Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 534/2023-T
Data da decisão: 2023-12-20   Outros 
Valor do pedido: € 12.500,26
Tema: Contribuição sobre o Sector Rodoviário (CSR) - Direito de União Europeia - Competência dos Tribunais Arbitrais – Ineptidão - Legitimidade
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SUMÁRIO:

 

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, é um imposto, não se verificando nem a incompetência do tribunal em razão da matéria por estar esta limitada à apreciação das pretensões dos sujeitos passivos relativas a impostos, nem a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição arbitral.
  2. O repercutido tem legitimidade processual activa na acção de impugnação através de processo arbitral.
  3. Não constitui objecto insusceptível de ser apreciado em processo arbitral tributário o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de CSR por ilegalidade abstrata, por violação do Direito da União Europeia.
  4. A CSR, não prossegue “motivos específicos”, na acepção do artigo 1º, nº 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo específico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que se encontram atribuídos à concessionária.

 

 

DECISÃO ARBITRAL[1]

Requerente –A..., Lda.

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 26-09-2023, decidiu o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A..., Lda., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., Nº ...,   ..., ..., no Seixal (adiante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 19-07-2023, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

  1. A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral “com vista à apreciação da legalidade dos seguintes atos tributários e decisório: i.) Liquidações respeitantes a Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), referentes aos meses de dezembro de 2018 a julho de 2022, incidentes sobre a  B..., S.A., pessoa coletiva n.º..., cujo encargo tributário repercutiu na esfera da Requerente, (…), em face da qual a Requerente suportou 12.500,26 EUR a título de CSR (…); ii.) Decisão final de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente a 30 de dezembro de 2022 junto da Alfândega do Jardim do Tabaco (…)”, peticionando que se “i.) determine a anulação dos referidos atos tributários (…) e ii.) na medida da procedência do pedido anterior, [se] condene a Entidade Requerida no reembolso à Requerente da CSR indevidamente suportada, no montante global de 12.500,26 EUR, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, (…) e, bem assim, no pagamento das custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais”.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 20-07-2023 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

  1. Em 02-08-2023, a Requerida apresentou requerimento, dirigido ao Senhor Presidente do CAAD, no sentido “(…) informar, que analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário. Identificação que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária. Tendo em conta, que: a) A competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo, conforme decorre do n.º 1, do artigo 2.º do RJAT e como se depreende das referências expressas que se fazem na alínea a), do nº 1, do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT; b) Conforme dispõe expressamente a alínea b), do nº 2, do artigo 10º do RJAT, do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral; c) Sem a identificação, por parte dos interessados, do ato ou atos tributários, cuja ilegalidade é invocada, não pode o dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT. Solicita-se que seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação, à Autoridade Tributária e Aduaneira, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada”.

 

  1. Na mesma data, a Requerente foi notificada de despacho proferido pelo Senhor Presidente do CAAD no sentido de informar que “(…) na sequência da comunicação da Autoridade Tributária envie-se a mesma ao Tribunal Arbitral a constituir, por ser esse o órgão competente para a sua apreciação. (…)”.

 

  1. Em 16-08-2023, a Requerente apresentou requerimento no sentido de referir que “no dia 7 de agosto de 2023, a Requerente tomou conhecimento de requerimento apresentado pela Entidade Requerida (…). Em primeiro lugar, cumpre referir não corresponder à verdade não ter a Requerente expressamente identificado no seu pedido de pronúncia arbitral os atos tributários cuja ilegalidade pretende ver apreciada pelo Tribunal Arbitral. (…) Conforme consta da página 1 do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente sujeitou ao crivo do Tribunal Arbitral a apreciação da legalidade das liquidações de Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), referentes aos meses de dezembro de 2018 a julho de 2022, no montante global de 12.500,26 EUR. (…) Nesse contexto, a Requerente juntou aos autos a totalidade dos documentos que, enquanto entidade que suportou o encargo do tributo, tem em seu poder, os quais inelutavelmente atestam ter o referido tributo sido liquidado e, subsequentemente, suportado pela Requerente (…). Com efeito, não assumindo a Requerente a qualidade de sujeito passivo do tributo, não tem na sua posse quaisquer outros documentos, designadamente as respetivas declarações de introdução no consumo, não podendo, por isso, a sua apresentação ser-lhe exigida. (…) Tais declarações estão em poder da Entidade Requerida, podendo esta identificá-las, solicitando, se necessário, a coadjuvação do sujeito passivo, designadamente ao abrigo do princípio da colaboração previsto no artigo 59.º, nºs 1 e 2, alínea d), da Lei Geral Tributária (“LGT”). (…) Posição contrária buliria (i) com o princípio do acesso ao Direito, (ii) com o direito da Requerente a uma tutela jurisdicional efetiva e, bem assim, (iii) com o seu direito à reposição da legalidade violada (e, concomitante, restituição do tributo por si indevidamente suportado), na medida em que tornaria a efetivação dos direitos em apreço dependente da apresentação de documentos que a Requerente, por assumir a posição de «contribuinte de facto», não possui nem tem a obrigação legal de possuir. (…) Na situação sub judice, tendo o dirigente máximo do serviço da administração tributária e aduaneira tomado conhecimento da apresentação do pedido de pronúncia arbitral a 24 de julho de 2023, poderá «proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do[s] ato[s] tributário[s] cuja ilegalidade foi suscitada […]» até ao dia 5 de setembro de 2023. (…) Assim, caso concorde (e nessa medida) com a posição perfilhada pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, deverá adotar as diligências necessárias à revogação dos atos tributários sob contenda, oficiando, se necessário, o respetivo sujeito passivo a facultar informação que repute relevante. (…) A adoção de uma posição inerte ou silente por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira neste âmbito não se afigura admissível, redundando na preterição, além do mais, do princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT, nos termos do qual «a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido». (…)”.

 

  1. Na mesma data, as Partes foram notificadas de despacho proferido pelo Senhor Presidente do CAAD no sentido de informar que “(…) na sequência da comunicação da requerente envie-se a mesma ao Tribunal Arbitral a constituir, por ser esse o órgão competente para a sua apreciação. (…)”.

 

  1. Em 06-09-2023, dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

 

  1. Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

  1. Em 26-09-2023, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral, em 28-09-2023, com o seguinte teor:

Tendo em consideração: (i) O requerimento apresentado pela Requerida, em 02-08-2023 (ou seja, antes da constituição do TA)(…)” acima detalhado, “(ii) O requerimento apresentado pela Requerente, em 16-08-2023, no sentido de esclarecer (…)” o que pretende com o pedido de pronúncia arbitral, “(iii) O despacho proferido pelo senhor Presidente do CAAD, em 16-08-2023, no sentido de esclarecer ambas as Partes que "com referência ao Processo em epígrafe e na sequência do requerimento do requerente envie-se o mesmo ao Tribunal Arbitral a constituir, por ser esse o órgão competente para a sua apreciação; (iv) A constituição do Tribunal Arbitral em 26-09-2023; Entende este Tribunal que as questões, acima suscitadas, antes da sua constituição deverão ser apreciadas numa fase posterior do processo, mandando-se assim notificar, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional. (…)” (sublinhado nosso).[2]

 

  1. Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.

 

  1. A Requerida, em 27-10-2023, apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por excepção e por impugnação e concluído que deverá “(…) a) Ser extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a Autoridade Tributária e Aduaneira, face à verificação da exceção da ineptidão da petição inicial, da exceção caducidade do direito de ação, da exceção da ilegitimidade da Requerente ou da exceção da incompetência do tribunal arbitral; ou, caso assim não se entenda, b) Ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente”.

 

  1. Na mesma data, a Requerida anexou ao processo cópia do Processo Administrativo.

 

  1. Por despacho arbitral de 30-10-2023, foi a Requerente notificada para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias, sobre as excepções suscitadas pela Requerida na Resposta.

 

  1. Por requerimento apresentado em 14-11-2023, a Requerente apresentou defesa às excepções, reiterando “(…) o conteúdo do pedido de pronúncia arbitral (…)” e concluindo “(…) pela total improcedência das exceções dilatórias invocadas pela Entidade Requerida na sua resposta, impondo-se a prossecução dos autos até à prolação de decisão arbitral que se pronuncie sobre o mérito da causa, tudo com as demais consequências legais”.

 

  1. Em 22-11-2023, foram ambas as Partes notificadas do seguinte despacho arbitral:

Tendo em consideração: (i) O teor do despacho arbitral de 28-09-2023; (ii) A Resposta apesentada pela Requerida, em 27-10-2023 (notificada em 30-10-2023), na qual se defendeu por excepção e impugnação; (iii) O despacho arbitral de 30-10-2023, nos termos do qual se determinou a notificação da Requerente para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias, sobre as excepções suscitadas pela Requerida na Resposta; (iv) O Requerimento apresentado pela Requerente, em 14-11-2023, no qual se pronunciou sobre a matéria de excepção; (v) Não tendo sido requerida prova testemunhal; (vi) O facto de a posição das Partes estar plenamente definida nos Autos, porquanto as questões estão suficientemente debatidas no Pedido de Pronúncia Arbitral e na Resposta; (vii) O facto de a questão controvertida nos presentes autos ser exclusivamente de direito;

Vem este Tribunal Arbitral, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19º, nº 2, e 29º, nº 2, do RJAT), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT, determinar:

1. A dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT;

2. A dispensa da produção de alegações;

3. O agendamento da prolação da decisão arbitral para o dia 20-12-2023.

Por último, o Tribunal Arbitral notifica ainda a Requerente que, até à data da prolação da decisão arbitral deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD” (o que veio a efectuar em 12-12-2023).

 

  1. A Requerente apresentou, em 04-12-2023, requerimento no sentido de referir que “(…) ao abrigo dos princípios do contraditório, da cooperação, boa fé processual e da prossecução da verdade material, consagrados no artigo 16.º, alíneas a) e f), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), REQUERER A esse Douto Tribunal que conceda um prazo não inferior a 10 dias para a apresentação de alegações escritas nos presentes autos (…), as quais se revelam necessárias, designadamente para rebater as questões de direito suscitadas na resposta apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que, no seu requerimento de 14 de novembro de 2023, a Requerente apenas respondeu à matéria de exceção, tendo reservado a resposta aos demais argumentos quanto à matéria de fundo do pleito para alegações. Mais se enfatiza que a celeridade processual ínsita à tramitação do processo de arbitragem tributária não pode prejudicar a tramitação processual adequada à apreciação e discussão pelas partes de todas as matérias de facto e de direito pertinentes à decisão dos litígios, designadamente através da apresentação de alegações escritas (…), sob pena de violação do princípio do contraditório (…), e da consequente anulabilidade da decisão arbitral (…). Termos em que se requer a esse Douto Tribunal Arbitral que conceda um prazo não inferior a 10 dias para apresentação de alegações simultâneas, tudo com as demais consequências legais”.

 

  1. O Tribunal Arbitral proferiu, em 06-12-2023, despacho arbitral indeferindo a pretensão da Requerente, com os seguintes fundamentos:

Na sequência do requerimento apresentado pela Requerente, em 04-12-2023, no sentido de requerer (…) que o Tribunal Arbitral (…) conceda um prazo não inferior a 10 dias para a apresentação de alegações escritas nos presentes autos (…), as quais se revelam necessárias, designadamente para rebater as questões de direito suscitadas na resposta apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, uma vez que, no seu requerimento de 14 de novembro de 2023, a Requerente apenas respondeu à matéria de exceção, tendo reservado a resposta aos demais argumentos quanto à matéria de fundo do pleito para alegações. Mais se enfatiza que a celeridade processual ínsita à tramitação do processo de arbitragem tributária não pode prejudicar a tramitação processual adequada à apreciação e discussão pelas partes de todas as matérias de facto e de direito pertinentes à decisão dos litígios (…) sob pena de violação do princípio do contraditório (…). Cumpre analisar. O artigo 16º do RJAT determina os princípios do processo arbitral, a saber, a) O contraditório (…); b) A igualdade das partes (…); c) A autonomia do tribunal arbitral na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas; d) A oralidade e a imediação (…); e) A livre apreciação dos factos e a livre determinação das diligências de produção de prova necessárias, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção dos árbitros; f) A cooperação e boa fé processual, aplicável aos árbitros, às partes e aos mandatários; g) A publicidade (…). O processo arbitral é um processo célere porquanto, (…), a decisão arbitral deve ser emitida e notificada às partes no prazo de seis meses a contar da data do início do processo arbitral, sendo que o tribunal arbitral pode determinar a prorrogação do prazo (…) por sucessivos períodos de dois meses, com o limite de seis meses (…). Com efeito, (…), a introdução no ordenamento jurídico português da arbitragem em matéria tributária, como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos no domínio fiscal, visa três objectivos principais: por um lado, reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, por outro lado, imprimir uma maior celeridade na resolução de litígios que opõem a administração tributária ao sujeito passivo e, finalmente, reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais. (…). Neste sentido, e em cumprimento dos seus três objectivos principais, a arbitragem tributária é adoptada (…) com contornos que procuram assegurar o seu bom funcionamento. Assim, em primeiro lugar, tendo em vista conferir à arbitragem tributária a necessária celeridade processual, é adoptado um processo sem formalidades especiais, de acordo com o princípio da autonomia dos árbitros na condução do processo, e é estabelecido um limite temporal de seis meses para emitir a decisão arbitral, com possibilidade de prorrogação que nunca excederá os seis meses.

Adicionalmente, (…) são de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário (…) a) As normas de natureza procedimental ou processual dos códigos e demais normas tributárias; b) As normas sobre a organização e funcionamento da administração tributária; c) As normas sobre organização e processo nos tribunais administrativos e tributários; d) O Código do Procedimento Administrativo; e) O Código de Processo Civil sendo que o disposto no número anterior não dispensa, nem prejudica, o dever de o tribunal arbitral definir a tramitação mais adequada a cada processo especificamente considerado, (…) e atendendo aos princípios da celeridade, simplificação e informalidade processuais. As alegações finais são argumentos apresentados pelas partes antes da decisão de um juiz, resumindo suas posições com base nas provas e argumentos anteriormente apresentados. Neste âmbito, (…), quando tenha sido produzida prova que não conste do processo administrativo, ou quando o tribunal o entenda necessário, ordena a notificação das partes para apresentarem alegações escritas, por prazo simultâneo, a fixar entre 10 a 30 dias sem prejuízo da (…) faculdade de as partes prescindirem do prazo para alegações. A jurisprudência de Tribunais Superiores refere, nomeadamente, que se justifica a notificação das partes para alegarem (…) tendo havido junção ao processo de documentos com relevo probatório (…), os quais relevaram para a especificação da matéria de facto julgada provada (…). (…) E o Cons. Jorge Lopes de Sousa igualmente salienta que (…) se forem juntos documentos pelas partes após a contestação, não pode dispensar-se a notificação das partes para alegações, a fim de se poderem pronunciar sobre a relevância desses documentos para a decisão da causa. (…).[3]

No processo, a Requerida apresentou a sua Resposta e o Processo Administrativo em
27-10-2023 (notificado em 30-10-2023), tendo naquela Resposta se defendido por impugnação e por excepção. A Requerente foi notificada, por despacho arbitral de
30-10-2023, para se pronunciar no prazo de 10 dias, sobre as excepções suscitadas pela Requerida na Resposta apresentada, o que veio a concretizar em 14-11-2023, garantindo-se assim o princípio do contraditório. O Tribunal Arbitral veio proferir despacho, em 22-11-2023, para cujo teor aqui se remete, tendo (…) determinado a dispensa da realização da reunião (…), a dispensa da produção de alegações e o agendamento da prolação da decisão arbitral para o dia 20-12-2023. Por não haver razão que justificasse a apresentação de alegações, as mesmas foram dispensadas, no âmbito da autonomia legalmente conferida ao Tribunal, evitando-se assim a produção de actos inúteis. No Requerimento que apresenta, a Requerente não especifica a imprescindibilidade da apresentação das alegações (…) mas tão somente refere que (...) se apresentam necessárias para rebater as questões de direito suscitadas na resposta, ou seja, aparentemente, só para rebater a impugnação que a Requerida apresentou. (…)

 

  1. CAUSA DE PEDIR

 

  1. A Requerente começa por referir que “(…) solicita a constituição de Tribunal Arbitral (…) com vista à apreciação da legalidade das liquidações respeitantes a CSR, referentes aos meses de dezembro de 2018 a julho de 2022, incidentes sobre a B..., S.A., (…), cujo encargo tributário foi repercutido na esfera jurídica da Requerente na sequência da aquisição de 112.614,91 litros de gasóleo àquela entidade, em face da qual suportou 12.500,26 EUR a título de CSR, e bem assim, da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra aqueles atos tributários (…)”, porquanto “(…) não se conforma com os atos sub judice, considerando (…) enfermarem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e, por via disso, de vícios de diversa ordem (…), requerendo a emissão de pronúncia tendente às respetivas anulações (…)”.

