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SUMÁRIO:
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O artigo 11º do Código do ISV, na redação introduzida pelo artigo pelo artigo 391º da Lei nº 75-B/2020, de 31 de Dezembro (OE para 2021), ao determinar a aplicação de taxas de redução diferenciadas às componentes do ISV (componente cilindrada e componente ambiental) liquidado na tributação dos veículos usados provenientes de outro Estado-membro, comparativamente à tributação dos veículos originariamente registados em território português, consubstancia uma discriminação não admitida pelo artigo 110º do TFUE.
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Em consequência, os actos tributários de liquidação de ISV, efectuados com base no disposto no artigo 11º do Código do ISV, encontram-se feridos de ilegalidade.
DECISÃO ARBITRAL[1]
Requerente – A..., Lda.,
Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira
O árbitro, Dra. Sílvia Oliveira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 30-08-2023, decidiu o seguinte:
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RELATÓRIO
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A..., Lda., Pessoa Colectiva nº..., com sede na Rua ..., nº..., em Lisboa (adiante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Singular, no dia 28-06-2023, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).
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A Requerente vem requerer a constituição de Tribunal Arbitral no sentido desta “(…) impugnação ser julgada provada e procedente, ordenando-se a anulação parcial da liquidação do ISV, de forma a aplicar-se a redução prevista no art. 11° do CISV - componente ambiental”, mais requerendo que “(…) deve a AT ser condenada a restituir (…) a quantia de € 3.233,56 cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal de 4%, desde a data do pagamento do imposto até efetiva restituição”.
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Adicionalmente, a Requerente peticiona ainda o reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) “(…) se subsistirem dúvidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no art. 110° do TFUE”, referindo que a questão a esclarecer será a de se saber se a “(…) norma constante do atual n° 1 do art. 11° do CISV, viola ou não o disposto no referido artigo do Tratado, porquanto discrimina negativamente os veículos usados admitidos no espaço português, provenientes de um outro Estado-membro, relativamente aos que são matriculados e comercializados em Portugal”.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 29-06-2023 e notificado, na mesma data, à Requerida.
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Em 11-08-2023, dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, foi a signatária designada como árbitro pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 1 do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.
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Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
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Em 30-08-2023, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral (na mesma data) no sentido de notificar a Requerida para, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 1 do RJAT, apresentar Resposta, no prazo máximo de 30 dias e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional.
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Adicionalmente, foi ainda referido naquele despacho arbitral que a Requerida deveria remeter ao Tribunal Arbitral, dentro do prazo da Resposta, cópia do processo administrativo.
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A Requerida, em 19-09-2023, apresentou a sua Resposta, no sentido de concluir que “(…) deve o pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente improcedente” e se enuncia também um pedido de reenvio prejudicial para o TJUE “(…) caso subsistam dúvidas quanto à conformidade do artigo 11.º do CISV, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, com o artigo 110.º do TFUE”.
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Na mesma data remeteu ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.
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Por despacho arbitral de 20-09-2023, “(…) ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19º, nº 2, e 29º, nº 2, do RJAT), bem como tendo em conta o princípio da limitação de actos inúteis previsto no artigo 130º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT (…)”, decidiu o Tribunal Arbitral dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, determinar que o processo prosseguisse com alegações escritas, facultativas, a apresentar no prazo simultâneo de 10 dias, a contar nos termos legais e agendar a prolação da decisão arbitral para o dia 16-10-2023.
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Adicionalmente, foi ainda a Requerente advertida que, até à data da prolação da decisão arbitral, deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e comunicar esse pagamento ao CAAD (o que veio a efectuar em 11-10-2023).
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A Requerente e a Requerida apresentaram, em 04-10-2023, as suas alegações escritas concluindo, respectivamente, como no Pedido e na Resposta.
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A Requerente nas suas alegações veio requerer a junção de cópia de dois pareceres do Ministério Público, proferidos em dois processos que correm termos no Supremo Tribunal Administrativo, cuja junção aqui se admite.
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Por despacho arbitral, de 04-10-2023 (notificado às Partes em 06-10-2023), a Requerida foi notificada para, no prazo de 5 dias, se pronunciar, querendo, sobre o referido requerimento de junção de documentos apresentado pela Requerente mas, naquele prazo, nada veio apresentar.
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CAUSA DE PEDIR
2.1. A Requerente começa por referir que “(…) introduziu em Portugal, (…) veículos automóveis ligeiros de passageiros usados: - Marca Volkswagen, proveniente da Alemanha (…), a que foi atribuída a matrícula..., introduzido em Portugal em 01.04.2021 (…)” e “- Marca Mercedes, proveniente da Alemanha, (…), a que foi atribuída a matrícula ..., introduzido em Portugal em 27.07.2021 (…)”.
2.2. Refere a Requerente que “no cumprimento das suas obrigações legais (…) procedeu às declarações aduaneiras dos referidos veículos, tendo a AT liquidado o ISV (…) pelo valor de € 14.788,61, imposto que (…) foi pago (…)”, sendo que “deste valor liquidado,
€ 6.737,09, corresponde à componente cilindrada e € 8.051,22, à componente ambiental”, “(…) valores [que] resultaram das reduções referentes ao número de anos de uso do veículo”.
2.3. Prossegue a Requerente referindo que “(…) as percentagens de redução relativamente à componente ambiental [são inferiores] à aplicada à componente cilindrada, (…) conforme resulta das DAVs juntas (…)” e que apesar de ter “(…) procedido ao pagamento do imposto liquidado, (…), considera que as liquidações efetuadas do ISV estão feridas de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental (…)”, “(…) porque a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação (…) viola o art. 110° do TFEU (…)”.
2.4. Segundo a Requerente, “de acordo com a redação inicial do art. 11° do CISV, no caso da admissão de veículos usados, aplicava-se no cálculo do imposto uma percentagem de redução conforme o numero de anos do veículo”, “redução essa equiparável à desvalorização comercial média dos veículos usados comercializados no mercado nacional”, sendo “(…)crescente, tendo o seu inicio após o primeiro ano de uso e o seu termo no final do quinto ano de uso” após o qual “(…) a percentagem de redução se mantinha inalterada”.
2.5. Ou seja, segundo alega a Requerente, “(…) considerou o legislador nacional, à data da criação do ISV, que os veículos usados admitidos em Portugal, provenientes de outros Estados Membros, apenas se desvalorizavam, relativamente aos veículos novos, após um ano de uso e que a partir do quinto ano não sofriam mais nenhuma desvalorização”, pelo que “desde a entrada em vigor deste art. 11 ° e da tabela anexa (…)” se verificaram reclamações “(…) junto das entidades competentes [quanto ao] facto desta tabela de reduções discriminar negativamente os veículos admitidos em Portugal, relativamente aos veículos usados transacionados neste país”.
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Segundo alega a Requerente, ao anteriormente descrito “acresce ainda que na redação inicial do art. 11°, [aquela] redução apenas se aplicava à componente cilindrada dos veículos e não à componente ambiental (…), provocando (…) um critério desigual no cálculo do ISV relativamente a veículos usados matriculados em Portugal e aos veículos admitidos em Portugal, matriculados noutros Estados-membros”.
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Assim, segundo a Requerente, fruto de reclamações apresentadas junto da UE, verificou-se “(…) uma (…) alteração ao Código do ISV (…), que passou a aplicar as percentagens de redução inerentes aos anos de uso do veículo, também à componente ambiental” sendo que “(…) com esta alteração legislativa, ficou resolvida um a parte da ilegalidade, não ficando (…) sanada a ilegalidade que dizia respeito à desvalorização dos veículos até ao final do 1º ano de uso e após os 5 anos de uso”.
