SUMÁRIO:
I – A notificação não constitui condição de validade do acto tributário, podendo apenas diferir a sua eficácia ou oponibilidade (artigos 36.º, n.º 1, e 37.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT e 77.º, n.º 6, da LGT), nem se confunde com o acto notificado, pelo que a deficiência da notificação não retira ao acto a fundamentação que dele consta.
II - Efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito, além do que, em caso de benefícios fiscais de natureza condicionada, o prazo de caducidade suspende-se ainda desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal do cumprimento da condição, como resulta do preceituado nos artigos 45.º, n.º 3, e 46.º n.º 2, al. c), da LGT.
III - Nos casos de aplicação do RETGS, os benefícios fiscais dependem da coleta apurada pela sociedade que realizou as despesas elegíveis caso não se aplicasse o regime especial de tributação de grupos de sociedades, como decorre do previsto nos artigos 90.º, n.º 6, e 120.º, n.º 6, al, b) do CIRC, não havendo suporte legal para que a condição a que está sujeito o benefício fiscal, de existir colecta de IRC da empresa que faz os investimentos elegíveis, seja modificada nos casos de ser aplicado o RETGS, deixando a condição de ser a existência de colecta da empresa que fez as despesas de investimento para passar a ser a existência de colecta do grupo.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A..., SGPS, SA, doravante Requerente, com o número único de matricula e de pessoa coletiva..., com sede na ..., ..., ..., Seixal, ...-... ..., notificada da demonstração da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas de 2018 (“IRC”) n.º 2022..., de 5/12/2022, (documento n.º 1 que junta), da demonstração de acerto de contas de 2018 IRC n.º 2022..., de 7/12/2022, (doc n.º 2 que junta), da demonstração da liquidação de acerto de contas de juros de IRC 2018 n.º 2022..., de 7/12/2022, (doc n.º 3 que junta), assim como da primeira demonstração de liquidação de IRC de 2019 (“IRC”) n.º 2020..., (doc 4 que junta), primeira demonstração de acerto de contas de 2019 IRC n.º 2020..., (doc n.º 5 que junta), da segunda demonstração de liquidação de IRC de 2019 (“IRC”) n.º 2023..., (doc 6 que junta) e da segunda demonstração de acerto de contas de 2019 IRC n.º 2023..., (doc 7 que junta) vem, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 e 2 do artigo 95.º e da alínea a) do artigo 101.º da Lei Geral Tributária (LGT), do artigo 137.º do CIRC e na alíneas a) b) do n.º 1 do artigo 97.º, nas alíneas a), c) e d) do artigo 99.º e na alínea a) do n.º 1 do art.º 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), impugnar o ato tributário de liquidação adicional à liquidação de 2018 acima identificada, no valor total de Euro 386,47 (trezentos e oitenta e seis euros e quarenta e sete cêntimos), bem como a liquidacão de 2019, que só deu origem a reembolso no valor de €23.903,14 e ao valor de acerto de contas posterior de €84,79, apresentando pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
Peticiona anulação das liquidações de imposto (IRC) acima identificadas e custas de parte.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Em 24 de Abril de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e, automaticamente, notificado à AT.
Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro deste Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar (artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e c), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD).
O Tribunal Arbitral ficou constituído em 30 de Junho de 2023.
Em 18 de Setembro de 2023, a Requerida apresentou Resposta e juntou o processo administrativo.
A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) defendeu-se por impugnação, concluindo que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente, com as legais consequências.
Por despacho de 27 de Setembro de 2023, dispensou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e determinou-se a prossecução dos autos com a produção de alegações, por prazo simultâneo de 15 dias, nos termos do art. 120.º do CPPT, ex vi art. 29.º, n.º 1, a), do RJAT.
Nas alegações as partes mantiveram e desenvolveram as posições já anteriormente expressas.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer das liquidações aqui postas em crise, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, alíneas a) e b), 6.º, n.º 1, e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
III. Fundamentação de Facto
1. Matéria de Facto Provada
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
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A A..., SGPS, SA, é a sociedade dominante de um grupo de sociedades, sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS);
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Em causa estão liquidações adicionais de IRC do grupo de sociedades:
1. Referente ao período de 2018:
- Liquidação 2022..., emitida a 05.12.2022, e respectiva demonstração de acerto de contas nº 2022..., da qual resultou imposto a pagar de €70,38;
2. Referentes ao período de 2019:
I - Liquidação n.º 2020 ... de emitida em 07.10.2020 e respectiva demonstração de acerto de contas nº 2020..., entregue na sua caixa postal eletrónica do ViaCTT em 2020-12-29, considerando-se notificada em 2021-01-16, e
II - Liquidação n.º 2023..., emitida a 20.02.2023, e respectiva demonstração de acerto de contas nº 2023 ... da qual resultou imposto a pagar de €84,79 (Doc. 1 a 7 juntos com o PPA e acordo das partes).
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As liquidações adicionais de IRC resultaram de correcções efectuadas pelos Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Requerida, desenvolvida a coberto das ordens de serviço externas n.ºs OI2021... (2018) e OI2021... (2019) à sociedade A..., enquanto sociedade individual, nos montantes de 3.904,55€ e 5.652,88€, em 2018 e 2019, e ao abrigo das ordens de serviço nºs OI2022... (2018) e OI2022... (2019) ao Grupo de sociedades, de forma a reflectir não só aquelas correcções ao nível da determinação da matéria coletável do Grupo, atendendo ao facto da Requerente não as ter regularizado em sede de grupo, bem como a correcção (ora contestada) ao valor disponível a título de benefícios fiscais em 2018 e 2019, em resultado da sua não dedução, em períodos de tributação anteriores (RIT´s e acordo das partes).