 

  1. Acrescenta a Requerente que “(…) o ato decisório (presuntivo) de indeferimento tácito e os atos de liquidação de CSR constituem, respetivamente, os objetos imediato e mediato do presente pedido de pronúncia arbitral”.

 

  1. Adicionalmente, e “no que concerne ao prazo para apresentação de pedido de constituição de tribunal arbitral (…)” entende a Requerente que o referido prazo terminava no dia 31-07-2023, concluindo que “(…) resulta manifesta e inequívoca a tempestividade da presente ação arbitral”.

 

  1. Prossegue a Requerente referindo que “(…) é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao transporte rodoviário de mercadorias” e que, “entre dezembro de 2018 e julho de 2022, (…) adquiriu à B..., S.A. 112.614,91 litros de gasóleo (…)” sendo que “por força da repercussão efetuada pela B..., S.A., o preço pago pela Requerente incluiu os montantes suportados por aquela entidade, a título de CSR, aquando da introdução do combustível no consumo, ascendendo o encargo tributário feito impender sobre a Requerente a 12.500,26 EUR (…)”.

 

  1. Assim, segundo alega a Requerente, “(…) no período indicado, do montante global pago pela Requerente, enquanto contraprestação pela aquisição de gasóleo, 12.500,26 EUR correspondem a CSR (…)”.

 

  1. A 30-12-2022, por não se conformar com as referidas liquidações de CSR, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa, peticionando a anulação de tais actos tributários e a restituição do imposto pago indevidamente, no montante global de 12.500,26 EUR, com fundamento em erro imputável aos serviços da Requerida não se tendo, até à data, pronunciado sobre o pedido de revisão oficiosa.

 

  1. Dado que a Requerente não se conforma com os actos tributários e decisório sub judice, apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral porquanto considera padecerem tais actos de ilegalidade, devendo, por isso, ser anulados, com as demais consequências legais.

 

  1. A questão decidenda no âmbito dos presentes autos consiste, pois, em aferir da legalidade dos actos tributários e decisório acima identificados porquanto, no entender da Requerente, tais actos tributários e decisório são ilegais e, consequentemente, anuláveis, em virtude i.) Da preterição do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008 (Diretiva IEC) e, por via disso, da violação do princípio do primado do Direito europeu ínsito no artigo 8.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP); e ii.) Da violação do princípio da igualdade fiscal, decorrente da violação do subprincípio da capacidade contributiva, ínsitos no artigo 13.º da CRP.

 

  1. De acordo com o disposto na Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, a CSR “visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP (…)”, constituindo “a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis” e, em conformidade com este objectivo, “a titularidade da receita proveniente da CSR é atribuída à EP – ESTRADAS DE PORTUGAL, E.P.E., entidade responsável pela «conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional”, entidade que passou a designar-se por INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. após fusão incorporação daquela entidade na REDE FERROVIÁRIA NACIONAL – REFER, E.P.E.

 

  1. No que diz respeito à respetiva incidência, refere a Requerente que se conclui que o sujeito passivo da CSR será, à semelhança do que sucede com o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), aquele que introduzir no consumo os combustíveis fósseis sendo que, de um ponto de vista objetivo, a CSR incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos a ISP e dele não isentos, verificando-se uma total coincidência entre a CSR e o ISP em termos de incidência quer objetiva, quer subjetiva.

 

  1. Em face desta enorme similitude entre os dois tributos, alega a Requerente que “cumpre antes de mais aferir se os mesmos poderão verdadeiramente ser considerados distintos quanto à sua natureza ou se, em alternativa, a CSR é, afinal (…) um verdadeiro imposto”.

 

  1. Neste âmbito, a Requerente conclui, após citar diversa doutrina e jurisprudência, que “(…) a menos que se identifique uma contraprestação administrativa que presumivelmente beneficie o conjunto dos sujeitos passivos da CSR – ou, em alternativa, que se verifique uma motivação extrafiscal que, visando modelar o comportamento desses mesmos sujeitos passivos, justifique a imposição deste tributo –, a mesma não poderá ser configurada como uma contribuição financeira, antes sendo um verdadeiro imposto”.

 

  1. E, conclui a Requerente que “(…) não é possível incluir os sujeitos passivos da CSR num mesmo grupo homogéneo que, por ter uma relação indireta e presumida com a utilização da rede rodoviária nacional, deva suportar os custos inerentes à sua conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” porquanto “(…) a simples introdução no consumo de combustíveis fósseis não denota qualquer utilização por parte das Gasolineiras (sujeitos passivos deste tributo) da rede rodoviária nacional, não se identificando por isso qualquer contraprestação destinada a estas entidades que justifique onerá-las com o encargo tributário em referência”.

 

  1. Assim, alega a Requerente que, “pelo mesmo motivo, não se identifica qualquer objetivo extrafiscal que justifique a liquidação e cobrança deste tributo às Gasolineiras, uma vez que, mesmo que se entendesse ter a CSR subjacente qualquer motivação extrafiscal tendente à redução da circulação de veículos particularmente poluentes, (…), nunca a mesma se relacionaria com o comportamento destas entidades mas tão-só, e no limite, com o dos clientes que adquirem o gasóleo e a gasolina”.

 

  1. Assim, em síntese, não se identifica qualquer contraprestação destinada – ainda que de forma indireta e presumida – aos sujeitos passivos da CSR que permita configurar este tributo como uma contribuição financeira, nem tão-pouco se verifica qualquer motivação extrafiscal que justifique a incidência da CSR”.

 

  1. Por outro lado, alega a Requerente que, “com a afetação das receitas provenientes da CSR a uma entidade que não se dedica apenas à construção e manutenção da rede rodoviária nacional, não pode sequer inferir-se que as receitas se dirigem ao fim que vem descrito (…), antes se destinando ao financiamento da atividade da INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A., a qual inclui também a construção e manutenção da ferrovia” pelo que, “tudo ponderado, necessariamente se conclui pela ausência de qualquer contraprestação indireta e presumivelmente destinada aos contribuintes sobre quem recai o encargo da CSR – os repercutidos – que justifique a sua oneração com este tributo”.

 

  1. Adicionalmente, “pese embora a CSR venha a onerar combustíveis particularmente poluentes (…), não pode sequer invocar-se qualquer intenção legislativa de incentivar a aquisição de veículos mais ecológicos (…) ou a utilização de transportes públicos, uma vez que tal intenção se encontra subjacente ao ISP, não podendo justificar-se uma multiplicidade de tributos incidentes sobre a mesma realidade”.

 

  1. Assim, necessariamente se conclui que a imposição da CSR não tem como objetivo modelar o comportamento dos contribuintes que a suportam (i.e., os repercutidos)”, constatando-se que “(…) a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, limita-se a consignar genericamente a receita decorrente da CSR à INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A., não estabelecendo qualquer contrapartida indireta ou presumivelmente aproveitada pelos sujeitos passivos da CSR nem tão-pouco evidenciando qualquer objetivo extrafiscal de modelação de comportamentos desses mesmos sujeitos passivos”.

 

  1. Neste contexto, defende a Requerente que “não pode senão concluir-se que a CSR é (…) um verdadeiro imposto, dado o seu carácter inequivocamente unilateral”.

 

  1. Explanado o regime jurídico da CSR e demonstrada a sua natureza jurídica, importa apreciar a legalidade dos atos tributários (…) identificados”, alegando a Requerente, preliminarmente, “(…) a sua inequívoca legitimidade para a propositura da presente ação arbitral, uma vez que, tendo suportado o encargo inerente às liquidações de CSR acima identificadas, é titular de um interesse legalmente protegido tendente à respetiva anulação e ao reembolso dos montantes ilegalmente liquidados”.

 

  1. Assim, reitera a Requerente que “(…) têm legitimidade para intervir no processo tributário todos aqueles que demonstrem ter um interesse legalmente protegido cuja tutela dependa desse processo, ainda que não sejam legalmente responsáveis pelo cumprimento de quaisquer obrigações tributárias”, pelo que “o mesmo é dizer que a legitimidade no processo tributário não se confunde com a qualidade de sujeito passivo, sendo certo que, como os nºs 3 e 4 do artigo 18.º da LGT imediatamente indiciam, é atribuída legitimidade processual a entidades que não se qualificam como sujeitos passivos, designadamente em situações de repercussão do pagamento do imposto”.

 

  1. Segundo a Requerente, “a ratio subjacente à atribuição de legitimidade ao repercutido prende-se com o facto de recair sobre si o sacrifício patrimonial inerente ao pagamento da prestação tributária, circunstância que o torna naturalmente lesado caso o montante liquidado não se mostre legalmente devido” sendo que, “(…) em qualquer situação de repercussão do pagamento do imposto – independentemente de se tratar de repercussão legal ou voluntária –, verifica-se uma ablação do património pessoal do repercutido, o qual suporta um encargo tributário sem ter qualquer participação no procedimento de liquidação”.

 

  1. Neste contexto, alega a Requerente que “não se descortina qualquer razão que justifique distinguir a repercussão legal de outras situações de repercussão de facto para efeitos de aferição da legitimidade processual do repercutido, contanto que a transmissão do encargo do imposto seja efetivamente demonstrável”, concluindo “(…) que o repercutido será, independentemente da modalidade de repercussão, titular de um interesse legalmente protegido justificativo da atribuição de legitimidade processual para discussão da legalidade da dívida tributária (…)”.[4]

 

  1. Refere a Requerente que “(…) é entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira que os sujeitos passivos da CSR não podem obter o reembolso de montantes suportados a esse título precisamente porque é prática uniforme e reiterada a sua repercussão na esfera jurídica dos adquirentes de combustível fóssil, como é o caso da Requerente”.

 

  1. Neste contexto, sendo indiscutível a repercussão efetiva do encargo tributário na esfera jurídica da Requerente, e tendo disso a Autoridade Tributária e Aduaneira perfeito conhecimento, necessariamente se conclui (…) ter a Requerente legitimidade para propor a presente ação arbitral e, por conseguinte, para intervir no processo arbitral tributário, o que se invoca para os devidos efeitos legais”.

 

  1. Por outro lado, alega a Requerente a ausência de motivos específicos para a imposição de CSR porquanto, “como decorre da jurisprudência do TJUE, os motivos específicos justificativos da imposição de outros encargos tributários sobre os produtos sujeitos a Impostos Especiais de Consumo não podem reconduzir-se a razões puramente orçamentais (…)”, enumerando para este efeito vários processos daquele Tribunal.

 

  1. Neste âmbito, segundo alega a Requerente, “(…) o que se exige é, em síntese, que, para além da motivação orçamental subjacente a qualquer imposto, se identifique um outro propósito, designadamente de cariz económico, social ou ambiental, que justifique a tributação”.

 

  1. Em suma, em consonância com a jurisprudência do TJUE e dos Tribunais Arbitrais, o preenchimento do conceito de “motivo específico” na aceção (…) da Diretiva IEC, depende da verificação (i) de uma relação direta entre o destino das receitas provenientes da liquidação do imposto e a suposta finalidade da tributação ou (ii) de que o imposto, considerada a técnica legislativa adotada, é suscetível de dissuadir os contribuintes de adotarem os comportamentos que se pretendem modelar através da tributação”, “o mesmo é dizer que o preenchimento do conceito em referência depende da demonstração da existência de um nexo juridicamente relevante entre a finalidade da tributação e o destino das receitas dela provenientes ou, em alternativa, entre a finalidade da tributação e o efeito prático decorrente da sua imposição”.

 

  1. Revertendo ao caso em análise, (…), constata-se que a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, se limita a referir que a CSR visa o financiamento da «conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento» da rede rodoviária nacional, constituindo a contrapartida pela sua utilização (…)” pelo que “a partir da análise deste diploma legal, não se descortina qualquer motivo subjacente à imposição da CSR que não seja puramente orçamental, materializado no financiamento da INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A.”.

 

  1. Assim, “tudo ponderado, não pode senão concluir-se pela ausência de qualquer motivo específico que (…) justifique a imposição da CSR, uma vez que (i) não se identifica qualquer objetivo extrafiscal distinto do subjacente ao ISP e (ii) a receita decorrente da CSR pode ser indistintamente afeta à atividade da INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. relacionada com a rede rodoviária nacional e com a rede ferroviária nacional” pelo que conclui a Requerente que “(…) inexistindo qualquer conexão entre a liquidação e cobrança da CSR e um qualquer objetivo juridicamente atendível, distinto do ISP e sem cariz meramente orçamental, é manifesta a ilegalidade da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, por preterição do disposto no artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva IEC”, assim tendo também o concluído “(…) o TJUE no Caso Vapo Atlantic (…)” que cita.

 

  1. Conclui a Requerente que “(…) prevalecendo o Direito europeu sobre o Direito interno conflituante dos Estados Membros, atento o princípio do primado ínsito no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, conclui-se pela prevalência do primeiro sobre o segundo, impondo-se a desaplicação da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, sendo, consequentemente, ilegais todas as liquidações de CSR efetuadas ao abrigo deste diploma legal” sendo “(…) ilegais e, concomitantemente, anuláveis ao abrigo do artigo 163.º do CPA, as liquidações de CSR (…) identificadas (…) em virtude da violação do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva IEC e, por via disso, do princípio do primado do Direito europeu, estabelecido no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais”.

 

  1. Neste contexto, vem a Requerente requerer que este Tribunal Arbitral proceda à anulação dos 34 atos tributários em crise e determine o reembolso (à Requerente) dos montantes por ela suportados, com as demais consequências legais.

 

  1. Invoca ainda a Requerente a inconstitucionalidade da Lei nº 55/2007, de 31 de agosto, por preterição do princípio da igualdade, constitucionalmente previsto no artigo 13º da CRP, porquanto alega que este artigo “(…) impõe que os impostos sejam pagos por todos os contribuintes na medida da respetiva capacidade contributiva, uma vez que as utilidades financiadas com as receites deles provenientes são igualmente aproveitáveis por todos” sendo que “caso se identifique um imposto que onera em exclusivo (ou mais intensamente) alguns cidadãos ou setores de atividade, terá necessariamente de concluir-se pela respetiva inconstitucionalidade por violação do mencionado princípio fundamental da igualdade”.

 

  1. Ora, “em face do exposto, ao fazer incidir um imposto sobre um conjunto restrito de contribuintes, a Lei n.º 55/2007 (…) padece de inconstitucionalidade material, por preterição do princípio constitucional da igualdade, ínsito no artigo 13.º da CRP, na medida em que onera de forma injustificada um conjunto de contribuintes em face do seu setor de atividade económica, fazendo-os contribuir em maior medida para o financiamento de funções do Estado igualmente aproveitáveis por todos os cidadãos” e, “sendo inconstitucional o seu regime jurídico, são consequentemente ilegais todas as liquidações de CSR, designadamente, e para o que ora releva, as melhor identificadas no artigo 1.º supra, o que naturalmente implica a respetiva anulação nos termos do artigo 163.º do CPA e a consequente restituição dos montantes ilegalmente liquidados e subsequentemente repercutidos na esfera jurídica da Requerente, com as demais consequências legais”.

 

  1. Por último, alega a Requerente que “padecendo os atos tributários na origem dos presentes autos do vício de violação de lei, (…), e tendo a Requerente procedido ao pagamento da CSR indevidamente liquidada, no montante global de 12.500,26 EUR, verifica-se o direito à perceção de juros indemnizatórios sobre tal montante”, vindo a Requerente peticionar ao Tribunal Arbitral que, “(…) para além do reembolso do montante indevidamente pago (…)” determine o “(…) direito da Requerente à perceção de juros indemnizatórios, computados sobre aquele montante, a contar desde o dia 31 de dezembro de 2023 (um ano após a apresentação pedido de revisão oficiosa) até à emissão da respetiva nota de crédito, tudo com as demais consequências legais”.

 

 

 

  1. RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.    A Requerida, na Resposta apresentada, começa por referir, preliminarmente, que “a questão jurídica relacionada com a ilegalidade da liquidação da CSR, (…), por ser um tributo desconforme ao Direito da União Europeia, (…), tendo por base o entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022 (…), tem vindo a ser suscitada, quer em sede administrativa quer junto do CAAD, por diversos sujeitos passivos de ISP/CSR” sendo que relativamente aos processos arbitrais que já foram objecto de decisão, “todas estas decisões foram impugnadas pela AT, encontrando-se os respetivos processos a correr termos no TCA Sul”.

 

3.2.    Por outro lada, acrescenta a Requerida que “a manterem-se na ordem jurídica as referidas decisões e outras lhes sucederem, a eventual condenação da AT à restituição dos montantes que a Requerente alegadamente suportou, a título de CSR, poderia conduzir ao absurdo de a AT vir a ser, sucessivamente, condenada no reembolso, aos sujeitos passivos do ISP/CSR, de elevados montantes cobrados a título de CSR, bem como dos correspondentes juros (…) e, ainda, à restituição de montantes de CSR, alegadamente pagos por intermediários e consumidores finais (pelos diversos repercutidos)”, “ou seja, uma única liquidação de CSR poderia dar lugar ao reembolso da quantia liquidada e cobrada multiplicada pelo número de integrantes da cadeia de comercialização de gasóleo rodoviário”.

