Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 342/2014-T
Data da decisão: 2014-11-12  IMT  
Valor do pedido: € 52.796,25
Tema: IMT - regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março
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Decisão Arbitral

Processo n.º 342/2014-T

 

I.                   Relatório

 

1.      A…, S.A., (doravante, “Requerente”), sociedade inscrita sob o NIPC …, com sede …, no ..., abrangida pelo âmbito territorial do Serviço de Finanças do ..., veio, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, RJAT) em conjugação com a alínea a) do artigo 99.º e a alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º daquele Decreto-Lei, requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

2.      É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

3.      A Requerente pretende a anulação do ato de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no valor de € ..., praticado pelo Serviço de Finanças ..., relativo à aquisição onerosa de duas frações autónomas de prédio urbano integrado em empreendimento turístico.

4.      A Requerente fundamenta a sua pretensão alegando a ilegalidade do referido ato de liquidação, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro, e, por entender que se trata de um ato de “revogação da concessão do benefício fiscal”, também com fundamento na violação do disposto no art. 141.º do Código do Procedimento Administrativo.

5.      A Requerente optou pela não designação de árbitro.

6.      Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou o árbitro do tribunal arbitral, o qual comunicou a aceitação daa designação no prazo aplicável.

7.      As partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

8.      Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 26-06-2014.

9.      A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, não tendo suscitado qualquer exceção.

10.  Por despacho de 30-09-2014, o Tribunal decidiu não realizar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por haver acordo das Partes nesse sentido.

11.  Foram ouvidas duas testemunhas, arroladas pela Requerente, mediante aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo n.º 102/2014-T e no processo n.º 110/2014-T, com fundamento no disposto no artigo 421.º, n.º 1, 1.ª parte, do Código de Processo Civil.

12.  Através do despacho de 30-09-2014, o Tribunal concedeu à Requerente o prazo de 20 dias para juntar aos autos o documento n.º 5, que havia protestado juntar no pedido de pronúncia arbitral, junção essa que não veio a ocorrer.

13.  A Requerente apresentou as suas alegações, sustentando que:

6.        Os proprietários não detêm autonomia e gozo pleno para fins próprios da propriedade que adquiriram, dispondo dela para a exploração comercial turística.

7. Os adquirentes das fracções foram co-financiadores do empreendimento, o qual, aliás, só avançou após estar reunida uma pool de investidores (i. é, os adquirentes).

8.    Foi a intervenção dos adquirentes que viabilizou a concretização e instalação do empreendimento, estando claro desde o início que estes assumiam a sua intervenção em parceria com o promotor e seguindo o plano determinado por este.

7.      Após citar abundantemente a decisão arbitral proferida no âmbito do processo 122/2014-T, onde se afirma que o regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de março, “não é aplicável ao caso concreto por ter entrado no ordenamento jurídico posteriormente à transmissão”, a Requerente sustenta ainda, nas suas alegações, que:

13.    Reveste crucial importância para a boa apreciação dos factos invocados e, consequentemente para a boa decisão da causa, a compreensão exacta destes contornos que conduziram à implementação do empreendimento ali em causa.

14.    Importa também ter presentes os pressupostos que conduziram à promoção do empreendimento, quer na óptica da entidade promotora propriamente dita, quer ainda, na óptica dos adquirentes das fracções que com ela actuaram nesse intento.

15.    Os contornos deste empreendimento em concreto e, bem assim, dos negócios efectuados por cada um dos adquirentes das fracções, são completamente distintos de quaisquer outros que se tenham realizado até então, pelo que devem ser apreciados e valorizados de acordo com esse carácter distinto e inovador.

16.    De acrescentar ainda que a requerente é uma sociedade cujo objecto social se destina precisamente à gestão e à administração de imóveis, circunstância que vem enfatizar o excurso antecedente.

17.    Termos em que deve a prova produzida ser valorada e apreciada no sentido de permitir ao tribunal uma análise distinta da matéria em apreço nos autos, mormente pela evidente distinção que há entre esta situação e aqueloutra configurada no acórdão do STA, de 23/01/2013, que serve como única base argumentativa da AT.

8.      A Requerida apresentou contra-alegações, onde sustenta que a norma em causa (contida no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05 de dezembro) consagra um benefício fiscal dirigido à “instalação” de empreendimento de utilidade turística e que “a aquisição de uma fracção em data posterior ao da emissão de licença de utilização, como é o caso em apreço, não pode beneficiar por falta de enquadramento legal do benefício previsto na citada norma” (n.ºs 4 e 5 das alegações).

