Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 370/2023-T
Data da decisão: 2023-11-22  IUC  
Valor do pedido: € 3.786,55
Tema: IUC - incidência subjetiva – Artigo 3.º n.º 1 do CIUC
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SUMÁRIO

  1. O art. 3.º do Decreto-Lei n.º (DL) 41/2016, de 1 de agosto, estabelece que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.
  2. A incidência subjetiva basta-se com o mero registo do direito de propriedade em nome do sujeito passivo, sendo suficiente o nome da pessoa em que se encontra registada a propriedade do veículo.

 

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Pedro Guerra Alves, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído em 31-07-2023, decide o seguinte:

 

  1. Relatório

A... SA - SUCURSAL PT., doravante “Requerente”, NIPC..., com sede na Rua de ..., ..., ... - ..., ..., veio, em 22-05-2023, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Decreto‐Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e do artigo 102.º, n.º 1, alínea d), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA") contra os atos de liquidação de Imposto único de circulação (“IUC”) relativamente a 34 (trinta e quatro veículos automóveis), no montante global de € 3786,55 (três mil setecentos e oitenta e seis euros e cinquenta e cinco cêntimos), e contra o ato de indeferimento expresso do recurso hierárquico n.º ...2021..., notificado através do ofício n.º..., de 24/02/2023, e pretende a respetiva declaração de ilegalidade e anulação, bem como o reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”).

A Requerente fundamenta a sua pretensão, em síntese, nos seguintes termos:

