SUMÁRIO:
1. A dedução de imposto deve ser realizada na declaração correspondente ao período em que ocorreu a recepção das facturas ou recibo de pagamento de IVA integrado nas declarações de importação - artigo 22.º, n.º 2, do Código do IVA -, sendo admitida a possibilidade de correcções conforme previsto no artigo 78.º, daquele diploma.
2. O artigo 98.º, n.º 2, do Código do IVA, ao estabelecer que o direito à dedução deve ser exercido no máximo até quatro anos após o nascimento desse direito, não confere ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período temporal para proceder à dedução nas declarações periódicas, já que a sua finalidade consiste apenas em fixar um limite temporal que não pode ser ultrapassado, mesmo nos casos em que a dedução possa ocorrer em momentos diferentes dos indicados no artigo 22.º, daquele diploma.
3. O erro em questão nos autos - erro de direito -, pode ser corrigido nos termos do artigo 98.°, n.º 2, do Código do IVA, através da apresentação de uma declaração periódica de substituição ou de um pedido de revisão do acto tributário, observando-se o prazo de 4 anos estipulado por esta norma, e não através da mera dedução do imposto em declarações periódicas referentes a períodos de imposto subsequentes.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros, Manuel Luís Macaísta Malheiros (Presidente), Nuno Maldonado Sousa e Martins Alfaro, designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 20-03-2023, acordam no seguinte:
A - RELATÓRIO
A.1 - Requerente da constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT): A..., S.A., sociedade comercial anónima com sede na ..., n.°..., ...-... Lisboa, titular do Número Único de Pessoa Colectiva e de matrícula na Conservatória de Registo Comercial ... .
A.2 - Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.
A.3 - Objecto da pronúncia arbitral:
Constituem objecto do pedido de pronúncia arbitral os seguintes actos tributários:
-
Liquidação adicional de IVA n.° 2022..., relativa a Janeiro de 2018, e respectiva demonstração de acerto de contas n.° 2022..., em sede da qual foi apurado imposto a pagar no montante de EUR 333.679,85;
-
Liquidação adicional de IVA n.° 2022..., relativa a Janeiro de 2019 (decorrente de correcções ao valor do excesso a reportar - «campo 61» - das declarações periódicas de Outubro e Novembro de 2018), e respectiva demonstração de acerto de contas n.° 2022..., em sede da qual foi apurado imposto a pagar no montante de EUR 467.119,74;
-
Liquidação de juros compensatórios n.° 2022 - ..., relativa a Janeiro de 2018, no montante de EUR 50.792,74 e
-
Liquidação de juros compensatórios n.° 2022 -..., relativa a Janeiro de 2019, no montante de EUR 63.292,25.
Constitui ainda objecto do pedido de pronúncia arbitral a decisão da reclamação graciosa que incidiu sobre a apreciação da legalidade dos actos tributários atrás mencionados.
A.4 - Pedido:
A anulação dos actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral e da decisão final do procedimento de reclamação graciosa, nos termos do artigo 163.°, n.° 1, do CPA e, na medida da procedência do pedido anterior, a condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.° da LGT e, bem assim, das custas do processo arbitral, tudo com as demais consequências legais.
A.5 - Fundamentação do pedido:
Para fundamentar o seu pedido, a Requerente alega, em síntese, que tendo constatado ter efectuado, por referência aos períodos de Janeiro de 2016 a Dezembro de 2017, uma dedução de imposto (IVA) inferior à legalmente devida - por via da aplicação de uma metodologia incorrecta para apuramento do IVA dedutível -, tal erro poderia, à luz do artigo 22.°, n.° 2, do Código do IVA, ser corrigido na declaração periódica de um período de imposto subsequente, respeitado o prazo de quatro anos estabelecido no artigo 98.°, n.° 2, do referido Código.
A.6 - Resposta da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira:
A Requerida defende que o n.º 2 do artigo 22.º do Código do IVA não autoriza a Requerente a deduzir, nas declarações periódicas de Janeiro, Outubro e Novembro de 2018, os valores referentes aos anos de 2016 e 2017, relativos a aquisições de bens e serviços relacionados com as áreas dos TPA´s e Pagamentos por multibanco, que entendeu ser integralmente dedutível por aplicação do método da afectação real, e que, por lapso, não teria deduzido nas declarações dos períodos correspondentes, impostas pelo n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA; e bem assim, que o n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA não se reporta a um prazo genérico de exercício do direito à dedução do IVA nas declarações periódicas de cada um dos períodos abrangidos no prazo de 4 anos ali previsto, pelo que nenhum reparo há a fazer quanto às correcções efectuadas pelos Serviços Inspectivos e ao respectivo enquadramento jurídico- tributário, que se devem manter nos exactos termos em foram exaradas
Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.