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Assim, segundo alega a Requerente, “face à manutenção desta divergência entre os cálculos de ISV dos veículos usados matriculados em Portugal e os veículos usados provenientes de outros Estados-Membros (…) a Comissão Europeia instaurou um novo processo que revestiu a natureza de acto por incumprimento contra a República Portuguesa”, “(…) tendo o Tribunal de Justiça decidido que (…) um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares, disponíveis no mercado nacional”.
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“Na sequência deste acórdão que declarou o incumprimento pela República Portuguesa do art. 110° do TFUE, o legislador nacional introduziu uma nova alteração ao CISV, através da Lei [do] Orçamento de Estado para 2017”, “(…) concretizada através de uma nova redação do art. 11° do CISV e da tabela D que integra esse mesmo artigo”.
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Contudo, segundo refere a Requerente, “analisada essa tabela, conclui-se que o Estado Português respeitou o decidido pelo Tribunal Europeu naquele referido acórdão, ao alargar as percentagens de redução ao primeiro ano de uso do veículo (…)” mas, “(…) a par desta alteração foi introduzida uma outra, bem mais gravosa para o cálculo do ISV” porquanto “(…) com a nova redação dada ao art. 11º, voltou a limitar a aplicação das percentagens de redução apenas à componente cilindrada, excluindo-a da componente ambiental (…)”.[2]
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“Esta alteração legislativa provocou uma nova reação da UE, que interpôs em abril de 2020 uma nova ação por incumprimento contra a República Portuguesa, (…), tendo sido proferido em 02.09.2021 o respetivo acórdão do TJUE, que reconheceu que este Estado-Membro ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado-Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110º do TFUE”.
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Na pendência do referido processo, “(…), o legislador português, através da Lei do Orçamento do Estado para 2021 (…) aprovou uma nova alteração ao art. 11° do CISV, mediante a qual foi introduzida uma tabela de desvalorização da componente ambiental em função do número de anos de uso do veículo, com indicação das respetivas percentagens” mas, “(…) as percentagens aplicadas à componente ambiental, são inferiores às que são aplicadas à componente cilindrada, mantendo assim um tratamento desigual entre estas duas componentes do imposto”.
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“Ou seja, o legislador português acabou por reconhecer a ilegalidade que estava a praticar na liquidação do ISV mas, apesar desse reconhecimento, continua a praticar essa mesma ilegalidade, embora por um valor inferior ao que vinha a ser praticado”.
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Nestes termos, conclui a Requerente que “a norma atualmente em vigor, e que esteve na base da liquidação do imposto pago (…), continua a violar (…) o art. 110° do TFUE” porquanto “(…) permite que a Administração Fiscal cobre um imposto sobre os veículos importados, com base num valor superior ao valor real do veículo”, “onerando-os com uma tributação fiscal superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional”.
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Com efeito, alega a Requerente que “o montante do imposto, calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional”.
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Entende a Requerente que “os fundamentos invocados quer no acórdão do TJUE (…), quer na jurisprudência deste Tribunal Arbitral, aplicam-se integralmente à liquidação impugnada nestes autos (…)”.
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Assim, por entender a Requerente que as liquidações de ISV em crise estão feridas de ilegalidade, requer que as mesmas sejam parcialmente anuladas, com fundamento nos argumentos acima apresentados mas, “(…) se subsistirem dúvidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no art. 110° do TFUE, deve este Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para a interpretação da mesma à luz do Tratado”.
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Adicionalmente, esclarece a Requerente que “face a esta manifesta ilegalidade (…) em 01.08.2022, requereu junto da Alfândega de Peniche, ao abrigo do disposto na 2ª parte do n° 1 do art. 78° da LGT, a revisão da liquidação do referido imposto liquidado (…)” tendo este pedido de revisão “(…) sido indeferido por despacho proferido em 27.04.2023 (…)”.
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Conclui a Requerente o seu pedido referindo que as liquidações de ISV devem ser corrigidas, “(…) reduzindo-se o valor do ISV a pagar para o valor de € 11.555,05”, “devendo ser restituído (…) o montante de € 3.233,56 pago a mais (…)”, “acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do art. 43° da LGT, à taxa legal (…)”.
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RESPOSTA DA REQUERIDA
3.1. A Requerida, na sua Resposta, começa por confirmar que “o presente pedido de constituição de tribunal arbitral vem interposto na sequência do indeferimento de pedido de revisão do ato de liquidação de Imposto Sobre Veículos (ISV) nº ..., de 27.07.2021, e nº ..., de 1.04.2021, relativos às DAV nº 2021/..., de 1.04.2021, e nº 2021/...”, “(…) apresentado em 02.08.2022 (…)” na Alfândega de Peniche, “(…) praticado por despacho do 26.04.2023 do Diretor da Alfândega de Peniche”, “(…) tendo a Requerente sido notificada desta decisão por ofício da alfândega rececionado em 3.05.2023”.
3.2. E, nesta sequência, a Requerida refere que a Requerente “(…) vem agora impugnar o ato de liquidação, com fundamento na violação do artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, por entender que deveria ser aplicada na componente ambiental a mesma percentagem de redução prevista para a componente cilindrada, pugnando pela sua anulação parcial, e consequente restituição do montante 3.233,56 €, acrescido dos juros indemnizatórios”.
3.3. Contudo, não concorda a Requerida com os argumentos que a Requerente apresenta porquanto “a liquidação e o cálculo do montante de imposto foram efetuados de acordo com os artigos 7.º e 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas (…) as reduções previstas nas tabelas A e D para os veículos ligeiros de passageiros, com referência à componente cilindrada e à componente ambiental, de acordo com as características do veículo (…)” e atribuídas “(…) pelo Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres, I. P./IMT, as matrículas nacionais respetivas, para o veículo da marca Volkswagen a matrícula ..., e para o veículo da marca Mercedes a matrícula...”.
3.4. Segundo alega a Requerida, “o regime do imposto sobre veículos encontra-se previsto no Código do Imposto sobre Veículos, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 27 de junho, (…), com as últimas alterações introduzidas pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro”, “sendo que, relativamente à introdução no consumo por particulares, regula a alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º do CISV, aplicável ao caso em apreço (…)” sendo que “à introdução no consumo de veículos usados que sejam objeto de admissão no território nacional aplica-se, no âmbito do regime geral de tributação, (…), tendo em conta as componentes cilindrada e ambiental, aos veículos automóveis de passageiros, aos automóveis ligeiros de utilização mista e aos automóveis ligeiros de mercadorias, que não sejam tributados pelas taxas reduzidas ou pela taxa intermédia”.
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Não concorda a Requerida com a argumentação que a Requerente apresenta de que “(…) a liquidação de ISV é ilegal por entender que, embora (…) o Estado Português tenha reconhecido a aplicação de uma desvalorização pelo número de anos de uso dos veículos usados introduzidos em Portugal, oriundos de outros Estados Membros, no que diz respeito à componente ambiental do ISV, (…) afirma que as percentagens de redução devem ser iguais para as duas componentes, cilindrada e ambiental”, “considerando, pois, que a tabela criada para a componente ambiental do imposto, por prever uma desvalorização inferior à aplicada à componente cilindrada, não impede que a discriminação negativa daqueles veículos se mantenha, embora por valores inferiores àqueles que vinham sendo praticados até 31 de dezembro de 2020, entendendo que a violação do artigo 110.º do TFUE se mantém”.
