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Sumário
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A competência dos tribunais arbitrais depende dos termos da vinculação da Autoridade Tributária
Os árbitros Conselheiro José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dra. Raquel Franco (relatora) e Dr. Pedro Guerra Alves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem Tribunal Arbitral, constituído em 31-07-2023, acordam no seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
A... – VALORIZAÇÃO E TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS, S.A., (A...), NIPC …, B… – VALORIZAÇÃO E TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS, S.A., (B…), NIPC …, C… LDA., (C…), NIPC …, D…, S.A., (D...), NIPC …, E… - RESÍDUOS SÓLIDOS …, S.A., (E…), NIPC …, F… – VALORIZAÇÃO E TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS, S.A., (F…), NIPC …, G… - VALORIZAÇÃO E TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS, S.A., (G…), NIPC …, H… – VALORIZAÇÃO E TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS, S.A., (H…), NIPC …, I… – VALORIZAÇÃO E TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS, S.A., (I…), NIPC …, J… – SERVIÇOS URBANOS E MEIO AMBIENTE, S.A., (J…), NIPC …, K… – TÉCNICAS DE RESÍDUOS INDUSTRIAIS E URBANOS, S.A., (K…), NIPC …, L… – VALORIZAÇÃO E TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS, S,A, (L…), NIPC …, M… – VALORIZAÇÃO E TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS, S.A., (M…), NIPC …, N… – VALORIZAÇÃO E TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS, S.A. (N…), NIPC … e O… – VALORIZAÇÃO E TRATAMENTO DE RESÍDUOS SÓLIDOS …, S.A., (O…), NIPC … (de ora em diante as Requerentes), na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, apresentado junto da Alfândega do Jardim do Tabaco em 29.11.2022, vieram apresentar um pedido de pronúncia com vista à declaração de “ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina, ao gasóleo rodoviário e ao GPL Auto, adquiridos pelas requerentes no decurso do período compreendido entre 29 de novembro de 2018 e 31 de dezembro de 2020, e, bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis” (a P..., S.A., a Q..., S.A., R..., S.A., S..., S.A., T..., S.A. e U..., Lda.), “determinando-se, nessa medida, a sua anulação, com as demais consequências legais, designadamente, o reembolso às requerentes de todas as quantias suportadas a esse título”.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 24.05.2023.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os Árbitros designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo o Tribunal ficado constituído em 31.07.2023.
Mais tarde, um dos árbitros adjuntos veio renunciar às suas funções, invocando, para tanto, razões que foram consideradas justificativas. Em tal conformidade, nos termos e ao abrigo do disposto do Regulamento de Seleção e Designação de Árbitros em Matéria Tributária (artigo 6.º, n.º 5) foi determinada a substituição, como árbitro-adjunto no presente processo, do Exmo. Dr. José Luís Ferreira pelo Exmo. Dr. Pedro Guerra Alves. A instância, ficou, então, suspensa até que, cumpridas as formalidades devidas, fosse reconstituído o Tribunal Coletivo.
A 23.08.2023, foi proferido despacho, pelo Tribunal, determinando a prossecução dos autos e a cessação da suspensão da instância decretada no despacho anterior. Foi, então, determinada a notificação da Diretora Geral da AT para apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo e, querendo, requerer a produção de prova adicional, o que veio a acontecer a 01.10.2023. Tendo sido invocada matéria de exceção por parte da AT, foi concedido prazo à Requerente para se pronunciar sobre a mesma, o que veio a acontecer a 31.10.2023.
Através de despacho de 26.11.2023, o Tribunal notificou as Partes da dispensa da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como do prazo para apresentação de alegações, o que as Partes vieram a fazer a 20.12.2023 (Requerente) e a 22.12.2023 (Requerida).
A 17.01.2024, a Requerida veio apresentar um requerimento pedindo a junção aos autos da decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 375/2023-T, o qual foi deferido pelo Tribunal.