9.      Após citar profusamente o Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, do STA, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 04.11.2013, e fazendo também referência ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º ..., “cujos factos ocorreram ainda na vigência do Decreto-Lei n.º 167/97”, a Requerida alega ainda que:

10. Se o legislador quisesse abranger a actividade de instalação e a de exploração dos empreendimentos turísticos teria sido tão claro quanto o foi no art. 16º do mesmo diploma, cujo normativo pretendeu beneficiar tanto empresas proprietárias como exploradoras, à semelhança do que acontece com o nº 2 do art. 20º.

11. A propósito do nº 2 do art. 20º do citado diploma, a letra da lei não deixa margem para dúvidas: ao alargar excepcionalmente a isenção prevista no nº 1 às aquisições a favor de empresa exploradora, nas circunstâncias restritivas que descreve, o legislador é claro em excluir daquele benefício todas as restantes transmissões.

[…]

13. Justamente, a aquisição efectuada pela Requerente, já em momento posterior ao da licença de utilização e, por conseguinte, depois da fase de instalação do empreendimento turístico, destina-se à exploração comercial e ao seu usufruto e não à instalação do empreendimento.

14. Mesmo que a aquisição de fracções ocorra ainda em fase de licenciamento e construção do empreendimento, não se pode considerar que esses adquirentes por contribuírem para o financiamento possam ser considerados promotores.

15. Na verdade o adquiriente não tem qualquer responsabilidade da instalação do referido empreendimento, limitando-se a investir em produtos imobiliários no âmbito do denominado turismo residencial e não a instalar o empreendimento turístico.

16. Aliás não ficou provado que a Requerente tenha actuado como promotora ou invsetidora do empreendimento e muito menos que a aquisição da referida fracção tenha tido qualquer influência na entrada em funcionamento do mesmo.

[…]

20. O benefício fiscal de isenção de IMT previsto no nº 1 do art. 20º do Decreto-Lei nº 423/83 é um benefício de natureza automática que decorre directa e imediatamente da lei, ou seja, opera por efeito da lei sem carecer da prática de qualquer acto administrativo, seja ela um acto expresso ou tácito.

21. O benefício fiscal previsto naquele art. 20º não é, por conseguinte, susceptível de poder ser concedido através de um qualquer acto administrativo, e ainda menos através de um acto administrativo praticado por entidades sem poderes para o efeito, como vem a ser o caso do Notário em cujo Cartório é outorgada a escritura e do Conservador em cuja Conservatória se procede ao competente Registo Predial, o qual seria um acto nulo nos termos do art. 133º do CPA.

22. Em suma, tendo em conta o enquadramento jurídico-tributário dos factos, considera-se que a aquisição em apreço não beneficia da isenção de IMT prevista no nº 1 do art 20º do citado Decreto-Lei 423/83, uma vez que a aquisição efectuada pela Requerente, já em momento posterior ao da licença de utilização e, por conseguinte, depois da fase de instalação do empreendimento turístico, destina-se à exploração comercial e ao seu usufruto e não à instalação do empreendimento.

Nestes termos e nos mais de direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, deverá ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, pois que o ato recorrido corresponde a uma correcta interpretação e aplicação da lei, tudo com as devidas e legais consequências.

 

10.  O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

11.  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

12.  Não se vislumbra qualquer nulidade.

 

II.                Matéria de facto

a.      Factos provados

13.  Consideram-se provados os seguintes factos:

13.1.A Requerente é uma sociedade que tem como objeto a “realização e gestão de investimentos na área imobiliária”;

13.2.A Requerente adquiriu, por escritura pública celebrada em 12-09-2006, à sociedade B…– ... S A. – inscrita sob o NIPC…–, as fracções “U” e “AA”, do prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de … sob o n.° , integrado no Empreendimento Turístico C..., sito na …;

13.3.Na referida escritura é feita menção expressa de que a transmissão se encontrava isenta de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, ao abrigo do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro;

13.4.Através de ação inspetiva realizada pela Direção de Finanças de ..., ao abrigo da OI...…, os serviços de inspeção tributária concluíram que aquela transmissão não reunia os pressupostos legais da isenção referida supra, com os fundamentos que constam do relatório de inspeção;

13.5.Com base no referido relatório e após a Requerente ter exercido o seu direito de audição, os serviços competentes procederam à liquidação do imposto tendo por base o preço de aquisição, no montante de € 812 250,00, à taxa de 6,5%, prevista na al. d) do art. 17.º do CIMT, apurando o imposto em dívida no montante de € 52 796,25;

13.6.A liquidação foi notificada à Requerente através de ofício, de 16-12-2013, do Serviço de Finanças de ...;

 

b.      Factos não provados

14.  Dos factos com interesse para a decisão da causa, não se provaram os que não constam da factualidade descrita supra.