A.7 - Alegações:
Requerente e Requerida apresentaram alegações escritas, nas quais mantiveram e reiteraram essencialmente as suas posições.
B - SANEAMENTO:
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo a Requerida manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAMT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o tribunal arbitral colectivo foi regularmente constituído em 20-03-2022.
O Tribunal Arbitral é materialmente competente, atenta a conformação do objecto do processo e à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAMT).
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.
Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no artigo 21.°, n.º 1, do RJAMT, com as prorrogações determinadas nos termos do n.° 2 do mesmo artigo.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAMT.
O processo não enferma de nulidades.
Não existem quaisquer excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.
Cumpre assim apreciar e decidir, o que se fará de seguida.
C - FUNDAMENTAÇÃO:
C.1 - Matéria de facto - Factos provados:
Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:
A Requerente é uma instituição financeira que exerce normal e habitualmente a actividade comercial prevista no artigo 4.°, n.° 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
Em sede de IVA, a Requerente assume a natureza de sujeito passivo misto, realizando simultaneamente: (i) operações que conferem o direito à dedução (sujeitas a imposto ou dele isentas com direito à dedução) e (ii) operações que não conferem tal direito (isentas sem direito à dedução).
Na área de negócio relativa aos terminais de pagamento automático (“TPA”) e Multibanco, a
Requerente utilizou uma metodologia de dedução que posteriormente considerou ser incorrecta, porquanto desconsiderava a existência de uma ligação directa e imediata entre os encargos suportados e os serviços prestados nessa área de negócio.
Com efeito, para efeitos de apuramento do IVA dedutível suportado com a aquisição de inputs afectos a essas áreas de negócio, entre Janeiro de 2016 e Dezembro de 2017, a Requerente aplicou o método da afectação real baseado no coeficiente de imputação específico previsto no Ofício-circulado n.° 30.108, de 30 de Janeiro de 2009, tendo, subsequentemente, constatado que tal metodologia de apuramento do IVA dedutível era incorrecta, por não reflectir o real grau de utilização dos inputs em operações que conferem o direito a dedução do IVA.
A área de negócio relativa aos Terminais de Pagamento Automático (TPA) traduz-se na oferta de TPA´s nos estabelecimentos comerciais dos clientes da Requerente, viabilizando a realização automática de transacções.
Em contrapartida pela disponibilização e utilização dos TPA’s, a Requerente emite facturas aos clientes, cobrando (i) uma taxa mensal denominada "comissão de gestão" pela concessão de uso da máquina; e (ii) serviços de conexão, comunicação e manutenção, referentes à utilização da máquina.
Essas contrapartidas estão sujeitas à tributação em IVA, não lhes sendo aplicáveis quaisquer isenções, uma vez que é possível identificar um conjunto de recursos directamente dedicados a operações tributadas em IVA, conferindo o direito à dedução do imposto suportado a montante.
Por razões estritamente comerciais, a Requerente opta por disponibilizar gratuitamente TPA's a alguns clientes, circunstância que a impede de deduzir integralmente o IVA suportado a montante para a disponibilização dos TPA's.
Neste contexto, a Requerente estabeleceu um critério para o apuramento do IVA dedutível, o qual consiste numa fracção onde o denominador compreende o número total de TPA's que constituem o seu parque de TPA's activos e o numerador representa o número total de TPA's que geraram operações tributadas.
Este critério de dedução foi aplicado ao IVA suportado na aquisição de TPA's, bem como nos inputs relacionados com a manutenção, instalação e conexão de TPA's, além dos custos com comunicações (linhas comutadas e GPRS).
Todos esses inputs são exclusivamente utilizados pela Requerente na área de negócio relacionada com os TPA's.
Nessa área de negócio, a Requerente apurou imposto a deduzir adicionalmente.
No que se refere à vertente de negócios relacionada com o Pagamento de Serviços Multibanco, a Requerente possibilita aos seus clientes que efectuem o pagamento de facturas resultantes da aquisição de serviços ou bens, como os habituais pagamentos associados a serviços públicos (como água, electricidade, gás, etc.), através da rede Multibanco.
Para viabilizar este serviço, a Requerente contrata à SIBS a disponibilização do mesmo na rede Multibanco, sob a gestão desta última entidade.
A SIBS factura à Requerente pelos serviços mencionados anteriormente, nomeadamente "Renda Mensal (H7A)", "Renda Mensal - SE (H7B)", "Transacções - Util Esq MBSPOT - Aceit Dir (D6)", "Transacções - Acquirer Transacção (GB5)", "Transações - Clearing Acquirer Transacção (GD6)", "Transacções - Monit Trans-Acq/BAE (X5)", "TPA; Pagamentos em Multibanco".
