Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 179/2023-T
Data da decisão: 2023-11-12  IRS  
Valor do pedido: € 31.148,20
Tema: IRS - registos na conta de sócios/obrigação de retenção na fonte; revisão oficiosa – competência do CAAD.
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SUMÁRIO:

 

  1. Tendo um pedido de revisão oficiosa sido, liminarmente, indeferido com base na falta de pressupostos legais, nomeadamente por não se verificar erro imputável aos serviços, tal ato comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação que deu origem a tal pedido, sendo, por isso, o meio idóneo de reação o processo de impugnação judicial, para o qual os tribunais arbitrais são competentes em razão da matéria.
  2. Existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços.
  3. Assentando a liquidação efetuada pela AT única e exclusivamente no pressuposto de que os valores de aquisição de bens foram simulados, e não tendo essa alegação sido provada, nos termos do artigo 74.º n.º 1 da LGT, deve aquela ser considerada ilegal.

 

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O Árbitro Catarina Gonçalves, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO

 

É Requerente A..., LDA, com sede na Rua ..., ..., ...-... ..., ..., registada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e de identificação fiscal ..., doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.

 

É Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.

 

A Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação oficiosa n.º 2018..., datada de 19.11.2018, referente a retenção na fonte e respetivos juros (período de 2014), no valor de € 31.148,20 (trinta e um mil cento e quarento e oito euros e vinte cêntimos).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou a signatária como Árbitro, que comunicou a aceitação no prazo aplicável.

 

Em 12.05.2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar.

 

Desta forma, o Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído em 30.05.2023, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a AT, para, querendo, se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

 

No dia 03.07.2023, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação.

 

No dia 23.10.2023, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foi inquirida a testemunha, apresentadas pela Requerente.

 

Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respetivas posições jurídicas.

 

Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT.

 

  1. SANEAMENTO

 

O Tribunal Arbitral Singular foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

O pedido de extinção da instância será apreciado na matéria de Direito.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

  1. Factos Provados

 

Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar, de seguida, a matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental constante dos autos.

  1. A Requerente exerce atividade na área das artes gráficas.
  2. A Requerente detém uma participação minoritária na sociedade C..., a qual, por seu turno, detém uma participação cruzada na Requerente, sendo as participações maioritárias em ambas detidas por D... .
  3. A Requerente efetuou aquisições de máquinas à sociedade espanhola, B..., SL., no valor de € 1.698.600 (um milhão, seiscentos e noventa e oito mil e seiscentos euros), a qual intermediou a compra aos fornecedores.
  4. No âmbito deste negócio, foram adquiridas pela B... máquinas antigas da Requerente e da sociedade C... .
  5. As máquinas adquiridas exigem adaptação, o que explica a intervenção da B... no processo para além da intervenção junto dos fornecedores finais das máquinas de um técnico da própria Requerente durante o processo de compra das mesmas.
  6. A Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção tributária com incidência no ano de 2014, realizado pela Direção de Finanças do Porto ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2015... .
  7. Em resultado da mesma, foram efetuadas correções ao nível de IRC, no exercício de 2014, que derivam do entendimento de que foram efetuadas, pela Requerente, depreciações em excesso, no valor global de €12.073,27 (doze mil setenta e três euros e vinte e sete cêntimos), em virtude de a AT ter colocado em causa os valores de aquisição de ativos à sociedade B..., SL.
  8. Em consequência, a AT procedeu ao cálculo das depreciações em excesso, e emitiu a liquidação n.º 2018..., datada de 19.11.2018, referente a IRC e correspondentes juros compensatórios, a qual foi impugnada junto do CAAD, no âmbito do processo 684/2019-T.
  9. Após diversos pedidos de cooperação administrativa internacional, concluiu a AT que a operação permitiu fazer regressar ao sócio da Requerente –D...– parte dos valores ditos simulados, no montante de € 96.000 (noventa e seis mil euros), os quais foram transferidos pela sociedade B..., SL para uma conta bancária do sócio.
  10. A AT entendeu que o valor daquela transferência para o sócio da Requerente constituiu , em substância, um adiantamento por conta dos lucros da Requerente, nos termos do n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS (CIRS), que estabelece «Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros».
  11. Adiantamento esse que deveria ter sido objeto de tributação, na data da saída dos meios financeiros, por força da al. h), n.º 2 do art. 5.º do CIRS, e sujeito a retenção na fonte, à taxa liberatória de 28%, e que no entender da AT deveria ter sido efetuada pela Requerente.

