7.São os seguintes os elementos relevantes para apreciação da liquidação n.º 2012 ...:
2.7.1. – Rendimento global: € 22 236,18; – Deduções específicas: € 4 263,97; – Perdas a recuperar: € 0,00; – Rendimento coletável: € 17 972,21; – Coleta total: € 2 695,84; – Coleta líquida: € 2 695,84; – Retenções na fonte: € 423,89; – Imposto apurado: € 2 271,95; – Valor a pagar: € 2 271,95;
2.8.Em 8 de agosto de 2012, foi apresentada a reclamação graciosa n.º ..., em que era pedida a anulação da liquidação reclamada e a emissão de nova liquidação que daria origem ao reembolso de € 423,89, equivalente ao valor das retenções na fonte suportadas;
2.8.1. Como fundamento dos pedidos, foi invocada a desconsideração das perdas reportadas do ano anterior, tendo em conta que o anexo F da declaração modelo 3 não contemplava qualquer campo para fazer menção das perdas a reportar nessa categoria de rendimentos;
2.8.2. A reclamação graciosa n.º ... foi indeferida por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa …, de 21 de setembro de 2012, notificado à Requerente, na pessoa do seu Representante, por ofício da mesma data e Serviço de Finanças, expedido por carta registada, com aviso de recepção;
2.8.3. A decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi objeto do recurso hierárquico n.º ..., indeferido por despacho da Chefe de Divisão de Administração da Direção de Serviços do IRS, de 9 de dezembro de 2014, notificado à Reclamante, na pessoa da sua Mandatária, através do ofício n.º … da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, de 9 de janeiro de 2015, expedido por correio registado, com aviso de recepção;
2.9.Em 27 de maio de 2014, a Requerente, na qualidade de não residente, apresentou a declaração modelo 3 de IRS, que viria a ser incluída no lote J…-64;
2.10. Nesta declaração, contendo apenas um anexo F, foram inscritos rendimentos prediais obtidos em Portugal, da quantia de € 36.045,35 e retenções na fonte da quantia de € 770,82, tendo optado pelo englobamento dos rendimentos declarados (campo 5B do anexo F);
2.11. Em resultado da declaração apresentada, foi emitida a liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 7 386,04, com data limite de pagamento em 3 de setembro de 2014;
2.12. São os seguintes os elementos relevantes para apreciação da liquidação n.º 2014 ...:
2.12.1. – Rendimento global: € 36 045,35; – Deduções específicas: € 6 913,74; – Perdas a recuperar: € 0,00; – Rendimento coletável: € 29 131,61; – Coleta total: € 8 156,86; – Coleta líquida: € 8 156,86; – Retenções na fonte: € 770,82; – Imposto apurado: € 7 386,04; – Valor a pagar: € 7 386,04;
2.13. Em 22 de outubro de 2014, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra a liquidação n.º 2014 ..., autuada sob o n.º ...;
2.13.1. A Requerente pretendia a correção da liquidação, por esta não ter levado em consideração nem a opção pelo englobamento dos rendimentos declarados, nem o reporte de perdas dos anos anteriores;
2.13.2. De tal correção decorreria não só a anulação do valor do imposto liquidado, mas ainda a emissão de um reembolso da quantia de € 770,82, equivalente ao valor das retenções na fonte suportadas no ano de 2013;
2.13.3. A reclamação graciosa foi objeto de indeferimento conforme o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 5, de 17/11/2014, notificado à Requerente, na pessoa do seu Representante fiscal, por ofício da mesma data e Serviço de Finanças, expedido por carta registada, com aviso de recepção;
2.14. Os fundamentos das decisões de indeferimento das reclamações graciosas e do recurso hierárquico identificados são idênticos aos que constam da resposta transmitida pela AT aos autos;
2.15. A Reclamante procedeu ao pagamento das liquidações objeto do pedido de pronúncia arbitral.
b. Fundamentação da matéria de facto provada
A convicção deste Tribunal Arbitral Singular quanto aos factos acima descritos assentou na análise crítica das peças processuais insertas no processo, na prova documental produzida (cópias dos requerimentos e das decisões de indeferimento das reclamações graciosas e do recurso hierárquico e respetivas notificações, e cópias das notas de liquidação de IRS dos anos de 2011 e de 2013), bem como, quanto ao pagamento do imposto liquidado, na sua não contestação pela Requerida, que o admite implicitamente ao defender não dever ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios.
c. Factos não provados
Não existem factos com interesse para o julgamento da causa que devam considerar-se não provados.