Em contrapartida, pela prestação deste serviço aos seus clientes, a Requerente cobra as seguintes contrapartidas, ambas sujeitas a IVA à taxa normal: (i) renda mensal e (ii) tarifa por transacção, que pode ser fixa e/ou variável, dependendo do valor da operação.
Assim como na área dos TPA’s, na área de negócio relacionada com o Pagamento de Serviços Multibanco, todas as operações facturadas aos clientes estão sujeitas a IVA à taxa normal. Os correspondentes inputs são directamente e exclusivamente associados a operações tributadas em IVA, conferindo o direito à dedução do imposto suportado a montante.
No entanto, também nesta área de negócio e à semelhança do que ocorre com o negócio dos TPA's, existem situações em que, por motivos comerciais, a Requerente disponibiliza aos seus clientes o serviço de forma não onerosa.
Como resultado, também nesta área, a Requerente estabeleceu um critério para o apuramento do IVA dedutível, expresso numa fracção em que o denominador abrange o número total de disponibilizações deste serviço pela Requerente, e o numerador representa aquelas que geraram operações tributadas.
Nessa área de negócio, a Requerente apurou imposto a deduzir adicionalmente.
Assim - e tendo em vista o reconhecimento do direito à dedução daqueles montantes apurados a deduzir adicionalmente -, a Requerente inscreveu-os no campo 40 (“regularizações a favor do sujeito passivo”) das seguintes declarações periódicas de IVA:
-
Na declaração periódica de Janeiro de 2018, o montante de EUR 333.679,85;
-
Na declaração periódica de Outubro de 2018, o montante de EUR 444.652,12;
-
Na declaração periódica de Novembro de 2018, o montante de EUR 22.467,62.
A coberto da ordem de serviço n.° 0I2019..., a Requerente foi alvo de procedimento de inspecção tributária, de natureza externa, realizada pela Divisão de Inspecção a Bancos e Outras Instituições Financeiras, da Unidade dos Grandes Contribuintes.
No âmbito de tal procedimento administrativo, a Requerente foi notificada do relatório final do procedimento de inspecção tributária, em sede do qual - entre outras correcções - a Autoridade Tributária concluiu pela existência de IVA em falta, no montante global de EUR 800.799,59, decorrente da alegada dedução indevida desse imposto.
Do Relatório de Inspecção consta, para além do mais, o seguinte:
[Q]uer seja feita a opção pelo método da afetação real ou, em alternativa, pelo método da percentagem de dedução, para cálculo do IVA relativo às aquisições de bens e serviços utilizados em ambas as atividades, os sujeitos passivos utilizam, durante cada ano, uma dedução (afetação real) ou percentagem de dedução provisória (pro rata), correspondente à percentagem apurada para as operações realizadas no ano anterior, procedendo, no final do ano, ao apuramento do valor definitivo, tendo por base os valores efetivos referentes ao ano em causa. Destarte, as regularizações, a favor do sujeito passivo ou do Estado, que se mostrem devidas devem ser incluídas na declaração do último período do ano a que respeita. Parece assim evidente que quaisquer correções na dedução ou no cálculo da percentagem de dedução provisória), devem ser a priori efetuadas no final desse ano, tendo por base os valores definitivos das operações efetuadas pelo sujeito passivo nesse ano. (...) Resulta assim, que o art.° 23.° do Código do IVA não prevê a possibilidade de um sujeito passivo que, no momento em que se constitui o direito à dedução do IVA, tenha optado por um método de cálculo do direito à dedução do imposto suportado em bens e serviços de utilização mista possa alterar retroativamente o método utilizado, recalculando a dedução inicial feita.
O n.° 6 do art.° 78.° do Código do IVA estabelece que a correção de erros materiais ou de cálculo no registo ou nas declarações periódicas é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, podendo ser efetuada no prazo de dois anos, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado. Constatando-se que os preceitos em causa abrangem exclusivamente a correção de “erros materiais ou de cálculo nos registos ou nas declarações periódicas”, importa delimitar o sentido dessa expressão, à luz dos princípios interpretativos delineados no art.° 9.° do Código Civil.