 

 

 

  • Nesta sequência, e no âmbito do mesmo processo de inspeção, foi emitida, pela AT, a liquidação n.º 2018..., datada de 19.11.2018, referente a retenção na fonte de IRS e correspondentes juros compensatórios, relativa ao período de 2014, no valor de € 31.148,20 (objeto do pedido de revisão oficiosa discutido no presente processo).
  • A Requerente impugnou, em 10.10.2019, a legalidade da liquidação nº 2018..., referente ao IRC e correspondentes juros compensatórios do ano de 2014, junto do CAAD, tendo sido proferida decisão arbitral, nos autos do Processo nº 684/2019-T, em 24.06.2020.
  • A referida decisão, já transitada em julgado em 14.09.2020, determinou a anulação da liquidação de IRC, por se ter concluído que foi violado o princípio da legalidade (art. 266.º, n.º 2 da CRP e art. 8.º, n.º 1 da LGT), bem como, o direito de participação do contribuinte (art. 60.º do RCPITA, art. 60.º da LGT e 267.º da CRP).
  • Em 12-10-2022, deu entrada junto da AT Requerimento da Requerente, registado com o nº de Procedimento ...2022..., solicitando que fosse objeto de revisão e anulação o ato de liquidação de IRS-RF nº 2018..., referente ao período de 2014, emitido em nome da Requerente, por erro e ilegalidade.
  • Através do Ofício 2022S..., de 16-12-2022, foi o Mandatário da Requerente notificado, por carta registada (RF...PT), da decisão final de indeferimento, por se considerar que “Apesar da Requerente ter solicitado a Revisão Oficiosa da liquidação de IRS-RF, ainda se encontrando a decorrer o prazo de quatro anos a que se refere a segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, não se verifica que a liquidação impugnada enferme de erro, de facto ou de direito, imputável aos Serviços, pressuposto essencial para a admissibilidade deste meio de reação, nem existe qualquer relação de prejudicialidade em relação ao ato de liquidação anulado, em sede de decisão arbitral, que justifique a aplicação das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 24º do RJAT e do artigo 100º da LGT.
  • Em 22.12.2022, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado.

 

  1. Factos Não Provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

  1. Fundamentação Da Fixação Da Matéria De Facto

 

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. Questão Prévia: Análise Da Matéria De Exceção

 

Como ficou dito, na Resposta veio a Requerida invocar a exceção de “incompetência, em razão da matéria, do tribunal arbitral”, alegando que:

 

  1. O p.p.a não é interposto para a apreciação directa de uma liquidação adicional, mas apenas para a apreciação de um indeferimento de um pedido de revisão oficiosa
  2. O Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o art. 78º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT.

 

Nesta matéria, transcreve-se o entendimento sufragado na decisão do CAAD no âmbito do processo 167/2022-T, com o qual se concorda:

“…o entendimento que vem sido perfilhado pelo STA, concretamente no seu acórdão proferido no processo n.º 01958/13, de 14 de Maio de 2015.

Citamos:

A decisão sindicada considerou que do indeferimento do pedido de revisão dos actos tributário com base na sua intempestividade cabia acção administrativa especial.
(…)

Sucede que a informação que precede o referido despacho de indeferimento, exarado como se disse em concordância com tal fundamentação, não faz apenas referência ao decurso de prazos para concluir pelo indeferimento do pedido.

Tal informação alicerça a proposta de indeferimento do pedido de revisão na seguinte fundamentação: por um lado considerou-se que o pedido de revisão apresentado com fundamento em ilegalidade não foi apresentado dentro do prazo de reclamação administrativa referido na 1ª parte do n° 1 do artigo 78° da LGT; por outro lado entendeu-se não ter havido erro imputável aos serviços na medida em que as liquidações de IRC foram emitidas em tempo oportuno com origem nos documentos de correcção elaborados - DC 22.