3. MATÉRIA DE DIREITO – FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Ordem de apreciação dos vícios
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 124.º, do CPPT, de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, não existindo vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do (s) ato (s) impugnado (s), deverá o tribunal apreciar os vícios arguidos que determinem a sua anulabilidade, dispondo o n.º 2, alínea b), do mesmo artigo que, quanto a estes últimos, a ordem do seu conhecimento será a indicada pelo impugnante, sempre que seja estabelecida entre eles uma relação de subsidiariedade, sem prejuízo de serem prioritariamente conhecidos os vícios cuja procedência assegure a mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.
Afigurando-se que, da procedência do vício de violação de lei, por erro na aplicação do direito relativo à tributação dos rendimentos prediais auferidos pela Requerente, nos anos acima indicados, resultará uma eficaz tutela dos interesses ofendidos, passaremos à sua apreciação.
3.2. Delimitação das questões a decidir
Atendendo à factualidade fixada e aos argumentos aduzidos pelas Partes, são duas as questões principais a decidir: (i) se seria admissível o englobamento de rendimentos prediais auferidos, nos anos de 2011 e de 2013, por não residentes em território nacional; (ii) se, ainda que não sendo admissível o englobamento dos referidos rendimentos, naqueles anos, seria possível a dedução de perdas da categoria F, apuradas em anos anteriores.
3.2.1. Da possibilidade de englobamento dos rendimentos auferidos por não residentes
O Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, veio introduzir um novo modelo de tributação do rendimento das pessoas singulares, em obediência ao imperativo constitucional de que “O imposto sobre o rendimento pessoal visará a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar”, estabelecido no n.º 1 do [então] artigo 107.º, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Daí que a determinação do rendimento coletável tenha passado a ser feita através do englobamento, ou seja, do somatório dos rendimentos líquidos das diversas categorias (embora nem todas), após efetuadas as deduções específicas de cada uma dessas categorias de rendimentos, a dedução de algumas perdas e, numa fase inicial, de abatimentos (artigos 55.º e 56.º, na redação originária – “Abatimentos ao rendimento líquido total” e “Abatimentos por donativos de interesse público”, respetivamente), encontrando-se, assim, o rendimento global líquido.
Como justificação para o englobamento, apresenta o ponto 3 do Preâmbulo do Código do IRS a de que “só a perspectiva unitária permite a distribuição da carga fiscal segundo um esquema racional de progressividade, em consonância com a capacidade contributiva”.
Porém, o propósito de concretização do princípio da capacidade contributiva na tributação do rendimento pessoal não se bastou com a tributação do rendimento global líquido, determinando-se que este fosse submetido a uma tabela de taxas progressivas, que tivesse sido consagrado um “quociente conjugal”, um “mínimo de existência” e deduções à coleta de caráter pessoalizante (natureza que passariam também a ter a quase totalidade dos anteriores abatimentos ao rendimento global líquido, com as alterações introduzidas ao Código do IRS pela Lei n.º 87-B/98, de 31 de dezembro (O. E. para 1999).
Assim, apesar de o IRS comportar, inicialmente, nove categorias de rendimentos, tal não prejudicaria o tratamento unitário da matéria coletável “refletido basicamente na aplicação de uma única tabela de taxas progressivas” (ponto 6 do Preâmbulo ao Código do IRS).
Compreensivelmente, esta perspetiva unitária da tributação do rendimento pessoal só teria aplicação aos sujeitos passivos residentes em território nacional, porquanto os não residentes apenas seriam tributados pelos rendimentos obtidos neste território, sujeitos a “taxas especiais liberatórias” (na versão originária do Código do IRS, previstas no seu artigo 74.º, posteriormente desdobradas em taxas liberatórias e taxas especiais), de natureza proporcional e sem possibilidade de englobamento.