  1. Os veículos automóveis, foram dados em contratos de aluguer de longa duração («ALD») ou de locação financeira («LSG») pela Requerente aos clientes.
  2. Todos estes clientes adquiriram, no termo de cada contrato, o veículo automóvel sobre o qual o mesmo incidia, mediante o pagamento do valor residual do bem locado, acrescido de despesas e IVA.
  3. Quer isto dizer que a propriedade de cada um dos veículos automóveis na maioria dos casos, havia sido transmitida para os seus anteriores locatários.
  4. Sendo certo que, os veículos automóveis com a matrícula ... e ... por motivo de «perda total» na sequência de um sinistro ocorrido antes do término do contrato, a propriedade não foi transmitida para o correspondente locatário, mas antes para a esfera da Seguradora com quem tinha sido celebrado o contrato de seguro.
  5. Não obstante, a Requerente foi notificada para proceder ao pagamento dos IUC, o que veio a fazer.
  6. A AT veio então exigir o pagamento dos IUC alegadamente em falta à Requerente, mesmo sabendo – ou devendo saber – que os veículos automóveis em apreço já não eram da propriedade da Requerente no momento (no ano, mais concretamente) em que os impostos deveriam ter sido pagos.
  7. Até porque no ano a que se reportam os atos tributários em contenda, os veículos automóveis já tinham saído (há muito) da esfera jurídica da Requerente, pertencendo a respetiva propriedade a outrem.
  8. Assim, nas datas respeitantes aos factos tributários que originaram estas liquidações, a Requerente já não era locadora nem proprietária daqueles veículos automóveis e, por conseguinte, não pode assumir a qualidade de sujeito passivo dos impostos que lhe foram erroneamente liquidados.
  9. A Requerente já não era proprietária dos veículos automóveis no ano em que os impostos se tornaram exigíveis, não sendo, por isso, o correspondente sujeito passivo em nenhuma das situações, ainda que, naqueles períodos, a transmissão dos aludidos veículos automóveis (e a nova propriedade de outrem) não estivesse registada junto da Conservatória do Registo Automóvel («CRA»).
  10. Até porque a Requerente tem vindo a proceder à apresentação dos competentes pedidos de registo da propriedade de todas as viaturas automóveis, em nome dos atuais proprietários, pedidos esses que têm sido instruídos com os correspondentes documentos comprovativos das transmissões, designadamente as faturas de venda, servindo tal documento como meio de prova válido e suficiente para efeitos de registo da propriedade em nome dos novos proprietários.
  11. A Requerente invoca a falta de fundamentação da AT, alegando que o fundamento invocado pela AT nos procedimentos graciosos assenta, sinteticamente, na seguinte linha de argumentação: a de que – nos anos em que se tornaram exigíveis aqueles IUC – a propriedade dos veículos automóveis ainda estava registada na CRA em nome da Requerente, apesar de os mesmos já terem sido alvo de transmissão, e a de que a falta de registo dos novos proprietários dos veículos automóveis identificados no Anexo A, no momento da exigibilidade dos IUC, determina que estes sejam assacados à Requerente.
  12. Quando, aquele registo – ou a sua falta – não pode ser em momento algum considerado elemento decisivo da responsabilidade tributária da Requerente, razão pela qual se encontram irremediavelmente feridos de ilegalidade quer o ato de indeferimento do recurso hierárquico, quer os atos tributários subjacentes – amplamente contestados.
  13. A Requerente sustenta, que a questão subjacente a este Pedido de Pronúncia Arbitral reside, essencialmente, em saber se a circunstância de a transmissão dos veículos automóveis descritos no Anexo A aos seus anteriores locatários, findo o contrato de ALD ou LSG, não ter sido registada junto da CRA, torna essa transmissão inoponível à AT, sobretudo, para efeitos de cobrança do imposto ao seu anterior proprietário, em concreto, à sua anterior entidade locadora.
  14. Como a jurisprudência maioritariamente arbitral tem realçado, nem mesmo durante a vigência de um contrato de LSG (vulgo, leasing) ou de um ALD deve a entidade locadora ser considerada sujeito passivo do imposto.
  15. Assim sendo, e por maioria de razão, menos ainda deve ser atribuída a incidência subjetiva deste imposto quando – após o término do contrato – o locatário exerce o seu direito a adquirir o bem locado pelo valor residual, acrescido de despesas e IVA, tornando-se, nestas circunstâncias, o (novo) proprietário do veículo automóvel outrora locado, passando a aplicar-se-lhes integralmente o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC.
  16. Com efeito, e fazendo novamente um apelo à (mecânica da) atividade de financiamento ao setor automóvel, no término destes contratos de leasing, a entidade locadora cessa definitivamente os seus vínculos para com aqueles veículos automóveis; vínculos esses que, como a jurisprudência arbitral tem largamente demonstrado, não eram (nem nunca foram), de maneira alguma, suficientes para comprometer a sua responsabilidade tributária, nem para ditar a incidência subjetiva do imposto.
  17. Quer isto dizer que a partir do momento em que os anteriores locatários adquirem os veículos automóveis (ou até terceiros em casos pontuais), em virtude das consequências obrigacionais, é apenas a estes – já na qualidade de (novos) proprietários dos mesmos –, que incumbe pagar os IUC e demais encargos associados, pelo menos só assim fará sentido à luz do princípio da equivalência, como fundamento e limite deste regime.
  18. E, aqui chegados, os atos de liquidação remetidos à Requerente apenas se compreenderiam se, por força da falta de registo atempado da transmissão dos veículos automóveis para os seus novos proprietários, os mesmos não devessem produzir os seus efeitos perante a AT.
  19. Sustenta a Requerente que se coloca, então, a questão de saber quem é, afinal, o sujeito passivo do IUC: se quem aparenta ser o proprietário por constar como tal no registo automóvel à data do facto tributário do imposto ou, pelo contrário, se o titular que consta do registo pode demonstrar que essa circunstância não traduz a realidade de facto, na medida em que, por exemplo, tinha vendido o veículo automóvel em data anterior à data de aniversário da matrícula?
  20. Defende que não subscrevem quaisquer argumentos que insinuam que o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC estabelece uma «presunção ilidível de incidência subjetiva» do imposto com base tão só no registo automóvel, desde logo, porque os efeitos do registo automóvel e o princípio da equivalência não apontam nessa direção, mas também porque esta proposta hermenêutica não se coaduna com os elementos gerais da interpretação das leis, nos termos dos artigos 11.º da Lei Geral Tributária («LGT») e 9.º do Código Civil («CC»).
  21. Termina a Requerente, peticionado a ilegalidade do ato de indeferimento do recurso hierárquico e da anterior reclamação graciosa, assim como dos 34 (trinta e quatro) atos de liquidação de IUC, sob pena de consentirmos uma violação desproporcional do princípio da equivalência, do princípio da igualdade, doo subprincípio da capacidade contributiva, todos constitucionalmente consagrados no artigo 13.º da CRP, bem como do princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado no artigo 18.º da CRP.  Requerendo-se, assim, o reembolso do montante € 3.786,55 (três mil setecentos e oitenta e seis euros e cinquenta e cinco cêntimos) relativo ao imposto indevidamente pago pela Requerente, bem como o pagamento de juros indemnizatórios, pela privação daquele montante, nos termos do artigo 43.º da LGT, calculados à taxa legal e contados desde a data de pagamento das liquidações.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 22-05-2023, e subsequentemente notificado à AT.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e na alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou o ora signatário como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11-07-2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 31-07-2023, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.

A Requerida apresentou a sua resposta, defendeu-se por impugnação, e juntou o processo administrativo (“PA”) em 27-09-2023, alegando, em síntese, o seguinte:

  1. Considerando o pedido, resulta que o cerne da questão aqui a ser resolvido subsume-se à determinação do âmbito da incidência subjetiva do IUC.
  2. A regra da incidência subjetiva, no CIUC, encontra-se tipificada no artigo 3.º do CIUC, cuja redação já sofreu alterações e cujo enquadramento importa considerar, porquanto se manifesta relevante na análise e compreensão desta questão, pelo que importa ter presente o escopo do regime instituído com a reforma da tributação automóvel, levada a efeito pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, que aprovou o CIUC, abolindo os anteriores impostos que vigoravam sobre os veículos automóveis.
  3. Com a entrada em vigor do CIUC alterou-se de forma substancial o regime da tributação dos veículos, passando a propriedade, tal como atestada pelo registo, a ser o elemento definidor das regras de incidência, independentemente do uso ou fruição do veículo.
  4. Nesse sentido o imposto passou a ser devido pelas pessoas que figuram no registo como proprietários dos veículos.
  5. Considerando a sistemática do imposto, nomeadamente o âmbito da incidência subjetiva e o facto constitutivo da correspondente obrigação de imposto, verifica-se que o legislador quis expressa e intencionalmente, e no âmbito da sua liberdade de conformação legislativa, criar  um imposto único de circulação assente na tributação do proprietário do veículo tal como constante do registo automóvel.
  6. O registo automóvel manifesta-se como um elemento determinante em todo o imposto, relacionando-se com o facto gerador, com a conexão fiscal, com o início do período de tributação e bem assim com todos os elementos essenciais e atinentes à liquidação do imposto.
  7. Desde logo se denota que o legislador pretendeu proceder a uma alteração do regime de tributação automóvel até então vigente, especificamente na determinação do sujeito passivo, ou seja na pessoa a quem se torna exigível o imposto.
  8. Com efeito, verificou-se uma alteração quanto ao estabelecido no Regulamento do Imposto Municipal sobre Veículos (Decreto-Lei n.º 143/78, de 12 de junho), bem como no Regulamento dos Impostos de Circulação e Camionagem (Decreto-Lei n.º 116/94, de 3 de maio), ambos substituídos pelo CIUC, nomeadamente, na medida em que estes estabeleciam, claramente e expressamente, uma presunção.
  9. Resulta claro, a diferença da opção legislativa na determinação do âmbito da incidência subjetiva do imposto, ao não ter sido opção do CIUC, de uma redação idêntica à que vigorava nos impostos até então em vigor e substituídos por este imposto.
  10. Defende a Requerida, é que a Requerente poderia ter-se socorrido dos instrumentos legais ao seu dispor para promover a atualização dos registos de propriedade, caso assim o entendesse, o que não fez.
  11. Sendo o facto gerador do imposto constituído pela propriedade do veiculo, tal como atestado pela matrícula ou registo em território nacional, cf. art.º 6.º do CIUC, e estabelecendo o legislador de forma inequívoca e clara, que os sujeitos passivos são os proprietários dos veículos, em nome das quais os mesmos se encontram registados, conforme o disposto no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, não restava outra alternativa à AT senão liquidar o imposto em causa, pois é na ora Requerente que se verifica o facto gerador do imposto e os elementos de incidência objetiva e subjetiva (artigos 2.º, 3.º e 6.º, n.º 1 do CIUC).
  12. Assim, e no sentido de atribuir segurança e certeza jurídicas na relação jurídico-tributária, em conformidade com a realidade negocial, o artigo 3.º do IUC estabelece, como pilar estrutural do IUC, que a incidência subjetiva se afere pela pessoa em nome de quem está registada a propriedade do veículo na CRA, sendo o registo obrigatório nos termos do Decreto Lei n. 54/75, de 12 de fevereiro.
  13. Regra esta, que em nada contende com o princípio da equivalência, na exata medida em que cumpridas pelas partes as obrigações de registo, tal princípio permanece incólume.
  14. Conclui-se, pois, que a Requerente não tem razão, e que persiste em fazer uma análise enviesada da letra da lei, e uma interpretação que não atende ao elemento sistemático, violando a unidade do regime consagrado no Código do IUC e no sistema jurídico-fiscal, devendo as liquidações manterem-se, dado que não enfermam de erro ou vício.
  15. Termina a Requerida, peticionando que deve ser julgado improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários de liquidação impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.

No dia 27-10-2023, realizou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e inquiridas as testemunhas arroladas e apresentadas pela Requerente. As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas finais e o Tribunal indicou a data previsível para prolação da decisão arbitral, com advertência da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente pela Requerente até essa data (v. ata que se dá por reproduzida e gravação áudio disponível no SGP do CAAD).

Requerente e Requerida apresentaram as suas alegações em 13/11/2023 e 14/11/2023 respetivamente, reafirmando, no essencial, a posição assumida nos respetivos articulados.

 

  1. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente para apreciar da legalidade de atos de liquidação de IUC, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea a) do CPPT.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Matéria De Facto

§3.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão da causa:

  1. A Requerente é uma instituição de crédito, e uma parte substancial da sua atividade reconduz-se à celebração de contratos de locação financeira ou de aluguer de longa duração, destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis. cf. PPA da Requerente.
  2. A Requerente, depois de contactada pelo cliente – que, nessa fase, escolheu já o tipo de veículo automóvel que pretende adquirir, as suas características (marca, modelo, acessórios, etc.), e inclusive o seu preço – adquire a viatura ao fornecedor que lhe for indicada pelo cliente, e procede, de seguida, à sua entrega ao respetivo cliente – que assume, pois, a qualidade de locatário. cf. PPA da Requerente
  3. De acordo com cada um destes contratos, o financiamento concedido ao locatário pela Requerente é restituído (dito de outro modo, recuperado) em prestações mensais, sob a forma de rendas; uma vez liquidadas as rendas, e assim alcançado o termo do correspondente contrato, o locatário tem o direito de adquirir o bem locado mediante o pagamento do valor residual da viatura automóvel, acrescido de despesas e IVA. cf. PPA da Requerente e conforme prova testemunhal.
  4. Os seguintes veículos automóveis, alvo das presentes liquidações, foram dados em contratos de aluguer de longa duração («ALD») ou de locação financeira («LSG») pela Requerente, com as seguintes matriculas, correspondentes as respeptivas liquidações:

Veículo automóvel (matrícula)

Mês da matrícula

N.º de liquidação adicional

Valor do IUC

...

Outubro

2020...

224,94 €

 

Outubro

2020...

611,77 €

 

Outubro

2020...

149,30 €

 

Outubro

2020...

103,12 €

 

Outubro

2020...

636,44 €

 

Outubro

2020...

159,37 €

 

Outubro

2020...

36,96 €

 

Outubro

2020...

43,27 €

 

Outubro

2020...

36,96 €

 

Outubro

2020...

32,52 €

 

Outubro

2020...

53,85 €

...

Outubro

2020...

32,52 €

 

Novembro

2020...

32,52 €

 

Novembro

2020...

32,52 €

 

Novembro

2020...

32,52 €

 

Novembro

2020...

32,52 €

 

Novembro

2020...

32,52 €

 

Novembro

2020...

103,12 €

 

Novembro

2020...

259,49 €

 

Novembro

2020...

147,21 €

 

Novembro

2020...

171,70 €

 

Novembro

2020...

238,68 €

 

Novembro

2020...

57,73 €

 

Novembro

2020...

21,56 €

 

Outubro

2020...

36,96 €

 

Outubro

2020...

43,27 €

 

Outubro

2020...

53,85 €

 

Outubro

2020...

53,85 €

 

Outubro

2020...

53,85 €

 

Outubro

2020...

53,85 €

 

Novembro

2020...

53,85 €

 

Novembro

2020...

53,85 €

 

Novembro

2020...

32,52 €

 

Novembro

2020...

67,59 €

cfr. PPA.

  1. A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento das 36 liquidações de IUC referentes aos seguintes veículos supra identificados na tabela.
  2. No âmbito dos contratos de aluguer de longa duração («ALD») ou de locação financeira («LSG») pela Requerente, foi emitida fatura sobre o valor residual do bem locado, acrescido de despesas e IVA, com a exceção dos veículos automóveis com a matrícula ... e ... por motivo de «perda total» na sequência de um sinistro ocorrido antes do término do contrato. cf. PPA e documentos 35 a 68 juntos pela Requerente e conforme prova testemunhal.
  3. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto. cf. PPA
  4. A Requerente apresentou reclamação graciosa. cf. documentos 1 a 7 juntos pela Requerente.
  5. A Requerente apresentou recurso hierárquico n.º ...2021..., expressamente indeferido através do ofício n.º ..., de 24/02/2023, cf. documentos juntos pela Requerente.

§3.2. Factos não provados

Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.

Não foram identificados outros factos que devam ser considerados não provados.

§3.3. Fundamentação da matéria de facto

Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação da prova produzida, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos em consonância com a prova testemunhal.

Em relação à prova testemunhal importa salientar o contributo trazido pelo depoimento da Testemunha B..., trabalhadora da Requerente, com a profissão de Bancária, manifestou conhecimento direto sobre as vendas dos veículos dizendo que resultam de contratos de locação financeira ou de aluguer de longa duração, destinados a aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis, e que os clientes liquidando o valor total do contrato  adquiriam os veículos no final do contratos pelo valor residual, acrescido de despesas e IVA. Mais informou, que o Banco, demorava cerca de 14 dias para assinar e ou enviar o Requerimento do Registo Automóvel, o qual era preenchido pela Requerente, e que havia situações em que era indicado como comprador no Requerimento uma pessoa distinta do cliente, e que o Banco aceitava essa alteração.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

  1. Matéria de Direito

§4.1. Delimitação das questões a decidir:

Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, as questões a decidir são as seguintes:

  1. Ilegalidade das liquidações de Imposto único de circulação (“IUC”) relativamente a 34 (trinta e quatro veículos automóveis), no montante global de € 3.786,55, e contra o ato de indeferimento expresso do recurso hierárquico n.º ...2021... .
  2.  Neste âmbito importa aferir:
  1. Quem é o sujeito passivo do imposto IUC nos termos do disposto no artigo 3 n.º 1 do Código do IUC.
  1. Direito a juros indemnizatórios.

§4.2. Sobre a ilegalidade das liquidações de Imposto único de circulação

Atendendo à posição das partes, suscita-se ao tribunal, a determinação da incidência subjetiva do IUC, concretamente quem é o sujeito passivo do imposto, a aplicação do disposto no artigo 3.º n.º 1 do CIUC nas presentes liquidações.