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Atendendo a que o sujeito passivo era a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas nos termos do Regime Especial de Tributação dos Grupos de sociedades (RETGS), os SIT da Requerida, através de um procedimento de inspecção interno, suportado pelas OI’s n.ºs OI2022... (2018) e OI2022... (2019), procedeu à transposição das correcções efectuadas à Requerente, a nível individual, para a declaração de rendimentos do grupo (RIT´s e acordo das partes).
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Dos Relatórios da Inspecção Tributária realizada à Requerente, com referência aos anos de 2018 e 2019, que aqui se dão por reproduzidos, ficou a constar, entre o mais, o seguinte:
“III .1. Enquadramento legal e descrição da actividade desenvolvida pelo sujeito passivo
A sociedade A..., SGPS, SA, adiante designada abreviadamente por A..., foi constituída em março de 1995, tendo por objeto, de acordo com o respetivo contrato de sociedade, a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”.
A atividade da A... está abrangida, desde 2016/12/01, pelo código “70100 – Atividades das sedes sociais” da classificação portuguesa das atividades económicas (CAE).
Em termos fiscais a A... está enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável em sede de IRC e no regime normal de periodicidade trimestral em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). O início da atividade, para efeitos de IVA, reporta a fevereiro de 1995.
Nos períodos temporais abrangidos pelo procedimento de inspeção, a A... era a sociedade dominante, com tributação nos termos do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), previsto nos artigos 69.º a 71.º do CIRC1, de um grupo composto por mais quatro sociedades:
B... SA, NIF ... .
C... SA, NIF ... .
D... LDA, NIF ... .
E..., UNIPESSOAL, LDA, NIF....”
(...)
V. Descrição dos factos e fundamentos das correcções/irregularidades
V.1 LUCRO TRIBUTÁVEL
No contexto de procedimento de inspeção suportado pelas Ordens de Serviço n.ºs OI2021... e OI2021..., da Direção de Finanças de Setúbal, emitidas em nome de A... para análise da sua situação fiscal a nível individual, relativamente aos anos de 2018 e 2019, concluiu-se existirem fundamentos para a realização de correções em sede de IVA e de IRC.
As correções propostas foram aceites pela A..., que regularizou voluntariamente as situações em causa através da submissão de declarações de substituição (vd. anexo 1 – 68 pp.).
Em sede de IRC, considerando que estamos perante uma sociedade sujeita à aplicação do RETGS, determina o n.º 1 do artigo 70.º do CIRC, que o resultado tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo, pelo que a total regularização das situações detetadas em sede de IRC exige que a declaração de rendimentos do grupo seja também corrigida, em conformidade com as correções efetuadas na declaração de rendimentos individual da A... .
Com as correções agora propostas a nível de grupo, será também dado cumprimento ao disposto no artigo 115.º do CIRC relativamente ao pagamento do imposto apurado – “Quando seja aplicável o disposto no artigo 69.º, o pagamento do IRC incumbe à sociedade dominante, sendo qualquer das outras sociedades do grupo solidariamente responsável pelo pagamento daquele imposto, sem prejuízo do direito de regresso pela parte do imposto que a cada uma delas efetivamente respeite.”.
V.1.1 CORREÇÕES AO LUCRO TRIBUTÁVEL – ANO DE 2018
Propõe-se a correção do resultado fiscal do grupo de sociedades em que a A... é a sociedade dominante, no montante de € 3.904,55, montante igual à correção que ocorreu, no contexto da Ordem de Serviço n.º OI2021..., relativamente ao lucro tributável da sociedade A... .
V.1.2 CORREÇÕES AO LUCRO TRIBUTÁVEL – ANO DE 2019
Propõe-se a correção do resultado fiscal do grupo de sociedades em que a A... é a sociedade dominante, no montante de € 5.652,88, montante igual à correção que ocorreu, no contexto da Ordem de Serviço n.º OI2021..., relativamente ao lucro tributável da sociedade A... .
V.2 BENEFÍCIOS FISCAIS
Analisadas as declarações de rendimentos do grupo verificou-se que nos anos de 2016 a 2020, inclusive, a A... deduziu à coleta os seguintes benefícios fiscais, pertencentes à sociedade dominada B... SA:
O RFAI constitui um regime de auxílios de Estado com finalidade regional, aprovado nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria – RGIC).
Na ordem jurídica interna, a versão atual do RFAI está elencada nos artigos 22.º a 26.º do Código Fiscal do Investimento (CFI), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro.
O benefício é aplicável aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2014, aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º do CFI, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR) e do RGIC.
A Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, definiu os códigos das atividades suscetíveis de beneficiar do RFAI, assim como as atividades não elegíveis para a concessão de benefícios fiscais associados aos mencionados auxílios estatais.
A regulamentação do RFAI processou-se através da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro.
O artigo 23.º do CFI discrimina o conjunto de benefícios associados ao RFAI:
Artigo 23.º - Benefícios fiscais
1 - Aos sujeitos passivos de IRC previstos no n.º 1 do artigo anterior, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:
a) Dedução à coleta do IRC apurada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do 1) No caso de investimentos realizados em regiões elegíveis nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 107.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia constantes da tabela prevista no n.º 1 do artigo 43.º:
i) 25 % das aplicações relevantes, relativamente ao investimento realizado até ao montante de 15 000 000 (euro);
ii) 10 % das aplicações relevantes, relativamente à parte do investimento realizado que exceda o montante de 15 000 000 (euro);
2) No caso de investimentos em regiões elegíveis nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 107.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia constantes da tabela prevista no n.º 1 do artigo 43.º, 10 % das aplicações relevantes;
b) Isenção ou redução de IMI, por um período até 10 anos a contar do ano de aquisição ou construção do imóvel, relativamente aos prédios utilizados pelo promotor no âmbito dos investimentos que constituam aplicações relevantes, nos termos do artigo 22.º;
c) Isenção ou redução de IMT relativamente às aquisições de prédios que constituam aplicações relevantes nos termos do artigo 22.º;
d) Isenção de Imposto do Selo relativamente às aquisições de prédios que constituam aplicações relevantes nos termos do artigo 22.º
2 - A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efetuada na liquidação de IRC respeitante ao período de tributação em que sejam realizadas as aplicações relevantes, com os seguintes limites:
a) No caso de investimentos realizados no período de tributação do início de atividade e nos dois períodos de tributação seguintes, exceto quando a empresa resultar de cisão, até à concorrência do total da coleta do IRC apurada em cada um desses períodos de tributação;
3 - Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efetuada integralmente por insuficiência de coleta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo nas liquidações dos 10 períodos de tributação seguintes, até à concorrência da coleta de IRC apurada em cada um dos períodos de tributação, no caso de investimentos abrangidos pela alínea a) do número anterior ou com o limite previsto na alínea b) do mesmo número, nos casos aí previstos.