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Segundo a posição assumida pela Requerida, importa “(…) desde já, referir que o ato de liquidação foi praticado tendo em consideração as normas estabelecidas no CISV, (…), não podendo a AT deixar de aplicar normas com base num julgamento de alegada desconformidade com o direito comunitário” porquanto “(…) o princípio constitucional da legalidade, que entre nós vigora, exige que os impostos e os seus elementos essenciais (incidência, taxa, benefícios fiscais e garantia dos contribuintes) sejam obrigatoriamente criados por lei, em conformidade com o n.º 2 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)”.
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“Por outro lado, por força do disposto no n.º 2 do artigo 266.º da CRP, a atuação da AT encontra-se sujeita ao princípio da legalidade tributária, prevista no artigo 8.º da Lei Geral Tributária (LGT), o que determina a sua vinculação à lei, pelo que a AT não pode contrariar ou desobedecer às normas legais pré-existentes, devendo este princípio ser entendido em sentido proibitivo ou negativo, pois são vedadas as atuações administrativas que contrariem a lei”.
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W, estando “(…) sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, a definição dos crimes fiscais e o regime geral das contra-ordenações fiscais, (…) a AT não pode, sob pena de cometer uma ilegalidade, deixar de aplicar as taxas que se encontram em vigor à data da introdução do veículo no consumo”.
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Adicionalmente, segundo alega a Requerida, sendo o “(…) ISV (…) um imposto interno de consumo, não harmonizado comunitariamente, (…) é da exclusiva competência da Assembleia da República legislar, salvo autorização ao Governo, sobre inúmeras matérias, (…), nomeadamente, a criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas” pelo que “(…) constando do CISV a disciplina legal do ISV, que também determina a incidência e taxas deste imposto, e considerando que o ato tributário visado foi praticado ao abrigo do artigo 11.º daquele Código, a AT não pode contrariar ou desobedecer às disposições legais nele ínsitas”.
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“Assim, o ato de liquidação em causa não pode ser considerado ilegal, desde logo, porque o mesmo foi efetuado de acordo com a disciplina legal aplicável, encontrando-se em total consonância com as normas legais aplicáveis à factualidade que lhe está subjacente”.
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“Por outro lado, acresce referir que, não tendo sido proferida qualquer decisão que declare com força obrigatória geral o vício de violação de lei comunitária, relativamente à nova redação do mencionado artigo 11.º, a AT, uma vez vinculada ao princípio da legalidade, terá de proceder à tributação dos veículos usados de acordo com a legislação atualmente em vigor, que se encontra vertida no CISV”, “não assistindo, deste modo, razão [à] Requerente (…)”.
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Adicionalmente, refere ainda a Requerida que “no que concerne à alteração legislativa em questão, (…), o legislador nacional optou por aplicar percentagens de redução de ISV diferenciadas à componente cilindrada e à componente ambiental, na admissão de veículos usados provenientes de outros Estados Membros da União, porque (…) procurou salvaguardar os ambiciosos objetivos ambientais do País e a incorporar o essencial das preocupações levantadas pela Comissão Europeia em matéria de compatibilidade com o direito europeu (…)”, prevendo “(…) à semelhança do que já sucede com a componente cilindrada do ISV, que os veículos usados provenientes de Estados–membros da União Europeia passem a beneficiar de um desconto sobre a componente ambiental do ISV, o qual, ao contrário do que sucede com a componente cilindrada, não estará associado à desvalorização comercial dos veículos, mas antes à sua vida útil média remanescente (medida pela idade média dos veículos enviados para abate), por se entender que a mesma é uma boa métrica do horizonte temporal de poluição do veículo, assegurando-se, deste modo, que os carros poluentes serão justamente tributados à entrada em Portugal”.
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Reitera a Requerida que “(…) o legislador português através [do] (OE/2021) alterou o artigo 11.º do CISV, introduzindo (…) uma tabela com percentagens de redução de imposto da componente ambiental que, juntamente com a tabela da componente cilindrada, estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, cumprindo assim, as exigências manifestadas no Parecer Fundamentado que a Comissão enviou ao Estado Português, no sentido de conformar o sistema de tributação dos veículos usados em Portugal com o direito comunitário”.
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Assim, segundo a Requerida, “(…) ao ser estabelecida legalmente a tabela de desvalorização relativamente ao imposto resultante da componente ambiental, ficou afastada a ilegalidade e a desconformidade da legislação nacional face ao primado do direito comunitário”.
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Nestes termos, entende a Requerida que “(…) a nova redação do n.º 1 do artigo 11.º, do CISV, (…), já incorpora as preocupações levantadas pela Comissão Europeia em matéria de compatibilidade com o direito europeu, refletindo a doutrina que resulta do Acórdão do Tribunal de Justiça prolatado no Processo n.º C169/20, porquanto já prevê na Tabela D, à semelhança do que já sucedia com a componente cilindrada do ISV, que os veículos usados provenientes de Estados– membros da União Europeia beneficiem de um desconto/redução sobre a componente ambiental do ISV”.
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Assim, concluiu a Requerida “(…) que a liquidação de ISV, ao aplicar o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional em vigor e com o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição, não existindo, conforme o exposto, a invocada discriminação da tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-membros, não se verificando, consequentemente, a alegada violação do artigo 110.º do TFUE”, “não podendo (…) ser imputado ao ato de liquidação, ora impugnado, qualquer vício de violação do direito da União Europeia, mormente do artigo 110.º do TFUE, por não ter sido aplicada a mesma redução de anos de uso à componente ambiental, atendendo a que, além de a nova/atual redação do n.º 1 do artigo 11.º consagrar na Tabela D percentagens de redução para a componente ambiental, tal entendimento não resulta, igualmente, da recente jurisprudência do TJUE, vertida no Acórdão do Processo n.º C-169/20”.[3]
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Nestes termos, prossegue a Requerida referindo que “(…) na senda do pugnado na decisão do Proc.º 349/2022-T, a que se adere, tendo o Requerente alegado que o montante de imposto, calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis já matriculados no território nacional, importaria comprovar tal asserção, demonstrando em que medida, apesar de lhe ter sido aplicada a redução em vigor, ainda assim, no caso concreto, o montante de imposto excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis já matriculados no território nacional”.
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Contudo, segundo entende a Requerida, “não se verifica no caso sub judice um excesso no imposto residual, podendo, eventualmente, até, em função das circunstâncias do mercado e características do veículo, face à atual tabela D, que integra a redação em vigor do artigo 11.º, n.º 1, existir situações que configurem um benefício em face dos veículos do mesmo tipo (similares) introduzidos como novos na data em que foi atribuída a primeira matrícula no Estado Membro de origem/proveniência”.
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E, acrescenta a Requerida que “(…) a Requerente, discordando do montante apurado através da liquidação provisória (…), nem sequer recorreu ao método de avaliação previsto no n.º 3 do mesmo artigo, de acordo com o qual, o cálculo do imposto, a pedido do sujeito passivo, é efetuado (liquidação definitiva) através da fórmula de cálculo nele indicada”.
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Contudo, defende a Requerida que “(…) caso subsistam dúvidas quanto à conformidade do artigo 11.º do CISV, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, com o artigo 110.º do TFUE, poderá esse Tribunal (…) submeter-lhe questão, a título prejudicial, no sentido de saber se a nova redação do n.º 1 do artigo 11.º CISV, ao prever percentagens de redução para as duas componentes, cilindrada e ambiental, que não coincidem na totalidade, continua a violar o artigo 110.º do TFUE, estando a componente cilindrada associada à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e a componente ambiental à vida útil média remanescente dos veículos”.
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“Assim, atento todo exposto, e também porque o tribunal está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído, deve improceder o pedido formulado de anulação parcial da liquidação de ISV”.