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Análise preliminar
A AT apresentou resposta em que suscitou a ineptidão da petição inicial por não se encontrar identificado qualquer ato tributário, entendendo que, por esse motivo, o pedido arbitral não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento / petição inicial, por violação da alínea b) do nº 2 do artigo 10.º do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido. Em concreto, refere a AT que:
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As Requerentes suscitam a “ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasolina, ao gasóleo rodoviário e ao GPL Auto, adquiridos pelas requerentes no decurso do período compreendido entre 29 de novembro de 2018 e 31 de dezembro de 2020, e bem assim, das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis”, limitando-se, todavia, a identificar as faturas de aquisição de combustíveis aos seus fornecedores, mas não identificam qualquer ato tributário;
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Ainda segundo as Requerentes, os seus fornecedores, a P..., S.A. (P...), a Q..., S.A. (Q...), R..., S.A. (R…), S..., S.A. (S...), T..., S.A. (T...) e U..., Lda. (U…), terão sido os operadores económicos que procederam à introdução no consumo de produtos petrolíferos, i.é, os sujeito passivos de ISP/CSR, mas não identificam as “liquidações de CSR praticadas pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pelas respetivas fornecedoras de combustíveis”. Ou seja, as Requerentes identificam as faturas de aquisição de combustíveis aos seus fornecedores, mas não identificam qualquer liquidação de CSR praticada pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pelas identificadas fornecedoras de combustíveis. E tal identificação não é feita pelas Requerentes, nem é possível à AT suprir tal omissão, dada a impossibilidade absoluta em estabelecer qualquer correlação/correspondência entre os atos de liquidação praticados a montante pelos seus fornecedores, os (alegadamente) sujeitos passivos de ISP/CSR, e as faturas de compra identificadas pelas Requerentes. Ou seja, esta situação de ineptidão da petição inicial (no caso, do pedido arbitral) não é passível de superação através de atuações processuais, como seja a recolha de elementos por parte da AT.
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Além disso, e face ao supra exposto, verifica-se que o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do(s) ato(s) tributário em crise, tem como efeito a impossibilidade de se aferir da tempestividade do pedido de revisão oficiosa e de reembolso de CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral.
A AT invoca, também, a exceção de ilegitimidade processual. Os fundamentos que apresenta são os seguintes:
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Com exceção da E..., empresa que desenvolve atividades de consultoria para os negócios e a gestão, todas as restantes empresas Requerentes desenvolvem atividades relacionadas com a recolha ou o tratamento e eliminação de resíduos urbanos e / ou industriais ou outros;
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O sujeito passivo que declarou os produtos para consumo a quem foi liquidado o imposto e que efetuou o correspondente pagamento, reúne condições (e pode identificar os atos de liquidação), para solicitar em caso de erro, a revisão desses atos de liquidação com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigo 15º e 16º do CIEC);
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Estando em causa pedidos que visam a anulação de liquidações em sede de ISP, na parte relativa à CSR, há que ter em consideração, desde logo, o disposto na Lei nº 55/2007, de 31 de agosto, diploma que criou a contribuição de serviço rodoviário. O artigo 5.º daquele diploma, na redação em vigor até 31.12.2022, estabelece que a CSR é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no CIEC, na LGT e no Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), com as devidas adaptações;
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No âmbito dos impostos especiais de consumo, são sujeitos passivos, grosso modo, as entidades que, no exercício da sua atividade, são os responsáveis pelo cumprimento das obrigações de declaração e consequente pagamento do imposto correspondente, designadamente, os operadores económicos identificados no artigo 4.º n.º 1, alínea a) do CIEC.
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Assim, os requerentes de reembolso que não correspondem à entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR, carecem de legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações com fundamento em erro e consequente reembolso do montante correspondente (artigo 16.º).