4 - Para efeitos do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1, as isenções ou reduções aí previstas são condicionadas ao reconhecimento, pela competente assembleia municipal, do interesse do investimento para a região.
5 - Os benefícios fiscais previstos nos números anteriores devem respeitar os limites máximos aplicáveis aos auxílios com finalidade regional em vigor na região na qual o investimento seja efetuado, nos termos do artigo 43.º
6 - Caso os investimentos beneficiem de outros auxílios de Estado, o cálculo dos limites referidos no número anterior deve ter em consideração o montante total dos auxílios de Estado com finalidade regional concedidos ao investimento em questão, proveniente de todas as fontes.
7 - Para efeitos do disposto no número anterior, os sujeitos passivos ficam sujeitos aos procedimentos especiais de controlo do montante dos auxílios de Estado com finalidade regional concedidos ao investimento, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pelas áreas das finanças e da economia.
O SIFIDE, previsto nos artigos 35.º a 42.º do CFI, tem no artigo 38.º, que a seguir se transcreve, na redação em vigor até março de 2020, o respetivo âmbito da dedução:
Artigo 38.º - Âmbito da dedução
1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante da coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objeto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação com início entre 1 de janeiro de 2014 e 31 de dezembro de 2020, numa dupla percentagem:
a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;
b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000,00.
2 - Para os sujeitos passivos de IRC que se enquadrem na categoria das micro, pequenas ou médias empresas, tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, que ainda não completaram dois exercícios e que não beneficiaram da taxa incremental fixada na alínea b) do número anterior, aplica-se uma majoração de 15 % à taxa base fixada na alínea a) do número anterior.
3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.
4 - As despesas que, por insuficiência de coleta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao oitavo exercício seguinte.
5 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, quando no ano de início de fruição do benefício ocorrer mudança do período de tributação, deve ser considerado o período anual que se inicie naquele ano.
6 - Aos sujeitos passivos que se reorganizem, em resultado de atos de concentração tal como definidos no artigo 73.º do Código do IRC, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 15.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Ambos os benefícios operam por via da dedução à coleta do IRC, apurada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do CIRC, até à concorrência de 50 % da coleta ou até à concorrência do total da coleta, consoante o benefício seja o RFAI ou o SIFIDE, respetivamente, podendo a dedução transitar para os períodos de tributação seguintes em caso de insuficiência de coleta.
O artigo 90.º do CIRC determina o procedimento e forma de liquidação do IRC, prevendo, no n.º 6, o caso específico das sociedades abrangidas pelo RETGS:
Artigo 90.º
Procedimento e forma de liquidação
…
6 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.
…
Refira-se que, entre as deduções referidas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC estão os benefícios fiscais como o RFAI e o SIFIDE.
Constatou-se, no entanto, que os montantes dos benefícios fiscais deduzidos pela A... não esgotaram a totalidade do montante da coleta disponível, a nível do grupo, como decorre do n.º 6 do artigo 90.º do CIRC, para efeitos de dedução em cada ano, como se pode ver no quadro seguinte:
Em 2016 e 2017, a dedução do benefício RFAI foi inferior ao possível, correspondente a 50% da coleta do grupo.
Em 2018, 2019 e 2020, a dedução de benefícios fiscais foi sempre inferior à coleta total do grupo.
Concluiu-se, assim, que a dedução dos benefícios fiscais RFAI e SIFIDE efetuada pela A... nos anos de 2016 a 2020, inclusive, não está em conformidade com as disposições legais aplicáveis, constantes nos artigos 90.º do CIRC e 23.º e 38.º do CFI.
Tendo em conta estas disposições, os montantes dos benefícios a utilizar, e os montantes da coleta do grupo, a dedução deveria ter ocorrido nos seguintes termos:
A dedução do benefício RFAI seria concluída em 2017 e, nos anos seguintes, ocorreria apenas a dedução do benefício SIFIDE.
Não tendo efetuado a dedução nestes termos, a A... perdeu, a título definitivo, os montantes não deduzidos até à concorrência do limite da coleta aplicável.
Em 2016 e 2017, por estar em causa apenas o RFAI, o limite era de 50% da coleta, de acordo com o previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 23.º do CFI.
Em 2018 e anos seguintes, a dedução do benefício SIFIDE era possível até à concorrência da coleta, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 38.º do CFI.
A perda, a título definitivo, dos montantes passíveis de dedução, mas que não foram deduzidos, decorre do estipulado no n.º 3 do artigo 23.º do CFI (aplicável ao RFAI) e no n.º 4 do artigo 38.º do CFI (aplicável ao SIFIDE), relativamente à possibilidade de dedução em períodos de tributação seguintes dos montantes não deduzidos num dado período, a qual só é possível em casos de insuficiência de coleta, ou seja, existindo coleta disponível para a dedução dos referidos benefícios fiscais, ela deverá ser utilizada na totalidade, sendo perdido, a título definitivo, o montante não utilizado que, assim, não transita para dedução em períodos de tributação seguintes.