 

Da ineptidão da petição inicial por falta de objecto

 

3.3.    Prossegue a Requerida referindo que, em seu entender, se verifica a ineptidão da petição inicial por falta de objecto porquanto alega que “o presente pedido arbitral não respeita os pressupostos legais de aceitação do requerimento/petição inicial, por violação da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, requisito essencial à aceitação do pedido” dado que “a Requerente identifica as faturas de aquisição de combustíveis à sua fornecedora, mas não identifica qualquer liquidação de CSR praticada pela administração tributária e aduaneira com base nas DIC submetidas pela fornecedora de combustíveis”.

 

3.4.    E, não sendo tal identificação efectuada pela Requerente, não “(…) é possível à AT suprir tal omissão, dada a impossibilidade absoluta em estabelecer qualquer correlação/correspondência entre as faturas apresentadas pela Requerente e os atos de liquidação que estiveram subjacentes à introdução no consumo dos produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente, mediante as faturas apresentadas”.

 

3.5.    Ou seja, segundo alega a Requerida, “esta situação de ineptidão inicial (…) não é passível de superação através de atuações processuais, como seja a recolha, consulta ou análise de elementos ao dispor da AT ou da realização por parte da AT de outras diligências instrutórias” porquanto “(…) sem a identificação, por parte da Requerente, dos atos tributários, cuja legalidade pretende ver sindicada, e não sendo possível à AT, (…), identificar os atos de liquidação em crise, o dirigente máximo da AT não pôde exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT, antes da constituição do tribunal arbitral, questão que, aliás, a AT suscitou liminarmente no requerimento remetido ao Sr. Presidente do CAAD, em 02/08/2023”.[5]

 

  1. Neste âmbito, reitera a Requerida que “(…) através das faturas apresentadas pela ora Requerente, não é possível à AT determinar a ligação entre as mesmas e qualquer liquidação ou liquidações concretas”, verificando-se “(…) uma impossibilidade absoluta em estabelecer qualquer correlação/correspondência entre as faturas apresentadas pela Requerente (…) e os atos de liquidação que estiveram subjacentes à introdução no consumo dos produtos, que vieram a ser adquiridos pela Requerente, mediante as faturas apresentadas, que não permite à AT identificar, os atos de liquidação em crise”.

 

  1. No caso concreto, foi apurado que a B... S.A., apresentou declarações de introdução no consumo em várias alfândegas, não sendo possível identificar as liquidações e alfândega(s) de liquidação, por referência ao produto fornecido à Requerente no período indicado (dezembro de 2018 a julho de 2022)” sendo que, “(…) ainda por referência ao período indicado, apurou-se que a B... S.A. não apresentou DICs na Alfândega do Jardim do Tabaco (alfândega que rececionou o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente) após setembro de 2019, pelo que, a partir dessa data, não existem liquidações praticadas por essa alfândega, em que tal entidade figure como sujeito passivo”.

 

  1. Por outro lado, segundo entende a Requerida, “(…) verificam-se, igualmente, situações em que, por interesse e acordo comercial entre empresas (…)”, “(…) é absolutamente possível que a fornecedora da Requerente, tenha acordado a colocação dos produtos nos depósitos do entreposto fiscal de outro(s) operador(es) económico(s), para ser expedido a partir daí, cabendo, neste caso, a este(s) operador(es) económico(s) submeter a DIC relativa às introduções no consumo e, assim, assumir perante a AT a posição de sujeito passivo/devedor do ISP” pelo que, “neste caso, a fornecedora dos produtos, não coincidiria com o sujeito passivo que introduziu os produtos no consumo (e que vieram a ser adquiridos pela Requerente)”.

 

  1. Assim, “atenta a multiplicidade de operações que se verificam, por interesses económicos vários e mediante acordo comercial entre empresas, não é possível afirmar categoricamente que um fornecedor de combustíveis, corresponda, necessariamente, ao sujeito passivo de ISP/CSR”.

 

  1. Além disso, após a introdução no consumo e consequente liquidação das imposições podem ainda existir vários intervenientes na cadeia de abastecimento/comercial até ao consumidor final (grossistas, distribuidores, e outros revendedores, designadamente, postos de abastecimento)” pelo que, “nestas situações, é totalmente impossível para a AT identificar os atos de liquidação subjacentes à declaração desses produtos para o consumo que vão sendo transacionados ao longo da cadeia comercial”.

 

  1. Por outro lado, refere ainda a Requerida que “(…) quanto aos montantes referenciados no PPA, que a Requerente entende que pagou em sede de CSR, estes são incorretos, desde logo porque a Requerente se limitou a aplicar à quantidade de litros fornecidos e constantes das faturas dos seus fornecedores, a taxa de CSR que se encontrava em vigor às datas das mesmas” e “(…) quer as faturas, quer as declarações do sujeito passivo, nos moldes em que foram emitidas, isto é, sem identificação das liquidações e dos montantes alegadamente repercutidos, não podem ser consideradas como prova bastante do montante que a Requerente alega ter suportado a título de CSR, sendo certo que impendia sobre a Requerente o ónus de tal prova (…)”.

 

  1. Em suma, “não é possível à AT estabelecer qualquer relação, por referência a fornecedor, datas, valores ou quantidades de produto, entre as faturas identificadas pela Requerente com as Declarações de Introdução no Consumo e as respetivas liquidações efetuadas pela B..., S.A., enquanto sujeito passivo de ISP/CSR”, “assim se concluindo que não se mostra possível anular, ainda que parcialmente, atos de liquidação que se desconhece quais sejam, no que respeita às declarações para introdução no consumo (DIC) dos produtos que vieram a ser adquiridos pela Requerente à B..., S.A., mediante as faturas apresentadas” sendo que, “a falta de identificação do ato/atos de liquidação em discussão impede, igualmente, a aferição da tempestividade do chamado “pedido de revisão oficiosa da liquidação” formulado pela Requerente” porquanto “(…) a contagem do prazo para a apresentação do referido pedido, inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global)”.

 

  1. Neste âmbito, alega a Requerida que “(…) a Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral em 19/07/2023, do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, (…) formulado ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), (…)” sendo que “para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral, não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão, o que, (…) é impossível” mas “(…) tudo leva a crer que, muito provavelmente, o pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, o pedido arbitral não seriam sequer tempestivos”.

 

  1. Com efeito, alega a Requerida que “(…) a Requerente fundamenta o pedido de revisão oficiosa em erro dos serviços, a estes imputável, o que permitiria utilizar o prazo de 4 anos previsto na 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT” mas “estando a AT vinculada ao princípio da legalidade e tendo a AT efetuado a liquidação em estrita observância da norma legal aplicável não poderia a AT proceder por forma diversa daquela por que atuou, não podendo deixar de efetuar a liquidação impugnada, não existindo, pois, qualquer erro de direito imputável aos serviços”.

 

  1. Segundo entende a Requerida, “(…) os pedidos de reembolso apresentados (…) devem ser apreciados à luz do disposto no CIEC, que é lei especial, mais especificamente no seu artigo 15.º, que estabelece as regras gerais em matéria de reembolso dos IEC, e no artigo 16.º, relativo ao reembolso por erro na liquidação” sendo que “de acordo com estas normas apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto possuem legitimidade para solicitar o reembolso do imposto pago, devendo os pedidos ser apresentados no prazo de três anos a contar da data da liquidação do imposto (…)”.

 

  1. Assim, verificar-se-ia que, “(…) à data do pedido de reembolso de CSR, em 02/01/2023, já teria precludido, ao menos parcialmente, o prazo de três anos para requerer o reembolso do alegado CSR repercutido, porquanto a liquidação do imposto, é sempre anterior à venda do produto aos distribuidores e/ou consumidores” pelo que, “face ao supra exposto, verifica-se que o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do ato tributário em crise, tem como efeito a impossibilidade de se aferir da tempestividade do pedido de revisão oficiosa e de reembolso de CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral”.

 

  1. A não identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral, compromete irremediavelmente a finalidade da petição inicial” porquanto “ao não ser possível a identificação do (s) ato (s) de liquidação não é possível sindicar a respetiva legalidade, pelo que nunca poderia o tribunal determinar a respetiva anulação total ou parcial”.

 

  1. Nestes termos, conclui a Requerida que “(…) verifica-se a exceção de ineptidão da petição inicial, na medida em que o pedido arbitral não identifica qualquer ato tributário, violando o requisito da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT para que possa ser aceite, o que determina a nulidade de todo o processo, obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância (…)”.

 

Da ilegitimidade da Requerente

 

  1. A Requerente adquiriu o combustível à sua fornecedora B..., S.A., tendo vindo a solicitar a revisão do(s) ato(s) de liquidação e o reembolso do CSR repercutido, no pressuposto de que aquela fornecedora foi também o sujeito passivo/devedor do ISP/CSR incidente sobre os produtos a ela adquiridos e de que houve uma efetiva repercussão total da CSR no preço de venda daqueles produtos (…)”.

 

  1. Segundo alega a Requerida, “(…) as transações que ocorrem após a introdução no consumo, independentemente do número de clientes ou de intervenientes na cadeia de abastecimento/comercialização, não têm por base um ato de liquidação específico, não podendo assim ser identificado, em concreto, o ato tributário que lhe está subjacente”, “donde, apenas, o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo a quem foi liquidado o imposto e que efetuou o correspondente pagamento, reúne condições (e pode identificar os atos de liquidação), para solicitar em caso de erro, a revisão desses atos de liquidação com vista ao reembolso dos montantes cobrados (…)”.

 

  1. Segundo entende a Requerida, “(…) os requerentes de reembolso que não correspondem à entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR, carecem de legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações com fundamento em erro e consequente reembolso do montante correspondente (…)” enumerando a Requerida jurisprudência do TJUE para suporte da sua posição.

 

  1. Assim, conclui a Requerida que “(…) não se vislumbra que assista à Requerente legitimidade para requerer a anulação das liquidações de CSR e o consequente reembolso dos montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado” e, (…) não existindo efetiva titularidade do direito (…) carece a Requerente de legitimidade substantiva que sustente a sua pretensão, devendo o Tribunal arbitral abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver a AT da instância (…)”.

 

Do incidente de intervenção provocada

 

  1. Caso o Tribunal arbitral considere que a ora Requerente goza de legitimidade para a interposição do presente pedido de pronúncia arbitral, (…), vem a AT suscitar o incidente de intervenção principal provocada da B..., S.A. (…)”.

 

Da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria

 

  1. Segundo alega a Requerida, “não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum e respetiva competência deste tribunal arbitral para a apreciação do presente litígio” porquanto “a espécie tributária da CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária (…)” sendo que “(…) a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição”.

 

  1. Neste âmbito, defende a Requerida que “(…) a CSR foi criada com o objetivo de financiar a rede rodoviária nacional, a cargo da Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. (…), nos termos do Contrato de Concessão Geral da rede rodoviária nacional celebrado com o Estado, e constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis” pelo que, “existindo um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, a rede rodoviária nacional a cargo da IP é financiada pelos seus utilizadores (princípio do utilizador-pagador), e apenas subsidiariamente pelo Estado (…), constituindo receita própria da IP”.

 

  1. E, segundo alega a Requerida, “tratando-se de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários (os utilizadores da rede rodoviária nacional), se efetiva na compensação da conservação e requalificação da rede rodoviária nacional, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira e não de imposto”.

 

  1. Nestes termos, conclui a Requerida que “(…) a CSR encontra-se excluída da arbitragem tributária (…)” porquanto defende que “(…) a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição”, “razões pelas quais, a sindicância dos atos de liquidação de CSR está fora do âmbito das matérias suscetíveis de apreciação em sede arbitral, verificando-se a exceção dilatória que se traduz na incompetência material do tribunal arbitral, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição da Entidade Requerida da instância (…)”.[6]

 

  1. Todavia, segundo alega a Requerida, “ainda que se entenda ser o tribunal competente para apreciar a legalidade desta contribuição financeira, mais se dirá que sempre existiria a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, por outra via”.

 

  1. Nesta matéria, alega a Requerida que, “ (…) o que pretende [o Requerente] suscitar [é] questão referente à apreciação da legalidade do regime da CSR previsto na lei em vigor, o qual, considerado desconforme com o direito europeu, é apresentado como fundamento do pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação na parte relativa à CSR” porquanto, “(…) quanto à pretensão impugnatória, assente na inexistência de motivo específico, a que se refere o n.º 2, do artigo 1.º da Diretiva n.º 2008/118/CE, não pode resultar da decisão proferida no âmbito do Proc. C-460/21, já que, quanto ao eventual direito a reembolso, admite-se a prova da repercussão dos tributos”.

 

  1. Segundo defende a Requerida que “(…) no presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente vem suscitar uma questão que se prende com a natureza e conformidade jurídico-constitucional do regime jurídico da CSR (…)”, “pretendendo a Requerente (…) a não aplicação de diplomas legislativos aprovados por Lei da Assembleia da República, decorrentes do exercício da função legislativa, visa[ndo], com a presente ação, suspender a eficácia de atos legislativos”.

 

  1. A este respeito, refere a Requerida que, “considerando o teor do pedido e sua fundamentação, o mesmo extravasa o âmbito da Ação Arbitral prevista no RJAT, e em concreto do artigo 2.º, o qual não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político-legislativa do Estado, que, conforme decorre da restrição do perímetro desta forma processual à mera ilegalidade face a atos de liquidação de impostos, determina a exclusão do âmbito da jurisdição arbitral a apreciação de litígios que tenham por objeto a impugnação de atos praticados no exercício da função política e legislativa”, “isto é, a fiscalização da legalidade de normas em abstrato, sem enquadramento processual impugnatório de ato concreto de liquidação, não é da competência do tribunal arbitral”.[7]

 

  1. Assim, conclui a Requerida que “(…) também por esta via, (…) a incompetência material do tribunal arbitral consubstancia uma exceção dilatória, nos termos da alínea a) do artigo 577.º do CPC, impeditiva do conhecimento do mérito da causa, implicando a absolvição da Requerida da instância (…)”.

 

  1. Adicionalmente, e sem conceder, a Requerida impugna a posição assumida pela Requerente no pedido, porquanto entende que “(…) quanto à revisão e consequente reembolso por erro na liquidação (e outros fundamentos), no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo, encontra-se previsto no CIEC um regime específico, (…)”, “o que, aliás, é confirmado pela doutrina, entendendo-se que o regime de revisão do ato tribuário com fundamento em erro no âmbito dos IEC, e consequente reembolso, tem um regime próprio”.

 

  1. Ora, não estando reunidos “(…) os pressupostos que, nos termos do regime especial, supratranscrito, vertido no CIEC, suportem o pedido de reembolso por erro na liquidação, pelas razões sobejamente já indicadas, não se verificam, igualmente, os pressupostos previstos no artigo 78.º da LGT que, desde logo, dispõe, conforme decorre do n.º 1, que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária”.

 

  1. Em suma, ainda que a revisão do ato tributário seja efetuada no âmbito do artigo 78.º da LGT, também de acordo com este dispositivo legal, aquela só pode ser efetuada por «iniciativa da administração tributária» ou «por iniciativa do sujeito passivo», como resulta do artigo 78.º, n.º 1, da LGT e do artigo 86.º, n.º 4, alínea a), do CPPT”, “não se encontrando, tal direito, como se vê, incluído na esfera jurídica do “repercutido fiscal”, nunca poderia, face à lei, a entidade em que alegadamente teria sido repercutido o imposto, apresentar pedidos de revisão ou de reembolso por erro”.

 

  1. E, segundo alega a Requerida, não podendo “(…) ser presumida a repercussão total da CSR na ora Requerente”, “sempre caberia à Requerente a demonstração, de forma inequívoca, dos montantes efetivamente suportados a título de repercussão em cada uma das transações comerciais (…)” porquanto “(…) as faturas de compra apresentadas indicam apenas o valor antes de IVA e depois de aplicado o IVA, não contendo aquelas qualquer referência ao montante de ISP total, ou especificamente, a qualquer montante pago de CSR, nada esclarecendo quanto à invocada repercussão”, “não tendo sido, também, apresentados, além disso, quaisquer comprovativos de pagamento ao Estado da CSR, consubstanciados pela apresentação dos respetivos Documentos Únicos de Cobrança (DUC) e das Declarações Aduaneiras de Importação (DAI) com averbamento do número de movimento de caixa. 188. Destarte, quer as faturas, quer as declarações do sujeito passivo, nos moldes em que foram emitidas, isto é, sem identificação das liquidações e dos montantes alegadamente repercutidos, não podem ser consideradas como prova bastante dos montantes que a Requerente alega ter suportado a título de CSR”.