Desde logo, numa perspetiva sistemática, pode-se afirmar que os “erros materiais ou de cálculo” referenciados neste preceito não se podem reconduzir a nenhuma das situações que podem originar regularizações de imposto previstas nos demais números do mesmo preceito. Consequentemente, não estarão em causa no n.° 6 do art.° 78.° do Código do IVA, erros de determinação do valor tributável, erros cometidos nas faturas ou omissão de liquidação de imposto em situações de inversão do sujeito passivo. Da mesma forma, entende-se não se poderem subsumir neste preceito as correções ou regularizações de imposto que são reguladas por normas específicas da legislação do IVA, tais como o cálculo e regularizações do pro rata ou da dedução segundo a afetação real com base em critérios objetivos previstos no artigo 23.° e as regularizações relativas aos bens de investimento, a que se referem os artigos 24.° a 26.° do Código do IVA. Finalmente, decorre da formulação do n.° 6 do art.° 78 do Código do IVA não estarem aí contemplados erros de direito cometidos nos registos ou nas declarações, como sejam, por exemplo, erros na qualificação de operação realizada. Entende-se, assim, que a expressão “erros materiais ou de cálculo nos registos ou nas declarações periódicas” se reporta, primeiramente, a erros de transposição dos dados dos documentos de suporte para a contabilidade ou desta para a declaração periódica ou erros aritméticos cometidos na contabilidade ou nas declarações [...]. Decorre do que antecede não existir suporte legal que permita ser autorizada uma alteração retroativa de método de cálculo do direito à dedução inicial referente aos bens e serviços de utilização mista, ou seja, um erro de direito, com fundamento no n.° 6 do art.° 78.° do Código do IVA, já que esta escolha, como demonstrado anteriormente, só pode ser feita para cada aquisição de bens ou serviços no momento em que se constitui o direito à dedução nas condições previstas no n.° 1 do art.° 20.°, n.° 1 e n.° 2 do art.° 22.° e no art.° 23.° (em que a dedução deve ser efetuada na declaração do último período do ano a que respeita) do Código do IVA, e no prazo previsto no n.° 2 do art.° 98.° do Código do IVA. No presente caso, o que ocorreu não foi um erro material ou de cálculo, mas de direito, que se terá traduzido na qualificação como não dedutível de imposto que, à posteriori, o banco se terá vindo a aperceber que, afinal, o seria [...]. [N] o quadro legal em vigor não é possível proceder a alterações retroativas do método de cálculo do direito à dedução inicial dos bens e serviços de utilização comum em atividades isentas e tributadas, nem proceder a correções ao cálculo da percentagem de dedução definitiva ou correções ao cálculo da dedução definitiva efetuada com base em critérios objetivos (método da afetação real) apurada em determinado ano com fundamento no art.° 78.° do Código IVA, porquanto tais correções não se subsumem nas disposições nele constantes.
Quanto à regularização de IVA pretendida pelo A..., na sequência da alteração do método da percentagem de dedução para o método da afetação real, nas áreas de Terminais de Pagamento Automáticos e Pagamentos de Serviços Multibanco, que aquela deveria “constar da declaração do último período do ano a que respeita”, atento o disposto no n.° 6 do art.° 23.° do Código do IVA, nas regularizações em crise em dezembro de 2016 (para o ano de 2016) e em dezembro de 2017 (para o ano de 2017).
Em consequência do procedimento de inspecção tributária, a Autoridade Tributária reverteu a regularização de imposto, no montante de € 800.799,59, efectuada pela Requerente nas declarações de imposto relativa aos períodos de Janeiro, Outubro e Novembro de 2018.
A Requerente foi notificada dos actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral, tendo procedido ao seu pagamento voluntário.
C.2 - Matéria de facto - Factos não provados:
Não existem factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
C.3 - Motivação quanto à matéria de facto:
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados em função da sua relevância jurídica, face às soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAMT.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e pela Requerida, no processo administrativo, que não foram impugnados, tendo igualmente em conta que, tal como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul, de 26-06-2014, no processo 07148/13,[1] o “[…] relatório da inspecção tributária [...] poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
A convicção do Tribunal fundou-se igualmente nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não se entende posta em causa, e no acervo probatório carreado para os autos, o qual foi objecto de uma análise crítica e de adequada ponderação, à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e de razoabilidade.
C.4 - Matéria de direito:
C.4.1 - Questões a decidir:
Primeira questão a decidir - À Requerente era legítimo, nas declarações periódicas de Janeiro, Outubro e Novembro de 2018, inscrever e deduzir valores referentes a imposto (IVA), determinado por aplicação dos métodos pro rata e/ou afectação real, suportado em 2016 e 2017, os quais, por lapso, não teria deduzido nas declarações dos períodos correspondentes?
Segunda questão a decidir: Deve a Requerida AT ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios?
Vejamos, então:
Primeira questão a decidir - À Requerente era legítimo, nas declarações periódicas de Janeiro, Outubro e Novembro de 2018, inscrever e deduzir valores referentes a imposto (IVA), determinado por aplicação dos métodos pro rata e/ou afectação real, suportado em 2016 e 2017, os quais, por lapso, não teria deduzido nas declarações dos períodos correspondentes?
No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente escreve o seguinte:
[..] adotou inicialmente uma metodologia incorreta para apuramento do IVA dedutível referente às operações na área dos TPA e do Pagamento de Serviços Multibanco, pelo que o valor refletido no campo 40 das suas declarações periódicas de imposto relativas a 2016 e 2017 não tem aderência à realidade.
