DECISÃO ARBITRAL
A árbitra Ana Paula Rocha, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular constituído em 26 de junho de 2023, decide o seguinte:
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RELATÓRIO
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Da tramitação processual
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A...– doravante designado como “Requerente” –, residente na Av. ..., ..., Luanda – Angola, titular do número de identificação fiscal português..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), do artigo 102.º n.º 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), aplicável ex vi do artigo 3.º-A do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”) e do artigo 140.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”), com vista à anulação do ato de liquidação de IRS com o número 2022... relativo ao período de 2021 e à consequente condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira à restituição da quantia indevidamente suportada pelo Requerente e ao pagamento dos respetivos juros indemnizatórios.
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É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “Requerida” ou “AT”).
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O Requerente optou por não designar árbitro.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD a 17 de abril de 2023, tendo tal aceitação sido notificada à AT a 20 de abril de 2023.
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Ao abrigo do disposto no artigo 6.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como Árbitra do Tribunal Arbitral Singular, tendo a signatária comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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A 6 de junho de 2023 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
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Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular ficou constituído a 26 de junho de 2023.
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A Requerida não apresentou resposta e, a 29 de junho de 2023, veio ao processo arbitral “comunicar que, em 18/06/2023, a Subdiretora Geral da Área da Gestão Tributária - Impostos Sobre o Rendimento, proferiu Despacho de Revogação do ato de liquidação em dissídio, nos termos aí expostos”, juntando aos autos tal despacho de revogação.
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Por despacho proferido a 3 de julho de 2023, o Tribunal Arbitral determinou a notificação do Requerente para, “em observância do disposto na al. a) do art. 16.º do RJAT, exercer o seu direito ao contraditório e comunicar a este Tribunal se pretende prosseguir com a lide” considerando os exatos termos da revogação ocorrida. Adicionalmente, e tendo constatado que o Pedido de Pronúncia Arbitral foi apresentado e subscrito pelo próprio contribuinte sem o patrocínio de advogado, o Tribunal Arbitral acrescentou ainda, naquele despacho, que “sendo a constituição de advogado obrigatória nestes autos ao abrigo do disposto nos art. 40.º e 41.º do CPC, aplicáveis por força do art. 6.º do CPPT, do art. 11.º do CPTA e das als. a), c) e e) do art. 29.º do RJAT (vide ainda a decisão arbitral proferida a 25 de setembro de 2022 no Processo n.º 94/2022-T), o Requerente deve constituir advogado, com ratificação do processado, sob pena da verificação da exceção dilatória prevista na al. h) do art. 577.º do CPC (aplicável por força da al. e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT)”.
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O Requerente não veio responder ao despacho arbitral proferido a 3 de julho de 2023.
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Por despacho proferido a 14 de setembro de 2023, o Tribunal Arbitral determinou a notificação da Requerida para, e em “cumprimento do princípio do contraditório previsto na al. a) do art. 16.º do RJAT”, “se pronunciar, querendo, e no prazo de 10 dias, sobre as questões suscitadas no despacho de 3 de julho de 2023 a respeito das exceções dilatórias de falta de constituição de advogado e de inutilidade superveniente da lide”.
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Por requerimento de 29 de setembro de 2023, a Requerida veio “referir a sua anuência à exceção invocada de falta de constituição de advogado nos termos do nº 577º/al. h) do C.P.C.”.
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SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, à face do preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), no artigo 5.º, n.º 2, alínea a), no artigo 6.º, n.º 1 e no artigo 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
Contudo, o Requerente não se encontra devidamente representado, por força da articulação do disposto no n.º 1 do artigo 29.º do RJAT com o disposto no artigo 105.º da Lei Geral Tributária, no artigo 6.º, n.º 1 do CPPT, no artigo 11.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, nos artigos 40.º, 41.º e 48.º do CPC, no artigo 6.º, n.º 3 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e no artigo 44.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, nos termos dos quais a constituição de advogado é obrigatória no presente processo arbitral atendendo ao respetivo valor (EUR 23.694,32).
Com efeito, e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do CPPT (na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro), é “obrigatória a constituição de mandatário nos tribunais tributários, nos termos previstos na lei processual administrativa”, a qual dispõe, no n.º 1 do artigo 11.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que a constituição de mandatário deve obedecer às regras previstas no CPC.
Dispõe o n.º 1 do artigo 40.º do CPC que é “obrigatória a constituição de advogado:
a) Nas causas de competência de tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário;
b) Nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do valor;
c) Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores”.