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É o que resulta, de forma clara, do n.º 2, do artigo 15.º do CIEC, o qual estabelece que o reembolso só poderá ser solicitado pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 do artigo 4.º que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto, regime este que é aplicável “mutatis mutandis” à CSR, por força do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007;
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Estas disposições legais do CIEC fundamentam-se no regime próprio dos impostos especiais de consumo, designadamente, por se tratarem de impostos monofásicos, que incidem apenas na fase da declaração para consumo, o que, regra geral, ocorre uma única vez. No âmbito destes impostos, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não são considerados com legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente reembolso do imposto, estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia comercial (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais).
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É esse o sentido que se pode retirar do entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Procº C-460/21, ao reconhecer a legitimidade do sujeito passivo do imposto, ao reembolso do imposto indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia, que não tenha sido repercutido a jusante, pois
“(…) ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido”.
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Acresce que, ainda que, no caso concreto, a CSR tivesse sido efetivamente repercutida, e as Requerentes tivessem legitimidade processual para peticionar a anulação das liquidações com fundamento em erro e o reembolso dos montantes correspondentes, e a repercussão resultasse provada, sempre seria de invocar a jurisprudência do TJUE, resultante do Acórdão proferido no Proc.º n.º C-94/10, de 20/10/2011, de acordo com a qual:
“As normas do direito da União devem ser interpretadas no sentido de que:
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Um Estado-Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma acção civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil;
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Um Estado-Membro pode recusar um pedido de indemnização apresentado pelo comprador sobre quem o sujeito passivo tenha repercutido um imposto indevido, com base na falta de nexo directo de causalidade entre a cobrança desse imposto e o dano sofrido, desde que o comprador possa, com base no direito interno, dirigir esse pedido contra o sujeito passivo e que a reparação, por este, do dano sofrido pelo comprador não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil.”
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Por conseguinte, as entidades Requerentes não integram nem são parte da relação tributária subjacente à(s) liquidação ou liquidações contestadas, não sendo os devedores, nem quem estava obrigado ao seu pagamento ao Estado, o que, não só impossibilita a identificação, quer das liquidações concretas na origem das imposições objeto da alegada repercussão, quer da alfândega ou outra estância aduaneira, que tenha efetuado essas liquidações, com competência para a apreciação do pedido de revisão ou anulação da liquidação, se viesse a ser o caso.
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Quem integra e é parte da relação tributária subjacente à liquidação contestada é o sujeito passivo, nos termos definidos nos artigos 4.º, 15.º e 16.º do CIEC e do artigo 5.º da Lei n.º 55/2007.
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As Requerentes, quando adquirem combustível aos seus fornecedores, estabelecem uma relação comercial de direito privado entre empresas, à qual a administração tributária é estranha, para efeitos do que aqui se discute, que é a liquidação do ISP/CSR e o reembolso da CSR alegadamente repercutido no custo de aquisição de combustível.
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E, assim sendo, não se vislumbra que assista às Requerentes legitimidade para requerer a anulação do despacho de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa e a anulação da liquidação ou liquidações de CSR e o consequente reembolso dos montantes de CSR que as Requerentes alegam ter suportado.
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Assim, não existindo efetiva titularidade do direito, como se verifica, carecem as Requerentes de legitimidade substantiva que sustente a sua pretensão, devendo o Tribunal arbitral abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver a AT da instância, cfr. artigos 278.º, nº.1, al. d), 576.º, n.ºs 1 e 3 e 579.º todos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 2.º, al. e), do CPPT.
A AT invoca, ainda, a exceção de incompetência do Tribuna Arbitral, sobre a qual aduz os seguintes fundamentos:
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Não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum e respetiva competência deste tribunal arbitral para a apreciação do presente litígio porquanto a CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.
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De acordo com o disposto no artigo 1.º e no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, na redação aplicável à data dos factos, a CSR foi criada com o objetivo de financiar a rede rodoviária nacional, a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. (doravante IP), nos termos do Contrato de Concessão Geral da rede rodoviária nacional celebrado com o Estado, e “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis “
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Existindo um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, a rede rodoviária nacional a cargo da IP é financiada pelos seus utilizadores (princípio do utilizador-pagador), e apenas subsidiariamente pelo Estado, cfr. artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, constituindo receia própria da IP.