A Requerente incorreu assim num erro de direito, traduzido na utilização e aplicação de uma metodologia desajustada face às operações por si realizadas, não tendo, por via disso, dado pleno e devido cumprimento ao disposto no artigo 20.° do CIVA, o qual impunha a dedução integral do IVA suportado na realização dessas operações tributáveis.
Questão semelhante foi já abordada no âmbito dos processos arbitrais nrs. 185/2014T,
549/2016T, 278/2018T e 271/2020-T, todos do CAAD [2].
Entre as decisões arbitrais atrás referidas, a decisão arbitral proferida no processo n.º 549/2016T foi objecto de recurso por oposição de acórdãos para o STA, o qual, por acórdão de 20-12-2017, proferido no processo 0366/17, manteve a decisão arbitral em causa.
Seguir-se-ão aqui de perto os fundamentos de direito que constam da decisão arbitral proferida no processo n.º 271/2020-T, deste CAAD.
Dispõe o artigo 22.°, do Código do IVA, no que interessa à situação dos autos, que:
1 - O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.° e 8.°, efetuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.
2- Sem prejuízo do disposto no artigo 78.°, a dedução deve ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.
3 - Se a recepção dos documentos referidos no número anterior tiver lugar em período de declaração diferente do da respectiva emissão, pode a dedução efectuar-se, se ainda for possível, no período de declaração em que aquela emissão teve lugar.
4 - Sempre que a dedução de imposto a que haja lugar supere o montante devido pelas operações tributáveis, no período correspondente, o excesso é deduzido nos períodos de imposto seguintes.
[…]
Com relevo ainda para o presente caso, dispõe o n.° 6 do artigo 23.°, do Código do IVA, que:
6 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.° 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior,
assim como a dedução efetuada nos termos do n.° 2, calculada provisoriamente
com base nos critérios objetivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afetação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efetuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.
Como se viu, o n.° 2 do transcrito artigo 22.°, do Código do IVA, impõe que “a dedução deve ser efectuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a recepção das facturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação”.
Em face deste normativo, a regra consiste, pois, em que a dedução do imposto deve ser realizada (conforme estipula n artigo 22.°, do Código do IVA) na "declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas".
Uma excepção a esta regra ocorre quando a dedução pode ser efectuada numa "declaração de período posterior àquele".
Este cenário é explicitamente previsto nos casos descritos no número 6 do artigo 23.°, no qual a dedução, corrigida, deve fazer-se na "declaração do último período do ano a que respeita".
A regra que decorre do n.° 2 do transcrito artigo 22.°, do Código do IVA, só fará sentido se, com esta norma, se pretender proceder a uma restrição à discricionariedade do sujeito passivo na escolha do período para exercer o direito à dedução.
Com efeito, a não ser assim, esta norma perderia a sua utilidade, pois acabaria por apenas proibir a dedutibilidade do imposto suportado num período anterior à respectiva incidência, o que não teria nenhum sentido e seria, mesmo, inútil.
Portanto, seguindo o critério hermenêutico do legislador razoável - artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil -, a interpretação adequada do artigo 22.°, n.º 2, do Código do IVA, consistirá em estabelecer que a regra é a de que a dedução do imposto suportado deve ser efectuada na declaração do período em que, consoante os casos, ocorreu a recepção das facturas ou do recibo de pagamento.
E que o exercício do direito à dedução em período posterior só será permitido nas circunstâncias expressamente previstas no já mencionado artigo 22.º, do Código do IVA, isto é, quando o montante do imposto a deduzir seja superior ao montante do imposto a pagar, ou em outras situações específicas, como sucede na situação prevista no artigo 23.°, número 6, do Código do IVA.
Em resumo, entende este Tribunal que a expressão "de período posterior àquele", mencionada no n.º 2, do artigo 22.°, do Código do IVA, não autoriza o sujeito passivo a escolher livremente qual o período no qual procederá à dedução do imposto suportado.
Antes pelo contrário, refere-se apenas a situações em que a lei expressamente permite ou impõe essa dedução.
Deste modo, haverá que concluir que a referência a "período posterior", constante do número 2 do artigo 22.°, do Código do IVA, diz respeito às situações em que é especialmente admitida a dedução do imposto em período posterior, como é o caso do artigo 23.°, n.º 6, do Código do IVA, o qual permite a dedução do imposto na última declaração do ano a que se refere.
Esta interpretação parece ser ainda a única que se encontra em conformidade com o disposto no artigo 179.°, da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Directiva IVA).
Com efeito, ali se estabelece expressamente que “O sujeito passivo efectua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.°”.[3]
Resumindo, a regra é que, salvas as excepções expressamente previstas e nos termos destas, o direito à dedução do imposto deve ocorrer na declaração periódica correspondente ao período em que o IVA a deduzir foi suportado, e não, discricionariamente, em qualquer outra declaração periódica subsequente, dado que tal é fundamental para garantir que o IVA é deduzido no mesmo período em que foi suportado.