 

 

c.       Fundamentação da decisão da matéria de facto

15.    Os factos foram dados como provados com base na prova documental, nas afirmações não controvertidas das Partes e nas declarações das duas testemunhas ouvidas.

 

III.             Matéria de direito

16.    Fixada a factualidade relevante, verifica-se estar em causa no presente processo exclusivamente matéria direito, centrada na interpretação do preceito contido no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05-12.

17.  O n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 prevê que “[S]ão isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino a instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento”.

18.  Na tarefa de interpretação do preceito citado supra assume relevo decisivo a desocultação do sentido da expressão “com destino a instalação”.

19.  No Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23-01-2013, proferido no processo n.º 968/12, em julgamento ampliado, nos termos do disposto no art. 148.º do CPTA, que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 04-11-2013, o conceito de instalação é compreendido nos seguintes termos:

       “O conceito de “instalação”, para efeitos dos benefícios a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de fracções autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a “exploração” e não com a “instalação””.

20.    Os fundamentos desta orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Administrativo encontram-se sintetizados, de forma clara, no sumário do acórdão citado, que a seguir se transcreve:

 “I – Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” (art. 11.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).

II – No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de actos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, arts. 23.º ss).

III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos.

IV – Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».

V – Nos empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou fracções autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no art. 52.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessária a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projectadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo.

VI – O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento.

VII – Quem adquire as fracções não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as fracções podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural).

VIII – Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.

IX – Este resultado interpretativo é o que resulta do elemento histórico, racional/teleológico e também literal das normas jurídicas em causa.

X – “Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º/1 do EBF) (…)” e embora admitindo a interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.º/2 do C. Civil), para além de que porque representam uma derrogação da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante”.

21.  Adere-se a esta orientação jurisprudencial e aos respetivos fundamentos, não se vislumbrando razões jurídicas que pudessem justificar entendimento diferente do seguido no aresto citado.

22.  Com efeito, mesmo considerando que os factos ora em apreciação ocorreram em momento anterior à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, mantem-se a pertinência e o acerto do entendimento expresso no citado acórdão uniformizador de jurisprudência.

23.  Na verdade, é afirmado, e bem, no acórdão uniformizador de jurisprudência citado que:

“Como assinala ... (Cfr. “... CEDOUA-FDUC, Almedina, Coimbra, pp. 180 ss.), a verdadeira alteração de fundo introduzida pelo diploma em causa respeita à exploração dos empreendimentos turísticos em propriedade plural, com consagração expressa no art. 45º do Decreto-Lei nº 39/2008. Já em diplomas anteriores, tal como o Decreto-Lei nº 167/97, se admitia a aquisição de fracções autónomas, o que implicava que tais unidades de alojamento fossem retiradas da exploração dos empreendimentos turísticos, estando fixada a percentagem máxima de unidades de alojamento que poderiam ser desafectadas da exploração.

O que muda com o Decreto-Lei nº 39/2008 é o facto de as unidades de alojamento se considerarem sempre em exploração turística, aplicando-se a regra do art. 45º a todos os empreendimentos, incluindo os constituídos em propriedade plural, ou seja, em que as unidades de alojamento se possam constituir como fracções autónomas, uma vez que a exploração turística ocorre ainda que tais fracções estejam ocupadas e ainda que tal ocupação seja permanente.

Segundo a mencionada Autora, são duas as principais novidades em relação ao regime anterior: cai por terra “a percentagem e o limite temporal de uso pelos proprietários das unidades de alojamento que estivessem afectas à exploração turística” (Cfr. ob. cit., p. 184.).

Do exposto resulta claro que as alterações relevantes introduzidas pelo diploma em causa prendem-se sobretudo com um novo conceito de «exploração», em nada se alterando quanto ao conceito de «instalação». Em relação a este conceito, como vimos, o legislador limitou-se a simplificar o seu procedimento.”

24.    A isenção prevista no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro visa incentivar os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos a concretizarem a sua intenção.