Relativamente ao RFAI, os montantes perdidos em 2016 e 2017 são os seguintes:
Obs.:
(b) Em 2016 corresponde à dotação inicial. Em 2017 corresponde ao saldo transitado de 2016.
(d) Em 2016 corresponde à diferença entre (a) e (c). Em 2017 corresponde entre (b) e (c).
(e) Corresponde a diferença (b)-(c)-(d).
A perda do benefício RFAI em 2016 e 2017, com o consequente esgotamento da dotação total em 2017, significa que em 2018 e 2019, os anos abrangidos pelo procedimento de inspeção a que respeita este relatório, apenas existe disponível para dedução o benefício SIFIDE.
Considerando a possibilidade de dedução do benefício SIFIDE até à concorrência da coleta, e que esta será alterada, nos anos de 2018 e 2019, em resultado das propostas de correção efetuadas neste relatório, considera-se que essa alteração deverá ser tida em conta para efeitos do cálculo do montante do benefício SIFIDE a deduzir em 2018 e 2019.
As correções propostas em V.1 implicam as seguintes alterações ao montante da coleta apurada em 2018 e 2019:
De acordo com as declarações de rendimentos do grupo submetidas pela A..., foi manifestada a intenção de deduzir à coleta apurada pela sociedade benefícios fiscais no montante € 13.666,18 em 2018 e € 10.750,12 em 2019.
Como já vimos, parte destes montantes respeitam, segundo a A..., ao benefício RFAI que, conforme também já vimos, foi esgotado, por dedução e perda, em 2017, pelo que se deverá considerar que os montantes deduzidos pela A... em 2018 e 2019 respeitam, na totalidade ao benefício SIFIDE.
No entanto, aos montantes deduzidos pela A... vai ser adicionado o montante correspondente à variação da coleta decorrente das correções ao resultado fiscal do grupo suscitadas pelo procedimento de inspeção, situação esta desconhecida do sujeito passivo quando determinou o montante de benefícios fiscais que pretendia deduzir.
Assim, admitem-se os seguintes montantes do benefício fiscal SIFIDE, para dedução em 2018 e 2019, resultantes da intenção manifestada pela A... nas declarações em tempo submetidas, corrigidos pela variação da coleta resultante do procedimento de inspeção incidente sobre os anos de 2018 e 2019:
. Ano de 2018: € 14.486,13 = € 13.666,18 + € 819,95
. Ano de 2019: € 11.937,23 = € 10.750,12 + € 1.187,11
Com estes valores, a dedução do benefício fiscal SIFIDE em 2018 e 2019 será efetuada nos seguintes termos:
Obs.:
(e) Corresponde à diferença (a) - (d).
(f) Corresponde a diferença (b) - (d) - (e).
SIFIDE
O apuramento dos montantes de benefícios fiscais perdidos pela A... em 2016, 2017, 2018 e 2019, em todos os casos por não dedução dos benefícios quando para tal existia coleta disponível, conjugado com as correções nos montantes a deduzir em 2018 e 2019 terá repercussões em 2020, ano em que na declaração de rendimentos submetida pela A... foi deduzido RFAI gerado em 2016 e SIFIDE atribuído em 2018 e 2019.”
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Os RIT`s dos anos de 2018 e 2019 foram enviados à Requerente, em conjunto, no dia 15/3/2023, a 8 dias do fim de prazo de 3 meses para apresentar a impugnação do ano de 2019 (por acordo das partes).
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A Requerente apresentou os modelos 22 com os respetivos anexos D, relativos aos beneficios fiscais de 2016 a 2020, declarados pela sociedade participada B... SA (Docs. 8 a 12 juntos com o PPA).
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A Requerente juntou aos autos um quadro resumo da única sociedade participada da impugnante que deduziu benefícios fiscais (a sociedade B...), onde se demonstra as deduções feitas por esta sociedade desde 2016 (Doc. 13 junto com o PPA, que aqui de dá por reproduzido).
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O presente PPA foi apresentado em 20-04-2023, conforme consta do sistema de gestão processual do CAAD.
2. Factos não Provados
Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
3. Motivação da Decisão de Facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica dos RIT´s autuados, bem assim dos documentos juntos com o PPA e no que se mostra consensualizado pelas partes, conforme está refectido em relação a cada facto julgado considerado provado.
IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
1. QUESTÕES A DECIDIR
O dissídio em presença convoca a resposta às três questões suscitadas pela Requerente, a saber:
1. Ausência da Fundamentação Legalmente Exigida;
2. Caducidade dos Anos Fiscais de 2016 e 2017;
3. Errónea Qualificação e Quantificação dos Rendimentos, que se traduz em apurar se a sociedade dominada B... SA, única participada que deduziu benefícios fiscais, deduziu o montante máximo que tinha a deduzir, ou seja 50% da sua coleta e, consequentemente, se a sociedade dominante e ora impugnante não podia deduzir mais e cumpriu assim, na íntegra, a dedução a que está obrigada até ao máximo de 50% da coleta do grupo.
2 - APRECIAÇÃO
2.1 – DA AUSÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO LEGALMENTE EXIGIDA
Alega a Requerida, em síntese:
- Precisamente na data preparada para o envio da presente impugnação cumulativa de 2018 e 2019, dia 15/3/2023, a 8 dias do fim de prazo de 3 meses para apresentar a impugnação de 2019 (pois o fim do prazo de 3 meses da primeira liquidação de 2019 foi a 23/12/2022), o sujeito passivo foi notificado do Relatório de Inspeção (RIT) dos anos de 2018 e 2019, o que constitui uma nulidade insanável nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 98 do Código de Procedimento e de Processo Tributário [doravante apenas CPPT].