É certo que a situação prevista no artigo 23.°, n.º 6, do Código do IVA, constitui uma das excepções especialmente previstas.
Mas tal excepção consiste em impor que a correcção da percentagem de pro rata da dedução apurada provisoriamente com base nas operações do ano transacto, deve ser efectuada na declaração do último período do ano, de acordo com os valores definitivos desse mesmo ano.
Por outras palavras, mesmo nos casos em que são aplicados os métodos pro rata e/ou afectação real, as regularizações devem ser efectuadas na última declaração do ano a que dizem respeito e não numa declaração posterior, dado que a lei não reconhece a atribuição, ao sujeito passivo, de discricionariedade na escolha do período de imposto no qual efectuará as regularizações em causa.
A norma do artigo 23.°, n.º 6, do Código do IVA, estabelece, assim, entre outros pontos, o período da declaração no qual a dedução, nesses casos de regularização, deve ser efectuada, ou seja, na declaração do último período do ano a que se refere.
Tenha-se em conta que aspecto distinto e não incompatível com esta norma, respeita ao prazo para o exercício do direito à dedução, o qual corresponde ao período durante o qual o sujeito passivo pode fazer valer o seu direito num determinado período.
Na verdade, o artigo 98.°, n.º 2, do Código do IVA, invocado, de resto, pela Requerente, estabelece um limite máximo de quatro anos para o exercício do direito à dedução.
Mas este prazo não prejudica nem é incompatível com a imposição - nacional e comunitária -, de que o exercício desse direito ocorra na declaração do período de imposto, conforme as normas legais aplicáveis.
Caso tal não seja já possível, o sujeito passivo deve, dentro do prazo de quatro anos estipulado por esta norma, apresentar uma declaração de substituição ou um pedido de revisão oficiosa, incidindo sobre a declaração de imposto do período em questão.
As declarações de substituição têm como finalidade substituir a declaração correspondente do período de imposto em que foi detectado um erro, seja de facto ou de direito, sendo possível ao sujeito passivo, igualmente, valer-se do pedido de revisão oficiosa do acto tributário.
Caso não o tenha feito, e não recorrendo aos meios previstos para tal efeito, não poderá fazê-lo nas declarações periódicas de imposto posteriores, como se se tratasse de uma situação normal de liquidação e dedução do IVA no respectivo período de imposto.
No caso dos presentes autos, a Requerente não recorreu aos procedimentos atrás descritos - e adequados para este propósito -, pelo que a aplicação do disposto no n.º 2, do artigo 98.°, do Código do IVA, nos termos pretendidos pela Requerente, não pode aceitar-se.
Diga-se, ainda, que o regime em questão não conflitua com o entendimento de que o exercício do direito à dedução do IVA é um direito fundamental que garante a neutralidade do IVA, devendo ser restringido apenas em situações excepcionais.
De facto, e conforme vem sendo sublinhado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia e de acordo com a redacção dos artigos 167.° e 179.°, n.º 1, da Directiva IVA, o direito à dedução do imposto é, em princípio, exercido durante o mesmo período em que se constitui, ou seja, no momento em que o imposto se torna exigível.
No entanto, de acordo com os artigos 180.° e 182.°, da referida Directiva, o sujeito passivo pode ser autorizado a exercer o direito à dedução do IVA, mesmo que não o tenha exercido durante o período em que se constituiu, sempre na observância de certas condições e regras estabelecidas pelas regulamentações nacionais (ver, neste sentido, Acórdão de 8 de Maio de 2008, Proc. C-95/07, Caso Ecotrade, Colect., p. I 03457, nrs. 42 e 43).
Por outras palavras, os sujeitos passivos podem, em situações justificadas, ser autorizados a proceder à dedução, mesmo que não tenham exercido o seu direito durante o período em que esse direito surgiu. No entanto, nesses casos, o exercício do direito à dedução está sujeito a determinadas condições e modalidades, as quais são definidas pelos Estados-membros.
Neste contexto, o TJUE tem sublinhado que a possibilidade de exercer o direito à dedução, sem limites temporais, conflitua com o princípio da segurança jurídica, o qual exige que a situação fiscal do sujeito passivo, considerando os seus direitos e obrigações perante a Administração Fiscal, não seja indefinidamente susceptível de ser questionada. Desta forma, não se afigura sustentável a tese de que o direito à dedução, assim como o direito à liquidação, não podem estar sujeitos a um prazo de caducidade.
O TJUE invoca, a este respeito, os princípios da eficácia e da equivalência.