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Adicionalmente, refere ainda a Requerida que “peticiona a Requerente a restituição do imposto no total de 3.233,56 €, que, de acordo com a tese que defende, seriam devidos por conta do montante do imposto que teria sido pago em excesso” mas “(…) a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, competindo ao tribunal arbitral a apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1), não lhe competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes e cálculo de imposto, por conta da anulação, total ou parcial, de atos de liquidação de ISV”.
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Por último, e no diz respeito pedido de pagamento de juros indemnizatórios, refere a Requerida que, “(…) ainda que venha a considerar-se que o pedido arbitral deva proceder, e que o[s] ato[s] de liquidação venha[m] a ser parcialmente anulado[s], e se entenda que há lugar a pagamento de juros, pugnando-se por entendimento divergente do vertido noutras decisões arbitrais, não poderá, todavia, aquele proceder” porquanto “(…) seguindo abundante e consolidada jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (…) entende-se que os juros indemnizatórios só serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, e não desde a data do pagamento do imposto (…)”.[4]
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Assim, tendo em consideração, no caso concreto, que “(…) o pedido de revisão foi apresentado em 02.08.2022, junto das estâncias aduaneiras competentes, só haveria lugar ao pagamento de juros indemnizatórios um ano após aquele pedido se a Alfândega de Peniche não se tivesse pronunciado, sobre o mesmo, dentro daquele prazo (…)”, concluindo a Requerida que, “(…) independentemente de o pedido ser, ou não, favorável ao contribuinte (…)”, não há lugar a juros indemnizatórios porquanto a decisão de indeferimento do pedido de revisão foi proferida em 26-04-2023, ou seja, antes de decorrido um ano a contar da data da sua apresentação.
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SANEADOR
4.1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.[5]
4.2. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
4.3. O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.
4.4. Não foram suscitadas quaisquer excepções de que cumpra conhecer.
4.5. Não se verificam nulidades pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.
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MATÉRIA DE FACTO
5.1. Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].
5.2. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.
Dos factos provados
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A Requerente, em Abril e em Julho de 2021, introduziu no consumo, em Portugal, os seguintes veículos automóveis usados ligeiros de passageiros, apresentando para o efeito, junto da Alfândega de Peniche, as respectivas Declarações Aduaneiras de Veículo (DAV) (cujas cópias foram anexadas pela Requerente – doc. nº 1 e doc. nº 2):
MARCA
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MODELO
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ORIGEM
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DAV Nº
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DATA ENTRADA EM TN
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TERMO PRAZO APRESENTAÇÃO DAV
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DATA DAV
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VOLKSWAGEN
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1K GOLF
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DE
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2021/...
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22-03-2021
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20-04-2021
|
01-04-2021
|
MERCEDES-BENZ
|
197
|
DE
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2021/...
|
19-07-2021
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31-08-2021
|
27-07-2021
|
-
No Quadro T das referidas DAV identificam-se as liquidações de ISV que incidiram sobre cada uma das viaturas nelas referidas, como a seguir se indicam (cujas cópias foram anexadas pela Requerente – doc. nº 1 e doc. nº 2):
DAV Nº
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LIQUIDAÇÃO ISV
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DATA LIQUIDAÇÃO
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MONTANTE
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DATA PAGAMENTO
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2021/...
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2021/...
|
01-04-2021
|
2.078,19
|
01-04-2021
|
2021/...
|
2021/...
|
27-07-2021
|
12.710,42
|
27-07-2021
|
TOTAL
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14.788,61
|
|
-
No Quadro R de cada uma das referidas DAV está identificado o ISV que incidiu sobre a “Componente Cilindrada” (EUR 4.461,92 e EUR 14.611,76), a respectiva redução devida pelo número de anos de uso aplicável sobre aquela componente (EUR 3.569,54 e EUR 8.767,06), o ISV que incidiu sobre a “Componente Ambiental”, (EUR 2.964,52 e EUR 10.562,64) e respectiva redução devida pelo número de anos de uso aplicável sobre aquela componente (EUR 1.778,71 e EUR 3.696,92).
-
A Requerente pagou a totalidade do imposto de ISV nas datas indicadas no ponto 5.4., supra, em conformidade com o evidenciado no Quadro T de cada uma das referias DAV (cujas cópias foram anexadas pela Requerente).
-
A cada um dos veículos acima identificados foi atribuída, pela Direção Regional Mobilidade e Transportes Lisboa e Vale do Tejo, uma matrícula nacional, em conformidade com o evidenciado no Quadro M de cada uma das DAV acima identificadas nos pontos 5.4. e 5.5. (cujas cópias foram anexadas pela Requerente - doc. nº 1 e doc. nº 2):
MARCA
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MODELO
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ORIGEM
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DAV Nº
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MATRÍCULA ATRIBUÍDA
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VOLKSWAGEN
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1K GOLF
|
DE
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2021/...
|
...
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MERCEDES-BENZ
|
197
|
DE
|
2021/...
|
...
|
-
A Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado, de acordo com as datas evidenciadas em cada uma das DAV, mas considera que as liquidações de ISV identificadas estão feridas de um vício de ilegalidade no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental, por ter sido considerada uma percentagem de redução do imposto naquela componente, em função da antiguidade do veículo, diferente da que foi aplicada à componente ambiental, o que a Requerente calcula em EUR 3.233,56.
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A Requerente apresentou, em 02-2022 (registo nº ...), junto da Alfândega de Peniche, um pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação de ISV (processo nº ...2022...), identificados no ponto 5.4., supra, interposto ao abrigo do disposto no artigo 78º da Lei Geral Tributária (LGT), peticionando a anulação parcial daquelas liquidações, nos termos requeridos (doc. nº 3 anexado pela Requerente).
-
A Requerente foi notificada, através do Ofício nº ..., de 29-03-2023, do despacho do Senhor Director da Alfândega de Peniche, de 28-03-2023, relativo à intenção de indeferir o pedido de revisão oficiosa apresentado com base nos seguintes argumentos (doc. nº 4 apresentado pela Requerente):
-
Através do mesmo Ofício foi a Requerente notificada para exercer, querendo, no prazo de 15 dias, o respectivo direito de audição (doc. nº 4 apresentado pela Requerente).
-
A Requerente não exerceu o seu direito de audição dentro do prazo (doc. nº 4 apresentado pela Requerente).
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A Requerente foi notificada, através do Ofício nº ..., de 27-04-2023, do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa dos actos de ISV identificados, proferido pelo Senhor Director da Alfândega de Peniche, em 26-04-2023 (doc. nº 4 apresentado pela Requerente).
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A Requerente apresentou, em 26-06-2023, o presente pedido de constituição de Tribunal Arbitral, peticionando a anulação parcial das liquidações de ISV identificadas e o reembolso do montante de ISV que considera ter pago em excesso (EUR 3.233,56), acrescido de juros indemnizatórios.
-
No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente vem requerer, caso subsistam dúvidas sobre a interpretação do artigo 11º do TFUE, o reenvio prejudicial da questão inerente à alegada violação do disposto neste artigo do TFUE pelo artigo 11º do Código do ISV.
Motivação quanto à matéria de facto
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No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente.
Dos factos não provados
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Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.
6. MATÉRIA DE DIREITO
6.1. Encontrando-se fixada a matéria de facto dada como provada, de seguida importa determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com a(s) questão(ões) a decidir.
6.2. Assim, no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente veio peticionar quanto aos actos de liquidação de ISV objecto do pedido, que sejam “(…) anulados parcialmente, no que respeita ao cálculo da componente ambiental (…)” porquanto entende que “(…) a norma jurídica que esteve na base [daquelas liquidações] – art. 11º CISV – viola, claramente, o disposto no art. 110º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (…)”, peticionado que seja retificada a “(…) liquidação de ISV (…), devendo ser a Autoridade tributária condenada a restituir o montante de € 3.233,56, cobrado em excesso”, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, contados nos termos legais.