Em matéria de alçadas, o artigo 105.º da Lei Geral Tributária preceitua que a “alçada dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais”, diploma que dispõe, no n.º 3 do respetivo artigo 6.º, que a “alçada dos tribunais administrativos de círculo e dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância”: ou seja, EUR 30.000 para os Tribunais da Relação e EUR 5.000 para os Tribunais de Primeira Instância (conforme o artigo 44.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto).
Tomando em consideração que o valor económico do Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelo Requerente ascende a EUR 23.694,32, constata-se a obrigatoriedade de designação de um mandatário judicial que o represente no presente processo arbitral, tal como resulta das normas legais supra referidas e foi já decidido, entre outras, na decisão arbitral proferida a 25 de setembro de 2022 no Processo n.º 94/2022-T.
Com efeito, enquanto verdadeira obrigação ex lege materializada num pressuposto processual relativo ao Requerente, a constituição de mandatário revelava-se absolutamente crucial para permitir o normal andamento do processo arbitral, permitindo designadamente que o Requerente pudesse, ao abrigo do direito ao contraditório previsto na al. a) do art. 16.º do RJAT, comunicar a este Tribunal Arbitral se pretendia (ou não) prosseguir com a lide depois da revogação do ato tributário em dissídio nos exatos termos comunicados pela Requerida a 29 de junho de 2023 (podendo também pronunciar-se, nessa medida, sobre a eventual verificação da exceção dilatória de inutilidade superveniente da lide).
Não o tendo feito, e considerando que a falta de constituição de mandatário é uma questão processual que condiciona toda a marcha do processo e que antecede, em termos lógicos e temporais, a revogação do ato tributário que ocorreu depois de constituído o Tribunal Arbitral, é tal exceção que deve ser analisada e conhecida em primeiro lugar, ao abrigo do princípio da procedência lógica previsto no artigo 608.º, n.º 1 do Código do Processo Civil e aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1 do RJAT e do artigo 2.º, al. e) do CPPT. E se o Tribunal, procedendo a essa análise sequencial, conclui pela procedência da primeira das exceções dilatórias analisadas, fica “prejudicado o conhecimento das demais exceções (dilatórias ou perentórias) ou das questões que na ação se colocam, uma vez que a procedência” da exceção primeiramente analisada “conduz de imediato à absolvição da instância”, conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido a 18 de novembro de 2021 no Processo n.º 678/20.9T8VCD.P1.
Portanto, tendo o Requerente sido notificado a 3 de julho de 2023 para constituir mandatário no presente processo arbitral dentro de prazo certo (ao qual acresceu o período de férias judiciais) e não o tendo feito, verifica-se a exceção dilatória de falta de constituição de advogado, a qual é de conhecimento oficioso ao abrigo do disposto nos artigos 41.º e 48.º do CPC e que determina a absolvição da Requerida da instância, nos termos daquele artigo 41.º e da alínea e), do n.º 1 do artigo 278.º, também do CPC (todos aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1 do RJAT).
Assim, resta ao Tribunal Arbitral abster-se de conhecer da eventual verificação da exceção dilatória de inutilidade superveniente da lide e do mérito do Pedido de Pronúncia Arbitral e declarar extinta a instância, por absolvição da Requerida da mesma com fundamento na falta de constituição de advogado pelo Requerente. Cumpre também ao Tribunal condenar o Requerente no pagamento das custas arbitrais, ao abrigo do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, no artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e no artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.
3. DECISÃO
De harmonia com o exposto, o Tribunal Arbitral julga verificada a exceção dilatória de falta de constituição de mandatário, decidindo-se, em consequência, não conhecer de quaisquer outras questões atinentes ao Pedido de Pronúncia Arbitral, absolvendo-se a Requerida da instância, assim se extinguindo esta. Mais se condena o Requerente no pagamento das custas do processo.
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Valor: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 1 e 2 do CPC e no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT (aplicáveis ex vi o n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de EUR 23.694,32 (vinte e três mil, seiscentos e noventa e quatro euros e trinta e dois cêntimos), correspondente ao valor contestado pelo Requerente conforme indicado no Pedido de Pronúncia Arbitral e não impugnado pela Requerida.
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Custas: Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em EUR 1.224 (mil duzentos e vinte e quatro euros), as quais ficam a cargo do Requerente ao abrigo do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, no artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e no artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.
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Notifique-se.
Porto, 30 de outubro de 2023.
A Árbitra,
Ana Paula Rocha