A Requerente, sustentou, que a questão subjacente a este Pedido de Pronúncia Arbitral reside, essencialmente, em saber se a circunstância de a transmissão dos veículos automóveis aos seus anteriores locatários, findos os respetivos contratos de ALD ou LSG, ao não terem sido registadas junto da Conservatória do Registo Automóvel - CRA, torna essa transmissão inoponível à AT, sobretudo, para efeitos de cobrança do imposto ao seu anterior proprietário, em concreto, à sua anterior entidade locadora.  

A Requerida, entendeu em suma, que o facto gerador do imposto constituído pela propriedade do veículo, tal como atestado pela matrícula ou registo em território nacional, cf. art.º 6.º do CIUC, e estabelecendo o legislador de forma inequívoca e clara, que os sujeitos passivos são os proprietários dos veículos, em nome das quais os mesmos se encontram registados, conforme o disposto no n.º 1 do art.º 3.º do CIUC, não restava outra alternativa à AT senão liquidar o imposto em causa, pois é na ora Requerente que se verifica o facto gerador do imposto e os elementos de incidência objetiva e subjetiva (artigos 2.º, 3.º e 6.º, n.º 1 do CIUC).

Iniciamos pela análise do regime fiscal aplicável, à data dos factos, 2020, geradores do imposto liquidado através das liquidações impugnadas.

Com efeito o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC estabelece:

“1 - São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.”

Temos presente que o thema decidendum do presente pedido de pronuncia arbitral, consiste em analisar se artigo 3.º n.º 1 do CIUC estabelece uma presunção ilidível de incidência subjetiva do imposto para os atos de liquidação de IUC de 2020.

É certo que na redação anterior a 2016, do referido artigo 3.º nº 1 do CICU, existia ampla jurisprudência no sentido de presunção legal suscetível de prova em contrário.

Designadamente a posição do STA, ao anterior regime, referimo-nos ao Acórdão do STA, de 08/07/2015, processo n.º 0606/15, sumariamente, entendia “sempre foi pacífica e uniformemente interpretado o referido artigo 3.º, n.º 1, do CIUC, como estabelecendo uma presunção legal iuris tantum, ou seja, susceptível de prova em contrário, sobre quem se considera ser o proprietário do veículo. Sublinhe-se que as normas de interpretação legal sempre impuseram a classificação de que era sujeito passivo deste tributo o proprietário do veículo, servindo a referida presunção para estabelecer que se considera como tal a pessoa singular ou colectiva que como tal figurar no registo automóvel, solução que bem se entende num sistema jurídico em que o registo tem como objectivo dar publicidade ao acto em questão, que não qualquer natureza constitutiva”.

Refira-se que a alteração ao artigo 3.º, n.º 1, do CIUC, em vigor desde 2016, por força do Decreto-Lei nº 41/2016, de 1 de agosto, clarificou a versão em vigor até essa data, suscetível a diferentes interpretações que levaram a várias decisões a preceito.

Com a alteração sofrida em 2016, o normativo veio a ser modificado com o objetivo de clarificar quem é o sujeito passivo do imposto.

Sobre o alcance e interpretação a conferir à alteração trazida em 2016, já se pronunciou a jurisprudência, para o efeito realçamos, o Acórdão do TCA Norte de 21/2/2019, no proc. n.º 00611/13.4BEVIS, de onde resulta uma análise detalhada sobre a incidência subjetiva do imposto na versão atual que transcrevemos e subscrevemos:

No tocante à incidência subjetiva de imposto, dispunha à data dos factos o art.º 3.º daquele Código:

“1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados. (…)”

Ulteriormente, mediante a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março de 2016 (Orçamento de Estado para 2016) a Assembleia da República conferiu ao Governo a seguinte autorização legislativa, através do seu art.º 169.º:

“(…) Autorização legislativa no âmbito do imposto único de circulação

Fica o Governo autorizado a introduzir alterações no Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, com o seguinte sentido e extensão:

a) Definir, com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito publico ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, no n.º 1 do artigo 3.º; (…)”

Essa autorização foi utilizada para emanação do Decreto-Lei n.º 41/2016 de 01 de Agosto, em cujo preâmbulo se afirmou:

“ (…) o artigo 169.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autoriza que se efetuem, também, alterações ao Código do Imposto Único de Circulação. Sendo estas, igualmente, conexas com a necessidade de ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código, importa clarificar-se quem é o sujeito passivo do imposto. (…) ”

O art.º 3.º daquele Decreto-Lei conferiu a seguinte redação ao art.º 3.º, n.º 1, do CIUC:

“1 - São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos. (…)”

Em face da nova redação conferida ao preceito, dúvidas não subsistem que o legislador pretende que seja sujeito passivo de imposto o proprietário constante do registo, independentemente de poder não ser o titular do direito real de propriedade sobre veículo. (…)»

Embora a decisão recorrida seja, afinal, no sentido da verificação de dúvidas sérias quanto à existência física das viaturas em causa, cuja propriedade estriba as liquidações impugnadas, entendemos que a alteração do regime legal operada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, não é aplicável aos presentes autos.