No ano de 2011, os rendimentos prediais (categoria F) auferidos por sujeitos passivos não residentes em território nacional ou noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, existisse intercâmbio de informações em matéria fiscal, relativos a imóveis nele situados, eram tributados à taxa especial de 15%, sem possibilidade de englobamento (cfr. o artigo 72.º, n.º 1, do Código do IRS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 55-B/2004, de 31 de dezembro: “1 - As mais-valias e outros rendimentos auferidos por não residentes em território português que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado e que não sejam sujeitos a retenção na fonte às taxas liberatórias são tributados à taxa autónoma de 25%, ou de 15% quando se trate de rendimentos prediais, salvo o disposto no n.º 4.” e n.º 8, na redação do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, a contrario: “Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nos n.ºs 1 e 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.”. Por seu turno, o n.º 3, alínea a), do artigo 22.º, do mesmo Código, na redação introduzida pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, dispunha: “3 - Não são englobados para efeitos da sua tributação: a) Os rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 7 e 8 do artigo 72.º;”.
No ano de 2013, os rendimentos prediais eram tributados à taxa especial de 28%, nos termos dos n.ºs 1 e 7 do artigo 72.º, do Código do IRS, na redação que lhes foi dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, apenas sendo possível o seu englobamento quando percebidos por residentes (n.º 8 do artigo 72.º, do Código do IRS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro) ou por residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, existisse intercâmbio de informações em matéria fiscal (n.º 9, do artigo 72.º, do Código do IRS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro). Para este ano de 2013, manteve-se em vigor a redação da alínea a) do n.º 3 do artigo 22.º, do Código do IRS, antes citada, que impedia o englobamento dos rendimentos auferidos por não residentes, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 8 e 9, do mesmo Código.
Pelos motivos que antecedem e, pese embora a obrigação declarativa que impende sobre os sujeitos passivos não residentes que obtenham rendimentos da categoria F em Portugal, não sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, por sobre os mesmos incidirem taxas especiais e não taxas liberatórias, não é possível o englobamento de tais rendimentos auferidos por um residente nos Estados Unidos da América.
Efetivamente, o englobamento tem por fundamental objetivo a tributação do rendimento global dos sujeitos passivos residentes em território nacional (e, mais recentemente, também de residentes em qualquer dos Estados Membros da UE e do EEE), por aplicação de taxas progressivas, tendo em vista a concretização do princípio da capacidade contributiva na tributação do rendimento pessoal.
3.2.2. A tributação dos rendimentos líquidos. Deduções específicas e dedução de perdas.
O legislador histórico do IRS assumiu a tributação do rendimento-acréscimo, com o objetivo expresso de alargar a base tributável; contudo, não pretendeu a tributação de todo e qualquer acréscimo, mas tão só do acréscimo líquido (aliás, tanto a concepção do rendimento-produto como a do rendimento-acréscimo se referem sempre a rendimentos líquidos, sobre os quais há de incidir a tributação, sem dano do património atual[1]).
No que se refere concretamente aos rendimentos prediais, afirma-se no ponto 11 do Preâmbulo do Código do IRS: “No domínio dos rendimentos prediais (categoria F), incluem-se na base de incidência apenas os rendimentos efetivamente percebidos dos prédios arrendados, tanto urbanos como rústicos, e não já, como acontecia no sistema de contribuição predial, o valor locativo ou a renda fundiária dos prédios não arrendados, pois se visa tributar apenas os rendimentos realmente auferidos. (…) Concomitantemente, é criada uma contribuição autárquica sobre o valor patrimonial dos prédios rústicos e urbanos, devida pelos seus proprietários, sendo a colecta desta deduzida à colecta do IRS, na parte proporcional aos rendimentos englobados dos prédios e até ao montante desta.
Para além desta dedução, também se prevê nesta categoria de rendimentos a dedução de todas as despesas referentes aos prédios e não apenas os encargos presumidos previstos no atual regime da contribuição predial.”