Mais se ponderou que a liquidação teve por base o relatório da inspecção tributária em que se concluiu que a não consideração como custos do conjunto de facturas nele elencadas resulta do facto de se ter apurado que as mesmas não correspondiam a serviços prestados ao sujeito passivo e, por isso, não podiam ser considerados como custos para efeitos de IRC nos termos do artigo 23° do Código de IRC.

E, com base nesta argumentação, a proposta de indeferimento do pedido de revisão concluiu que não se verificou qualquer ilegalidade nem a existência de qualquer erro imputável aos Serviços.

Em suma no caso vertente estava em causa a legalidade do acto tributário de liquidação, sendo que a decisão do director distrital de finanças ao indeferir o pedido de revisão com base na falta de pressupostos legais, nomeadamente por não se verificar erro imputável aos serviços, comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação.

Assim, é de concluir que no presente caso, ao atacar contenciosamente aquele despacho pela via da impugnação judicial, e não por via de acção administrativa especial, a recorrente utilizou o meio processual adequado.

O decidido pelo STA é inequívoco e é totalmente transponível para o caso ora em análise: o meio processual adequado para atacar contenciosamente uma decisão de indeferimento de um pedido de revisão por não verificação dos respetivos pressupostos – a inexistência de erro imputável aos serviços -  é o processo de impugnação.

Na apreciação do pedido de revisão oficiosa, a AT considera que aquela “pode ser efectuada "no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”. Assim, “a revisão oficiosa dos actos tributários depende, então, da verificação cumulativa de duas condições: que não tenham decorrido quatro anos após a liquidação (a menos que o tributo não tenha sido pago) e que se verifique a existência de um erro imputável aos serviços”.

E conclui a AT que “no caso em apreço, apesar de ainda não ter terminado o prazo de quatro anos previsto para o efeito, afigura-se-nos não ser possível proceder à revisão oficiosa dos actos em causa, por não se verificar a existência de erro imputável aos serviços”.

A decisão de indeferimento concretiza o fundamento da inexistência desse erro: “[a] substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte. Ou seja, o substituto não substitui a AT, mas sim o sujeito passivo”. Pelo que “contrariamente ao raciocínio defendido pelos Requerentes, o erro praticado pelo substituto não é imputável à AT, mas sim, quanto muito, ao sujeito passivo”.

A decisão identifica expressamente o fundamento para a inexistência de erro imputável aos serviços, comportando a apreciação da legalidade, na medida em que decide pela ausência de um requisito material - erro imputável aos serviços - de que depende a (im)procedência do pedido.

Podemos sintetizar a posição do STA, estando em causa o indeferimento de um pedido de revisão oficiosa por intempestividade, como se segue:

  • O indeferimento por intempestividade do pedido de revisão por terem sido ultrapassados os prazos previstos no nº 1 do artigo 78º para a sua apresentação é sindicável através de ação administrativa; e
  • O indeferimento por "intempestividade" mas que, na realidade, constitui um indeferimento por inadmissibilidade legal do pedido, o que ocorre sempre que a AT considera que o pedido não é admissível face à inexistência de um erro imputável aos serviços (o que comporta a apreciação dos fundamentos que suportam o pedido de revisão), o qual é sindicado através de impugnação judicial. 

Não podemos deixar de concordar com esta visão, que, a nosso ver, é expressão de um correcto entendimento que resulta da natureza, legalmente expressa, do contencioso tributário como sendo de plena jurisdição.

Nas palavras de Aroso de Almeida[2] “[o] processo de anulação ou declaração de nulidade de actos administrativos possui um objecto compósito, na medida em que a pretensão que nele é deduzida pelo autor tem uma dupla dimensão: por um lado, dirige-se à concreta anulação ou declaração de nulidade do acto impugnado, fundada no reconhecimento da sua invalidade; mas, por outro, também se dirige ao reconhecimento, por parte do tribunal, de que a posição que a administração assumiu com o acto impugnado não era fundada (…) .Nesta segunda dimensão, o objecto do processo é, assim o acertamento negativo do poder manifestado através do acto impugnado em que ele foi praticado”.

O acórdão do STA acima citado corresponde à jurisprudência mais recente, aparecendo replicada em outras decisões dos tribunais superiores.