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Representando, assim, a CSR, uma contraprestação/contrapartida pela utilização dos serviços prestados pela IP aos utentes/utilizadores das vias rodoviárias, em nome do Estado, por força das bases da referida concessão, aprovadas pelo Decreto-Lei nº 380/2007, de 13 de novembro.
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De acordo com o contrato de concessão, a IP está obrigada a “serviços públicos” específicos, como a conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.
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Tratando-se de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários (os utilizadores da rede rodoviária nacional), se efetiva na compensação da conservação e requalificação da rede rodoviária nacional, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira e não de imposto.
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Nesse sentido, a CSR encontra-se excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.
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Esse mesmo é o sentido da decisão arbitral proferida no Procº nº 31/2023-T, em que foi Árbitro Presidente o Senhor Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a qual dá enfoque às preocupações legislativas e regulamentares na limitação do âmbito da arbitragem tributária e ao alcance restritivo do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos».
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Como se escreve no Acórdão n.º 539/2015, do Tribunal Constitucional:
«As contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de um atividade administrativa) (Gomes Canotilho/Vital Moreira, em “Constituição da República Portuguesa Anotada”, I vol., pág. 1095, 4.ª ed., Coimbra Editora).
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As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir (sobre estes aspetos, Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 221, e Suzana Tavares da Silva, em “As taxas e a coerência do sistema tributário”, pág. 89-91, 2.ª edição, Coimbra Editora)».
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No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.
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Assim, é de concluir que não é abrangida pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, a apreciação de litígios que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas à CSR.
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Ainda em matéria de incompetência, a AT sustenta que, considerando o teor do pedido e sua fundamentação, o mesmo extravasa o âmbito da Ação Arbitral prevista no RJAT, e em concreto do artigo 2.º, o qual não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, que, conforme decorre da restrição do perímetro desta forma processual à mera ilegalidade face a atos de liquidação de impostos, determina a exclusão do âmbito da jurisdição arbitral a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa.
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Isto é, a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, não é da competência do tribunal arbitral.
Por impugnação, vem a AT dizer, resumidamente, o seguinte:
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Não se encontram reunidos os pressupostos que, nos termos do regime especial, vertido no CIEC, suportam um pedido de reembolso por erro na liquidação,
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Não se verificam, igualmente, os pressupostos previstos no artigo 78.º da LGT que, desde logo, dispõe, conforme decorre do n.º 1, que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária,
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Ainda que a revisão do ato tributário seja efetuada no âmbito do artigo 78.º da LGT, também de acordo com este dispositivo legal, aquela só pode ser efetuada por «iniciativa da administração tributária» ou «por iniciativa do sujeito passivo», como resulta do artigo 78.º, n.º 1, da LGT e do artigo 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT. Não se encontrando tal direito incluído na esfera jurídica do “repercutido fiscal”, nunca poderia, face à lei, a entidade em que alegadamente teria sido repercutido o imposto, apresentar pedido de revisão ou de reembolso por erro.
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Quanto à alegada repercussão da CSR, em caso de repercussão, diga-se, o encargo do imposto é transferido para outros intervenientes (apesar de não serem sujeito da relação jurídica do imposto) e, ao repercutir o imposto, o sujeito passivo vai exigir ao repercutido uma quantia que lhe é devida a ele, em nome e no interesse próprios.
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Cabendo aos sujeitos passivos no âmbito das suas relações comerciais (ao abrigo do direito civil) proceder, ou não, à transferência da carga fiscal para outrem (os seus clientes), tendo em conta as consequências para a sua atividade, designadamente, em termos do aumento de preços para o consumidor final, e que, de acordo com a lei da procura, poderá redundar numa diminuição da quantidade procurada e do lucro obtido.