25.    É tendo em conta os riscos associados à criação de empreendimentos turísticos, assumidos pelo promotor, e à importância destes para o desenvolvimento do setor turístico em Portugal, que se justifica a concessão do benefício fiscal previsto no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro.

26.    Ora, considerando o conceito de “instalação” expresso no acórdão uniformizador de jurisprudência citado supra, e por nós sufragado, conclui-se que, processo sub judice, a Requerente não adquiriu as frações com “destino à instalação” do empreendimento, mas sim tendo em vista a sua exploração comercial, não beneficiando da isenção prevista no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de dezembro.

27.    Na verdade, a pré-comercialização de frações pelo promotor não faz do adquirente “co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação” VII do sumário do Acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, do STA).

28.    Deste modo, entende-se que a Requerente não comparticipou na instalação do empreendimento nem atuou como promotora do mesmo.

29.    Ora, este entendimento não conflitua com a coerência do sistema fiscal, designadamente quando se considera o disposto no n.º 1 do art. 47.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.

30.    Nos termos deste preceito, “estão isentos de imposto municipal sobre imóveis, por um período de sete anos, os prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística”.

31.    Note-se que, contrariamente ao que faz no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, o legislador não faz depender a isenção em sede de IMI do destino dado aos imóveis adquiridos.

32.    E se o legislador faz essa distinção, não cabe ao intérprete desconsiderá-la.

33.    Ou seja, o preceito contido no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83 não pode ser interpretado como se não contivesse a expressão “destinado à instalação”, nem fazer-se uma interpretação tão ampla do significado deste preceito que a sua distinção face a outros, designadamente o de exploração, esvaziasse de sentido a referida condição imposta pelo legislador.

34.    E face às naturezas e lógicas distintas do IMT e do IMI compreende-se que as condições exigidas para que os adquirentes (em sede de IMT) ou os proprietários (em sede de IMI) beneficiem de determinadas isenções sejam distintas.

35.    Não se considera, também, que tenha havido violação dos princípios da segurança e da certeza jurídicas.

36.    Uma interpretação incorreta da lei fiscal pelo Notário e pelo Conservador, em observância do dever de fiscalização do cumprimento das obrigações impostas pelo Código do Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (art. 54.º do CIMT), não determina a consolidação do direito ao benefício na esfera jurídica da Requerente.

37.    Nem o Notário ou o Conservador se substituem à Autoridade Tributária e Aduaneira no exercício de uma competência especializada de fiscalização em matéria tributária.

38.    A Requerente poderia ter apresentado à Autoridade Tributária e Aduaneira, previamente à aquisição das frações, um pedido de informação vinculativa, ao abrigo do disposto no art. 68.º da Lei Geral Tributária, tendo em vista acautelar as suas expectativas, todavia não o fez.

39.    Ora não pode a Autoridade Tributária e Aduaneira ficar vinculada a uma interpretação da lei fiscal pelo Notário e pelo Conservador como se se tivesse pronunciado, ela própria, através de uma informação vinculativa, caso em que valeria o disposto no n.º 14 do art. 68.º da LGT.

40.    Pela mesma razão entende-se que o ato de liquidação em causa não ofende o princípio da boa-fé.

41.    Refira-se, ainda, que a liquidação foi feita e validamente notificada à Requerente dentro do prazo de 8 anos previsto no art. 35.º, nº 1, do Código do IMT, conjugado com o disposto nos n.ºs 1 e 4 do art. 45.º da LGT.

42.    Conclui-se, assim, pela legalidade e validade do ato de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no valor de € 52.796,25, praticado pelo Serviço de Finanças ..., relativo à aquisição onerosa das duas frações autónomas do prédio urbano integrado no Empreendimento Turístico C....

43.    Do exposto resulta também que o ato de liquidação praticado pela Autoridade Tributária e Aduaneira não configura uma revogação de um ato válido.

44.    Com efeito, e tal como referido supra, não se considera que tenha havido a consolidação do direito ao benefício na esfera jurídica da Requerente.

45.    Acresce que o benefício em causa tem natureza automática, pelo que a sua eficácia não está dependente de ato administrativo de reconhecimento, suscetível de revogação nos termos previstos no art. 141.º do Código do procedimento Administrativo.

 

 

IV.             Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

V.                Valor do processo

O valor do processo é fixado em € 52.796,25, conforme o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e Processo Tributário e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

VI.             Custas

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 12 de novembro de 2014

 

 

O Árbitro,

 

 

  Paulo Nogueira da Costa