Quanto ao primeiro daqueles princípios, o TJUE destaca que o prazo de caducidade não pode, por si só, tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à dedução.
E, no que diz respeito ao segundo daqueles princípios, o TJUE tem analisado se existe uma equivalência entre o prazo de caducidade concedido aos sujeitos passivos e o prazo concedido à Administração Fiscal para proceder a correcções, concluindo que este princípio não é violado pelo facto de, nos termos da regulamentação nacional, a Administração Fiscal dispor de um prazo mais longo para exigir o pagamento do IVA, em comparação com o prazo concedido aos sujeitos passivos para solicitarem a dedução do imposto (Cfr. Caso Ecotrade, já citado, nrs. 43 a 49).
É importante notar que, embora os Estados-membros tenham a faculdade de adoptar medidas, ao abrigo do artigo 273.°, da Directiva IVA, visando assegurar a cobrança do imposto e prevenir a fraude, essas medidas não devem ultrapassar o necessário para alcançar tais objectivos (princípio da proporcionalidade) e não devem comprometer a neutralidade do IVA (Cfr. especialmente, Acórdão de 21 de Outubro de 2010, Caso Nidera, Proc. C-385/09, Colet., p. I-10385, n.° 49).
Nesta perspectiva, nem o princípio da proporcionalidade nem o princípio da neutralidade são comprometidos pela solução que decorre do entendimento deste Tribunal nos presentes autos.
A legislação nacional permite, por exemplo, a correcção de um erro material ou de cálculo que prejudique o sujeito passivo, desde que tal correcção seja efectuada no prazo estipulado no artigo 78.°, n.º 6, do Código do IVA.
Diferentes tipos de erros, como anteriormente indicado, podem ser rectificados através da apresentação de uma declaração de substituição, caso ainda seja legalmente permitido, ou, na impossibilidade do uso de tal meio, através da apresentação de um pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.°, da LGT.
É este o sentido que resulta do artigo 98.°, n.º 2, do Código do IVA, o qual estipula que "o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respetivamente".
Repare-se que esta norma se insere sistematicamente num artigo cuja epígrafe é "Revisão oficiosa e prazo do exercício do direito à dedução" e no Capítulo relativo às "Garantias dos sujeitos passivos", após a norma relativa a "Recurso hierárquico, reclamação e impugnação" e antes da norma relativa à "Anulação da liquidação".
Além destes casos, também são considerados factos supervenientes, conforme regulamentado pelo n.º 2, do artigo 78.°, do Código do IVA.
No entanto, é importante reconhecer a distinção entre um erro (uma disparidade entre a realidade representada na declaração periódica e a realidade - erro de facto - e o erro de direito) e a superveniência de um facto (uma alteração na realidade) que resulta na modificação no imposto a suportar ou deduzir.
No caso dos autos, foi explicitamente reconhecido que o que ocorreu não foi qualquer facto superveniente, mas sim um erro - e não erro material ou de cálculo, mas sim de direito.
Esse erro de direito reflecte a incorrecta qualificação jurídica do imposto como não dedutível, mas que a Requerente entendeu posteriormente ser dedutível.
Portanto, entre a apresentação das declarações periódicas correspondentes ao período em que o imposto, agora entendido como dedutível, foi suportado e a apresentação das declarações periódicas em que esse mesmo imposto foi deduzido, não houve qualquer alteração na realidade (muito menos alguma das descritas no n.º 2, do artigo 78.°, do Código do IVA).
O que ocorreu foi (apenas) a mudança de entendimento da Requerente, no sentido de que a interpretação jurídica que fizera inicialmente quanto à dedutibilidade do imposto por ela suportado, não foi correcta, ou seja, que cometera um erro.
O erro em questão - um erro de direito - como já reconhecido há alguns anos pela jurisprudência tanto arbitral quanto dos tribunais tributários estaduais, pode ser corrigido nos termos do artigo 98.°, n.º 2, do Código do IVA, através da apresentação de uma declaração periódica de substituição ou de um pedido de revisão do acto tributário, observando-se o prazo de 4 anos estipulado por esta norma, e não através da mera dedução do imposto em declarações periódicas referentes a períodos de imposto subsequentes, mesmo que apresentadas dentro deste prazo.
Veja-se, em especial, o Acórdão do STA, de 18-05-2011, processo n.º 0966/10,[4] no qual se sumariou:
I – Em regra, estabelecida no art. 22.º, n.º 1, do CIVA, a dedução de imposto deverá ser efectuada na declaração do período em que se tiver verificado a recepção das facturas, documentos equivalentes ou recibo de pagamento de IVA que fizer parte das declarações de importação, admitindo-se, no entanto, a possibilidade de correcções previstas no art. 71.º.
II – Assim, a dedução do imposto não pode ser efectuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas que indicam os momentos adequados para a dedução precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto.