A Contribuição Autárquica (CA) viria a ser substituída pelo atual Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e a sua consideração como dedução à coleta viria a transformar-se em dedução específica à categoria F (na redação dada ao n.º 1 do artigo 40.º do Código do IRS, pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro; para os anos de 2011 e de 2013 aqui em apreço, esta dedução específica encontrava-se prevista no n.º 1 do artigo 41.º, na renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de julho e na redação introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, respetivamente), o que a doutrina considera ser uma nova situação de dupla tributação económica[2].
No entanto, a determinação dos rendimentos líquidos não se satisfaz apenas com a contemplação de deduções específicas a cada categoria de rendimentos, uma vez que os encargos suportados com a obtenção do rendimento de um dado ano podem ser superiores ao próprio rendimento desse mesmo ano.
Daí a necessidade de, sob pena de, com a tributação, se atingir a fonte produtora do rendimento, ser ainda permitida a dedução de perdas de anos anteriores que, afinal, mais não são do que o excesso sobre a dedução específica a considerar no ano em que os encargos são suportados.
Numa ótica pura de tributação do rendimento global líquido, justificar-se-ia a comunicabilidade de perdas entre categorias de rendimentos; porém, desde logo o legislador se apercebeu que a comunicabilidade sem restrições acarretaria “uma significativa baixa de receita”, a ela renunciando sem que, contudo, deixasse de a consagrar, como regra geral, relativamente a algumas categorias de rendimentos, consagrando o reporte de perdas dentro de determinadas outras categorias, em anos futuros (ponto 14, do Preâmbulo do Código do IRS), por períodos limitados.
A dedução de perdas da categoria F já constava do n.º 3 do artigo 54.º (Dedução de Perdas), na versão inicial do Código do IRS, com a seguinte redação: “3 - O resultado líquido negativo determinado pela realização de despesas de conservação de prédios urbanos, na parte em que estas excedam a correspondente percentagem prevista no n.º 2 do artigo 40.º, só poderá ser deduzido nos rendimentos prediais dos cinco anos seguintes.”, mantendo-se para os anos de 2011 e de 2013 (n.º 2 do artigo 55.º, do Código do IRS, nas redações que lhe foram dadas pela Lei n.º 109-B/2001, de 29 de dezembro e pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, respetivamente).
3.2.3. Deduções específicas, dedução de perdas e englobamento
Sustenta a Requerida, nos artigos 38.º, 42.º e 43.º, da sua Resposta, que não sendo possível o englobamento dos rendimentos prediais auferidos por não residentes, “ (…) não são tidos em conta as deduções específicas, abatimentos deduções à colecta ou a sua situação pessoal ou familiar” e que, daí, “(…) resulta inexoravelmente que a operação de deduções, mormente a dedução de perdas para o que ora nos interessa (que não é uma dedução especifica da Cat. F), e abatimento é um processo prévio, anterior e condicionado pela possibilidade de englobamento”, “concluindo-se que pela falta de previsão normativa que impossibilita os não residentes de englobarem os rendimentos obtidos por si obtidos em território nacional - in casu, os rendimentos da Cat. F (prediais) -, por maioria de razão, aquela operação prévia (dedução de perdas) não é passível de ser realizada, porquanto a mesma sempre estaria condicionada ao prévio englobamento dos rendimentos (só possível para os residentes.) ”.
Pelas razões apontadas supra (3.2.1.), também concordamos em que não seria possível o englobamento dos rendimentos auferidos pela Requerente em território nacional, nos anos de 2011 e de 2013, a que se reportam as liquidações impugnadas.
Resta saber se, não sendo possível o englobamento, não haverá lugar ao “abatimento” das deduções específicas e da dedução de perdas, como defende a AT.
Notar-se-á, em primeiro lugar, que a afirmação da AT, quanto às deduções específicas, vem desmentida pela realidade dos factos, uma vez que, de acordo com a factualidade fixada, tanto a liquidação n.º 2012 ... (IRS de 2011) como a liquidação n.º 2014 ... (IRS de 2013), emitidas pela AT, contemplam as deduções específicas aos rendimentos declarados.
Nem de outro modo poderia ser, dada a consagração legislativa do princípio do rendimento-acréscimo, que, como já se disse, prevê a tributação dos rendimentos líquidos.