 

  1. Nestes termos, conclui a Requerida que, “em conformidade com o acima demonstrado, nenhum dos documentos apresentados constitui prova bastante quanto ao facto de ter sido suportado o montante indicado no PPA a título de CSR, sendo certo que impendia sobre a Requerente o ónus de tal prova”.

 

  1. No que diz respeito à finalidade da CSR, refere a Requerida que “alega a Requerente que a afetação da receita de CSR, é insuscetível de demonstrar a existência de um motivo específico na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva IEC, uma vez que se reconduz a uma finalidade puramente orçamental”, havendo assim “(…) uma desconformidade entre a Lei n.º 55/2007, de 31/8, que criou a CSR, e o estatuído no n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva 2008/118/CE, tendo em consideração o conteúdo que a jurisprudência do TJUE atribui ao conceito de “motivo específico”.

 

  1. Com efeito, segundo entende a Requerida, “verifica-se assim que o invocado “motivo específico” para a “razão de ser” da CSR, também se consubstancia em objetivos ambientais e de redução de sinistralidade, verificando-se o condicionalismo contestado pela Requerente e não estando por isso em causa despesas gerais ou com finalidades puramente orçamentais, indo inclusive ao encontro do preconizado no âmbito do acórdão do TJUE (Primeira Secção), de 25 de julho de 2018, processo C-103/17 (…), em que se considera que se prossegue uma finalidade específica, na aceção da referida disposição, um imposto deve visar, por si mesmo, assegurar a finalidade específica invocada”.

 

  1. Assim, para a Requerida, “é inequívoco que existem na CSR objetivos/finalidades não orçamentais, estando subjacente à sua criação e afetação motivos específicos distintos de uma finalidade orçamental, nomeadamente finalidades de redução de sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, sendo, pois, a referida CSR conforme ao direito comunitário, ao contrário do que pretende a Requerente”.

 

  1. Adicionalmente, refere a Requerida que “peticiona a Requerente a restituição do valor total (…) [suportado] a título de CSR que teria pago indevidamente, importando referir que, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, com competência para a apreciação da legalidade de atos de liquidação de impostos (…)” pelo que para “além da CSR não se tratar de um imposto, (…), as atribuições dos tribunais arbitrais tributários não incluem competências no âmbito da execução de sentenças/decisões, não lhes competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação, o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão (…)”.[8]

 

  1. Assim, segundo alega a Requerida, “em face de todo o supra exposto, deve o Tribunal arbitral decidir como aqui propugnado pela Requerida, no sentido da improcedência do pedido (…), não havendo, consequentemente lugar ao reembolso da CSR alegadamente repercutida, nem ao pagamento de juros indemnizatórios”, devendo “a) Ser extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a Autoridade Tributária e Aduaneira, face à verificação da exceção da ineptidão da petição inicial, da exceção caducidade do direito de ação, da exceção da ilegitimidade da Requerente ou da exceção da incompetência do tribunal arbitral; ou, caso assim não se entenda, b) Ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente”.

 

  1. SANEADOR

 

4.1.    O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.

 

4.2.    As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

4.3.    O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT, não obstante a Requerida ter vindo arguir que “(…) muito provavelmente, o pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, o pedido arbitral não seriam sequer tempestivos”.[9]

 

  1. A Requerida veio suscitar, na Resposta apresentada, as seguintes excepções:

4.4.1.     Excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, por alegada falta de identificação dos actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral;

4.4.2.     Excepção dilatória de ilegitimidade da Requerente, com o consequente suscitar do incidente de intervenção principal provocada da B..., S.A. enquanto sujeito passivo da CSR;

4.4.3.     Excepção dilatória de incompetência em razão da matéria do Tribunal Arbitral por falta de vinculação da AT.

 

  1. Dado que importa apreciar prioritariamente a eventual procedência das excepções suscitadas pela Requerida, a matéria de excepção será analisada previamente no Capítulo 6. desta decisão arbitral.

 

  1. Não foram suscitadas quaisquer outras excepções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.    Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.    Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.    A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao transporte rodoviário de mercadorias.

 

  1. Entre 15-12-2018 e 31-07-2022 a Requerente adquiriu à B..., S.A. 112.614,91 litros de gasóleo, no montante de EUR 121.450,93 (IVA excluído), em conformidade com doc. nº 1 e doc. nº 6.

 

  1. As liquidações de CSR à B..., S.A., enquanto sujeito passivo do imposto, foram efectuadas, com base nas Declarações de Introdução no Consumo (DIC) processadas até ao final do dia útil seguinte àquele em que tenha ocorrido a introdução no consumo.

 

  1. A B...repercutiu à Requerente, no período indicado no ponto 5.4., supra, a CSR suportada, em conformidade com doc. nº 6.

 

  1. Por força da repercussão efetuada pela B..., S.A., o preço pago pela Requerente pelos litros de gasóleo adquiridos incluiu os montantes suportados por aquela entidade, a título de CSR, aquando da introdução do combustível no consumo, em conformidade com doc. nº 6 e doc. nº 2.

 

  1. O montante do encargo tributário relativo à CSR repercutido à Requerente, no período indicado, ascendeu a EUR 12.500,26, em conformidade com doc. nº 6.

 

  1. A Requerente, a 30-12-2022, por não se conformar com a CSR suportada, apresentou pedido de revisão oficiosa, peticionando a anulação dos actos tributários e a restituição do imposto pago indevidamente, no montante global de EUR 12.500,26, com fundamento em erro imputável aos serviços da Requerida (registo nº RD 951 438 206 PT), tendo o mesmo sido recebido pela Autoridade Tributária e Aduaneira (Alfândega do Jardim do Tabaco, em Lisboa) em 02-01-2023, em conformidade com doc. nº 4, doc. nº 5 e doc. nº 6.

 

  1. Até à data, a Requerida não se pronunciou expressamente sobre o pedido de revisão oficiosa acima identificado.

 

  1. A Requerente apresentou, em 19-07-2023, pedido de pronúncia arbitral.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

  1. No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e pela Requerida (processo administrativo).

 

Dos factos não provados

 

  1. Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

6.       MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.    Nos autos, a Requerente “(…) solicita a constituição de Tribunal Arbitral (…) com vista à apreciação da legalidade das liquidações respeitantes a CSR, referentes aos meses de dezembro de 2018 a julho de 2022, incidentes sobre a B..., S.A., (…), cujo encargo tributário foi repercutido na esfera jurídica da Requerente na sequência da aquisição de 112.614,91 litros de gasóleo àquela entidade, em face da qual [esta] suportou 12.500,26 EUR a título de CSR, e bem assim, da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado contra aqueles atos tributários (…)”, porquanto “(…) não se conforma com os atos sub judice, considerando (…) enfermarem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e, por via disso, de vícios de diversa ordem (…), requerendo a emissão de pronúncia tendente às respetivas anulações (…)”.

 

6.2.    A Requerida, na Resposta, contrapõe argumentos analisando um ponto prévio e apresentando defesa por excepção (e incidente de intervenção) e por impugnação, concluindo que “(…) deve o Tribunal arbitral decidir como aqui propugnado pela Requerida, no sentido da improcedência do pedido, ou seja, da não anulação parcial da(s) liquidação(ões) de ISP/CSR, não havendo, consequentemente lugar ao reembolso da CSR alegadamente repercutida, nem ao pagamento de juros indemnizatórios” devendo “a) Ser extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a Autoridade Tributária e Aduaneira, face à verificação da exceção da ineptidão da petição inicial, da exceção caducidade do direito de ação, da exceção da ilegitimidade da Requerente ou da exceção da incompetência do tribunal arbitral; ou, caso assim não se entenda, b) Ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente”.

 

6.3.    Preliminarmente à apreciação do mérito do pedido importa apreciar as excepções suscitadas pela Requerida, começando pela excepção da incompetência, que é de conhecimento prioritário [artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT].

 

Matéria de excepção suscitada pela Requerida

 

Questão da incompetência relativa do tribunal arbitral em razão da matéria

 

6.4.    A Requerida, na sua Resposta, suscitou a excepção da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria porquanto entende “a espécie tributária da CSR é qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT (…) e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição”.

 

6.5.    E, neste âmbito, reitera a Requerida que “(…) quanto à natureza jurídica da CSR, não se suscitam dúvidas de que a mesma, à luz do direito aplicável à data dos factos, constitui uma contribuição financeira, distinguindo-se, assim, do imposto” considerando que existe “(…) um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo específico que levou à sua criação, a rede rodoviária nacional a cargo da IP [que] é financiada pelos seus utilizadores (princípio do utilizador-pagador), e apenas subsidiariamente pelo Estado (…) constituindo receita própria da IP”, entendendo a Requerida que “(…) a CSR [é] uma contraprestação/contrapartida pela utilização dos serviços prestados pela IP aos utentes/utilizadores das vias rodoviárias, em nome do Estado, por força das bases da referida concessão (…)”.

 

6.6.    Nestes termos, defende a Requerida que “(…) a sindicância dos atos de liquidação de CSR está fora do âmbito das matérias suscetíveis de apreciação em sede arbitral, verificando-se a exceção dilatória que se traduz na incompetência material do tribunal arbitral, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo determinar a absolvição da Entidade Requerida da instância (…)”.

 

6.7.    A Requerente, na resposta às excepções suscitadas veio, nesta matéria reiterar que “(…) como já referido em sede de pedido de pronúncia arbitral, (…) a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, limita-se a consignar genericamente a receita decorrente da CSR à INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A., não estabelecendo qualquer contrapartida indireta ou presumivelmente aproveitada pelos sujeitos passivos da CSR nem tão-pouco evidenciando qualquer objetivo extrafiscal de modelação de comportamentos desses mesmos sujeitos passivos” pelo que defende que “neste contexto, não pode senão concluir-se que a CSR é, não uma contribuição financeira, mas um verdadeiro imposto, dado o seu caráter inequivocamente unilateral” pelo que, “tudo ponderado, conclui-se que, sem prejuízo do seu nomen juris, a CSR configura um verdadeiro imposto, improcedendo assim a exceção dilatória invocada pela Entidade Requerida, o que se invoca para os devidos efeitos legais e não poderá deixar de ser sindicado por esse (…) Tribunal Arbitral”. [10]

 

6.8.    Cumpre analisar a eventual procedência/improcedência desta excepção.

 

6.9.    A este respeito, e seguindo de muito perto a posição assumida no Acórdão proferido no âmbito do processo P 113/2023-T, de 15-07-2023 e P 410/2023-T, notificada a
15-11-2023 (de cujos TAC foi Árbitro a signatária desta decisão) adianta-se, desde já, que entende este Tribunal Arbitral que improcede a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar o mérito do pedido arbitral, tendo em consideração os argumentos que, a seguir, se apresentam.

 

6.10.  Com efeito, a competência contenciosa dos Tribunais Arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2º do RJAT, compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

 

6.11.  O artigo 4º, nº 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

 

6.12.  E o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria nº 287/2019, de 3 de setembro, dispõe o seguinte:

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação;

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.

 

6.13.  A referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira (aqui designada por Requerida).

 

6.14.  A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral, mas tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais, podendo estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.

 

6.15.  A este propósito, o acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, de 06-07-2012, depois seguido por diversos outros arestos, consignou que “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT]. Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.

 

6.16.  Assim, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: (i) refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos Tribunais Arbitrais e (ii) a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária.

 

6.17.  Nestes termos, terá assim de se concluir que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos (com a exclusão de outros tributos) e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.

 

6.18.  A constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.

 

6.19.  Por outro lado, a LGT passou a incluir, entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos no subsequente artigo 4.º.

 

6.20.  Neste âmbito, a doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas colectivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas.

 

6.21.  A este respeito, como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas”.

 

6.22.  Neste sentido, as contribuições são tributos (com uma estrutura paracomutativa), dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas.

 

6.23.  Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias (designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa), admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro.

 

6.24.  Ou seja, não há dúvida que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.

 

6.25.  Analisando a contribuição em apreço (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, a mesma visa financiar a rede rodoviária nacional [a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1.º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A. (IP)], sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2.º).

 

6.26.  A referida contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3.º).

 

6.27.  Esta contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5º, n.º 1).

 

6.28.  O produto da CSR constitui receita própria da actualmente denominada IP (artigo 6º).

 

6.29.  A actividade de conceção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objecto de financiamento através da CSR foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. (agora denominada IP) e, pelo Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13 de Novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitui receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)).

 

6.30.  Por outro lado, naquelas bases da concessão é estabelecido, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).

 

6.31.  Assim, à luz do regime jurídico sucintamente descrito, dificilmente se poderia concluir que a CSR constitui uma contribuição financeira.

 

6.32.  Como se refere no Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 304/2022-T, de 05-01-2023, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva.

 

6.33.  A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 3º, nº 2), agora denomina IP, sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (artigo 6º).

 

6.34.  No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade desenvolvida por aquela entidade, a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (artigo 3º, nº 2).

 

6.35.  Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da actividade administrativa que se encontra atribuída à IP é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários porquanto, quando é certo que o artigo 2º da Lei n.º 55/2007 declara expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E. (...) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável”, o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respectivos utilizadores, que são os beneficiários da actividade pública desenvolvida pela EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (agora IP), verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo, deste modo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da actividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos.

 

6.36.  Adicionalmente, refira-se ainda que o regime jurídico da CSR não é equiparável ao previsto para a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE).

 

6.37.  Com efeito, a CESE, criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, é considerada como uma contribuição extraordinária que tem “por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético”, incidindo sobre as pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional.

 

6.38.  A receita obtida é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, com o objectivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do sector energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida e ou pressão tarifárias e do financiamento de políticas do sector energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional (artigo 11.º).

 

6.39.  Assim sendo, a CESE tem por base uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional à entidade à qual são consignadas as receitas.

 

6.40.  Não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração dirija aos respectivos sujeitos passivos, nem preenche o requisito de unilateralidade que caracteriza o imposto, uma vez que não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita, nem se destina à satisfação das necessidades financeiras do Estado, antes se pretendendo que o sector energético contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua actividade.

 

6.41.  Nestes termos, a CESE trata-se de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efectiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades desse sector, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira.

 

6.42.  E, tendo em consideração o acima exposto, essa caracterização não é extensiva à CSR, pelo que não é aplicável, ao caso em análise, a jurisprudência arbitral que veio declarar a incompetência do Tribunal Arbitral ratione materiae para a apreciação de litígios que tinham como objeto a CESE (como é o caso do Acórdão proferido no âmbito do Processo nº 714/2020-T, de 12-07-2021).

 

6.43.  A este acervo de argumentos acresce ainda um outro.

 

6.44.  Segundo a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a qualificação de uma tributação, um imposto, uma taxa ou um direito, à luz do Direito da União Europeia, compete ao Tribunal de Justiça, em função das características objectivas de imposição, independentemente da qualificação que lhe é dada pelo direito nacional. [11]

 

6.45.  É certo que, no processo arbitral que motivou o pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça (Processo n.º 564/2020-T, de 30-03-2022), o Tribunal qualificou a CSR como um imposto, formulando as questões prejudiciais com base nesse pressuposto.

 

6.46.  Afigura-se que na decisão em que culminou esse pedido de reenvio (o Despacho do Tribunal de Justiça de 07-02-2022 Vapo Atlantic, processo C-460/21), o Tribunal de Justiça, para além de não colocar em causa essa qualificação, assume, para efeitos do artigo 1 da Diretiva 2008/118, um conceito funcional ou autónomo de imposto indireto. Tal conceito abrange quaisquer “imposições” indiretas que, pelas suas caraterísticas estruturais e teleológicas, não tenham um “motivo específico” na aceção da diretiva e possam, por conseguinte, privar o imposto especial de consumo harmonizado (no caso português, o ISP) de “todo o efeito útil”. [12]

 

6.47.  Dito de outro modo, para o Tribunal de Justiça, o tributo instituído pela lei portuguesa – e que este designou por “contribuição” – constitui um imposto porquanto, em virtude do desenho escolhido pelo legislador português, representa uma imposição indireta sem motivo específico e como tal suceptível de frustrar os desideratos de harmonização positiva subjacentes à Diretiva 2008/118.

 

6.48.  Com efeito, foi o legislador português que, não obstante classificar o tributo como “contribuição”, definiu a respetiva incidência subjetiva em termos análogos à do ISP (artigo 5 da Lei nº 55/2017, de 31 de Agosto), colocando-se assim, independentemente da qualificação para que eventualmente apontasse a (inconstante) jurisprudência constitucional nacional, no âmbito de aplicação do artigo 1º, nº 2 da Diretiva 2008/118.