6.3. Adicionalmente, e caso subsistissem a este Tribunal dúvidas quanto à alegada violação do disposto no artigo 11º do TFUE, a Requerente veio no pedido requerer o reenvio prejudicial.
6.4. Apesar da Requerente ter atempadamente pago o valor total do imposto liquidado pela Alfândega de Peniche, a Requerente não concordou com os valores de ISV, respeitantes à componente ambiental, que incidiram sobre cada uma das viaturas identificadas no ponto 5.4., supra, porquanto entende que deveria ter sido aplicada, àquela componente ambiental, uma redução resultante de uma percentagem calculada em função do número de anos do veículo, à semelhança do que sucedeu com a redução aplicada à componente cilindrada.
6.5. Por não concordar com as referidas liquidações de ISV, a Requerente apresentou, em
02-2022, o pedido de revisão oficiosa das liquidações de ISV identificadas e, posteriormente, face ao indeferimento daquele pedido de revisão (datado de 26-04-2023), apresentou este pedido de pronúncia arbitral (em 26-06-2023), alegando que “(…) a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – art. 11 do CISV – viola o art. 110º do (…) TFUE (…)”, concluindo pela ilegalidade parcial dos actos de liquidação de ISV identificados, que aqui impugna.
6.6. A Requerida, por seu lado, entende que “(…) o ato de liquidação foi praticado tendo em consideração as normas estabelecidas no CISV (…), não podendo a AT deixar de aplicar normas com base num julgamento de alegada desconformidade com o direito comunitário” porquanto:
6.6.1. “(…) o princípio constitucional da legalidade, que entre nós vigora, exige que os impostos e os seus elementos essenciais (…) sejam obrigatoriamente criados por lei (…)” e
6.6.2. “por outro lado (…), a atuação da AT encontra-se sujeita ao princípio da legalidade tributária, (…), o que determina a sua vinculação à lei, pelo que a AT não pode contrariar ou desobedecer às normas legais pré-existentes, devendo este princípio ser entendido em sentido proibitivo ou negativo, pois são vedadas as atuações administrativas que contrariem a lei”.
6.7. Nesta conformidade, cumpre analisar os pedidos formulados pela Requerente no sentido de obter (i) a declaração de ilegalidade parcial dos actos de liquidação de ISV identificados e a sua consequente anulação parcial, bem como a (ii) a restituição do total de imposto indevidamente liquidado e pago, acrescido dos juros indemnizatórios calculados, à taxa legal em vigor, sobre o referido montante.
6.8. Adicionalmente, e caso se verifiquem os pressupostos, e subsistam dúvidas, decidir se há motivos que justifiquem o reenvio prejudicial para o TJUE formulado pela Requerente.
6.9. Neste âmbito, para apreciar a legalidade das liquidações efectuadas, em sede de ISV, importa dar resposta à questão de se saber se as normas do Código de ISV (aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de julho, e subsequentes alterações legais), em concreto se o disposto no seu artigo 11º (na redação introduzida pelo artigo 391º da Lei n.º 75-B/2020, 31 de Dezembro), evidenciam uma ilegalidade por violação do artigo 110º do TFUE (como alega a Requerente) ou, se pelo contrário, não existe qualquer ilegalidade (como alega a Requerida), existindo uma estrita observância dos normativos legais vigentes à data da prática dos actos de liquidação impugnados e a procura de salvaguardar os ambiciosos objectivos ambientais do país e a preocupação de incorporar o essencial das preocupações levantadas pela Comissão Europeia.
6.10. Adicionalmente, em caso de dúvida, aferir se há necessidade de promover o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), nos termos sugeridos pela Requerente.
6.11. Nesta matéria, refira-se que a questão respeitante à decisão do reenvio prejudicial, por razões de economia na exposição e fundamentação da presente decisão arbitral, será tratada em último lugar (e não a título prévio).
6.12. Preliminarmente, refira-se que, na análise que este Tribunal Arbitral irá efectuar para decidir o pedido, será seguido, de muito perto, o teor da Decisão Arbitral prolatada no âmbito do processo nº 352/2022-T, de 15-02-2023, cujo sentido decisório aqui se acompanha.
Enquadramento prévio
6.13. Como resumidamente referido pela Requerente, em 2007, a tributação automóvel foi objecto de uma profunda reforma em Portugal, com a Lei n° 22-A/2007, de 29 de Junho, a abolir o Imposto Automóvel, o Imposto Municipal Sobre Veículos, o Imposto de Circulação e o Imposto de Camionagem, dando lugar ao Imposto sobre Veículos (ISV) e ao Imposto Único de Circulação (IUC).
6.14. As alterações foram promovidas no sentido de ir ao encontro das preocupações da União Europeia, tendo por objetivo a clarificação e a simplificação do sistema fiscal, reduzindo a carga fiscal aquando da aquisição do veículo e inserindo preocupações ambientais na graduação das taxas dos impostos em função das emissões de CO2.[6] [7]
6.15. Com efeito, com a introdução do ISV e do IUC, foi possível introduzir um elemento ambiental no cálculo do montante fiscal a pagar, em função, nomeadamente, do nível de emissões de CO2 emitidas pelo veículo e da cilindrada.
6.16. E, como é sabido, o ISV e o IUC regem-se pelo princípio da equivalência ou do poluidor-pagador, ou seja, é atribuído ao contribuinte a responsabilidade principal pelos custos ambientais causados, tendo como objectivo compensar os custos ambientais, em vez de fazer recair esta responsabilidade sobre os construtores de automóveis, que são os que responsáveis originários da poluição atmosférica.
6.17. Assim, é possível afirmar-se que, em geral, a tributação automóvel inclui critérios de cariz ambiental nas diversas categorias de impostos, sendo que os impostos que incidem sobre os automóveis integram na sua base tributável aspectos ecológicos (tais como o fator de emissão de CO2 e o tipo de combustível), destinados a influenciar o consumo das pessoas e a serem mais selectivos nas suas escolhas.[8] [9] [10]
6.18. Em termos gerais, de acordo com o disposto no Código do ISV (na versão em vigor à data das liquidações em crise - 2021) é referido que estão sujeitos a este imposto, no seu regime regra, nomeadamente, “os veículos automóveis ligeiros de passageiros (…)” [artigo 2º, nº 1, alínea a)], sendo “sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares (…) que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos” (artigo 3º, nº 1).
6.19. Por outro lado, “constitui facto gerador do imposto o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal” (artigo 5º do Código do ISV), sendo que, para este efeito, de acordo com o nº 3 alínea a) do mesmo artigo, “(…) entende-se por admissão, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado-Membro da União Europeia em território nacional” (sublinhado nosso).
6.20. Neste âmbito, “o imposto torna-se exigível no momento da introdução no consumo, considerando-se esta verificada (a) No momento da apresentação do pedido de introdução no consumo pelos operadores registados e reconhecidos; (b) No momento da apresentação da declaração aduaneira de veículos pelos particulares” [artigo 6º, nº 1, alíneas a) e b)], sendo que “a taxa de imposto a aplicar é a que estiver em vigor no momento em que este se torna exigível” (nº 3) (sublinhado nosso).
6.21. Para os devidos efeitos, “a introdução no consumo e a liquidação do imposto são tituladas pela declaração aduaneira de veículos (DAV)” (artigo 17º, nº 1), sendo que nos termos do nº 3, “para efeitos de matrícula, os veículos automóveis ligeiros (…) ficam sujeitos ao processamento da DAV” (sublinhado nosso).