Ora, tendo em conta que as perdas a reportar mais não são do que a acumulação de deduções específicas que, em cada ano, apenas podem ser abatidas à matéria tributável desse mesmo ano, até à sua concorrência, podendo ser abatidas à matéria tributável positiva de anos posteriores, dentro do limite temporal legalmente estabelecido, não se vê como o referido princípio da tributação dos rendimentos líquidos possa ser satisfeito sem que sejam tidas em consideração as perdas a reportar de anos anteriores.
Por outro lado, não existe norma que exclua a possibilidade de dedução de perdas, por parte de sujeitos passivos não residentes.
Se é certo que o englobamento opera numa fase posterior à da subtração das “deduções e abatimentos previstos nas secções seguintes”, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 22.º, do Código do IRS (o vocábulo “deduções” referir-se-á tanto às deduções específicas de cada categoria de rendimentos, como à dedução de perdas, enquanto deixou de haver “abatimentos”, desde a revogação do artigo 56.º, pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro), daí não se seguirá, necessariamente, que, caso não seja possível o englobamento, deixe de ser possível beneficiar das “deduções” previstas nas secções seguintes.
Naturalmente que a tributação dos rendimentos líquidos é a que melhor se coaduna com o princípio da capacidade contributiva, mas este, quando referido a sujeitos passivos residentes em território nacional, não se basta com a tributação dos rendimentos líquidos, sendo aprofundado pela sua tributação global, mediante aplicação de uma tabela de taxas progressivas e de deduções à coleta, de caráter pessoalizante.
Afirma a AT que “aquela operação prévia (dedução de perdas) não é passível de ser realizada, porquanto a mesma sempre estaria condicionada ao prévio englobamento dos rendimentos”.
A dificuldade na compreensão de que uma realidade prévia a outra seja condicionada pela que lhe é posterior, uma vez que, em regra, as causas são anteriores às suas consequências, não significa que, no Código do IRS, tal não seja possível, constituindo uma exceção à possibilidade de dedução de perdas de anos anteriores.
Porém, curiosamente, a única exceção deste tipo é a que se refere à dedução de perdas da categoria G (relativas a certas mais valias mobiliárias), por residentes em território nacional, nos termos do n.º 6 do artigo 55.º, do Código do IRS, na redação em vigor nos anos em análise, segundo a qual “6 - O saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, pode ser reportado para os dois anos seguintes, aos rendimentos com a mesma natureza, quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.” (sublinhado nosso).
Contrariando a posição transmitida pela AT sobre a possibilidade de dedução de perdas sem prévio englobamento, já a doutrina se pronunciou a propósito da tributação dos rendimentos da categoria F auferidos por residentes, por taxas proporcionais (embora estes possam optar pelo englobamento), instituída pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (artigo 72.º, n.º 7, do Código do IRS). Permitimo-nos citar Rui Duarte Morais, que afirma “Note-se que, estando em causa uma taxa especial (e não de uma taxa liberatória), esta se aplica a rendimentos determinados nos termos gerais, ou seja, a rendimentos líquidos, o mesmo é dizer que o sujeito passivo continua a ser admitido a fazer as eduções específicas que a lei prevê. Como manterá, também, o direito ao reporte de prejuízos que tenha tido, nesta categoria, em anos anteriores.”[3].
3.2.4. A Convenção Para Evitar a Dupla Tributação Internacional, celebrada entre Portugal e os Estados Unidos da América (CDT). Princípio da não discriminação.
Vem a Requerente, nos artigos 43.º e seguintes, da p. i., invocar o princípio da não discriminação consagrado no artigo 26.º, da CDT, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/95, de 21 de junho e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 73/95, de 15 de setembro, ambos publicados no Diário da República, I Série A, de 12 de outubro de 1995.
Porém, o princípio da não discriminação é corolário geral do princípio da igualdade, no que respeita ao critério da nacionalidade, tendo por conteúdo ou elemento objetivo o facto de “ «os estrangeiros» (incluindo os apátridas) não ficarem sujeitos, num dado Estado, a nenhuma tributação ou obrigação correspondente diferente ou mais onerosa do que aquelas a que estiverem o puderem estar sujeitos os nacionais desse Estado que se encontrem na mesma situação.” (…) “Por outro lado, a discriminação proibida é apenas a que se funda na nacionalidade, mas não assim a que se baseia na residência, considerada critério legítimo de tratamento fiscal diferenciado”[4], e nada existe nos autos que permita determinar a nacionalidade da Requerente.