III – O n.º 2 do art. 92.º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não tem o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher qualquer momento dentro desse período para efectuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode efectuar em momentos diferentes dos indicados naquele art. 22.º.
IV – Para além do art. 71.º, n.º 6, do CIVA, não existe qualquer disposição legal que se possa interpretar como permitindo ao sujeito passivo o exercício do direito à dedução em momento posterior aos que resultam deste art. 22.º indicados, nos casos em que, por lapso efectuado na sua contabilidade, só detecte que tinha direito à dedução em momento posterior àquele em que o devia efectuar.
Considerando tudo o que foi mencionado anteriormente, a correcção da situação por via declarativa deveria ter ocorrido na declaração periódica na qual o imposto a deduzir deveria constar, se e nas condições em que a alteração desta - por iniciativa do contribuinte ou, oficiosamente, pela AT, mesmo que a pedido do contribuinte - pudesse ocorrer.
Isso significa que a pretendida correcção deveria ocorrer mediante a entrega das correspondentes declarações de substituição ou, caso já não fosse possível, mediante a apresentação de pedido de revisão oficiosa e não, como sucedeu no caso dos presentes autos, em declarações em muito posteriores aos períodos de imposto em causa.
Desta interpretação do regime não resulta qualquer violação do princípio da neutralidade do IVA.
Bem pelo contrário, o princípio da neutralidade exige que o IVA seja deduzido, em regra, no período em que foi suportado, sendo expresso nesse sentido o citado artigo 179.° da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006.
De resto, mesmo nos casos em que, excepcionalmente, essa dedução pode ocorrer nos períodos especialmente previstos para esses casos, em caso alguma lei atribui ao sujeito passivo discricionariedade na escolha do período de imposto no qual irá proceder às regularizações necessárias.
Este Tribunal sublinha que a possibilidade, nos termos expostos, de o sujeito passivo fazer valer o seu direito à dedução durante o prazo de 4 anos, não torna praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício desse direito, nem o coloca numa situação de desigualdade com outros contribuintes ou com a AT.
Nem constitui violação dos princípios constitucionais da igualdade e/ou do primado do direito europeu, incluindo os princípios da neutralidade fiscal, da efectividade, da equivalência e da proporcionalidade.
Em suma e na situação dos autos, não era possível o exercício, pela Requerente, do direito à dedução de valores referentes a imposto suportado em 2016 e 2017, nas declarações periódicas relativas a Janeiro, Outubro e Novembro de 2018, antes constituindo meios adequados a apresentação de declaração periódica de substituição ou pedido de revisão oficiosa do acto tributário.
Em consequência, o presente pedido de pronúncia arbitral irá ser julgado integralmente improcedente, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas pela Requerente.
A Requerente deduziu, a final e a título subsidiário, um pedido de reenvio prejudicial.
Com base nos fundamentos anteriormente expostos, considera-se evidente que a solução anteriormente proposta é compatível com o Direito Europeu e com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, não constituindo, essencialmente, mais do que a aplicação da norma contida no artigo 179.° da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006.
Porque ao Tribunal não se colocam quaisquer dúvidas quanto à conformidade, com o direito comunitário, do entendimento adoptado - e com a fundamentação anterior -, entende-se não se justificar o pedido de reenvio prejudicial.
Segunda questão a decidir: Deve a Requerida AT ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios?
Como resulta do anteriormente exposto, o Tribunal irá decidir pelo bem-fundado dos actos aqui impugnados e, em consequência, pela sua manutenção na ordem jurídica, assim improcedendo na totalidade o pedido de pronúncia arbitral.
Consequentemente, não há lugar à condenação da Requerida em juros indemnizatórios, pelo que irá esta absolvida do respectivo pedido.
D - DECISÃO:
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral no seguinte:
-
Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral de declaração da ilegalidade das liquidações objecto daquele pedido, bem como da decisão final proferida no procedimento de reclamação graciosa que incidiu sobre a apreciação da legalidade dos actos tributários impugnados e, em consequência, absolver a Requerida do pedido, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários objecto da presente acção arbitral;
-
Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida AT no pagamento de juros indemnizatórios e absolver esta do respectivo pedido.
E - VALOR DA CAUSA:
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 914.884,58.
O valor indicado pela Requerente não foi impugnado e não considera o Tribunal existir fundamento para o alterar, pelo que, de harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e ainda 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se à presente causa o valor de € 914.884,58.
F - CUSTAS:
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAMT, e da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 12.852,00, indo a Requerente, que foi vencida, condenada nas custas do processo.
Notifique.
Lisboa, 15 de Novembro de 2023.
Os Árbitros,
(Manuel Luís Macaísta Malheiros)
(Nuno Maldonado Sousa)
(Martins Alfaro)
[3] Sublinhado do Tribunal.