 

6.49.  Portanto, mesmo que, à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional português, a CSR houvesse de ser qualificada como uma contribuição financeira (o que se entende que seria inconstitucional), nem por isso ela – tal como está desenhada – deixaria de ser um imposto indireto na aceção da Diretiva, isto sob pena de os Estados-membros poderem, em função da maior ou menor criatividade constitucional em termos de tributos públicos, frustrar os propósitos de harmonização e de neutralidade no plano dos impostos indiretos sobre o consumo.

 

6.50.  Destarte, atentos os princípios da interpretação conforme e do primado do Direito da União Europeia (consagrado no artigo 8º, nº 4 da CRP, tal como interpretado pelo Tribunal Constitucional, no acórdão nº 422/2020), há que considerar que os dispositivos legais que regulam a CSR devem ser interpretados no sentido de que consagram um imposto indireto sobre o consumo de produtos petrolíferos.

 

6.51.  Face ao acima exposto, improcede a alegada excepção da incompetência relativa do Tribunal Arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida.

 

Excepção da incompetência absoluta do tribunal arbitral em razão da matéria

 

6.52.  Por outro lado, alega ainda a Requerida que caso “(…) se entenda ser o tribunal competente para apreciar a legalidade desta contribuição financeira, mais se dirá que sempre existiria a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria, por outra via” uma vez que “(…) resulta do teor do pedido de pronúncia arbitral, e sua fundamentação, que o que as Requerentes suscitam junto desta instância arbitral é a legalidade do regime da CSR, no seu todo”.

 

6.53.  Com efeito, segundo entende a Requerida, “(…) ao sustentar o seu pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de CSR, não obstante com fundamento na sua desconformidade face ao direito europeu, a Requerente vem questionar todo o regime jurídico desta contribuição, conforme resulta, do PPA” porquanto “no seu articulado, a Requerente põe em causa, não uma, ou mais normas da Lei n.º 55/2007, de 31/08, e demais legislação atinente a esta contribuição, mas o regime da CSR, in totum, fazendo referência às motivações da própria lei e à sua estrutura” pretendendo “(…) suscitar questão referente à apreciação da legalidade do regime da CSR previsto na lei em vigor, o qual, considerado desconforme com o direito europeu, é apresentado como fundamento do pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação na parte relativa à CSR”.

 

6.54.  Assim, entende a Requerida que “(…) no presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente vem suscitar uma questão que se prende com a natureza e conformidade jurídico-constitucional do regime jurídico da CSR, plasmado na Lei n.º 55/2007 (…) e (…) na restante legislação, incluindo o Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13/11, e Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29/05 (…)” o que, segundo entende a Requerida, “(…) extravasa o âmbito da Ação Arbitral prevista no RJAT (…), o qual não consente o escrutínio sobre a integridade de normas emanadas no exercício da função político legislativa do Estado (…)”.

 

6.55.  Alega a Requerida que, com base nestes argumentos, se verifica a incompetência material do Tribunal Arbitral, que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, o que implica a absolvição da Requerida da instância.

 

6.56.  Neste âmbito, a Requerente veio alegar que “não pode (…) concordar com a posição da (…) Requerida, desde logo porque o objeto da presente ação arbitral não é a impugnação da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto (nem a sua declaração de ilegalidade), mas, sim, a decisão (de indeferimento tácito) do pedido de revisão oficiosa (objeto imediato) e os atos de liquidação de CSR (objeto mediato)”, citando para o efeito Jorge Lopes de Sousa, no sentido de referir que “na ilegalidade abstrata a ilegalidade não reside diretamente no ato que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o ato foi praticado […].Cabem neste conceito de ilegalidade abstrata todos os casos de atos que aplicam normas que violam regras de hierarquia superior, designadamente, além das normas constitucionais, as de direito comunitário ou internacional vigente em Portugal ou mesmo normas legislativas de direito ordinário quando é feita aplicação de normas regulamentares”.[13]

 

6.57.  Adicionalmente, acrescenta a Requerente que “como se refere na decisão arbitral proferida a 16 de janeiro de 2023 em sede do processo n.º 305/2022-T, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a reconhecer pacificamente a ilegalidade abstrata constitui fundamento de oposição à execução fiscal”, enumerando para o efeito diversos exemplos, “(…) devendo-se considerar que a mesma pode igualmente dar lugar à impugnação judicial. Assim, no Ac. STA 21/9/2022 (Francisco Rothes), processo 01767/15.7BELRS considerou existir inutilidade superveniente da lide no julgamento da impugnação judicial quando em sede de oposição tenha sido julgado ilegal um tributo por violação do Direito da União Europeia. Efetivamente, se o art. 99.º do CPPT admite que constitui fundamento da impugnação judicial "qualquer ilegalidade" naturalmente que na mesma se inclui a ilegalidade abstrata, que pode ser assim objeto de impugnação em tribunal arbitral. Essa tem sido a jurisprudência constante do CAAD, citando-se como exemplo os processos 275/2016-T, 656/2016-T, 48/2017-T, não havendo qualquer razão para alterar o entendimento neste caso. Assim, e uma vez que o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar a ilegalidade das liquidações e sendo a ilegalidade abstrata fundamento de impugnação dos atos tributários, manifestamente que o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar essa ilegalidade. Por esse motivo se julga improcedente a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral resultante da natureza do pedido”.

 

6.58.  Em consequência, entende a Requerente que “não se verifica a exceção dilatória invocada pela Entidade Requerida, não se justificando, por isso, a sua absolvição da instância, o que se invoca para os devidos efeitos legais e não poderá deixar de ser sindicado por esse (…) Tribunal Arbitral”.

 

6.59.  Uma vez mais cumpre analisar a eventual procedência/improcedência da excepção suscitada.

 

6.60.  Neste âmbito, e continuando a adoptar a posição assumida no âmbito do Processo nº 113/2023-T, de 13-07-2023 e no âmbito do Processo nº 410/2023-T, notificado a
15-11-2023, refira-se, desde já, que entende este Tribunal Arbitral que improcede também esta excepção da incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar o mérito do pedido arbitral, porquanto a arguição da excepção pela Requerida assenta num evidente equívoco.

 

6.61.  Com efeito, a Requerente formulou um pedido de pronúncia arbitral [na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 30-12-2022 (recebido a 02-01-2023), junto da Alfândega do Jardim do Tabaco em Lisboa], relativo à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de CSR praticados pela Requerida (com base nas Declarações de Introdução no Consumo - DIC - submetidas pela fornecedora de combustíveis) e, bem assim, relativo aos consequentes actos de repercussão da referida CSR consubstanciados nas faturas referentes à gasolina e ao gasóleo rodoviário adquiridos, pela Requerente, àquela entidade fornecedora, no período compreendido entre 15-12-2019 e 31-07-2022, tendo invocando como causa de pedir, a desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, não tendo sido suscitada a inconstitucionalidade de qualquer das normas do respectivo regime jurídico.

 

6.62.  Mas ainda que o tivessem feito, importa assinalar que a Constituição admite o controlo difuso de constitucionalidade pelos tribunais (artigo 204º) e prevê o recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo (artigo 280º, nº 1).

 

6.63.  A desaplicação de normas pelos tribunais, por iniciativa oficiosa ou por iniciativa das partes, corresponde a uma forma de fiscalização concreta de constitucionalidade para que os tribunais têm competência própria, não se confundindo com a competência do Tribunal Constitucional, que intervém em sede de recurso de constitucionalidade ou no âmbito da fiscalização abstracta da constitucionalidade (artigo 281º da CRP).

 

6.64.  Por outro lado, o referido artigo 204° da CRP, ao admitir o controlo difuso da constitucionalidade, refere-se genericamente aos tribunais, não distinguindo entre Tribunais Estaduais e Tribunais Arbitrais, e o artigo 280° da CRP, ao definir o âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade, admite o recurso de constitucionalidade relativamente a decisões dos tribunais, referindo-se a decisões de quaisquer tribunais.

 

6.65.  E, como o Tribunal Constitucional tem também vindo a afirmar, os Tribunais Arbitrais (necessários ou voluntários) são também tribunais, dispondo do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais.

 

6.66.  Como facilmente se compreenderá, ainda que tivesse sido suscitada, no pedido de pronúncia arbitral, a inconstitucionalidade de qualquer das normas do regime da CSR, nada obstava a que o Tribunal Arbitral se pronunciasse sobre a questão de constitucionalidade no âmbito do controlo difuso a que se refere o artigo 204° da CRP.

 

6.67.  No caso, estando em causa a desconformidade do regime da CSR com a o regime previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, não pode deixar de concluir-se, do mesmo modo, pela competência contenciosa do Tribunal Arbitral para a apreciação do litígio.

 

6.68.  Com efeito, as normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8º da CRP).

 

6.69.  A impugnação judicial de um acto de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito internacional convencional.

 

6.70.  Torna-se assim claro que não existe qualquer obstáculo a que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade dos actos de liquidação baseado em desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida, sendo, nestes termos, considerada improcedente a alegada excepção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria.

 

Questão da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral

 

6.71.  A Requerida defende que o pedido de pronúncia arbitral é inepto pelo facto de a Requerente não identificar os actos que são objecto do pedido arbitral, como exige a alínea b) o n.º 2 do artigo 10.º do RJAT.

 

6.72.  Segundo a Requerida, no pedido “(…) verifica-se uma impossibilidade absoluta em estabelecer qualquer correlação/correspondência entre as faturas apresentadas pela Requerente (por referência às datas, aos valores ou às quantidades de combustíveis) e os atos de liquidação que estiveram subjacentes à introdução no consumo dos produtos, que vieram a ser adquiridos pela Requerente, mediante as faturas apresentadas, que não permite à AT identificar, os atos de liquidação em crise”.

 

6.73.  Neste contexto, e segundo alega a Requerente, “cumpre desde logo sublinhar não corresponder à verdade que a Requerente não tenha expressa e cabalmente identificado no seu pedido de pronúncia arbitral os atos tributários sob contenda cuja ilegalidade pretende ver apreciada (…)” porquanto “a Requerente juntou aos autos a totalidade dos documentos que, enquanto entidade que suportou o encargo final do tributo, tinha em seu poder, os quais inelutavelmente atestam ter o referido tributo sido liquidado e, concomitantemente, suportado pela Requerente, enquanto consumidora final, no momento da venda do combustível pela B..., S.A. – a saber: (i) As faturas que atestam a aquisição pela Requerente do combustível sobre o qual incidiu o tributo (…); (ii) Declaração emitida pelo respetivo sujeito passivo, evidenciando ter repercutido na Requerente a totalidade do encargo do tributo (…)”, não se justificando “no entender da Requerente (…) a junção de quaisquer outros elementos probatórios” dado que “os documentos juntos aos autos (designadamente, as faturas acima referidas) inequivocamente demonstram a liquidação do tributo em causa”.

 

6.74.  Não obstante, refere ainda a Requerente, “não assumindo a Requerente a qualidade de sujeito passivo do tributo, não tem na sua posse quaisquer outros documentos, designadamente as respetivas declarações de introdução no consumo, não podendo, por isso, a sua apresentação ser-lhe exigida, não se afigurando, nessa medida, legítimo que possa ser prejudicada por eventuais elementos de prova em poder de terceiros”, importando referir que “(…) tais declarações estão em poder da Entidade Requerida, podendo esta identificá-las, solicitando, se necessário, a coadjuvação do sujeito passivo em causa (a B..., S.A.), designadamente ao abrigo dos seus poderes inspetivos previstos no Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”) e, bem assim, dos princípios da prossecução do interesse público, do inquisitório e da colaboração (…)”.[14]

 

6.75.  Assim, entende a Requerente que “tudo ponderado, resulta claro que se a Autoridade Tributária e Aduaneira, com os seus poderes inspetivos de autoridade pública, afirma ser impossível, com todos os documentos que tem na sua posse, identificar perfeita e cabalmente os atos tributários em causa, com meridiana clareza se conclui que exigir à Requerente, para efeitos de efetivação dos seus direitos, a apresentação de documentos de que não dispõe (nem tem a obrigação legal de dispor), buliria inexoravelmente não só com o princípio do acesso ao Direito e com o direito da Requerente a uma tutela jurisdicional efetiva mas também com o direito à reposição da legalidade violada (e concomitante restituição do tributo por si indevidamente suportado enquanto consumidora final)” pelo que “necessariamente se conclui que, ao contrário do que afirma a Entidade Requerida, os atos tributários (i.e., as liquidações de CSR) estão perfeita e corretamente identificados no pedido de pronúncia arbitral, encontrando-se refletidos nas faturas que atestam a aquisição pela Requerente do combustível sobre o qual incidiu o tributo, facto este confirmado pelo respetivo sujeito passivo através de declaração junta aos autos (…), na qual inelutavelmente evidencia ter repercutido na Requerente a totalidade do encargo do tributo”.

 

6.76.  Cumpre analisar.

 

6.77.  O artigo 98º, nº 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial.

 

6.78.  Não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e), do RJAT.

 

6.79.  No artigo 186º, n.º 1, do CPC, indicam-se como situações de ineptidão da petição inicial, (i) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; (ii) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; (iii) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

 

6.80.  O nº 3 do mesmo artigo estabelece que “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.

 

6.81.  No caso em apreço é manifesto que a ineptidão arguida pela Requerida não se enquadra nas referidas alíneas b) e c), pelo que só se pode aventar o seu enquadramento na alínea a).

 

6.82.  No que concerne à alínea a), não se estando perante uma situação de falta do pedido ou de causa de pedir, apenas se poderá enquadrar a arguição no conceito de inteligibilidade.

 

6.83.  No entanto, entende o Tribunal Arbitral que o que a Requerente pretende é que o Tribunal (i) declare a ilegalidade dos atos de repercussão da CSR consubstanciados nas faturas referentes ao gasóleo rodoviário e a gasolina adquiridos pela Requerente no decurso do período compreendido entre 15-12-2018 e 31-07-2022, (iii) declare a ilegalidade das correspondentes liquidações de CSR praticadas pela Requerida com base nas DIC submetidas pela respetiva fornecedora de combustíveis e anule essas liquidações nessa medida e, consequentemente, (iii) determine o reembolso das quantias suportadas a esse título, acrescido de juros indemnizatórios.

 

6.84.  Como resulta da matéria de facto fixada, as facturas de venda de combustíveis juntas aos autos incluem o montante da CSR que a B..., S.A. pagou ao Estado e que repercutiu na Requerente, pelo que são, por essa via, apuráveis os montantes cuja anulação a Requerente pretende.

 

6.85.  A eventual dificuldade que a Requerida possa ter para identificar as liquidações que ela própria emitiu aos fornecedores de combustíveis (no caso, à B..., S.A.), relacionadas com as facturas em causa, é um problema de organização dos seus serviços, pelo que é ela própria quem deve suportar os seus hipotéticos inconvenientes

 

6.86.  Para além disso, a falta de indicação das liquidações pela Requerente está perfeitamente justificada, pois elas foram emitidas pela Requerida à empresa que apresentou as DICs e não foram notificadas à Requerente.

 

6.87.  Neste contexto, não era exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a Requerida emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa, nem essa identificação é necessária para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas facturas em causa.

 

6.88.  A exigência de identificação das liquidações, numa situação deste tipo, em que o repercutido não tem possibilidade de as identificar e a identificação não é imprescindível para apurar a legalidade da cobrança de CSR ínsita nas facturas, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efectiva (garantido pelos artigos 20º e 268º, nº 4, da CRP), pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnar contenciosamente actos que lhe aplicam tributação e lesam a sua esfera jurídica.

 

6.89.  Pelo exposto, improcede a excepção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral.

 

Questão da tempestividade do pedido de revisão oficiosa e do pedido de constituição do tribunal arbitral

 

6.90.  Como acima referido, a Requerida veio defender, neste âmbito, que “a falta de identificação do ato/atos de liquidação em discussão impede, igualmente, a aferição da tempestividade do chamado pedido de revisão oficiosa da liquidação formulado pela Requerente” porquanto “(…) a contagem do prazo para a apresentação do referido pedido, inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global)”.

 

6.91.  E, alega a Requerida, “para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral, não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão, o que, (…) é impossível” mas “(…) tudo leva a crer que, muito provavelmente, o pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, o pedido arbitral não seriam sequer tempestivos”.

 

6.92.  Não obstante, reitera ainda a Requerida que “(…) a Requerente fundamenta o pedido de revisão oficiosa em erro dos serviços, a estes imputável, o que permitiria utilizar o prazo de 4 anos previsto na 2ª parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT” mas “estando a AT vinculada ao princípio da legalidade e tendo a AT efetuado a liquidação em estrita observância da norma legal aplicável não poderia a AT proceder por forma diversa daquela por que atuou, não podendo deixar de efetuar a liquidação impugnada, não existindo, pois, qualquer erro de direito imputável aos serviços”.