- No prazo de 10 dias após a notificação da nota de diligência, o relatório referido no art.º 62.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária [doravante apenas RCPIT], deve ser notificado ao contribuinte por carta registada, ou por transmissão eletrónica de dados (…), considerando-se concluído o procedimento na data da notificação do relatório.
- Quanto à questão das nulidades insanáveis (artigo 98° do C.P.P.T.), os elementos constantes dos alegados "Relatórios de Inspeção" têm, dentro do processo de Impugnação judicial, a natureza de prova e, por virtude do princípio do contraditório, para serem considerados como prova bastante no caso sub judice, tinham de ser integralmente notificados à impugnante, o que não aconteceu tempestivamente, na mais completa violação dos artigos 98° da Lei Geral Tributária e 13° e 20° da Constituição da República Portuguesa, dando origem ao incumprimento da Lei do nosso país em matéria tributária, nos termos do artigo 103° da Constituição da República Portuguesa.
- A junção do(s) RIT pela AT após as liquidações e a 8 dias do fim do prazo de impugnação condiciona a impugnante no seu limite temporal ao seu livre exercício de defesa, porquanto é no RIT que se expressa a decisão final que fundamentam as posteriores liquidações adicionais, a receção das liquidações de 2018 e 2019 foi feita com ausência de fundamentação.
A Autoridade Tributária (requerida) contrapõe, resumidamente:
- O prazo mencionado no n.º 2 do art.º 62.º do RCPITA é um prazo meramente indicativo que não implica por si só qualquer efeito invalidante sobre os actos de liquidação decorrente das conclusões do procedimento de inspecção, tal como dispõe o n.º 7 do art.º 36.º do RCPITA.
- In casu a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que a Requerente, por via da presente acção arbitral, demonstra ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, já que tenta rebater, ponto por ponto, toda a sua actuação.
- a Requerente poderia ter requerido cópia da fundamentação da matéria tributária, contando dessa forma com novos prazos para impugnação dos actos em questão, de acordo com os n.ºs 1 e 2 do art.º 37.º do CPPT; não tendo usado essa faculdade, forçoso se torna concluir que o ato sub judice continha, e contém, todos os elementos necessários à sua cabal compreensão e que o apregoado vício de que padecia ficou sanado.
- Questão bem diferente é a Requerente não querer conformar-se com os
actos notificados; não é possível afirmar que determinado ato se encontra infundamentado quando, no caso concreto, a motivação contextual permitiu ao seu destinatário ficar a saber as
razões de facto e de direito que levaram a Requerida a tomar a decisão em causa, com
aquele sentido e conteúdo.
O dever de fundamentação dos actos da Administração Pública que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos decorre de imperativo constitucional, abrangendo os actos lesivos e impositivos - artigo 268.º, n.º 3, da Constituição -, imperativo esse traduzido e desenvolvido nos artigos 152.º e 153.º do CPA e, mais especificamente em matéria tributária, no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT. Visa, neste caso, assegurar que o destinatário conheça as razões que sustentam a decisão administrativa, permitindo o controlo da sua validade, através da análise dos respetivos pressupostos, e o acesso à garantia contenciosa, dando a conhecer ao sujeito passivo o iter cognoscitivo e valorativo seguido pela a AT para ter decidido no sentido em que decidiu.
Na situação em apreço, o Relatório da Inspeção Tributária é explícito quanto às razões que justificam as correções operadas, dando a conhecer os fundamentos da Requerida. Assim, do ponto de vista formal, e independentemente do seu mérito, o acto encontra-se suficientemente justificado com a enunciação dos motivos que o determinaram. E as liquidações impugnadas remetem para o RIT, o que em nada ofende o direito de defesa da Requerente, sendo, aliás, permitido por lei (art. 77.º, n.º1, da LGT).
Enquanto tal, o que poderia aqui configurar-se seria um caso de insuficiência da notificação e não de falta da fundamentação. Ante o retardamento da notificação do RIT acusado pela Requerente, o problema que se coloca é o da produção dos efeitos da notificação, nomeadamente para o fim da contagem do prazo de caducidade do direito de impugnação, e não o da validade intrínseca do acto de liquidação. A notificação não constitui condição de validade do ato tributário, podendo apenas diferir a sua eficácia ou oponibilidade (v. artigo 36.º, n.º 1 do CPPT e 77.º, n.º 6 da LGT), e não se confunde com o acto notificado, nem a deficiência da notificação retira ao acto a fundamentação que dele consta.
Neste conspecto, e conforme sugerido pela Requerida, a Requerente, se o entendesse necessário, poderia ter requerido cópia da fundamentação das liquidações que impugna, contando dessa forma com novos prazos de reacção, de acordo com o preceituado nos n.ºs 1 e 2 do art.º 37.º do CPPT:
“1 - Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação
legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros
requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do
prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão
caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a
passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento.
2 - Se o interessado usar da faculdade concedida no número anterior, o prazo para a
reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial conta-se a partir da notificação ou
da entrega da certidão que tenha sido requerida.”
Porém, como evidenciado, a Requerente demonstra ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, concretamente pelo modo como a contesta através do presente PPA.
Deriva do exposto a conclusão de que foram observados os requisitos de fundamentação dos actos tributários postos em crise, maxime os previstos no artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 da LGT, não se reconhecendo a ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, geradora de nulidade, nos termos do artigo 161.º, n.º 2, alínea d) do Código do Procedimento Administrativo (CPA), nem a violação de outras normas ou princípios jurídicos sancionadas com a anulabilidade, improcedendo, destarte, o vício de falta de fundamentação invocado pela Requerente.
2.2 – DA CADUCIDADE DOS ANOS FISCAIS DE 2016 E 2017
Além da parcial transcrição do Relatório da acção inspectiva, sobre esta álea da problemática submetida no PPA, a Requerente sintetiza a sua argumentação do modo seguinte:
- (…) o PRIT e os RITs retiram as suas conclusões relativas aos anos fiscais de 2018 e 2019 com base na análise aos resultados dos anos fiscais de 2016 e 2017 os quais, salvo melhor opinião, já não podiam ser considerados como fundamentação dos anos seguintes por estar já caducado o direito à liquidação destes anos.