6.22. As taxas a aplicar para efeito de cálculo do ISV não incidem sobre o valor do automóvel, mas têm por base os centímetros cúbicos por cilindrada (cm3) (componente cilindrada) e os gramas de CO2 por quilómetro (componente ambiental), sendo que foram estruturadas em taxa normal, taxa intermediária e taxa reduzida e taxa para veículos usados (artigos 7º a 11º).
6.23. Assim, e no que diz respeito à tributação do ISV, as taxas aplicáveis têm por base tributável uma componente cilindrada e uma componente ambiental, sendo que a primeira componente prevê uma taxa a aplicar consoante a cilindrada e o tipo de veículo e a segunda componente estabelece uma discriminação positiva entre os veículos a gasolina e os veículos a gasóleo, prevendo uma tributação progressiva em função do nível de CO2 g/km.
6.24. Ao que a este caso interessa, ou seja, o cálculo do ISV devido por veículos usados portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados membros da União Europeia, o artigo 11º, nº 1 do Código do ISV [na redação em vigor no período em que foram efectuadas as liquidações de ISV (ano 2021), aqui parcialmente impugnadas], dispunha que “o imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados -Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo -se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente” (sublinhado nosso).
6.25. E, a tabela D constante do artigo 11º referido no ponto anterior dispunha as seguintes percentagens de redução aplicáveis à componente cilindrada e à componente ambiental:
Componente cilindrada
Componente ambiental
6.26. No que diz respeito à competência para a liquidação do ISV, de acordo com o disposto no artigo 25º, nº 1 do Código daquele imposto, esta “(…) é realizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) com base na DAV (…), dentro dos (…) prazos (…)” previstos.
Direito Nacional e Direito da União Europeia
6.27. Em sede de ISV, existe um longo percurso no que diz respeito às questões que a Comissão Europeia tem levantado ao Estado Português em matéria de legalidade das normas nacionais, nomeadamente, quanto à carga fiscal incidente sobre os veículos usados, tendo essa legalidade sido, desde muito cedo, questionada pela Comissão Europeia, ainda no âmbito do Imposto Automóvel, porquanto esta entidade entendia que as normas portuguesas, então vigentes, não observavam o disposto no artigo 95º do Tratado de Roma.[11][12]
6.28. E, mais de vinte anos volvidos, não obstante o artigo 11º do Código do ISV (na redação introduzida pela Lei do OE para o ano 2021) ter passado a contemplar uma redução da tributação, quer na componente cilindrada, quer na componente ambiental, respetivamente, em função da desvalorização comercial e da vida útil média remanescente dos veículos, continua a haver divergências quanto à conformidade do normativo nacional face ao disposto no artigo 11º do TFUE.
6.29. Assim, importa determinar se os actos de liquidação resultantes da aplicação do normativo nacional conduzem a que seja cobrado sobre os veículos provenientes de outros Estados-membros da União Europeia uma tributação superior à que é aplicada aos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional.
6.30. Como acima descrito, a Requerente entende que esta desigualdade de tributação se verifica, o que consubstancia uma discriminação, em violação do artigo 110º do TFUE, pelo que perante esta ilegalidade entende que devem ser parcialmente anulados os actos de liquidação sindicados com a condenação da Requerida a restituir o ISV cobrado em excesso, no valor de EUR 3.233,56, acrescido de juros indemnizatórios contados nos termos legais.
6.31. Com efeito, o artigo 110º do TFUE estabelece que “[n]enhum Estado-Membro fará incidir, direta ou indiretamente, sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais similares. Além disso, nenhum Estado-Membro fará incidir sobre os produtos dos outros Estados-Membros imposições internas de modo a proteger indiretamente outras produções”.
6.32. Em relação aos actos de liquidação de ISV controvertidos, as liquidações do ISV foram efectuadas com observância do disposto no nº 1 do artigo 11º do Código do ISV, tendo sido consideradas diferentes percentagens de redução na componente cilindrada e na componente ambiental (que a seguir se indicam), em função da desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos:
MATRÍCULA
|
COMPONENTE CILINDRADA
|
PERCENTAGEM DE REDUÇÃO
|
COMPONENTE AMBIENTAL
|
PERCENTAGEM DE REDUÇÃO
|
...
|
4.461,82
|
80%
|
2.964,52
|
60%
|
...
|
14.611,76
|
60%
|
10.582,64
|
35%
|
6.33. No caso em análise, e como acima já evidenciado, está em causa determinar se o disposto no referido artigo 11º do Código do ISV viola ou não o direito comunitário, em especial o já referido artigo 110º do TFUE, na medida em que estrutura os escalões e estabelece percentagens de redução de forma diferenciada para a componente cilindrada e para a componente ambiental, em função do número de anos de uso do veículo e, consequentemente, determinar se a liquidação impugnada se encontra, ou não, ferida de ilegalidade.
6.34. Para o efeito, recorde-se que a Requerida na sua resposta invocou que o TJUE, no Acórdão proferido no processo n.º C-169/2020, não entendeu que a percentagem de redução de imposto a aplicar às componentes cilindrada e ambiental terá de ser exatamente a mesma, apenas afirmou que a componente ambiental também terá de ser desvalorizada em função dos anos de vida do veículo e que, por outro lado, não existe qualquer decisão do TJUE que impeça os Estados-membros de fixar taxas de redução diferenciadas para as componentes do ISV.
6.35. Neste âmbito, refira-se que desde logo que a questão da conformidade com o direito comunitário das normas nacionais relativas à tributação de veículos usados provenientes de outro Estado-Membro tem vindo, de forma recorrente, a ser objeto de apreciação no TJUE (como assinalado pela Requerente), sendo de realçar que as normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.
6.36. Com efeito, à luz do normativo do nº 4 do artigo 8º da CRP é referido que “[a]s disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
6.37. E, refira-se, que decorrendo da norma do nº 4 do artigo 8º da CRP que o direito comunitário, enquanto direito supranacional, integra a ordem jurídica interna e vincula o Estado Português, deve a legislação nacional estar em conformidade com o direito comunitário, não podendo ser geradora de situações discriminatórias.
6.38. Por outro lado, são já várias as situações que, por infração ao artigo do 110º do TFUE, a Comissão Europeia tem vindo a pedir ao Tribunal de Justiça da União Europeia que declare que a República Portuguesa não cumpre os deveres que lhe incumbem por força do artigo 110° TFUE, quando aplica, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta o valor real destes e, em particular, que não tem em conta a sua desvalorização, na medida em que dele possa resultar que a tributação dos veículos originariamente matriculados em território nacional é inferior à tributação dos veículos provenientes de um outro Estado-membro e admitidos em território nacional.
6.39. Em face deste tipo de infração, foi instaurado um procedimento contra o Estado português que correu termos sob o processo C-200/15, tendo dado lugar ao acórdão do TJUE (sétima secção) de 16 de junho de 2016, ao abrigo do qual foi decido que:
“A República Portuguesa, ao aplicar, para efeitos da determinação do valor tributável dos veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro, introduzidos no território de Portugal, um sistema relativo ao cálculo da desvalorização dos veículos que não tem em conta a sua desvalorização antes de estes atingirem um ano, nem a desvalorização que seja superior a 52% no caso de veículos com mais de cinco anos, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110° TFUE”.
6.40. Em resultado desta decisão do TJUE, a legislação nacional foi alterada e no artigo 11º do Código do ISV, através da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Orçamento de Estado para 2017) foi introduzida nova redação, passando a contemplar a depreciação do valor do veículo antes de concluído um ano e posteriormente a cinco anos de uso.