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Sobre esta matéria, no âmbito de decisões arbitrais proferidas no CAAD, com fundamento igualmente na desconformidade da CSR com o direito da União Europeia, suscitados, desta feita, por sujeitos passivos do imposto, aquelas têm vindo a entender que a repercussão efetiva, parcial ou total, não pode ser presumida, considerando, naqueles casos, caber à AT o ónus da prova quanto à sua verificação em concreto.
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Por identidade de razões e critérios, também não poderá, nos presentes autos, ser presumida a repercussão da CSR nas ora Requerentes. É que, sempre caberia às Requerentes a demonstração, de forma inequívoca, dos montantes efetivamente suportados a título de repercussão em cada uma das transações comerciais (aquisições de produtos sujeitos a CSR, ao respetivo sujeito passivo/fornecedor).
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Não tendo sido, também, apresentados, além disso, quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado da CSR, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC) e das Declarações Aduaneiras de Importação (DAI) com averbamento do número de movimento de caixa.
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Quanto aos montantes referenciados na PI, que as Requerentes entendem que pagaram em sede de CSR, aqueles são incorretos, uma vez que se limitaram a aplicar à quantidade de litros fornecidos e constantes das faturas dos seus fornecedores, a taxa de CSR que se encontrava em vigor às datas das mesmas.
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Sucede, porém, que, conforme se encontra estabelecido no artigo 91.º do CIEC, e acima se referiu, a unidade tributável dos produtos petrolíferos e energéticos (e, consequentemente, da CSR) é de 1000 l convertidos para a temperatura de referência de 15°C.
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E, não tendo existido certificação da medição da temperatura na descarga do combustível adquirido (temperatura ambiente), que em atos de medição de reservatórios certificados (varejos) dos sujeitos passivos de imposto, é designada por temperatura observada (TO), é impossível na fase da cadeia logística em que as Requerentes se encontram, determinar a unidade tributável para efeitos de determinação da CSR e, por consequência, determinar qual a parte da CSR incluída no preço pago pelo combustível adquirido.
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Assim, nenhum dos documentos/faturas apresentados constitui prova bastante quanto ao facto de ter sido suportado o montante indicado no PI a título de CSR, sendo certo que impendia sobre as Requerentes o ónus de tal prova.
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Sendo que a Requerente J…, como se aludiu acima, não obstante já ter beneficiado de reembolso em sede de ISP, incluindo de CSR, no âmbito do regime de reembolso parcial de imposto para o gasóleo profissional, ao abrigo do artigo 93.º-A, do CIEC, omitiu tal facto, não se referindo a esse elemento no cálculo do montante de CSR que alega ter suportado
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Efetivamente, ainda que a repercussão viesse a ser provada no âmbito do presente processo, entende o TJUE que um Estado-Membro se pode opor a um pedido de reembolso de um imposto indevido, apresentado pelo comprador sobre quem esse imposto tenha sido repercutido, com o fundamento de não ter sido esse comprador que o pagou às autoridades fiscais, desde que, nos termos do direito interno, esse comprador possa exercer uma ação civil de repetição do indevido contra o sujeito passivo e que o reembolso do imposto indevido, por parte deste último, não seja, na prática, impossível ou excessivamente difícil.
As Partes apresentaram as suas alegações, nas quais mantiveram as posições alegadas anteriormente.
II. Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão devidamente representadas
(vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de
22 de março).
Em face das questões prévias colocadas – relativas, nomeadamente, à ineptidão do pedido de pronúncia arbitral, à competência do Tribunal Arbitral e à ilegitimidade das Requerentes - impõe-se o conhecimento prioritário das mesmas.