Sendo o objecto do processo a legalidade das liquidações impugnadas e o meio processual próprio para tal o processo de impugnação, resulta inquestionável a afirmação da competência deste tribunal arbitral em razão da matéria, atento o disposto no artigo 2.º do RJAT. Com efeito, é pacífico que a competência dos tribunais arbitrais, em razão da matéria, coincide com o âmbito do que aos tribunais judiciais cabe apreciar através do processo de impugnação.”

 

Pelo que, improcede a excepção dilatória alegada pela Requerida.

 

  1. Quanto À Excepção De Intempestividade

 

O artigo 78.º da LGT, dispõe o seguinte:

 

“Artigo 78.º

Revisão dos actos tributários

1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

2 - (Revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 215.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março).

3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior. (Redação da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro).

4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte. (Redação do n.º 1 do artigo 57.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de dezembro).

5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional. (Redação da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro) (Anterior n.º 4). 

6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar-se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos. (Redação da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro).

7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização. (Redação da  Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro) (Anterior n.º 6).

 

Quanto à aplicação do artigo 78.º, nº1, da LGT

 

O n.º 3 do artigo 78.º da LGT esclarece que o “erro imputável aos serviços” é tanto o erro de facto, como o erro de direito.

 

De acordo com a jurisprudência constante: “E embora o conceito de “erro imputável aos serviços” aludido na 2ª parte do n.º 1 do 78.º da LGT não compreenda todo e qualquer “vício” (designadamente vícios de forma ou procedimentais) mas tão só “erros”, estes abrangem não só o erro material e o erro de facto, como, também, o erro de direito ou erro nos pressupostos de facto e de direito, sendo essa imputabilidade aos serviços independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão do acto afetado pelo erro”, in Acórdão do STA, de 06.02.2013, proferido no processo n.º 0839/11 e outros bem referidos na decisão do CAAD 640/2022-T.

 

Ora, a liquidação em crise assenta numa atuação da AT, a qual teve por base, exclusivamente, informação por si apurada no processo inspetivo, e as respetivas conclusões sobre a realidade daí resultantes, e não informação incluída pela Requerente numa qualquer declaração de imposto.

 

Assim mesmo se refere no Processo 47/2023-T:

“No que respeita a esta questão, é entendimento deste Tribunal não estar em causa uma situação de intempestividade do pedido de revisão oficiosa nem estar verificada a exceção invocada, porquanto o ato tributário contestado é uma liquidação oficiosa promovida pela AT, na sequência de uma inspeção tributária (…)”

(…) O pedido de revisão também tem de se alicerçar em «erro imputável aos serviços» e ser apresentado no prazo de quatro anos. Ora, esse erro engloba o lapso, o erro material ou de facto, como também o erro de direito. E aqui, como já se disse, há uma liquidação oficiosa da AT na sequência da inspeção tributária.

Em abono da última conclusão refere igualmente a jurisprudência[2] que: «…tem desde há muito entendido este Supremo Tribunal de forma pacífica que existindo um erro de direito numa liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, pois tanto o n.º 2 do art. 266º da Constituição como o artigo 55.º da Lei Geral Tributária estabelecem a obrigação genérica de a administração tributária actuar em plena conformidade com a lei,…».”

 

Assim, há de facto erro imputável aos serviços que pode servir de base à revisão no prazo previsto no art 78. nº1 da LGT e isso mesmo foi alegado pela Requerente, pelo que improcede o pedido da Requerida.

 

Quanto à aplicação do artigo 78.º, nº4, da LGT

 

A Requerente invoca ainda na petição arbitral a revisão do acto com fundamento em injustiça notória ou grave, nos termos do art. 78.º nº4 da LGT. Argumento esse que não invocou na revisão oficiosa.