Invoca ainda a Requerente a decisão proferida no processo arbitral n.º 127/2012-T; no entanto, a questão aí decidida reporta-se à “tributação de mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, realizadas por sujeito passivo residente noutro Estado membro da União Europeia”, situação que não é, manifestamente, nem objetiva nem subjetivamente equiparável à dos presentes autos.
Contudo, a CDT aplica-se aos impostos vigentes em Portugal, nomeadamente ao IRS (artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e, dando por assente a qualidade de não residente da Requerente, expressamente aceite pela AT para ambos os anos em causa, caberá ainda saber se é de convocar o Protocolo anexo à CDT, em cujo n.º 1, alínea a) – i), e para esclarecimento do disposto no artigo 1.º, da CDT, “Pessoas visadas”, se estabelece que “Entende-se que não incidirá por força da Convenção qualquer imposto não previsto nos termos da legislação do Estado Contratante em causa. Isto significa que a Convenção não restringe de modo algum as exclusões, isenções, deduções, créditos, outros benefícios ou incentivos fiscais que sejam ou venham a ser concedidos de acordo com a legislação dos Estados Contratantes (…) ”.
Devemos entender que não, uma que as deduções de que se trata (deduções específicas da categoria F e dedução de perdas), fazendo parte do sistema normativo do imposto, integrando, mais concretamente, as normas de determinação da matéria tributável, não são havidas como benefício fiscal[5].
Por isso, nas liquidações objeto do pedido de pronúncia arbitral, haverá que aplicar as pertinentes disposições do Código do IRS em vigor à data dos factos, incluindo as relativas a deduções específicas da categoria F e a dedução de perdas, por, no caso concreto, não existir regra que expressamente afaste a sua aplicação aos rendimentos auferidos por não residentes, nem dependerem do englobamento dos rendimentos a tributar.
3.3.Efeitos da decisão arbitral de que não caiba recurso ou impugnação (artigo 24.º, do RJAT)
Como tem vindo a ser antecipado nos pontos precedentes, as liquidações de IRS dos anos de 2011 e de 2013, objeto do pedido de pronúncia arbitral, são ilegais por erro na aplicação do direito aos factos concretos em análise, pelo que não podem manter-se na ordem jurídica, devendo ser anuladas.
Do mesmo modo deverão ser anuladas as decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico apresentados contra a liquidação do ano de 2011, tendo por objeto a correção da liquidação de IRS emitida para aquele ano, com o processamento de reembolso da quantia de € 423,89 e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS do ano de 2013, de cuja correção resultaria um reembolso da quantia de € 770,82.
Que tais decisões de indeferimento podem constituir objeto de impugnação judicial, enquanto atos de segundo e de terceiro grau que conheceram efetivamente da legalidade dos atos de liquidação[6] é confirmado pela letra das alíneas c) e d) do n.º 1, do artigo 97.º, do CPPT, enquanto admitem a impugnação “daqueles atos que, não incidindo diretamente sobre uma liquidação (daí que seja qualificados como como atos administrativos em matéria tributável), acabam por tê-la por referência, na medida em que o que verdadeiramente se questiona é o valor de um tributo a pagar (…)”[7] ou a ser reembolsado.
Admitem-no ainda a alínea e) do n.º 1, do artigo 102.º, do CPPT, por referência aos “restantes atos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código” (reclamação graciosa e recurso hierárquico) e, ainda, a alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, do RJAT.
Estabelece o artigo 24.º, do RJAT, os termos em que a AT fica vinculada a decisão sobre o mérito da causa, favorável ao sujeito passivo, de que não caiba recurso ou impugnação.
Desde logo, fica a AT vinculada, nomeadamente, a (i) “Restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito” (artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT) e (ii) ao “pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” (artigo 24.º, n.º 5, do RJAT).