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Fundamentação
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Matéria de facto provada
Com relevância para a presente decisão, consideram-se assentes e provados os seguintes factos:
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As Requerentes são sociedades de direito português, com sede e direção efetiva em Portugal;
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A P..., a Q..., a S..., a R…, a T... e a U… são empresas que comercializam combustíveis;
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A P..., a Q... e a S... entregaram ao Estado os valores apurados nos atos de liquidação conjunta de ISP e de CSR praticados pela AT com base nas DIC por aquelas submetidas referentes ao período de 29 de novembro de 2018 e 31 de dezembro de 2020 (Doc. 1 junto com a réplica, Doc. 1 junto com o requerimento de 22 de novembro de 2023 e Doc. 1 junto com o requerimento de 29 de novembro de 2023);
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Em 29/11/2022, as Requerentes requereram junto da Alfândega do Jardim do Tabaco, a revisão oficiosa das liquidações de CSR praticadas pela AT, com base nas DICs submetidas pelas suas fornecedoras de combustíveis e dos consequentes atos de repercussão, consubstanciados nas faturas de aquisição de gasóleo e gasolina no decurso do período compreendido entre 29 de novembro de 2018 e 31 de dezembro de 2020;
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Tal pedido de revisão oficiosa foi objeto de indeferimento tácito;
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Em 22/05/2023, as Requerentes apresentaram, junto do CAAD, um pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
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Factos não provados
Não se considera existirem factos, com relevância para a decisão da causa, que sejam de considerar não provados.
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Fundamentação da decisão quanto à matéria de facto
O Tribunal não tem de se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos.
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Questões prévias e exceções
1. Ineptidão do Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”)
Quanto à arguida ineptidão, é entendimento deste Tribunal que não se verifica nenhuma das situações elencadas no artigo 186.º do Código de Processo Civil (CPC), nomeadamente, a falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, ou a contradição entre estes, nem a falta dos requisitos previstos no art. 78.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).
Por conseguinte, entende este Tribunal que não assiste razão à Requerida neste aspeto.
2. Incompetência do Tribunal Arbitral
Face ao disposto no artigo 13.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, importa analisar, em primeiro lugar, a exceção de incompetência do Tribunal, invocada pela AT.
O artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, que autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, fixou como possível âmbito da arbitragem «os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária».
Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (abreviadamente conhecido como ‘RJAT’), emitido ao abrigo daquela autorização legislativa, não estendeu o âmbito da jurisdição arbitral tributária a todo o tipo de litígios permitidos pela autorização legislativa, limitando a competência dos tribunais arbitrais, nos termos do artigo 2.º do RJAT, à «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», à «declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais» e à «apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior»[1].
Contudo, o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, estabelece também que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça» - permitindo, desta forma, que, no âmbito das competências dos tribunais arbitrais, o âmbito da arbitragem tributária fosse limitado de harmonia com a vinculação.
A Portaria n.º 112- A/2011, de 22 de março, definiu, então, o «objecto da vinculação» e os «termos da vinculação», da AT, à arbitragem tributária, da seguinte forma:
“Artigo 1.º Vinculação ao CAAD
Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, no CAAD — Centro de Arbitragem Administrativa os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública: a) A Direcção -Geral dos Impostos (DGCI); e
b) A Direcção -Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).
Artigo 2.º Objeto da vinculação
Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
Artigo 3.º Termos da vinculação
1 – A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a € 10 000 000.
2 – Sem prejuízo dos requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a vinculação dos serviços referidos no artigo 1.º está sujeita às seguintes condições:
a) Nos litígios de valor igual ou superior a € 500 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de mestre em Direito Fiscal;
b) Nos litígios de valor igual ou superior a € 1 000 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de doutor em Direito Fiscal.
3 – Em caso de impossibilidade de designar árbitros com as características referidas no número anterior cabe ao presidente do Conselho Deontológico do CAAD a designação do árbitro presidente.”