6.41. Não obstante, esta depreciação do valor dos veículos era apenas relevante, em termos de liquidação de ISV, na componente cilindrada, não se tendo verificado qualquer consideração da depreciação do valor do veículo usado para efeitos da componente ambiental, situação que veio a consubstanciar uma ilegalidade por violação do artigo 110º da TFUE, tendo dado lugar à instauração de nova acção por incumprimento, que deu lugar ao processo n.º C-169/20, em cujo Acórdão o TJUE concluiu, em síntese, o seguinte:
“34 Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o artigo 110.º do TFUE tem por objetivo assegurar a livre circulação de mercadorias entre os Estados-Membros, em condições normais de concorrência, através da eliminação de qualquer forma de proteção que possa resultar da aplicação de imposições internas que sejam discriminatórias para os produtos originários de outros Estados-Membros. Este artigo é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda que apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado (Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal, C-200/15, não publicado, EU:C:2016:453, n.ºs 23 e 24 e jurisprudência referida).
35 Assim, a cobrança, por um Estado-Membro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado-Membro é contrária ao artigo 110.º do TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional (v., designadamente, Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal, C-200/15, não publicado, EU:C:2016:453, n.º 25 e jurisprudência referida).
36 Para efeitos da aplicação do artigo 110.º do TFUE e, em especial, para efeitos da comparação entre o regime de tributação dos veículos usados importados e o dos veículos usados já presentes no território do Estado-Membro, que constituem produtos similares ou concorrentes, deve tomar-se em consideração não apenas a taxa da imposição interna que incide direta ou indiretamente sobre os produtos nacionais e os produtos importados mas também a matéria coletável e as modalidades do imposto em causa. Mais precisamente, um Estado-Membro não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional. O valor do veículo usado importado utilizado pela Administração como base de tributação deve refletir fielmente o valor de um veículo similar já registado no território nacional (Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal, C-200/15, não publicado, EU:C:2016:453, n.º 26 e jurisprudência referida).
37 Neste contexto, para saber se um imposto cria uma discriminação indireta entre os veículos automóveis usados importados e os veículos automóveis usados similares já presentes no território nacional, importa examinar se tal imposto é neutro no que respeita à concorrência entre os veículos usados importados e os veículos usados similares anteriormente matriculados no território nacional e submetidos, no momento da matrícula, ao referido imposto (v., por analogia, Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C-402/09, EU:C:2011:219, n.º 38).
38 Além disso, o Tribunal de Justiça especificou que, a partir do momento em que se paga um imposto de matrícula num Estado-Membro, o montante desse imposto é incorporado no valor do veículo. Deste modo, quando um veículo matriculado no Estado-Membro em causa é, em seguida, vendido como veículo usado nesse mesmo Estado-Membro, o seu valor de mercado, que inclui o montante residual do imposto de matrícula, será igual a uma percentagem, determinada pela desvalorização desse veículo, do seu valor inicial (Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C-402/09, EU:C:2011:219, n.º 40 e jurisprudência referida).
39 No caso em apreço, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, na sequência do Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal (C-200/15, não publicado, EU:C:2016:453), a República Portuguesa reformou o seu regime de tributação dos veículos objeto de uma primeira colocação em circulação em Portugal. Segundo o regime resultante da referida reforma, o imposto em causa, cobrado nessa ocasião, inclui duas componentes, uma calculada em função da cilindrada do veículo em questão e a outra, denominada «componente ambiental», em função do nível de emissão de dióxido de carbono desse veículo.
40 Diferentemente da componente do imposto em causa calculada em função da cilindrada do veículo, para a qual o artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos prevê uma percentagem de redução em função da idade do veículo, não está prevista nenhuma redução da componente ambiental do referido imposto que reflita a desvalorização do valor comercial do veículo a esse título.
41 Daqui resulta que a legislação nacional que institui o imposto em causa tem por consequência que o montante do imposto de registo para os veículos usados importados em Portugal de outros Estados-Membros é calculado sem tomar em consideração a desvalorização real desses veículos. Por conseguinte, a referida legislação não garante que os veículos usados importados de outro Estado-Membro sejam sujeitos a um imposto de montante igual ao do imposto que incide sobre os veículos usados similares já presentes no mercado nacional, o que é contrário ao artigo110.º do TFUE.
42 (…) o pagamento integral da componente ambiental não tem por objetivo restringir a entrada de veículos usados em Portugal, mas subordinar essa entrada a um critério seletivo aplicando exclusivamente critérios ambientais.
43 Ora, importa recordar que, embora os Estados-Membros sejam, na verdade, livres de estabelecer um sistema de tributação diferenciada para certos produtos e, portanto, de definir as modalidades de cálculo do imposto de registo de modo a ter em conta considerações relacionadas com a proteção do ambiente, não é menos verdade que essas modalidades devem, nomeadamente, ser suscetíveis de evitar qualquer forma de discriminação, direta ou indireta, relativamente às importações provenientes de outros Estados-Membros, ou de proteção em favor de produções nacionais concorrentes, em conformidade com o artigo 110.º TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de abril de 1998, Outokumpu, C-213/96, EU:C:1998:155, n.º 30, e de 7 de abril de 2011, Tatu, C-402/09, EU:C:2011:219, n.º 59).
44 A este respeito, o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de sublinhar que o artigo110º do TFUE se opõe a um imposto relativo ao registo dos veículos cujo montante, determinado, nomeadamente, em função da «classificação ambiental» dos veículos, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados-Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado-Membro de importação (Acórdão de 5 de outubro de 2006, Nádashi e Németh, C-290/05 e C-333/05, EU:C:2006:652, n.os 56 e 57).
45 Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que o objetivo de proteção do ambiente poderia ser realizado de forma mais completa e coerente fazendo incidir um imposto anual sobre qualquer veículo que entrasse em circulação num Estado-Membro, o qual não beneficiaria o mercado nacional dos veículos usados em detrimento da colocação em circulação de veículos usados importados de outros Estados-Membros e seria, além disso, conforme com o princípio do poluidor-pagador (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C-402/09, EU:C:2011:219, n.º 60).
46 Em contrapartida, um imposto calculado em função do potencial de poluição de um veículo usado, que, à semelhança do imposto em causa, só é integralmente cobrado no momento da importação e da entrada em circulação de um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro, ao passo que o adquirente de um desses veículos já presente no mercado do Estado-Membro em causa só tem de suportar o montante do imposto residual incorporado no valor comercial do veículo que adquire, é contrário ao artigo 110º TFUE.
47 (…).
48 A este respeito, importa observar que, no artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, a componente ambiental é apresentada como um dos dois elementos utilizados para o cálculo de um imposto único e não como um imposto distinto. Além disso, e em qualquer caso, como resulta do n.º 46 do presente acórdão, tal imposto distinto continuaria a ser discriminatório em relação aos veículos usados provenientes de outro Estado-Membro, uma vez que o referido imposto excederia o montante do imposto residual incorporado no valor dos veículos usados similares comprados e registados no território nacional.
49 Por outro lado, importa salientar que, embora, ao abrigo do artigo 11.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre Veículos, os contribuintes possam optar por um método alternativo de cálculo do imposto em causa, requerendo ao diretor da alfândega que recalcule o referido imposto com base na avaliação efetiva do veículo, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a existência de um método alternativo de cálculo de um imposto não dispensa um Estado-Membro da obrigação de respeitar os princípios fundamentais de uma norma essencial do Tratado FUE, nem autoriza esse Estado-Membro a violar esse Tratado (v., por analogia, Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal, C-200/15, não publicado, EU:C:2016:453, n.º 34).
50 (…).
51 Nestas condições, há que declarar que, ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado-Membro, no âmbito do cálculo do imposto em causa previsto no Código do Imposto sobre Veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo110.º do TFUE” (sublinhado nosso).