- Tendo a inspeção como objeto o ano fiscal de 2018 e 2019, só concluiu sobre a utilização dos beneficios fiscais dos anos de 2018, 2019 e 2020 com base nas declarações dos anos fiscais de 2016 e 2017, referindo:
“Em 2016 e 2017, a dedução do benefício RFAI foi inferior ao possível, correspondente a 50% da coleta do grupo.
Em 2018, 2019 e 2020, a dedução de benefícios fiscais foi sempre inferior à coleta total do grupo.
Concluiu-se, assim, que a dedução dos benefícios fiscais RFAI e SIFIDE efetuada pela A... nos anos de 2016 a 2020, inclusive, não está em conformidade com as disposições legais aplicáveis, constantes nos artigos 90.º do CIRC e 23.º e 38.º do CFI.
...
Em 2016 e 2017, por estar em causa apenas o RFAI, o limite era de 50% da coleta, de acordo com o previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 23.º do CFI.
…
Relativamente ao RFAI, os montantes perdidos em 2016 e 2017 são os seguintes:
...
Obs.:
(b) Em 2016 corresponde à dotação inicial. Em 2017 corresponde ao saldo transitado de 2016.
(…)
A perda do benefício RFAI em 2016 e 2017, com o consequente esgotamento da dotação total em 2017, significa que em 2018 e 2019, os anos abrangidos pelo procedimento de inspeção a que respeita este relatório, apenas existe disponível para dedução o benefício SIFIDE.”
- Pelo que se requer que se constate o vício da fundamentação legalmente exigida por caducidade dos anos fiscais de 2016 e 2017.
A Requerida responde, resumidamente:
- (…) tendo a dedução do benefício fiscal RFAI em 2016 e 2017 sido inferior ao possível, correspondente a 50% da colecta do grupo, a Requerente perdeu, a título definitivo, os montantes não deduzidos naqueles exercícios, o que significa, como se disse atrás, que a dedução deste benefício se tivesse ocorrido como determina a alínea b) do n.º 2 do art.º 23.º do CFI seria concluída em 2017.
- Com efeito, de acordo com o n.º 1, alínea b) do n.º 2 e n.º 3 do art.º 23.º do CFI (aplicável ao RFAI), quando a dedução do benefício fiscal não possa ser efectuada integralmente por insuficiência de colecta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo nas liquidações dos 10 períodos de tributação seguintes até à concorrência de 50 % da colecta do IRC apurada em cada período de tributação e nas liquidações dos 8 períodos seguintes, nos termos do n.º 4 do art.º 38.º (aplicável ao SIFIDE).
- (…) neste caso concreto, existindo colecta disponível para a dedução dos referidos benefícios fiscais, ela deveria ter sido utilizada na totalidade... não transitando qualquer RFAI para dedução nos períodos de tributação seguintes (2018 e 2019).
- Importa ainda assinalar que o n.º 3 do art.º 45.º da LGT prescreve que, caso tenha sido efectuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito, ou seja, o prazo de caducidade da dedução é o previsto na lei que permitir o respetivo crédito, neste caso, a lei que tiver criado o benefício fiscal, o CFI.
- (…) havendo colecta, o prazo de caducidade do RFAI era o do exercício daquele direito, ou seja 2016 e 2017, pelo que o RFAI deduzido pela Requerente em 2018 e 2019 era indevido, não havendo qualquer vício que se escore numa alegada, todavia, inexistente, caducidade dos anos fiscais de 2016 e 2017.
- Sendo os benefícios fiscais atribuídos com dilação por vários períodos de tributação e condicionados à colecta de IRC disponível, foi acautelada a caducidade do IRC através do n° 3 do art.º 45° da LGT que refere que "Em caso de ter sido efetuada qualquer dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito.", pelo que a correcção a efectuar ocorre em 2018, data em que foi exercido o direito ao benefício fiscal RFAI.
Adianta-se, desde já, que prevalece o argumento esgrimido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, sendo inquestionável a leitura e interpretação que faz do disposto no artigo 45.º, n.º 3 da LGT.
Acresce-lhe, aliás, o argumento de que o prazo de caducidade (quatro anos) sempre estaria suspenso nos termos do artigo 46.º, n.º 2, alínea c), da LGT, que estabelece que «o prazo de caducidade suspende-se ainda (...), em caso de benefícios fiscais de natureza condicionada, desde a apresentação da declaração até ao termo do prazo legal do cumprimento da condição».
Ora, o RFAI é um benefício fiscal de natureza condicionada, estando prevista na alínea c) do n.º 4 do artigo 22.º do Código Fiscal do Investimento (CFI) a obrigação de manutenção dos bens objecto de investimento «na empresa e na região durante um período mínimo de três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas … ou cinco anos nos restantes casos…».
Enquanto tal, e em face do alegado, torna-se evidente que o prazo de caducidade do direito de liquidação esteve suspenso, pelo menos, até três anos após as datas dos investimentos, isto é, até final de 2019.
Donde se conclui que, nas datas das liquidações impugnadas – sendo a mais recente a Liquidação n.º 2023 ..., emitida a 20.02.2023 -, não tinha ocorrido a caducidade do direito de liquidação quanto às correcções ao RFAI que, na óptica da AT, deveria ter sido deduzido em 2016 e 2017.
2.3 – DA ERRÓNEA QUALIFICAÇÃO E QUANTIFICAÇÃO DOS RENDIMENTOS
Sob esta epígrafe, alega a Requerente em resumo:
- O erro é, em suma, fazer o cálculo dos beneficios fiscais à sociedade dominante com base na coleta total do grupo para chegar a 50% desse montante, esquecendo-se que o resultado tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.