Constata-se, portanto, que a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, limitou a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD que tenham por objecto (i) a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida (ii) referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (iii) com exceções várias, elencadas nas várias alíneas do artigo 2.º
Sendo certo que a Constituição da República Portuguesa (CRP) e a Lei Geral Tributária (LGT) aludem a vários tipos de tributos, que designam como «impostos», «taxas» e «contribuições financeiras» [artigos 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] e 3.º, n.ºs 2 e 3, da LGT], a inclusão da palavra «impostos» na expressão «apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida» contrastando com a referência mais abrangente a «atos de liquidação de tributos» que foi usada na alínea a) do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 3-B/2010 (autorização legislativa) para definir o âmbito da autorização, deve ser interpretada como expressão precisa da restrição que se pretendeu efetuar, presumindo-se, como impõe o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Não deve, portanto, esta norma ser interpretada extensivamente, pois qualquer extensão do seu alcance literal será contrária ao pensamento legislativo que a interpretação jurídica visa reconstituir (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil)[2].
A limitação de âmbito da vinculação da AT foi, aliás, admitida e explicada pelo então Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, responsável pela área na altura em que foram aprovados o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em texto publicado na Newsletter n.º 1 do CAAD:
«A arbitragem tributária, tal como contemplada no Regime da Arbitragem Tributária veio a apresentar âmbito mais estreito relativamente ao que figurava na autorização legislativa do orçamento do estado para 2010, pela consciência de que esta era, e continua a ser, uma experiência inovadora que não vai sem os seus riscos. Foi também com precaução que a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual se vinculou a administração tributária ao regime, impôs vários limites desde logo atendendo à especificidade e ao valor das matérias em causa, associando-se deste modo a Administração Fiscal a este mecanismo de resolução alternativa de litígios nos estritos termos e condições estabelecidos na Portaria»[3].
No presente caso, a AT invoca a exceção de incompetência do Tribunal precisamente com base na interpretação dos termos da sua vinculação à jurisdição arbitral, por entender que a espécie tributária da CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro e do artigo 2.º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição[4].
Quanto a saber se, no caso concreto, estamos perante uma ‘contribuição’ ou um imposto, entendemos ser válido e correto o entendimento expressado pelo Tribunal Arbitral no processo 31/2023-T de que “utilizando a Constituição e a Lei designações específicas para classificar os vários tipos de tributos, terá de se presumir também que, para efeito da definição das competências dos tribunais arbitrais, se pretendeu aludir à classificação que a legislativamente foi adoptada em relação a cada tributo e não à que o intérprete poderá considerar-se mais apropriada, como base em considerações de natureza doutrinal. A classificação de tributos especiais, designadamente para apurar se devem ser ou não tratados constitucionalmente como impostos é, frequentemente, uma tarefa complexa, objecto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional. Não há qualquer razão para crer, em termos de razoabilidade, que o legislador, que tem de se presumir que consagrou a solução mais acertada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), tivesse optado por impor indagações com esse nível de dificuldade, incerteza de resultados e morosidade para definição da competência dos tribunais arbitrais, em vez de optar pela identificação clara e segura dos tributos a que pretendeu aludir através da designação que legislativamente foi considerada adequada que, além do mais, se compagina melhor com a celeridade de decisões que se visou atingir com a criação da arbitragem tributária.
Para além disso, nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), que fosse atribuída à CSR a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2, da LGT. A expressão do pensamento em termos adequados faz-se necessariamente através da expressão correcta e não uma outra que o dissimule.
Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como, por exemplo, o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considerada «impostos» (como sucede com as «contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»). E, paralelamente, aquele artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não se estará a reportar a tributos que pela lei são denominados como «taxas» ou «contribuições financeiras a favor das entidades públicas», que não se enquadrem na definição das referidas «contribuições especiais», mesmo que, após análise aprofundada das suas características pelo tribunal previamente definido como competente, se possa concluir que devem ser considerados como impostos especiais, designadamente para efeitos de aplicação das exigências constitucionais relativas a impostos.
No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade», pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.