(i) No caso concreto dos autos, o restabelecimento da “situação que existiria se o ato tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado” implica não só a anulação das liquidações impugnadas e a restituição das quantias pagas por mor dessas liquidações, mas ainda a restituição dos valores pagos pela Requerente a título de retenções na fonte, que naquelas liquidações constituíram deduções à coleta.
É que, embora as retenções na fonte não constituam atos tributários que devam ser revistos, por se encontrarem “numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os atos tributários objeto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto (…)” (artigo 24.º, n.º 1, alínea c), do RJAT), elas foram assumidas pela AT nas liquidações finais do imposto, enquanto pagamentos por conta do imposto devido a final, integrando o conceito de liquidação em sentido estrito, “traduzida na determinação da coleta através da aplicação da taxa à matéria coletável ou tributável”, a que se seguem “as (eventuais) deduções à coleta”[8].
Trata-se, de facto, de imposto legalmente liquidado por retenção na fonte (liquidação por terceiro ou liquidação em substituição), cuja restituição não depende de pedido, por ser oficiosa, integrando a liquidação final, como se determinava no n.º 1 do artigo 16.º, do Decreto-Lei n.º 42/91, de 22 de janeiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 53-A/2006, em vigor à data de ambas as liquidações impugnadas, segundo o qual “1 - A diferença entre o imposto devido a final e o que tiver sido entregue nos cofres do Estado em resultado de retenção na fonte ou de pagamentos por conta, favorável ao sujeito passivo, deve ser restituída até ao termo dos prazos previstos no n.º 1 do artigo 97.º do Código do IRS”.
Assim, se, como consequência da anulação de um ato tributário, a AT fica obrigada a rever os atos tributários que com ele se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência, por maioria de razão deve proceder à restituição do imposto liquidado por terceiro, como parte integrante da liquidação administrativa, a título de pagamento por conta do imposto devido a final.
Acontece, todavia, que, ao pedir a anulação das decisões de indeferimento das reclamações graciosas e do recurso hierárquico apresentados contra as liquidações em análise, nos quais era pedida a correção das liquidações emitidas e o processamento dos reembolsos equivalentes às quantias pagas por retenção na fonte, a Requerente está, concomitantemente, a pedir a restituição daquelas mesmas quantias, a que tem direito.
ii) No que respeita ao pagamento de juros indemnizatórios, é patente que o processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010).
Assim, apesar de o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, utilizar a expressão “declaração de ilegalidade” como delimitativa da competência dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD, deverá entender-se que se compreendem nessa competência os poderes que no processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, como seja o de apreciar o erro imputável aos serviços, enquanto fonte da obrigação de indemnizar.
De facto, um dos pressupostos do dever de indemnizar através do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária, é o de a anulação, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, do ato de liquidação de que tenha resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, ficar a dever-se a erro, de facto ou de direito, da AT.
O erro imputável aos serviços pode consistir em erro sobre os pressupostos de facto, que ocorre sempre que haja “uma divergência entre a realidade e a matéria de facto utilizada como pressuposto na prática do ato”[9], ou em erro sobre os pressupostos de direito, quando “na prática do ato tenha sido feita errada interpretação ou aplicação das normas legais, como as normas de incidência objetiva e subjetiva (…)”[10] e “fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte”[11].
O artigo 43.º, da LGT, contempla outras situações em que são devidos juros indemnizatórios, nomeadamente a prevista na alínea a), do seu n.º 3, ou seja, “Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos”, em sintonia com a previsão do n.º 2 do artigo 16.º, do já citado Decreto-Lei n.º 42/91, de 22 de janeiro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 134/2001, de 24 de abril, de acordo com o qual, não sendo, por motivos imputáveis aos serviços, cumprido o prazo estabelecido no seu n.º 1 (restituição oficiosa do imposto retido na fonte ou pago por conta, dentro do prazo indicado no n.º 1 do artigo 97.º, do Código do IRS), seriam devidos juros indemnizatórios, contados dia a dia desde o termo do prazo previsto para o reembolso até à data em que fosse emitida a correspondente nota de crédito.