É verdade que o identificado Decreto-Lei veio dar cumprimento à norma constante da Lei do Orçamento de Estado (doravante LOE) para 2016, no seu artigo 169.º, e aprovada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

Na verdade, dispõe o referido normativo o seguinte: “Fica o Governo autorizado a introduzir alterações no Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, com o seguinte sentido e extensão: a) Definir, com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito publico ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, no n.º 1 do artigo 3.º (…)”.

No uso desta autorização legislativa, foi publicado o referido Decreto-Lei n.º 41/2016, e que alterou a redacção do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, que passou a ser, como se transcreve na sentença recorrida, a seguinte: “São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.”, norma esta que entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (nos termos do disposto no artigo 15.º do identificado diploma legal).

Ora, não se julga que a supra transcrita seja uma norma verdadeiramente interpretativa.

Dúvidas não existem de que a lei habilitante, a LOE, no seu artigo 169.º, classifica a alteração legal a efectivar quanto ao artigo 3º do CIUC como tendo carácter meramente interpretativo. Já a norma habilitada se limita a estabelecer, no seu preâmbulo, o seguinte: “(…) Finalmente, o artigo 169.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autoriza que se efetuem, também, alterações ao Código do Imposto Único de Circulação. Sendo estas, igualmente, conexas com a necessidade de ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código, importa clarificar-se quem é o sujeito passivo do imposto. (…)”

Porém, não classifica a norma como tendo natureza interpretativa, apesar de o diploma assumir que a alteração legal veio ao encontro da necessidade sentida pelo legislador de “ultrapassar dificuldades interpretativas”.

Da redacção dada ao n.º 1 do artigo 3.º do CIUC pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 conclui-se que veio o legislador afastar qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, vindo antes determinar que passará a ser sujeito passivo do imposto a pessoa em nome da qual os veículos se encontrem registados.

Relativamente à norma anterior, esta nova norma não vem fixar qualquer interpretação de várias possíveis, pois que, como vimos, só existe uma: a de que a anterior norma consagra presunção legal, pelo que não estamos perante qualquer norma jurídica incerta ou cujo teor seja controvertido, designadamente para a jurisprudência dos tribunais superiores.

Tem-se formado uma corrente jurisprudencial uniforme, no sentido de que “a Lei Nova que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora.”

“Para que uma LN possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adotar a solução que a LN vem consagrar, então esta é decididamente inovadora. (…)”[cfr. João Batista Machado clarificar, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador (15ª Reimpressão, 2006, Almedina, Coimbra, pág. 246 e seguintes); Ac STA de 02/05/2012, processo n.º 0234/12].

Na verdade, a norma que vigorou até à aprovação do Decreto-Lei n.º 41/2016 nunca suscitou dúvidas, ao intérprete ou outros interessados, não sendo fonte de incerteza ou insegurança jurídica a definição do seu âmbito de aplicação. Contrariamente, sempre foi pacífica e uniformemente interpretado o referido artigo 3.º, n.º 1, do CIUC, como estabelecendo uma presunção legal iuris tantum, ou seja, susceptível de prova em contrário, sobre quem se considera ser o proprietário do veículo. Sublinhe-se que as normas de interpretação legal sempre impuseram a classificação de que era sujeito passivo deste tributo o proprietário do veículo, servindo a referida presunção para estabelecer que se considera como tal a pessoa singular ou colectiva que como tal figurar no registo automóvel, solução que bem se entende num sistema jurídico em que o registo tem como objectivo dar publicidade ao acto em questão, que não qualquer natureza constitutiva. [cfr. Acórdão do STA, de 08/07/2015, processo n.º 0606/15].

Esta posição vem sendo reiterada pelos tribunais superiores, designadamente, pelo nosso mais alto tribunal – cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 18/04/2018, proferido no âmbito do processo n.º 0206/17.

É, portanto, certo que o artigo 169.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autorizou a alteração da redacção do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC. O que foi cumprido pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, passando esta norma a prever que “São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos”.

Trata-se de norma claramente inovadora, uma opção legislativa diversa da anterior, e, como tal, a nova redacção do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC só se aplica para futuro, não se aplicando ao caso sub judice em que estão em causa os anos de 2009 a 2012.

Só se a lei fosse interpretativa é que se aplicaria a factos passados, e se o fosse, por certo o legislador não deixaria de o fazer constar do respectivo texto, dizendo que se tratava de uma norma interpretativa. Mas, o legislador ordinário não adoptou tal cariz interpretativo no Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01/08, usando, nesta circunstância, da possibilidade de consagrar ou não esse carácter interpretativo, por tal se conter dentro dos limites da autorização concedida.

Aqui chegados, e respeitando os factos tributários aos anos de 2009 a 2012, concluímos que o citado artigo 3.º, n.º 1, do CIUC consagra uma presunção legal de que o titular do registo automóvel é o seu proprietário, sendo que tal presunção é ilidível, por força do artigo 73.º da Lei Geral Tributária.