Por outro lado, da relegação da definição do âmbito da vinculação para diploma de natureza regulamentar depreende-se que, subjacente à restrição que se pretendeu efectuar estarão também razões pragmáticas relacionadas com a criação das condições práticas para implementação do novo regime, que normalmente se reservam para diplomas de natureza executiva, como são as relativas à disponibilidade de meios humanos da Administração Tributária com formação adequada para a representarem adequadamente nos processos tributários que exijam formação mais especializada. Neste caso, pelas limitações ao âmbito da
jurisdição arbitral que se fazem nas alíneas c) e d) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quanto a litígios relacionados com matéria aduaneira, entrevê-se que estarão razões desse tipo
subjacentes a essas restrições à arbitrabilidade de litígios.
(…)
Pelo exposto, a interpretação correcta, alicerçada no teor literal deste artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 e nas regras interpretativas que constam do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, mas tendo também em conta as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), é a de que se pretendeu restringir a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a litígios em que estejam em causa tributos legislativamente classificados como impostos ou explicitamente como tal considerados (como sucede com as «contribuições especiais» referidas no n.º 3 do artigo 4.º da LGT), com as excepções arroladas naquela norma.”
Em face do exposto, deve julgar-se verificada a exceção de incompetência deste Tribunal Arbitral, invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, por falta da vinculação exigida pelo artigo 4.º do RJAT. A falta de vinculação não implica incompetência absoluta, em razão da matéria, a que alude o artigo 16.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, pois a competência para apreciação
da generalidade de atos de liquidação de tributos se insere nas competências dos tribunais arbitrais definidas no artigo 2.º do RJAT. Estamos, isso sim, perante uma incompetência relativa por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária [Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos], acordo esse que, relativamente à arbitragem tributária, é genericamente exigido e definido no que concerne à Autoridade Tributária e Aduaneira através da vinculação prevista no artigo 4.º do RJAT.
Tendo esta incompetência sido arguida tempestivamente, na Resposta (artigo 18.º, n.º 4, da LAV), tem de concluir-se que procede, com esta fundamentação, a exceção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
V. DECISÃO
Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:
− Julgar verificada a exceção de incompetência do Tribunal, por falta do acordo necessário para a constituição de tribunal arbitral, a que se reporta o artigo 18.º da Lei de Arbitragem Voluntária [Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT e artigo 181.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos];
− Condenar as Requerentes no pagamento das custas do processo.
Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 4.267.366,45 (quatro milhões, duzentos e sessenta e sete mil, trezentos e sessenta e seis euros e quarenta e cinco cêntimos).
Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 53.856,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 25.01.2024
O Tribunal Arbitral Coletivo
Árbitro Presidente
(José Poças Falcão)
Árbitro Adjunto
(Pedro Guerra Alves)
Árbitra Adjunta (relatora)
(Raquel Franco)
[1] O artigo 160.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro [Orçamento de Estado para 2012] restringiu ainda mais o âmbito da arbitragem tributária, eliminado a possibilidade de recurso à arbitragem para declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando dêem origem à liquidação de qualquer tributo, e para apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação.
[2] Neste sentido, importa referir que, quando foi emitida a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, a Autoridade Tributária e Aduaneira já administrava tributos com a designação de «contribuição» (designadamente, desde 2008, a contribuição de serviço rodoviário que aqui está em causa, tendo também já sido criada pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a contribuição sobre o sector bancário), pelo que já existia, no momento da emissão daquela Portaria, a necessidade de esclarecer com rigor se o âmbito da vinculação abrangia ou não tributos com a designação de «contribuições».
[4] Para tanto, a AT invoca doutrina sobre o âmbito material da arbitragem tributária, e.g., SERGIO VASQUES/CARLA CASTELO TRINDADE, “O âmbito material da arbitragem tributária”, Cadernos de Justiça Tributária, nº 00 (Abril/Junho 2013), págs. 24-25; CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Anotado, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 78; SERENA CABRITA NETO/CARLA CASTELO TRINDADE, Contencioso Tributário, vol. II, Almedina, Coimbra, 2017, págs. 439 e seguintes, bem como jurisprudência arbitral - processos arbitrais n.ºs 123/2019-T, 138/2019-T, 182/2019-T, 248/2019-T e 585/2020-T.
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