No entanto, se o imposto pago por retenção na fonte integra o conceito de liquidação, devendo ser oficiosamente restituído como consequência da anulação da liquidação em que foi considerado como dedução à coleta, já a norma do n.º 2 do artigo 61.º, do CPPT, ao remeter para “a decisão judicial da qual resulte esse direito” (a juros indemnizatórios), inculca a ideia de que o reconhecimento de tal direito depende de pedido, por não poder a sentença, “condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir” (artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Ora, a Requerente, “tendo efetuado o pagamento do imposto liquidado”, peticiona os juros indemnizatórios devidos “nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT” (artigo 57.º, da p. i.), ou seja, os juros indemnizatórios sobre as quantias constantes das liquidações efetuadas pela AT, a título de Imposto apurado.
Reconhecido o erro da AT na emissão das liquidações de IRS dos anos de 2011 e de 2013, pelos motivos acima apontados, terá de ser reconhecido o direito da Requerente a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT; já não sobre os valores das retenções na fonte a restituir, por não terem sido pedidos.
4. DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 12.º, do RJAT, decide-se:
a. Declarar a ilegalidade dos atos de liquidação de IRS dos anos de 2011 e de 2013, objeto do pedido de pronúncia arbitral, determinando a sua anulação;
b. Determinar a restituição das quantias pagas pela Requerente, a título de “Imposto apurado” pela AT nas referidas liquidações de IRS dos anos de 2011 e de 2013;
c. Reconhecer o direito da Requerente a juros indemnizatórios sobre as mesmas quantias e condenar a AT no seu pagamento, desde a data de cada um dos pagamentos indevidos, até à data da efetiva restituição;
d. Declarar a ilegalidade das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico apresentados contra a liquidação de IRS do ano de 2011, que se anulam;
e. Declarar a ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS do ano de 2013, que se anula;
f. Determinar a restituição das quantias pagas pela Requerente, por retenção na fonte, em cada um dos anos de 2011 e de 2013.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de € 9 657,99 (nove mil seiscentos e cinquenta e sete euros e noventa e nove cêntimos).
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do RCPAT e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo da Requerida.
Lisboa, 30 de junho de 2015.
O Árbitro,
/Mariana Vargas/
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.
[1] Sobre as noções de rendimento-produto e de rendimento-acréscimo a ter em conta na determinação da matéria coletável, cfr. TEIXEIRA RIBEIRO, J. J. “Lições de Finanças Públicas”, 5.ª Edição, refundida e atualizada, Coimbra Editora, Ld.ª, Coimbra, 1995, págs. 294 e ss. e MACHADO, Jónatas E. M. e COSTA, Paulo Nogueira da, “Curso de Direito Tributário”, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, págs. 172-173.
[2] Cfr. MORAIS, Rui Duarte de, “Sobre o IRS”, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 113-114.
[3] Cfr. A. e ob. cit., págs. 115-116, nota 258.
[4] XAVIER, Alberto, “Direito Tributário Internacional”, (Reimpressão), Almedina, Coimbra, 1997, págs. 231-232.
[5] Cfr. a este propósito, PEREIRA, Manuel Henrique de Freitas, “Fiscalidade”, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 434, que, sobre o regime de dedução de perdas escreve: “Este regime geral tem determinadas caraterísticas e exigências e bastará que em relação a uma delas haja uma derrogação, que constitua uma vantagem com determinado objetivo económico-social, para se estar em presença de um benefício fiscal”.
[6] Sobre o tema, cfr. SOUSA, Jorge Lopes de, “Comentário ao Regime da Arbitragem Tributária”, in “Guia da Arbitragem Tributária”, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, Almedina, Coimbra, págs. 123-125.
[7] ROCHA, J. Freitas da, Lições de Procedimento e Processo Tributário”, 5.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 316.
[8] Cfr. NABAIS, J. Casalta, “Direito Fiscal”, 7.ª edição, 2014, Almedina, Coimbra.
[9] SOUSA, Jorge Lopes de, “Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado”, I Volume, Áreas Editora, 6.ª Edição, 2011, pág. 115.
[11] CAMPOS, Diogo Leite de, RODRIGUES, Benjamim Silva, SOUSA, Jorge Lopes de, “Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada”, Encontro da Escrita, 4.ª Edição, pág. 342.