 

Cumpre, em primeiro lugar, observar que, nas palavras de JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) o processo de impugnação está estruturado como processo de mera anulação, que tem em vista apurar a ilegalidade do ato impugnado e anulá-lo ou declarar a sua inexistência ou nulidade”, distinguindo-se assim o pedido da causa de pedir, que “é integrada pelos factos e razões de direito que fundamentam a pretensão formulada, tendo de consistir na indicação dos vícios ( ilegalidades, na terminologia do art. 99.º do CPPT) que se imputam ao acto  impugnado, que se reconduzem às desconformidades entre o comportamento concreto da Administração e a lei ou a situação factual pressuposta no acto (… ). E, mais adiante o mesmo autor, sobre a limitação dos poderes do Tribunal no que concerne à causa de pedir acrescenta: “(…) o que o tribunal não poderá fazer, por força da regra da identidade entre causa de pedir e causa de julgar é anular um acto por vício diferente daquele que foi invocado pelo impugnante.”( cfr. anotação ao artigo 124.º do CPPT, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e comentado, 6ª ed., 2011, Áreas Editora, pp. 325 a 327).

 

No caso, tal como na decisão do CAAD 776/2021-T, “não tendo a Requerente formulado este pedido e causa de pedir no pedido de revisão oficiosa formulado perante a Requerida, não pode a ilegalidade resultante da não aplicação do artigo 78.º, n.º4, da LGT ser imputável ao indeferimento ora impugnado. Acresce que não tendo sequer as Requerentes formulado este pedido com esta nova causa de pedir, no pedido arbitral, esse facto implica a intempestividade do próprio pedido. Termos em que, pelas razões apontadas, o tribunal está impedido de anular os atos ora impugnados com base neste diferente pedido e causa de pedir.”.

 

Contudo, a revisão é admissível nos termos do ponto anterior.

 

  1. Quanto Ao Mérito Do Pedido

 

A liquidação em sede de IRS efetuada pela AT assenta única e exclusivamente no pressuposto de que os valores de aquisição das máquinas pela Requerente foram simulados.

 

E nesse pressuposto os valores tidos como excessivos face aos valores reais deveriam ter sido considerados, contabilisticamente, não como pagamentos a um fornecedor, mas relevados na conta corrente do sócio, visto não terem qualquer operação económica subjacente.

 

Termos em que, de acordo com n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS (CIRS), argumenta a Requerida: “«Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.» Os adiantamentos por conta de lucros são considerados rendimentos de capitais, enquadráveis na categoria E do IRS, nos termos da al. h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, estando sujeitos a retenção na fonte a título definitivo à taxa de liberatória de 28%, de acordo com a al. c) do n.º 1 do artigo 71.º do mesmo código (em vigor à data dos factos).”

 

Assim, por um lado, a obrigação de retenção na fonte em sede de IRS é imposta à Requerente relativamente a um suposto registo contabilístico numa conta de sócios, registo esse que aquela nunca fez. O certo é que não pode exigir-se ao, suposto, substituto tributário o imposto que este deveria ter retido, uma vez que na data em que teria surgido a aparente obrigação de retenção na fonte, aquele a desconhecia.

 

Mas, sobretudo, a liquidação assenta numa pretensa simulação de valores que não logrou ser provada pela AT.

 

Ora, sobre o ónus da prova, dispõe o artigo 74.º n.º 1 da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”

 

“Como o ónus da prova em direito fiscal é objectivo ou material, tratando-se de determinar que factos devem ser dados como provados, e não quem terá de os alegar e de os provar, aquele preceito legal deve ser entendido como critério de decisão, a questão é decidida contra a parte onerada com o ónus da prova.”, cf Flora, Cristina – “A PROVA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO”, in CADERNOS DE FORMAÇÃO CONTÍNUA, ED. ELECTRÓNICA, MAIO 2018, CEJ.

 

Assim, não tendo a Requerida logrado efetuar a prova a que estava obrigada, deve este tribunal decidir pela procedência do pedido.

 

  1. DECISÃO

 

Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

 

Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 31.148,20 (trinta e um mil cento e quarento e oito euros e vinte cêntimos).

 

  1. CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.836, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, por ter sido total o seu decaimento.

 

*****

 

Notifiquem-se as Partes, bem como Digno Representante do Ministério Público, nos termos e para os efeitos dos artigos 280.º, n.º 3, da Constituição e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, do 185.º-A, n.º 2, do CPTA subsidiariamente aplicável, e do artigo 17.º, n.º 3, do RJAT.

 

Lisboa, 12 de Novembro de 2023.

 

Árbitro

Catarina Gonçalves