 

6.93.  Por outro lado, entende a Requerida, “(…) os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto no CIEC, que é lei especial, mais especificamente no seu artigo 15.º, que estabelece as regras gerais em matéria de reembolso dos IEC, e no artigo 16.º, relativo ao reembolso por erro na liquidação” sendo que “de acordo com estas normas apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto possuem legitimidade para solicitar o reembolso do imposto pago, devendo os pedidos ser apresentados no prazo de três anos a contar da data da liquidação do imposto (…)” pelo que sustenta que “(…) à data do pedido de reembolso de CSR, em 02/01/2023, já teria precludido, ao menos parcialmente, o prazo de três anos para requerer o reembolso do alegado CSR repercutido, porquanto a liquidação do imposto, é sempre anterior à venda do produto aos distribuidores e/ou consumidores”.

 

6.94.  Nestes termos, a este respeito conclui a Requerida que “(…) o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do ato tributário em crise, tem como efeito a impossibilidade de se aferir da tempestividade do pedido de revisão oficiosa e de reembolso de CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral”.

 

6.95.  Neste contexto, veio a Requerente, na defesa às excepções, alegar que “neste âmbito importa desde logo sublinhar a total contradição do argumentário utilizado pela Entidade Requerida quando afirma dever ser aplicável à Requerente o regime e prazo constantes dos artigos 15.º e 16.º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (“CIEC”) para reagir das liquidações de CSR” porquanto “não se compreende como pode a (…) Requerida considerar que o tributo em causa não é um imposto (mas sim uma contribuição financeira) (…) e, simultaneamente, pretender que seja aplicado à Requerente um regime (i.e., os artigos 15.º e 16.º do CIEC) que expressamente se refere (i) a impostos (i.e., a impostos especiais sobre o consumo – “IEC”) e (ii) aos sujeitos passivos que introduziram no consumo os produtos a eles sujeitos”.

 

6.96.  Por outro lado, vem a Requerente referir que “(…) ao contrário do que afirma a (…) Requerida, o pedido de revisão oficiosa é um meio procedimental idóneo para reagir contra a ilegalidade de liquidações de CSR cujo encargo tenha sido totalmente suportado por terceiro sob as vestes de contribuinte de facto (in casu, pela Requerente), sendo, por isso, um meio de garantia ao dispor na situação sub judice”.[15]

 

6.97.  Por último, “contrariamente à posição perfilhada pela (…) Requerida (…)”, “na aceção do artigo 78º, n.s 1 e 4, da LGT, o requisito atinente à tempestividade deve ser aferido por referência à data da tomada de conhecimento da liquidação do tributo” pelo que, “na situação sub judice, a Requerente – enquanto contribuinte de facto – tomou conhecimento dos atos de liquidação de CSR quando foi notificada (…) as faturas emitidas pela B..., S.A. (…)” e “tendo a Requerente, tão-somente por uma questão de cautela, computado o prazo de apresentação do pedido de revisão oficiosa a partir da data de emissão das referidas faturas, não tem lugar a intempestividade ensaiada pela Entidade Requerida”.

 

6.98.  “Em consequência, entende a Requerente não se verificar a exceção de caducidade do direito de ação, solicitando-se a esse (…) Tribunal Arbitral que desconsidere a posição perfilhada pela Entidade Requerida em sede de resposta”.

 

Tempestividade do pedido de revisão oficiosa

 

6.99. No que concerne à intempestividade do pedido de revisão oficiosa, a Requerida reconhece que não há elementos para a afirmar, defendendo que “a falta de identificação do ato/atos de liquidação em discussão impede, igualmente, de aferir da tempestividade do chamado pedido de revisão oficiosa da liquidação formulado pela Requerente [porquanto] a contagem do prazo para a apresentação do referido pedido, inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global)”.

 

6.100. Mas, afirma ainda a Requerida que “tomando por referência o prazo indicado pela Requerente, as aquisições no período compreendido 15-12-2018 e 31-07-2022, em 02/01/2023, data em que foi apresentado o pedido de revisão oficiosa ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa (de 120 dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR), previsto na 1ª parte do nº 1 do artigo 78.º da LGT”.

 

6.101. Defende ainda a Requerida que “apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo imposto possuem legitimidade para solicitar o reembolso do imposto pago, devendo o pedido ser apresentado no prazo de três anos a contar da data da liquidação do imposto (…)”.

 

6.102. No entanto, como defende a Requerente, o prazo para apresentação do pedido de revisão oficiosa era o de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços, previsto na parte final do nº 1 do artigo 78º da LGT.

 

6.103.  Na verdade, como há muito vem entendendo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro” já que “a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços”. [16]

 

6.104. No caso em apreço, é manifesto que os erros imputados aos actos impugnados não são imputáveis à Requerente, pois não teve qualquer intervenção no procedimento de liquidação.

 

6.105. Pelo exposto, o prazo para apresentação de pedido de revisão oficiosa era de quatro anos, pelo que o mesmo foi apresentado tempestivamente.

 

Tempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral

 

6.106.  Como acima referido, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 30-12-2022 (recebido pela Requerida em 02-01-2023), tendo por objecto a impugnação de CSR cobrada em facturas emitidas entre 15-12-2018 e 31-07-2022.

 

6.107.  Não houve decisão do pedido de revisão oficiosa até 19-07-2023, data em que a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral, dado se ter observado a presunção de indeferimento tácito daquele pedido de revisão.

 

6.108. Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, o prazo para apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral é de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma.

 

6.109. O indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa formou-se em 02-05-2023, quatro meses após a apresentação do pedido, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57º da LGT, pelo que o prazo de 90 dias acima referido conta-se a partir do dia seguinte àquela data, sendo assim manifesta a tempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado em 19-07-2023.

 

Questão da ilegitimidade da Requerente e invocada necessidade de intervenção provocada da B..., S.A.

 

6.110. Neste âmbito, a Requerida veio alegar, em síntese, que “a Requerente adquiriu o combustível à sua fornecedora B..., S.A., tendo vindo a solicitar a revisão do(s) ato(s) de liquidação e o reembolso do CSR repercutido, no pressuposto de que aquela fornecedora foi também o sujeito passivo/devedor do ISP/CSR incidente sobre os produtos a ela adquiridos e de que houve uma efetiva repercussão total da CSR no preço de venda daqueles produtos (…)” sendo que “(…) as transações que ocorrem após a introdução no consumo, independentemente do número de clientes ou de intervenientes na cadeia de abastecimento/comercialização, não têm por base um ato de liquidação específico, não podendo assim ser identificado, em concreto, o ato tributário que lhe está subjacente”.

 

6.111. Assim entende a Requerida que “apenas, o sujeito passivo que declarou os produtos para consumo a quem foi liquidado o imposto e que efetuou o correspondente pagamento, reúne condições (e pode identificar os atos de liquidação), para solicitar em caso de erro, a revisão desses atos de liquidação com vista ao reembolso dos montantes cobrados (…)” sendo que “(…) os requerentes de reembolso que não correspondem à entidade responsável pela introdução dos produtos no consumo e pelo pagamento da CSR, carecem de legitimidade para solicitar a anulação das referidas liquidações com fundamento em erro e consequente reembolso do montante correspondente (…)”.

 

6.112. Nestes termos, conclui a Requerida que “(…) não se vislumbra que assista à Requerente legitimidade para requerer a anulação das liquidações de CSR e o consequente reembolso dos montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado” e, “(…) não existindo efetiva titularidade do direito (…) carece a Requerente de legitimidade substantiva que sustente a sua pretensão, devendo o Tribunal arbitral abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver a AT da instância (…)”.

 

6.113. Mas, “caso o Tribunal arbitral considere que a ora Requerente goza de legitimidade para a interposição do presente pedido de pronúncia arbitral, (…), vem a AT suscitar o incidente de intervenção principal provocada da B..., S.A. (…)”.

 

6.114. Nesta matéria a Requerente veio, na resposta às excepções afirmar a sua “(…) total perplexidade (…) com este argumento da Entidade Requerida, na medida em que, até à data, os seus serviços sempre defenderam posição diametralmente oposta”.

 

6.115. “Com efeito, a Entidade Requerida em sede de inúmeros processos arbitrais tributários tem recorrentemente defendido a ilegitimidade processual dos sujeitos passivos (i.e., das entidades que se dedicam à comercialização de produtos petrolíferos), na medida em que o encargo da CSR é, na verdade, suportado pelo consumidor do combustível (…)”, resultando “(…) clara a incongruência da posição perfilhada pela Entidade Requerida quando afirma nos processos arbitrais em que são Requerentes as entidades comercializadoras de produtos petrolíferos que, sendo os consumidores finais quem, na verdade, suporta o encargo do tributo, são estes últimos os contribuintes da CSR e que, por isso, aquelas entidades carecem de legitimidade que sustente a sua pretensão, e, nos processos arbitrais em que são Requerentes os consumidores finais do combustível, afirma que estes não têm legitimidade por não serem os sujeitos passivos do tributo”.

 

6.116. Segundo entende a Requerente, “esta posição é claramente reprovável, bulindo inexoravelmente com o princípio da boa-fé (na vertente de tutela da confiança) (…)” sublinhado “(…) que a legitimidade da Requerente para propor a presente ação arbitral e intervir no processo arbitral tributário resulta da aplicação conjugada das normas ínsitas na LGT, no CPPT e no Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”) (…)”.

 

6.117. E, referindo que “todos os atos em matéria tributária que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos são impugnáveis ou recorríveis nos termos da lei”, alega a Requerente que “a disposição supra consubstancia uma decorrência do princípio fundamental do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva (…), assumindo-se como basilar no recorte dos direitos dos contribuintes, não podendo, em consequência, a sua aplicação ser restringida ou coartada sem um motivo atendível” e, enumerando diversos artigos que entende como aplicáveis, a Requerente defende que, “de acordo com a LGT, o CPPT e o CPTA, têm legitimidade para intervir no processo tributário todos aqueles que demonstrem ter um interesse legalmente protegido cuja tutela dependa desse processo, ainda que não sejam legalmente responsáveis pelo cumprimento de quaisquer obrigações tributárias”, “o mesmo é dizer que a legitimidade no processo tributário não se confunde com a qualidade de sujeito passivo, sendo certo que, (…), é atribuída legitimidade processual a entidades que não se qualificam como sujeitos passivos, designadamente em situações de repercussão do pagamento do imposto, como sucede na presente situação”.

 

6.118. Segundo defende a Requerente, “a ratio subjacente à atribuição de legitimidade ao repercutido prende-se com o facto de recair sobre si o sacrifício patrimonial inerente ao pagamento da prestação tributária, circunstância que o torna naturalmente lesado caso o montante liquidado não se mostre legalmente devido” pelo que “neste contexto, não se descortina qualquer razão que justifique distinguir a repercussão legal de outras situações de repercussão de facto para efeitos de aferição da legitimidade processual do repercutido, contanto que a transmissão do encargo do imposto seja efetivamente demonstrável”.

 

6.119. Assim, entende a Requerente que “necessariamente se conclui que o repercutido será, independentemente da modalidade de repercussão, titular de um interesse legalmente protegido justificativo da atribuição de legitimidade processual para discussão da legalidade da dívida tributária (…)”, interpretação que “(…) encontra respaldo no despacho proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia a 7 de fevereiro de 2022 no âmbito do Caso Vapo Atlantic (Processo C-460/21), o qual, pese embora se refira à legitimidade ativa do sujeito passivo da CSR e não do repercutido, fornece pistas interpretativas relevantes para a análise da questão sub judice”, que apresenta e analisa.

 

6.120. Segundo defende a Requerente, “aquele que demonstrar ter efetivamente suportado o encargo do imposto terá legitimidade procedimental e/ou processual para contestar a legalidade das liquidações, quer detenha ou não a qualidade de sujeito passivo”, citando para o efeito a decisão arbitral proferida a 12 de julho de 2021 no âmbito do processo n.º 564/2020-T, bem como as declarações prestadas pelo então Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, na Assembleia da República, aquando da discussão na especialidade da Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2022.

 

6.121. Nestes termos, entende a Requerente que “(…) é entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira que os sujeitos passivos da CSR não podem obter o reembolso de montantes suportados a esse título precisamente porque é prática uniforme e reiterada a sua repercussão na esfera dos adquirentes de combustível fóssil, como é o caso da Requerente” e, “neste contexto, sendo indiscutível a repercussão efetiva do encargo tributário na esfera da Requerente, e tendo disso a Autoridade Tributária e Aduaneira perfeito conhecimento, necessariamente se conclui, (…), ter a Requerente legitimidade para propor a ação arbitral em causa e, por conseguinte, para intervir no processo arbitral tributário, o que se invoca para os devidos efeitos legais”.

 

6.122. Assim, a Requerente discorda em absoluto da posição da Requerida quando à existência de uma situação de litisconsórcio necessário activo porquanto entende ser parte legítima na acção per se, uma vez que é a única a ter interesse em agir por ser o contribuinte de facto da CSR e, portanto, a única que suportou, a final, o encargo do referido tributo mas, caso “(…) o Tribunal Arbitral entenda estar-se perante uma situação de litisconsórcio necessário ativo (no que não se concede e apenas se admite por mero dever de patrocínio), a Requerente não se oporá ao chamamento da B..., S.A. à presente demanda”.

 

6.123. Salienta ainda a Requerente que “a B..., S.A. não acionou nem pretende acionar qualquer meio de reação administrativa/judicial para recuperar a CSR, na exata medida em que reconhece não ser quem suportou de facto o encargo do tributo em apreço (…)”, não se conseguindo “entender o alcance da argumentação da Entidade Requerida quando afirma, por um lado, que no limite, os litros vendidos e os correspondentes montantes de CSR que a Requerente alega ter suportado serão, por isso, superiores aos montantes de CSR efetivamente liquidados e cobrados aos sujeitos passivos (considerando a temperatura de referência a 15º C) e, bem assim, que a Requerente beneficiou de reembolso em sede de ISP, incluindo a CSR, no âmbito do regime de reembolso parcial de imposto para o gasóleo profissional, (…), não tendo, todavia, tido em conta esse “crédito” no cálculo do montante de CSR que alega ter suportado”.

 

6.124. Finalmente, alega a Requerida que “vem ainda a Entidade Requerida suscitar o incidente de intervenção principal provocada da B..., S.A. (…)”, importando “desde logo referir que a Requerente discorda em absoluto da posição da Entidade Requerida quando à existência de uma situação de litisconsórcio necessário ativo (…)” porquanto “(…) a Requerente entende ser parte legítima na ação per se, uma vez que é a única a ter interesse em agir por ser o contribuinte de facto da CSR e, portanto, a única que suportou, a final, o encargo do referido tributo”.

 

6.125. Não obstante, esclarece a Requerente que “caso esse (…) Tribunal Arbitral entenda estar-se perante uma situação de litisconsórcio necessário ativo (no que não se concede e apenas se admite por mero dever de patrocínio), a Requerente não se oporá ao chamamento da B..., S.A. à presente demanda”.

 

6.126. Em consequência, entende a Requerente que não se verifica a exceção dilatória invocada pela Requerida, não se justificando, por isso, a sua absolvição da instância, o que se invoca para os devidos efeitos legais e não poderá deixar de ser sindicado por esse Tribunal Arbitral para os devidos efeitos legais.

 

6.127. Cumpre analisar.

 

6.128. O regime da CSR, na versão anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, foi criado tendo em vista a repercussão nos consumidores das quantias cobradas a esse título pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos.

 

6.129. Na verdade, no artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto (na redacção da Lei nº 67-A/2007, de 31 de Dezembro, vigente em 2018 e 2019) estabelece-se que “o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável» e no n.º 3 do mesmo artigo (na redacção inicial) estabelece-se que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.

 

6.130. Como se refere no despacho do TJUE de 07-02-2022, processo n.º C-460/21, “39 A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas. (…) 42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido. 43 ... a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos”.

 

6.131. Como decorre desta jurisprudência, há uma obrigação de a Administração Tributária reembolsar os tributos cobrados em violação do Direito de União a quem efectivamente os suportou, pelo que no caso de tributos susceptíveis de repercussão, a titularidade do direito ao reembolso dependerá de ela ter sido ou não concretizada.

 

6.132. Assim, não se coloca a questão da plúrima possibilidade de reembolso pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pois, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem direito ao reembolso.

 

6.133. No caso em apreço, ocorreu efectivamente repercussão completa da CSR cobrada pela B... S.A. pelo que a Requerente é titular do direito ao reembolso repercutido nas vendas de combustível que adquiriu.

 

6.134. É corolário desta jurisprudência do TJUE que, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem legitimidade para impugnar os actos que a concretizem ou os que a antecedam, pois apenas o repercutido é afectado na sua esfera jurídica pelo acto lesivo e o substituto só terá legitimidade na medida em que não tenha repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade (é essencialmente este o regime que no artigo 132.º do CPPT se prevê para os casos de impugnação em caso de substituição com retenção na fonte, que deve considera-se aplicável, por analogia, a todos os casos de substituição).