A ilisão da presunção legal obedece à regra constante do artigo 347.º, do Código Civil, tendo em vista demonstrar que não é verdadeiro o facto presumido, de forma que não reste qualquer incerteza de que os factos resultantes da presunção não são reais.”

Seguindo a análise da jurisprudência, este tema foi objeto de várias decisões do CAAD, e contrariamente ao pretendido pelo legislador, trouxe ainda mias incerteza, existindo atualmente decisões contraditórias.

No mesmo sentido do Acórdão do TCA supracitado, as decisões do CAAD, de 3 de Abril de 2020, proferida no processo nº 557/2019-T, e de 17 de Novembro de 2022, proferida no processo 148/2022-T, onde se decidiu factualidade idêntica à dos presentes autos, concluíram que a nova redação de 2016 não estabelece uma presunção ilidível de incidência subjetiva.

O legislador veio expressamente com a alteração legislativa retirar a referência aos “proprietários dos veículos, considerando-se como tais”, a incidência subjetiva do IUC passou do proprietário do veículo, para a pessoa em nome da qual esse veículo está registado.

Neste sentido, deixou de ser relevante a determinação da propriedade ou posse da viatura, não mais se colocando a dicotomia entre a propriedade real e presumida (ou publicitada via direito registal).

Com efeito a alteração normativa data de 2016, não foi atribuída natureza de lei interpretativa (pese embora tal constasse da lei habilitante), opera uma modificação substancial com vigência ex nunc e aplicável ao ano em apreço (2020).

Não estamos, como na vigência da redação anterior, perante uma presunção ilidível, mas antes na presença de uma opção legislativa diversa da anterior.

Nesse sentido o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 21/02/2019. Com efeito, o legislador pretendeu “(…) que seja sujeito passivo de imposto o proprietário constante do registo, independentemente de poder não ser o titular do direito real de propriedade sobre o veículo”.

Em igual sentido, veja-se a o artigo 6.º do IUC, que reforça este entendimento ao dispor: “O facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional.”, ou seja, o registo de propriedade de um veículo automóvel em território nacional gera sujeição a IUC, sendo o sujeito passivo a pessoa inscrita como proprietária no respetivo registo automóvel.

Observe-se também o artigo 17.º-A do Código do IUC, de onde resulta uma regra própria dos efeitos fiscais da regularização da propriedade, que se transcreve: “Sem prejuízo do disposto no artigo 3.º, a alteração da titularidade do direito de propriedade efetuada ao abrigo do procedimento especial para registo de propriedade de veículos adquirida por contrato verbal de compra e venda releva para efeitos de imposto único de circulação, desde a data da transmissão, quando aquele pedido for apresentado pelo vendedor no prazo de um ano após o decurso do prazo para cumprimento do registo obrigatório referido no artigo 2.º daquele procedimento especial.” quando este artigo releva para efeitos de IUC, desde a data de transmissão, a alteração da titularidade do direito de propriedade efetuada ao abrigo do procedimento especial para registo de propriedade, está a indicar que a tributação em IUC segue a titularidade de propriedade constante do registo automóvel;”

O entendimento sobre a relevância da inscrição no registo automóvel para a definição da sujeição subjetiva ao IUC, é também acolhido, em idênticos termos, no Acórdão de 20/09/2018, do Tribunal Central Administrativo Norte (processo n.º 01270/14.2BEPNF). Aí é sustentada que “da redação dada ao n.º 1 do artigo 3.º do CIUC pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 conclui-se que veio o legislador afastar qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, vindo antes determinar que passará a ser sujeito passivo do imposto a pessoa em nome da qual os veículos se encontrem registados”.

Em idêntico sentido se pronunciou o mesmo tribunal no Acórdão de 03/10/2018 (processo n.º 01271/14.0BEPNF), nos seguintes termos: “Daqui resulta, que a incidência subjetiva do IUC, nos termos do art. 3.º, n.º 1, do CIUC recai sobre «(...) as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, independentemente da propriedade efetiva do veículo e da sua posse.» O sujeito passivo é a pessoa em nome de quem está registada a propriedade do veículo, independentemente de ser ou não o seu proprietário e/ou possuidor. A incidência subjetiva basta-se com o mero registo do direito de propriedade em nome do sujeito passivo, sendo suficiente o nome da pessoa em que se encontra registada a propriedade do veículo, independentemente de ela ser ou não a proprietária e possuidora efetiva do veículo no ano a que respeita o IUC, designadamente no caso das situações de venda do veículo sem atualização do registo de propriedade.”

Em suma, a nova (2016) redação do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC estabelece que a propriedade de uma viatura automóvel não constitui o elemento de preenchimento da norma de incidência subjetiva do imposto. Essa incidência passou a aferir-se em função do elemento registal.