- Da análise às declarações de rendimentos do grupo, verifica-se que nos anos de 2016 a 2020, inclusive, a A... deduziu à coleta os seguintes benefícios fiscais, pertencentes à sociedade dominada B... SA:
- Sendo a A... a sociedade dominante, deduziu na totalidade os benefícios fiscais deduzidos pelas suas sociedades dominadas e que, no caso foi apenas a sociedade B... SA, como aliás demonstra a inspeção.
- Se a sociedade dominada B... SA, única participada que deduziu benefícios fiscais, deduziu o montante máximo que tinha a deduzir, ou seja 50% da sua coleta, a sua sociedade dominante e ora impugnante não podia deduzir mais e cumpriu assim, na íntegra, a dedução a que está obrigada até ao máximo de 50% da coleta do grupo.
- Junta-se como quadro 13, um quadro resumo da única sociedade participada da impugnante que deduziu beneficios fiscais (a sociedade B...), onde se demonstra as deduções feitas por esta sociedade desde 2016 e que estão no limite do que lhé é possível deduzir.
- A seguir como boas as conclusões da inspeção, teriamos a sociedade dominada B... a deduzir o valor máximo que esta sociedade pode deduzir e, simultaneamente, a sociedade dominante, ora impugnante, a deduzir um valor ainda maior, desde que equivalente com 50% da coleta de todo o grupo, sem qualquer conciliação contabilistica, fiscal e financeira com a realidade que se observa nas sociedades participadas.
Acerca desta temática, que constitui a questão fulcral, a Requerida assume a posição que segue, resumidamente:
- A questão que se impõe elucidar é se o valor dos benefícios fiscais a deduzir à colecta de IRC, na declaração de rendimentos do Grupo, é aferido em relação à colecta do grupo ou se é o relativo a cada uma das sociedades individuais aferido de forma individual por cada uma das sociedades.
- No caso sub juditio a Requerente deduziu à colecta os benefícios fiscais pertencentes à
sociedade dominada B..., S.A., a qual integrou o perímetro do grupo sujeito ao RETGS em 01.01.2007, pelo que, nos períodos de tributação de 2018 e 2019, já há muito fazia parte do grupo… a dedução é efectuada à colecta do grupo e até ao limite da mesma.
- No que concerne à dedução de benefícios fiscais apurados pela sociedade promotora do
RFAI e SIFIDE (neste caso, a sociedade B..., S.A.), no âmbito do grupo, deverá aplicar-se a regra geral prevista no n.º 6 do art.º 90.º do CIRC, segundo a qual "quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.”
- No mesmo sentido se pronunciou a AT na Ficha Doutrinária 1203/2020, PIV n.º 17265, com despacho de 24.03.2019, da Subdiretora-Geral do IR, que refere basicamente que, apesar de ser um benefício concedido individualmente (naquele caso, tratava-se do benefício fiscal SIFIDE), a sua dedução no âmbito do grupo, deverá atender aos pressupostos existentes à data em que nasce o direito ao benefício, o qual opera por dedução à colecta.
- No caso em dissídio, estamos perante uma sociedade com direito a deduzir benefícios fiscais que faz parte de um grupo tributado pelo RETGS, pelo que se encontra abrangido pela segunda parte do ponto anterior desta informação, i.e., as deduções de RFAI e SIFIDE relativas à sociedade B..., S.A. são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1, até à concorrência de 50% da colecta (RFAI) e até ao limite da mesma (SIFIDE).
- Face ao exposto, é manifestamente correcta conforme a Lei a correcção efectuada em 2018 e 2019 e aqui contestada relativa à perda de benefícios fiscais referentes a períodos de tributação anteriores por incumprimento da alínea b) do n.º 2 e n.º 3 do art.º 23.º, bem como n.ºs 1 e 4 do art.º 38.º, todos do CFI, tendo esses valores sido substituídos, pelos SIT, pela dedução de benefícios fiscais disponíveis (benefício SIFIDE), com os demais efeitos subsequentes.
Cumpre decidir.
Neste capítulo, pode avançar-se que a razão pende para o lado da Requerente. Para além da jurisprudência invocada no PPA (itens 62 e segs.), que aqui se dá por reproduzida, temos como absolutamente relevante a expressa na DA emitida no P. 765/2020-T, de 07-07-2021, segundo a qual:
“O artigo 90.º, n.º 2, do CIRC estabelece a ordem das deduções à colecta de IRC, em que se incluem os benefícios fiscais, e o n.º 6 do mesmo artigo estabelece que «quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1».
Decorre do teor literal do n.º 6 que, nos casos de aplicação do RETGS, apesar de o IRC incidir sobre a colecta do grupo, as deduções de benefícios fiscais não deixam de ser apuradas relativamente «a cada uma das sociedades» do grupo, sendo a única diferença em relação à tributação individual a colecta a que se faz a dedução que passa a ser a do grupo, sobre que incide o IRC.
A alínea b) do n.º 6 do artigo 120.º, ao estabelecer que, nos casos de aplicação do RETGS,
«cada uma das sociedades do grupo, incluindo a sociedade dominante, deve enviar a sua declaração periódica de rendimentos na qual seja determinado o imposto como se aquele regime não fosse aplicável» confirma que a aplicação do RETGS não afasta o apuramento da colecta e do imposto que com base nela seria devido por cada uma das sociedades do grupo.
Neste apuramento do imposto individual que seria devido «se aquele regime não fosse aplicável» entram, necessariamente, os benefícios fiscais que operam por dedução à colecta, pois o imposto que seria devido seria o que resultaria da aplicação da taxa à colecta individual.