 

6.135. Na verdade, como foi esclarecido na redacção do nº 2 do artigo 20º da LGT introduzida pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro, ao dizer que “a substituição tributária é efetivada, designadamente, através do mecanismo de retenção na fonte do imposto devido”, a retenção na fonte do imposto devido é apenas uma das formas de substituição tributária.

 

6.136. Assim, no caso em análise, tendo havido repercussão do tributo, são os repercutidos quem tem legitimidade para impugnar os actos que afectaram as suas esferas jurídicas, no exercício do direito de impugnação de todos os actos lesivos que lhe é constitucionalmente garantido (artigos 20º e 268º, nº 4, da CRP).

 

6.137. Essa legitimidade é assegurada, a nível do direito ordinário, tanto a nível procedimental como processual, pelos artigos 18º, nº 4, alínea a), 54º, nº 2, 65º e 95º, nº 1, da LGT, conjugados com os nºs 1 e 4 do artigo 9º do CPPT, aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29º, n.º 1, alínea c), do RJAT, na medida em que reconhecem legitimidade procedimental e processual a quem for titular de um interesse legalmente protegido.

 

6.138. De qualquer modo, a intervenção provocada nem seria admissível no contencioso arbitral tributário, pois a intervenção nos processos arbitrais, como é próprio deste tipo de processos, assenta em manifestações de vontade das partes, seja através da apresentação voluntária de um pedido de constituição do tribunal arbitral ou um requerimento de intervenção espontânea, no caso dos sujeitos passivos, quer através de vinculação genérica, no caso da AT.

 

6.139. Pelo exposto, improcede a excepção da ilegitimidade e indefere-se, em consequência, o requerimento de intervenção provocada.

 

6.140. Nestes termos, improcedendo todas as excepções suscitadas pela Requerida, será pois agora o momento de analisar o mérito do pedido, ou seja, se os actos de liquidação de CSR que deram origem à repercussão do imposto (na esfera da Requerente) enfermarem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, nomeadamente, a de se saber se a CSR é ou não compatível com o Direito da União Europeia (designadamente se tem um “motivo específico” na acepção do artigo 1º, nº 2, da Diretiva nº 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro), e, por via disso, se deverão tais actos de liquidação ser ou não anulados na parte que respeitam à repercussão de CSR à Requerente, no montante total de EUR 12.500,26.

 

Da questão da violação do Direito da União

 

6.141. A Directiva nº 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem directa ou indirectamente sobre o consumo de produtos energéticos (além de doutros), determina no n.º 2 do seu artigo 1.º que “os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções”.

 

6.142. A Requerente, baseando-se no Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo nº C-460-2 defende, em suma, que a CSR não prossegue “motivos específicos” (na acepção do referido artigo 1°, n° 2, da Diretiva 2008/118), na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um “motivo especifico”, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental», consubstanciando, por conseguinte, todos os atos tributários praticados ao seu abrigo, designadamente os atos objeto do presente pedido pronúncia arbitral, violam o direito da Unido Europeia.

 

6.143. Por outro lado, a Requerida impugna a posição assumida pela Requerente no pedido, porquanto entende que “(…) quanto à revisão e consequente reembolso por erro na liquidação (e outros fundamentos), no âmbito dos impostos especiais sobre o consumo, encontra-se previsto no CIEC um regime específico, (…)”, “o que, aliás, é confirmado pela doutrina, entendendo-se que o regime de revisão do ato tribuário com fundamento em erro no âmbito dos IEC, e consequente reembolso, tem um regime próprio” mas, estando reunidos “(…) os pressupostos que, nos termos do regime especial, supratranscrito, vertido no CIEC, suportem o pedido de reembolso por erro na liquidação, pelas razões sobejamente já indicadas, não se verificam, igualmente, os pressupostos previstos no artigo 78.º da LGT que, desde logo, dispõe, conforme decorre do n.º 1, que a revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária”.

 

  1. Adicionalmente, entende a Requerida que não podendo “(…) ser presumida a repercussão total da CSR na ora Requerente”, “sempre caberia à Requerente a demonstração, de forma inequívoca, dos montantes efetivamente suportados a título de repercussão em cada uma das transações comerciais (…)” porquanto “(…) as faturas de compra apresentadas indicam apenas o valor antes de IVA e depois de aplicado o IVA, não contendo aquelas qualquer referência ao montante de ISP total, ou especificamente, a qualquer montante pago de CSR, nada esclarecendo quanto à invocada repercussão”, pelo que entende que “(…) quer as faturas, quer as declarações do sujeito passivo, nos moldes em que foram emitidas, isto é, sem identificação das liquidações e dos montantes alegadamente repercutidos, não podem ser consideradas como prova bastante dos montantes que a Requerente alega ter suportado a título de CSR”, concluindo que, “em conformidade com o acima demonstrado, nenhum dos documentos apresentados constitui prova bastante quanto ao facto de ter sido suportado o montante indicado no PPA a título de CSR, sendo certo que impendia sobre a Requerente o ónus de tal prova”.

 

  1. No que diz respeito à finalidade da CSR, refere a Requerida que “verifica-se (…) que o invocado “motivo específico” para a “razão de ser” da CSR, também se consubstancia em objetivos ambientais e de redução de sinistralidade, verificando-se o condicionalismo contestado pela Requerente e não estando por isso em causa despesas gerais ou com finalidades puramente orçamentais, indo inclusive ao encontro do preconizado no âmbito do acórdão do TJUE (Primeira Secção), de 25 de julho de 2018, processo C-103/17 (…), em que se considera que se prossegue uma finalidade específica, na aceção da referida disposição, um imposto deve visar, por si mesmo, assegurar a finalidade específica invocada”.

 

  1. Assim, para a Requerida, “é inequívoco que existem na CSR objetivos/finalidades não orçamentais, estando subjacente à sua criação e afetação motivos específicos distintos de uma finalidade orçamental, nomeadamente finalidades de redução de sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, sendo, pois, a referida CSR conforme ao direito comunitário, ao contrário do que pretende a Requerente”.

 

6.147. Como refere a Requerente, a questão da compatibilidade da CSR com o Direito da União Europeia foi apreciada no Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo C-460-21, no âmbito de um reenvio prejudicial.

 

  1. Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234º do Tratado de Roma, anterior artigo 177º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais Nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia.[17]

 

6.149. A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no nº 4 do artigo 8º da CRP, em que se estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.

 

  1. Assim, há que acatar o decidido no Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic acima já identificado, o qual constitui a mais recente decisão do TJUE sobre os requisitos do «motivo específico» a que alude o artigo 1º, n° 2, da Diretiva 2008/118/CE.

 

6.151. Com efeito, refere-se nesse Despacho, além do mais, o seguinte:

“(...).19 Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários. 20 Há que começar por salientar que esta disposição, que visa ter em conta a diversidade das tradições fiscais dos Estados-Membros nesta matéria e o frequente recurso às imposições indiretas para a execução de políticas não orçamentais, permite que os Estados-Membros estabeleçam, além do imposto especial de consumo mínimo, outras imposições indiretas que prossigam uma finalidade específica (Acórdãos de 4 de junho de 2015, Kernkraftwerke Lippe-Ems, C-5/14, EU:C:2015:354, n.º 58, e de 3 de março de 2021, Promóciones Oliva Park, C-220/19, EU:C:2021:163, n.º 48). 21 Em conformidade com a referida disposição, os Estados-Membros podem cobrar outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo desde que estejam preenchidos dois requisitos. Por um lado, estes impostos devem ser cobrados por motivos específicos e, por outro, estas imposições devem ser conformes com as normas fiscais da União aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, bem como à liquidação, à exigibilidade, ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções. 22 Estes dois requisitos, que visam evitar que outras imposições indiretas entravem indevidamente as trocas comerciais, revestem assim caráter cumulativo, como decorre da própria redação do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 (v. Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 36, e, por analogia, Acórdão de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 36). 23 No que respeita ao primeiro dos referidos requisitos, único visado pela primeira questão prejudicial, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um motivo específico na aceção desta disposição não é uma finalidade meramente orçamental (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 37). 24 No entanto, uma vez que qualquer imposto prossegue necessariamente uma finalidade orçamental, o simples facto de um imposto ter um objetivo orçamental não é suficiente, enquanto tal, sob pena de esvaziar de substância o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, para excluir que se possa considerar que esse imposto tem também um motivo específico, na aceção da referida disposição (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 38 e jurisprudência referida). 25 Assim, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 41, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 38). 26 Além disso, embora a afetação predeterminada do produto de um imposto ao financiamento do exercício, pelas autoridades de um Estado-Membro, de competências que lhes foram atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, essa afetação, que decorre de uma simples modalidade de organização interna do orçamento de um Estado-Membro, não pode, enquanto tal, constituir uma condição suficiente, uma vez que qualquer Estado-Membro pode decidir impor, independentemente da finalidade prosseguida, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas. Se assim não fosse, qualquer finalidade poderia ser considerada específica, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, o que privaria o imposto especial de consumo harmonizado instituído por esta diretiva de qualquer efeito útil e violaria o princípio segundo o qual uma disposição derrogatória, como a do artigo 1.º, n.º 2, deve ser objeto de interpretação estrita (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 39 e jurisprudência referida). 27 Por último, não existindo semelhante mecanismo de afetação predeterminada das receitas, só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respetivo consumo (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 42 e jurisprudência referida). 28 Quando é submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial por meio do qual se pretende que seja declarado se uma imposição instituída por um Estado-Membro prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, a função do Tribunal de Justiça consiste mais em esclarecer o órgão jurisdicional nacional sobre os critérios cuja aplicação permitirá a este último determinar se essa imposição prossegue efetivamente essa finalidade do que em proceder ele próprio a essa avaliação, e isto tanto mais quando o Tribunal de Justiça não dispõe necessariamente de todos os elementos indispensáveis para esse efeito (v., por analogia, Acórdãos de 7 de novembro de 2002, Lohmann e Medi Bayreuth, C-260/00 a C-263/00, EU:C:2002:637, n.º 26, e de 16 de fevereiro de 2006, Proxxon, C-500/04, EU:C:2006:111, n.º 23). 29 No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.º 26 do presente despacho, que, embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente. 30 Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar-se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C-82/12, EU:C:2014:108, n.º 30, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 38). 31 Em terceiro lugar, como resulta do n.º 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto-lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental. 32 No entanto, como foi salientado no n.º 15 do presente despacho, resulta da decisão de reenvio que o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam-se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. 33 Em quarto lugar, os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redação da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis. 34 Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes. 35 Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar atendendo às indicações que figuram nos n.ºs 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (v., por analogia, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C-82/12, EU:C:2014:108, n.ºs 31 a 35).

 36 Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários” (sublinhado nosso).

 

6.152. Regressando ao ordenamento jurídico nacional, verifica-se que a CSR, na versão da Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (actual Infraestruturas de Portugal, S.A.), sendo o financiamento assegurado primacialmente pelos respetivos utilizadores, como contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, utilização essa que é verificada pelo consumo dos combustíveis (artigos 2º e 3º da Lei nº 55/2007).

 

6.153. Com efeito, a CSR foi estabelecida constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal (actual Infraestruturas de Portugal) no que respeita à respectiva concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento (artigo 3º, nº 2, daquela Lei) sendo que o produto da CSR constitui uma receita própria da Infraestruturas de Portugal e o financiamento da rede rodoviária nacional apenas subsidiariamente é assegurado pelo Estado (artigos 2º e 6º da Lei n.º 55/2007).

 

6.154. Esta actividade de financiamento, conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal (agora, repita-se, Infraestruturas de Portugal) pelo Decreto-Lei nº 380/2007, de 13 de Novembro, no qual se prevê que, entre outros rendimentos, a CSR constitua receita própria dessa entidade [Base 3, alínea c) do Anexo I, na redacção do Decreto-Lei n.º 44-A/2010, de 5 de Maio, a que corresponde a alínea b) na redacção inicial].

 

6.155. Por outro lado, uma das obrigações da concessionária, é a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro II do anexo às presentes bases” [Base 2, n.º 4, alínea b) do Anexo I ao Decreto-Lei n.º 380/2007], sendo que no quadro II do anexo apenas se estabelece, na Parte I, alguns objetivos de redução de sinistralidade por referência a certos indicadores de atividade (número de pontos negros, gravidade dos acidentes nas travessias urbanas, número de vítimas mortais), e, na Parte II, alguns objetivos de sustentabilidade ambiental em vista a assegurar, tendencialmente, os indicadores ambientais que aí são referenciados.

 

6.156. Assim, como se concluiu no referido Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo C-460-21, as receitas provenientes da CSR destinam-se essencialmente a assegurar o financiamento da rede rodoviária e têm uma finalidade puramente orçamental.

 

6.157. Como se refere no acórdão arbitral de 14-06-2023, proferido no âmbito do processo n.º 24/2023-T, “nem a estrutura do tributo permite concluir pela existência de intenção de desmotivar o consumo dos combustíveis. E, por outro lado, a finalidade específica que poderia justificar a criação da CSR de modo a poder considerar-se conforme o direito europeu é apresentada em termos muito genéricos, não tendo sido sequer feita a prova – que incumbia à Autoridade Tributária - de que tenham sido cumpridos os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se encontram definidos no quadro II do anexo às bases da concessão”.

 

6.158. Pelo exposto, a CSR “não prossegue motivos específicos, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um motivo específico, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (acórdão arbitral citado no ponto anterior) (sublinhado nosso).

 

6.159. Consequentemente as liquidações emitidas pela Requerida à B..., que estão subjacentes à cobrança por esta de CSR à Requerente (por repercussão), enfermam de vício de violação de lei, decorrente da ilegalidade, por incompatibilidade das normas dos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da Lei n 55/2007, de 31 de Agosto, nas redacções vigentes em 2018-2022, com o artigo 1º, nº 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, sendo que esta ilegalidade justifica a anulação das liquidações, nos termos do artigo 163º, nº 1, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c), da LGT.

 

Do pedido de reembolso de quantia paga

 

6.160. Como resulta da matéria de facto fixada, a Requerente adquiriu à B... no período entre 15-12-2018 e 31-07-2022, 112.614,91 litros de gasóleo, no montante de
EUR 121.450,93 (IVA excluído), tendo suportado com essas aquisições um total de
EUR 12.500,26, a título de CSR.

 

6.161. Nesta matéria, a Requerida refere que “além da CSR não se tratar de um imposto (…), as atribuições dos tribunais arbitrais tributários não incluem competências no âmbito da execução de sentenças/decisões, não lhes competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes, por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação, o que só pode ser determinado em sede de execução da decisão (…)”.

 

6.162. Neste âmbito importa referir que o artigo 24.º, n.º 1, do RJAT estabelece que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, alternativa ou cumulativamente, consoante o caso, a) Praticar o acto tributário legalmente devido em substituição do acto objecto da decisão arbitral;           b) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito; c) Rever os actos tributários que se encontrem numa relação de prejudicialidade ou de dependência com os actos tributários objecto da decisão arbitral, designadamente por se inscreverem no âmbito da mesma relação jurídica de imposto, ainda que correspondentes a obrigações periódicas distintas, alterando-os ou substituindo-os, total ou parcialmente; d) Liquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral ou abster-se de as liquidar”.

 

6.163. Como resulta da conjugação do corpo no n.º 1 com a sua daquele alínea b) a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito", o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT] que estabelece, que "a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

 

6.164. Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão "declaração de ilegalidade" para definir a competência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

6.165. Entre essas competências incluem-se a de, na sequência de anulação do acto de que é objecto de impugnação judicial, proferir condenação da «Administração Tributária a restituir o imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios», como é entendimento jurisprudencial pacífico do Supremo Tribunal Administrativo. [18]

 

6.166. Como se diz no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 06-08-2017, processo n.º 06112/12, “o princípio da tutela jurisdicional efectiva com consagração constitucional (cfr. artº. 268º, n.4, da Constituição da República) somente é alcançado se as sentenças puderem ter todos os efeitos necessários e aptos a proteger o direito ou interesse apreciado pelo Tribunal, assim não podendo limitar-se à mera anulação do acto tributário e podendo o processo de impugnação revestir uma natureza condenatória, caso o contribuinte solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante pago acrescido dos respectivos juros” e que “o princípio da economia processual que exige que se ponha fim ao litígio utilizando do processo judicial tudo o que puder ser aproveitado para basear uma decisão do Tribunal de onde sai logo uma definição da situação tributária concreta sob análise que não careça de qualquer nova pronúncia da Administração Tributária”.[19]

 

6.167. O regime legal do reconhecimento de indemnizatórios confirma este entendimento porquanto, o processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43º, nº 1, da LGT, em que se estabelece que "são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido" e do artigo 61º, nº 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o nº 2 na redacção inicial), que "se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea".