Termos em que se adota a jurisprudência dos Tribunais judiciais superiores quanto à incidência subjetiva do imposto, em face da nova redação do n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, cuja vigência (2016) precede as liquidações controvertidas de IUC.

Esta regra de incidência não depende da pessoa inscrita como proprietária ser possuidor e/ou proprietário efetivo do veículo, mas sim de ser a pessoa – mal ou bem – em nome da qual está registada a propriedade do mesmo. Podem ser tecidas várias considerações sobre a inconveniência/impacto negativo deste critério de incidência de imposto em situações de atraso no registo da propriedade, mas não restam grandes dúvidas de que o legislador, devidamente habilitado, retirou a presunção que anteriormente constava do artigo 3.º n.º 1 do Código do IUC, e a substituiu por uma regra de tributação expressa sobre a pessoa que se encontra inscrita no registo como proprietária do veículo;

De facto, o legislador ao alterar o art. 3.º CIUC pelo DL 41/2016 de 1.8 não tinha a intenção de introduzir uma presunção legal, mas, antes, uma ficção legal, através da qual estabelece que o facto ou situação a regular é ou se considere (como se juridicamente fosse) igual àquele facto ou situação para que já se acha estabelecido um regime na lei. Trata-se da assimilação fictícia de realidades factuais diferentes, para efeito de as sujeitar ao mesmo regime jurídico (Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra: Almedina, 1983, p. 108).

Por outro lado, a Requerente, vem ainda alegar a inconstitucionalidade material da redação do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC, por violar o postulado no artigo 13.º da CRP. Mas também porque o princípio da equivalência, constitucionalmente consagrado, e a ratio legis da incidência subjetiva do IUC, per se, indicam que assume as vestes de sujeito passivo do imposto o verdadeiro proprietário da viatura automóvel, exceto nas situações expressamente tuteladas, e não (exclusivamente) a pessoa em nome da qual o veículo está registado. Assim, mesmo que se pudesse interpretar a (nova) redação do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC, alterada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto, como se de uma presunção ilidível se tratasse, não era possível, contudo, aplicar essa interpretação à situação vertente, sob pena de manifesta e crassa inconstitucionalidade, ferindo os atos de indeferimento dos recursos hierárquicos e, bem assim, os atos de liquidação – o que se invoca expressamente nesta sede – com apoio legal no artigo 13.º da CRP.

Resulta do exposto que este Tribunal Arbitral não fez aplicação da dimensão normativa apodada de inconstitucional, nem decorre da posição assumida o reconhecimento de uma presunção ilidível, pelo que, não tendo o critério sido aplicado como ratio decidendi na dimensão controvertida, o conhecimento do mérito da questão de constitucionalidade redundaria num puro exercício académico, o que está vedado a este tribunal.

Não tendo o tribunal adotado uma tal interpretação normativa, é claro que não tem de conhecer da suposta violação de princípios constitucionais.

Pelo que, não se verificando o pressuposto de que partiu a Recorrente, toda a sua argumentação em torno da inconstitucionalidade, formal e material, deixa de assumir relevância.

Assim sendo, acolhendo-se a jurisprudência que se vem firmando nos Tribunais superiores e no CAAD quanto à incidência subjetiva do imposto na nova redação do n.º 1 do art. 3.º do CIUC (redação que se aplica às liquidações aqui em causa), não pode deixar de concluir-se pela legalidade das ora questionadas liquidações de IUC bem como das decisões de indeferimento das correspondentes reclamações graciosas.

Nestes termos, mostra-se inútil proceder à apreciação das questões suscitadas pela Requerente relativas à prova de que, à data da ocorrência do facto gerador e exigibilidade do imposto, as viaturas a que este respeita já lhe não pertenciam por terem sido transmitidas a terceiros, ficando, também, prejudicada a apreciação do pedido de juros indemnizatórios.

Nestes termos e nos melhores de direito, concluiu-se pela legalidade das ora questionadas liquidações de IUC e juros compensatórios, bem como da decisão de indeferimento do correspondente recurso hierárquico.

 

§4.3. Questões de conhecimento prejudicado

Na sentença a proferir deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). Contudo as questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Em face da solução dada, fica prejudicado o conhecimento de qualquer outra questão incluída no pedido de pronúncia arbitral.

§4.4. Dos Juros indemnizatórios e da restituição do imposto indevidamente pago

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Sobre este pedido, improcedendo o pedido principal da Requerente, e tendo decidido pela legalidade do ato de liquidação, improcede o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios.

  1. Decisão

Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral, julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado pelo Requerente, e em consequência:

  1. Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido;
  2. Condenar a Requerente no pagamento integral das custas do processo.

 

 

  1. Valor do Processo

De harmonia com o disposto nos artigos 305.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 3.786,55, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida, correspondente ao valor das liquidações de IVA e de juros compensatórios cuja anulação constitui o objeto desta ação.

 

  1. Custas Arbitrais

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, cabendo à Requerente suportar.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de Novembro de 2023

 

O Árbitro

 

 

Pedro Guerra Alves