O que significa, assim, que, se a empresa que fez o investimento não tivesse qualquer colecta ou tivesse colecta insuficiente para deduzir a totalidade dos benefícios fiscais que operam através de dedução à colecta, não poderia efectuar qualquer dedução dos benefícios fiscais ou só poderia efectuá-la até ao limite da sua colecta.
Da remissão para o artigo 90.º do CIRC que se faz no artigo 4.º do SIFIDE decorre que, quanto a deduções à colecta, a única diferença que advém da aplicação do RETGS em relação à tributação individual das sociedades que integram o grupo é que a dedução se faz à colecta do grupo, o que se justifica por ser a que serve de base à liquidação do imposto.
Mas, as deduções que se fazem à colecta, também neste caso, são as «relativas a cada uma das sociedades» (em que se incluem as deduções individuais da sociedade dominante).
Não há, assim, nesta leitura do artigo 4.º do SIFIDE e dos artigos 90.º e 120.º do CIRC, qualquer lacuna de regulamentação quanto à aplicação SIFIDE aos grupos de sociedades, quer os investimentos sejam realizados por sociedades que já integram o grupo, quer o sejam por sociedades que os realizaram antes de o integrarem: em qualquer dos casos, determinam-se os benefícios fiscais relativos «a cada uma das sociedades», nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 120.º do CIRC e são esses benefícios fiscais que são deduzidos à colecta do grupo, nos termos dos n.ºs 2 e 6 do artigo 90.º.
É este o regime geral de dedução de benefícios fiscais no âmbito da tributação dos grupos de sociedades, pelo que não existe a anómala opção legislativa pela falta de regulamentação geral de uma situação carecida de regulamentação alegada pela Requerente.
Esta interpretação, que decorre do teor literal destas normas, está em perfeita sintonia com a opção legislativa de fazer depender a concretização do benefício fiscal da rendibilidade da empresa que faz os investimentos e não da rendibilidade o grupo e com a intenção de possibilitar
«a dedução à colecta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento)», declarada no Relatório do Orçamento do Estado para 2011.
Os regimes dos prejuízos fiscais e da derrama municipal no âmbito do RETGS não têm qualquer relevância nesta esta situação de dedução de benefícios fiscais, que está especialmente
regulada nos n.ºs 2 e 6 do artigo 90.º do CIRC. Por outro lado, se é certo que, como afirma a Requerente, «o regime de RETGS assenta numa lógica de tributação agregada segundo a qual o grupo societário é tributado, para efeitos de IRC, pelo seu resultado agregado, como se de uma só entidade se tratasse», esse tratamento fiscal unitário não é absoluto, como resulta das normas dos artigos 90.º, n.º 6 e 120.º, n.º 6, alínea b) do CIRC.
Os regimes que estão especialmente previstos para os benefícios fiscais de dedução por lucros retidos e reinvestidos no artigo 29.º, n.º 5, do CFI, e para o crédito fiscal extraordinário ao investimento (CFEI), no artigo 3.º, n.º 5, da Lei n.º 49/2013, de 16 de Julho, não são aplicáveis ao SIFIDE, mas confirmam que, nos casos de aplicação do RETGS, os benefícios fiscais dependem da «coleta que seria apurada pela sociedade que realizou as despesas elegíveis, caso não se aplicasse o regime especial de tributação de grupos de sociedades». A previsão destas normas especiais explica-se por os regimes que delas decorrem não serem totalmente idênticos ao que resulta do artigo 90.º do CIRC, pois prevê-se naqueles regimes especiais, para a além do limite quantitativo determinado com base na colecta da sociedade cuja actividade gerou o benefício fiscal, um outro limite quantitativo derivado da colecta do grupo, não previsto no CIRC.
Assim, não se prevendo na lei qualquer alteração do montante e condições de atribuição do benefício fiscal nos casos em que a empresa que fez as despesas integrar um grupo de sociedades, mantém-se o benefício fiscal adquirido (como é aceite por ambas as Partes), nos termos em que o foi, isto é, sujeito à condição de existir colecta de IRC da empresa que fez as despesas, dentro do período aplicável, como decorre do n.º 6 do artigo 90.º do CIRC.
Na verdade, não há suporte legal para que a condição a que está sujeito o benefício fiscal de existir colecta de IRC da empresa que faz os investimentos elegíveis seja modificada nos casos de ser aplicado o RETGS, deixando a condição de ser a existência de colecta da empresa que fez as despesas de investimento para passar a ser a existência de colecta do grupo.”
Em face da explanação que antecede, da qual não se vislumbram motivos para divergir, impõe-se reconhecer o mérito da pretensão submetida no PPA, no sentido de que a sociedade dominada B... SA, única participada que deduziu benefícios fiscais, deduziu o montante máximo que tinha a deduzir, ou seja, 50% da sua coleta (Factos provados G e H) e, consequentemente, a sociedade dominante aqui Requerente não podia deduzir mais, tendo cumprido o que está determinado por lei, em função do previsto nos artigos 90.º, n.º6, e 120.º, n.º 6, al, b) do CIRC.
Nessa medida, cumpre declarar a procedência do pedido principal formulado pela Requerente.
V. Decisão
Decorrendo do exposto, decide este Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral e, em consequência:
- I) Anular os actos de liquidação de IRC aqui impugnados, supra identificados e referentes aos períodos de tributação de 2018 e 2019, por erro nos pressupostos de facto e de Direito;
- II) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira aqui requerida nas custas do processo.
VI. Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em 23.516,67€ , nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e do artigo 306.º, n.º 2, do CPC, ex vi artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. Custas
Custas no montante de 1.224,00 €, a cargo da Requerida, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5, do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.[1]
Notifique-se.
Lisboa, 11 de Dezenbro de 2023.
O Árbitro,
(A. Sérgio de Matos)
[1] O Processo de Arbitragem Tributária não comporta o pagamento de custas de parte - vide RJAT (artigo 29.º), e RCPPAT (artigo 2.º).