 

6.168. Assim, o nº 5 do artigo 24º do RJAT, ao dizer que "é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário", deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, o que tem ínsita a possibilidade de reconhecimento do direito a reembolso da quantia paga indevidamente paga, que é pressuposto da existência daqueles juros.

 

6.169. Por isso, os Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD são competentes para condenar em reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios, quando existem no processo elementos suficientes para isso e, pelo menos, quando não se divisem divergências justificadas das partes quanto ao seu montante (como entendeu o Tribunal Central Administrativo Sul, no citado acórdão de 22-05-2019, processo n.º 07/18.1BCLSB).6.173.

 

6.170. Nestes termos, pelo que se referiu, como consequência da anulação parcial das liquidações há lugar a reembolso, à Requerente, das quantias indevidamente pagas a título de CSR, no montante total de EUR 12.500,26.

 

Do reembolso do imposto pago com juros indemnizatórios

 

6.171. Neste âmbito, a Requerente veio peticionar ao Tribunal Arbitral que, “(…) para além do reembolso do montante indevidamente pago (…)” determine o “(…) direito da Requerente à perceção de juros indemnizatórios, computados sobre aquele montante, a contar desde o dia 31 de dezembro de 2023 (um ano após a apresentação pedido de revisão oficiosa) até à emissão da respetiva nota de crédito, tudo com as demais consequências legais”.

 

6.172. A Requerida vem referir, nesta matéria, que “o Tribunal Arbitral deverá decidir no sentido da improcedência do pedido, ou seja, da não anulação parcial da(s) liquidação(ões) de ISP/CSR, não havendo, consequentemente lugar ao reembolso da CSR alegadamente repercutida, nem ao pagamento de juros indemnizatórios”,

 

6.173. Em termos gerais, no que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.

 

6.174. Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)”.

 

6.175. No caso em análise, verifica-se neste caso ilegalidade abstracta das liquidações de CSR, em virtude da sua desconformidade com o Direito da União Europeia (ou seja, verifica-se a ilegalidade das normas dos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da Lei n. 55/2007, de 31 de Agosto com o artigo 1º, nº 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008), tendo esta sido aferida em processo arbitral interposto na sequência de pedido de revisão oficiosa de actos tributários tacitamente indeferido.

 

6.176. Neste âmbito, dispõe o artigo 43º, 3 da LGT, no que aqui interessa, que “são também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: a) (…); b)(…); c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária. (…)”.

 

6.177. Nesta matéria, já decidiu o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 20/5/2020 (Neves Leitão), processo 0630/18.4BALSB no sentido de que “formulado pelo sujeito passivo o pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação e vindo o acto a ser anulado, ainda que em processo arbitral instaurado após o indeferimento tácito daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão, até à data do processamento da respectiva nota de crédito, e não desde a data do pagamento indevido do imposto (…)” (sublinhado nosso).[20]

 

6.178. Nestes termos, dado o pedido de revisão oficiosa ter sido apresentado em 30-12-2023 (recebido pela Requerida em 02-01-2023), o Tribunal Arbitral conclui, em sintonia com a jurisprudência citada, que a Requerente teria direito ao recebimento de juros indemnizatórios sobre a quantia do imposto indevidamente pago desde a data em que já tivesse decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa.

 

6.179. Dado que a decisão arbitral é proferida antes da data referida no ponto anterior, não há lugar à condenação no pagamento de juros indemnizatórios peticionados pela Requerente, indeferindo-se o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.[21] [22]

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.180. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral” sendo que:

 

6.180.1. Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito;

6.180.2. Nos termos do nº 2 do referido artigo concretiza-se a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.181. No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas à Requerida, de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2 e 22º, nº 4 do RJAT e artigo 4º, nº 5 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, com as consequências daí decorrentes.

 

  1. DECISÃO

 

7.1.    Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:

7.1.1.   Julgar improcedentes todas as excepções suscitadas pela Requerida;

7.1.2.   Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral no que diz respeito à declaração de ilegalidade das normas dos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da Lei n. 55/2007, de 31 de Agosto, com o artigo 1º, nº 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008 e, consequentemente, recusar a sua aplicação e mandando-se anular as liquidações de CSR subjacentes às facturas emitidas pela B... bem como os actos de repercussão consubstanciados em cada uma daquelas facturas;

7.1.3.   Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias indevidamente pagas, no montante total de EUR 12.500,26;

7.1.4.   Julgar improcedente o pedido de pagamentos de juros indemnizatórios, nos termos acima referidos nos pontos 6.171. a 6.179. desta decisão;

7.1.5.   Condenar a Requerida no pagamento das custas, no montante de
EUR 918,00;

7.1.6.   Notificar o Ministério Público, nos termos do disposto do artigo 17º, nº 3, do RJAT.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o acima exposto nesta decisão, bem como o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 12.500,26.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 918,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 20 de Dezembro de 2023

 

O Árbitro,

 

Sílvia Oliveira

 

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] A referidas questões suscitadas preliminarmente pela Requerida (no sentido de “informar que (…) não detetou a identificação de qualquer ato tributário (…)” e de que “tendo em conta, que: a) A competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo (…) e que c) Sem a identificação, por parte dos interessados, do ato ou atos tributários, cuja ilegalidade é invocada, não pode o dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT” solicitando que “(…) seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação, à Autoridade Tributária e Aduaneira, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada”, refira-se que ao longo da presente decisão estas questão irão ser naturalmente abordadas.

[3] Vide Acórdão do STA nº 01230/12, de 08 maio 2013, Relator Casimiro Gonçalves.

 

[4] Segundo alega a Requerente, “esta interpretação encontra respaldo no Despacho proferido pelo TJUE a 7 de fevereiro de 2022 no âmbito do Processo Vapo Atlantic (C-460/21), o qual, pese embora se refira à legitimidade ativa do sujeito passivo da CSR e não do repercutido, fornece pistas interpretativas relevantes para a análise da questão sub judice”.

[5]Em resposta a tal requerimento, em 16/08/2023, foi proferido despacho pelo Sr. Presidente do CAAD no sentido de o requerimento da AT ser enviado para o Tribunal Arbitral a constituir, “por ser esse o órgão competente para a sua apreciação”, e, constituído o mesmo em 26/09/2023, foi prolatado despacho nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, para apresentação de resposta”.

[6] Para suporte da sua posição, a Requerente cita diversas posições de votos vencidos em decisões arbitrais e algumas decisões arbitrais.

[7] A este respeito, enumera a Requerida diversas decisões arbitrais e de Tribunais Superiores.

[8] Note-se que o valor aqui indicado não é o montante da CSR cuja restituição a Requerente peticiona mas sim o valor total suportado na aquisição dos combustíveis à B..., no período identificado.

[9] Nesta matéria, vide análise da excepção no capítulo 6. desta decisão. No caso em análise, a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa no dia 30-12-2022, sendo que através da pesquisa de objeto disponível no site dos CTT (e utilizando a guia de registo postal para o efeito), é possível constatar que o pedido de revisão oficiosa deu efetivamente entrada no serviço alfandegário competente a 02-01-2023.

Neste âmbito, refira-se que a partir da data de entrada do pedido do contribuinte no serviço tributário/aduaneiro competente, a Autoridade Tributária e Aduaneira dispõe de quatro meses para concluir o procedimento tributário – i.e., para emitir a respetiva decisão final e notificá-la ao contribuinte –, sob pena de indeferimento tácito, nos termos do artigo 57º, nº5, da LGT. Atendendo a que, nos termos dos artigos 57º, nº 3, da LGT e 20º, nº 1, do CPPT, a contagem de prazos no procedimento tributário é contínua e efetuada nos termos do artigo 279º do Código Civil a presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente teve lugar a 02-05-2023. Neste contexto, o prazo destinado à apresentação do presente pedido de pronúncia arbitral terminava no dia 31-07-2023, pelo que tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 19-07-2023 é, por isso, tempestivo.

[10] A este propósito, cita a Requerente o Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2008, elaborado pelo Tribunal de Contas, segundo o qual “[f]ace ao conteúdo normativo das disposições legais aplicáveis aos vários aspetos de que se reveste a problemática da contribuição de serviço rodoviário e tendo em conta os artigos 103.º, 105.º e 106.º da Constituição, a Lei de enquadramento orçamental e a legislação fiscal aplicável, o Tribunal de Contas considera que a contribuição de serviço rodoviário tem as características de um verdadeiro imposto ou, pelo menos, que dada a sua natureza não pode deixar de ser tratada como imposto (…)”, bem como o teor decisório da decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 629/2021-T, de 3 de Agosto de 2022.

[11] Neste âmbito, vide Istituto di Ricovero e Cura a Carattere Scientifico (IRCCS) — Fondazione Santa Lucia (processo C-189/15, Acórdão de 18 de Janeiro de 2017, §29) e Test Claimants in the FII Group Litigation (processo C-446/04, Acórdão de 12 de Dezembro de 2016, §107), entre outros.

[12] Neste sentido, vide par. 26 do Despacho Vapo Atlantic, já mencionado.

[13] In “Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado”, Volume II, Áreas Editora, 2007, p. 323.

[14] Neste âmbito, complementa a Requerente a sua posição com referência a diversa Doutrina.

[15] Neste âmbito, cita a Requerente a decisão arbitral proferida no âmbito do Processo nº 305/2022-T, de
16-01-2023.

[16] Neste âmbito, vide Acórdão de 12-12-2001 (processo n.º 026.233), cuja jurisprudência é reafirmada nos Acórdãos de 06-02-2002 (processo n.º 026.690), de 13-03-2002 (processo n.º 026765), de 17-04-2002 (processo n.º 023719), de 08-05-2002 (processo n.º 0115/02), de 22-05-2002 (processo n.º 0457/02), de 05-06-2002 (processo n.º 0392/02), de 11-05-2005 (processo n.º 0319/05), de 29-06-2005 (processo n.º 9321/05), de 17-05-2006 (processo n.º 016/06) de 26-04-2007 (processo n.º 039/07), de 21-01-2009 (processo n.º 771/08), de 22-03-2011 (processo n.º 01009/10), de 14-03-2012 (processo n.º 01007/11), de 05-11-2014 (processo n.º 01474/12), de 09-11-2022 (processo n.º 087/22.5BEAVR), de 12-04-2023 (processo n.º 03428/15.8BEBRG).

[17] Neste sentido, entre muitos, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo - de 25-10-2000, processo nº 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo nº 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo nº 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593.

[18] Proferindo condenações deste tipo em processos de impugnação judicial, podem ver-se, entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 21-09-2016, processo n.º 0571/13; de 08-03-2017, processo n.º 0298/13; de 22-03-2017, processo n.º 0165/13; de 29-03-2017, processo n.º 0164/13; e de 31-01-2018, processo n.º 01157/17.

[19] No mesmo sentido da competência dos Tribunais Arbitrais para condenação em reembolso de quantias indevidamente pagas e juros indemnizatórios tem vindo a decidir uniformemente o Tribunal Central Administrativo Sul, como pode ver-se pelos acórdãos de 25-06-2019, processo n.º 044/18.6BCLSB, de 22-05-2019, processo 7/18.1BCLSB, de 30-03-2023, processo n.º 153/21.4BCLSB.

[20] Neste âmbito, refere o referido Acórdão que “(…) o legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte. Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir. A decisão arbitral recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação.

É certo que o contribuinte se viu forçado a recorrer ao tribunal arbitral em virtude de os serviços da Administração não terem procedido à solicitada revisão do acto de liquidação ilegal, e que isso constitui uma circunstância que tem sido esgrimida para afastar a aplicação da alínea c) do nº 3 do art.º 43º da LGT.
Todavia, importa não esquecer que o princípio da igualdade impõe um tratamento semelhante entre os contribuintes cujos pedidos de revisão  obtêm êxito (para além do prazo de um ano) junto da Administração, e os contribuintes que obtêm idêntico resultado (também para além desse prazo) junto do Tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração e deriva da prática de acto ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito. Nestes casos, o direito de indemnização deriva da prática de acto ilegal e não do incumprimento de um prazo procedimental para os serviços decidirem favoravelmente a pretensão do contribuinte, já que o prazo de um ano fixado nesse normativo nem sequer coincide com o prazo de quatro meses que a LGT fixa para a emissão de decisão (…)”.

[21] Nesta matéria, refira-se que a signatária do presente processo tem vindo a decidir, em processos arbitrais anteriores, os pedidos de pagamento de juros indemnizatórios em caso de pedido de revisão oficiosa num sentido divergente do adoptado nesta decisão. Na verdade, a signatária tem adoptado a fundamentação que o pedido de juros indemnizatórios, em situações semelhantes à do caso em análise, tem suporte legal no disposto no artigo 43º, nº 1 da LGT e não no artigo 43º, nº 3 da LGT porquanto o que se está, no caso, a decidir é uma impugnação judicial e não um pedido de revisão, cuja competência cabe à AT. A existência prévia do pedido de revisão legitima apenas a possibilidade de interposição do pedido de pronúncia arbitral por questões que se prendem com o prazo de interposição.

Como refere a Requerente no pedido de pronúncia arbitral, “(…) o ato decisório (presuntivo) de indeferimento tácito e os atos de liquidação de CSR constituem, respetivamente, os objetos imediato e mediato do presente pedido de pronúncia arbitral”, sendo que o que é pretendido é a declaração de ilegalidade das liquidações respeitantes à CSR, referentes aos meses de dezembro de 2018 a julho de 2022, incidentes sobre a B..., S.A., cujo encargo tributário foi repercutiu na esfera da Requerente, em face do qual a Requerente suportou
EUR 12.500,26 EUR a título de CSR, anulando-se os referidos actos, determinando-se o reembolsando à Requerente do montante total suportado e, em consequência, seja anulada a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa  apresentado pela Requerente a 30 de dezembro de 2022. A razão do entendimento até agora seguido em outras decisões está relacionada com o facto de, no caso de impugnação judicial, entender a signatária da presente decisão, que tem aplicação literal o disposto no artigo 43º, nº 1 da LGT dado tratar-se de situação em que o repercutido (titular de um interesse legalmente protegido tendente à respetiva anulação e ao reembolso dos montantes ilegalmente liquidados) pretende obter a anulação de liquidação em processo de impugnação judicial, independentemente de, anteriormente, ter efectuado um pedido de revisão oficiosa, apresentado uma reclamação, ou nenhum dos dois) ficando o disposto no nº 3 do artigo 43º da LGT reservado aos casos em que a AT efective a revisão do acto tributário cuja revisão o contribuinte peticiona. Porém, o Supremo Tribunal Administrativo (STA) tem proferido, nesta matéria, jurisprudência para uniformização (nomeadamente o AC de 29-06-2022, proc. 1201/17, Relator Joaquim Condesso), nos termos da qual se refere, sobre esta questão, que “(…)  deve confirmar-se a orientação jurisprudencial, que se tem por consolidada, do Pleno da Secção deste Tribunal, de que é expressão o acórdão fundamento lavrado no processo nº.51/19.1BALSB e datado de 11/12/2019, a qual se expressa no seguinte: pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do ato de liquidação (cfr.artº.78, nº.1, da L.G.T.) e vindo o ato a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, al. c), da L.G.T. (...)”. Com efeito, em todos os arestos anteriores nos quais o STA se suporta, o argumento decisivo para a interpretação do nº 3 do artigo 43º da LGT no sentido da dilação do início da contagem de juros indemnizatórios (em todos os casos de pedido de revisão oficiosa, incluindo aqueles em que a AT não procede à revisão do acto e o sujeito passivo vem a obter a satisfação da sua pretensão em impugnação judicial), reside na inércia do sujeito passivo. Contudo, num caso em que o sujeito passivo apresente o pedido de revisão dentro do prazo da reclamação graciosa, este argumento não tem aplicação, pois não há qualquer inércia por parte do sujeito passivo. E, numa situação em que a AT não defere a pretensão de revisão do acto tributário e, o sujeito passivo recorre à apresentação de impugnação judicial e nesta, finalmente, obtém o provimento da sua pretensão, parece óbvio que resultará injustiça se não se conceder ao sujeito passivo o direito a juros indemnizatórios a partir da data do pagamento indevido pois a AT poderia (deveria) ter anteriormente decidido no prazo de revisão do acto tributário, mas não o faz. Não obstante, de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 8º do Código Civil, o julgador, nas decisões que proferir, tem o dever de ter em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito. Esse dever é ainda mais vinculante nos casos em que, sobre a questão controvertida, existe um acórdão uniformizador de jurisprudência que, embora não tenha efeito vinculativo extra processual, tem um caráter orientador e persuasivo. Desta forma, em nome do princípio da aplicação uniforme do direito, a signatária desta decisão adoptou na mesma a posição decorrente do referido Acórdão do STA.

[22] Neste mesmo sentido, vide Acórdão do STA nº 4/2023, de 30-09-2020 (processo nº 40/19.6BALSB – Pleno da 2ª Secção).