6.42. Como corolário desta decisão do TJUE, o legislador nacional introduziu uma nova redação no artigo 11º do Código do ISV (através da Lei nº 75-B/2020, de 31 de Dezembro), ao abrigo da qual foi liquidado o ISV controvertido no processo.[13]
6.43. Nos termos desta nova redação, passou a existir uma redução do imposto na componente ambiental, eliminando-se parcialmente a anterior violação ao artigo 110º do TFUE.
6.44. Contudo, esta alteração legislativa foi insuficiente, na medida que estabeleceu taxas percentuais diferenciadas para cada uma das componentes (componente cilindrada e componente ambiental), permitindo a persistência de uma concreta discriminação entre os veículos originariamente registados em território nacional e os veículos usados provenientes de outro Estado-membro.
6.45. Na situação em apreço, o que está em causa não é determinar se um Estado-membro pode ou não estabelecer taxas de redução diferenciadas para cada uma das componentes do ISV porquanto o eixo central da matéria controvertida prende-se com a discriminação verificada por efeito das diferentes percentagens de redução do imposto e da tributação incidente sobre os veículos em cada uma das situações – nacionais e provenientes de outro Estado-membro –, a qual deve ser igualitária e não discriminatória, tal como decorre dos actuais normativos do artigo 11º do Código do ISV comparativamente à tributação do veículos originariamente registados em Portugal, discriminação essa que consubstancia uma violação do artigo 110º do TFUE.
6.46. E, neste âmbito, referira-se que estende este Tribunal que assiste razão à Requerente quando alega que se verifica, no contexto dos autos, uma violação do artigo 11º do TFUE por aplicação do artigo 11º do Código do ISV, na redação à data das liquidações.
6.47. Com efeito, aqui se acompanha a posição do Magistrado do Ministério Público, expressa no Parecer nº 110/2022, elaborado no âmbito do processo nº 84/22.0BALSB (que corre termos no STA para efeitos de uniformização de jurisprudência), cuja cópia a Requerente juntou aos autos, nos termos do qual se refere, em síntese:
“1.10 Ora, pese embora na redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, se tenha incluído uma taxa de desvalorização em função da componente ambiental, que não era prevista na anterior redação, que só previa a desvalorização na componente da cilindrada, essa desvalorização obedece a critérios distintos (num caso atende à desvalorização comercial do veículo e no outro à vida útil média remanescente do veículo), o que implica a utilização de taxas de desvalorização distintas, conforme se infere da Tabela D do artigo 11.º, o que em nosso entender e salvo melhor opinião dá origem a diferente carga do imposto residual no preço de venda de um veículo usado com as mesmas caraterísticas, conforme seja proveniente doutro estado membro ou vendido no mercado interno.
1.11 Na verdade, enquanto na venda de um veículo usado já anteriormente registado no território nacional se atende apenas à desvalorização comercial do veículo, em cujo preço de venda está incorporado o valor residual do imposto suportado aquando da 1ª matricula (admissão ao consumo), na venda de um veículo usado proveniente de outro estado membro o cálculo do imposto que onera o valor do veículo é feito em função de duas taxas de desvalorização distintas, sendo a relativa à componente ambiental inferior à da componente de cilindrada, o que, em princípio, penaliza esta última transação (por implicar uma menor desvalorização do valor do veículo na componente ambiental, o que implica maior matéria tributável).
1.12 Ou seja, no primeiro caso o valor residual do imposto que onera o preço do veículo é formado apenas em função da desvalorização comercial do veículo, enquanto no segundo caso o mesmo é formado em função da desvalorização do veículo e da sua vida útil remanescente, o que origina que, em razão da menor taxa de desvalorização deste último critério, uma maior carga tributária no segundo caso.
1.13 E nessa medida o imposto (ISV) assim calculado provoca (continua a provocar) um efeito discriminatório sobre os veículos usados provenientes de outros estados-membros da União Europeia, o que, salvo melhor opinião, viola o disposto no artigo 110.º do TFUE.
1.14 Sendo certo que tal situação não se mostra proporcional aos fins visados (proteção do ambiente), atento que o Tribunal de Justiça já entendeu igualmente que o objetivo de proteção do ambiente poderia ser realizado de forma mais completa e coerente fazendo incidir um imposto anual sobre qualquer veículo que entrasse em circulação num Estado-Membro.
2. Em face do exposto afigura-se-nos que deve ser proferido acórdão de uniformização de jurisprudência, em que se adote o seguinte entendimento:
- O princípio da não discriminação de produtos previsto no artigo 110º do TFUE, que requer que um imposto que incide sobre os veículos usados importados num Estado-Membro não possa ser superior ao encargo do imposto residual incluído no custo de um veículo similar registado pela primeira vez no mesmo Estado-Membro, é igualmente aplicável aos impostos baseados, no todo ou em parte, numa componente ambiental;
- O artigo 11.º, n.º 1, do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, viola o disposto no artigo 110.º do TFUE, dado que no apuramento do imposto incidente sobre veículos usados importados de outros estados membros, introduz dois métodos de cálculo diferenciados na determinação do valor da desvalorização do veículo que originam uma carga tributária superior ao valor residual do mesmo imposto que onera um veículo com caraterísticas semelhantes já anteriormente matriculado no território nacional, e nessa medida tem um efeito discriminatório que é proibido por aquela disposição comunitária” (sublinhado nosso).
6.48. Nestes termos, importa salientar que o normativo do nº 1 do artigo 11º do Código do ISV, na redação em vigor à data as liquidações de ISV aqui impugnadas, é incompatível com o disposto no artigo 110º do TFUE, na medida em que sujeita os veículos usados provenientes de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior à do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional, o que consubstancia uma discriminação proibida pelo referido artigo do TFUE, e implica que, consequentemente, a norma do artigo 11º do Código do ISV seja ilegal.
6.49. Deste modo, os actos de liquidação de ISV impugnados encontram-se feridos de ilegalidade devendo ser anulados na parte que respeita ao imposto decorrente da diferente percentagem de redução aplicada à componente cilindrada e à componente ambiental determinada em função dos anos de vida do veículo, no valor total de EUR 3.233,56, o que se determina.
6.50. Em consequência, será também de anular o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de ISV agora parcialmente anuladas.
Questão do reenvio prejudicial
6.51. Para o efeito, analisadas as matérias em presença e considerando a questão a decidir, o Tribunal Arbitral entendeu não ser necessário promover o reenvio prejudicial ao TJUE, apresentado pela Requerente, porquanto, no caso concreto, estão preenchidas duas das três exceções à obrigatoriedade de reenvio prejudicial para o TJUE.[14]
6.52. Por um lado, não subsistem dúvidas sobre a correta interpretação das normas jurídicas em causa nos autos (porquanto as normas são perfeitamente claras) e, por isso, não está já em causa interpretá-las, mas sim aplicá-las, o que é da competência do Tribunal Arbitral, tendo aqui total cabimento a teoria do acto claro e, por outro lado, existe também nesta matéria jurisprudência do TJUE (acima citada nos pontos anteriores) que não deixa dúvidas de interpretação do alcance do normativo da UE com o qual o normativo nacional deverá ser concordante.
6.53. Nestes termos, entende este Tribunal Arbitral que não há fundamento para proceder ao peticionado reenvio prejudicial para o TJUE sendo, por isso, indeferido este pedido apresentado pela Requerente (e também sugerido pela Requerida).
Do pagamento dos juros indemnizatórios
6.54. A par do pedido de declaração da ilegalidade parcial das liquidações de ISV identificadas no processo, a Requerente peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios, incidentes sobre o montante de ISV cobrado em excesso (EUR 3.233,56).
6.55. No que diz respeito ao pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o disposto no nº 5, do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, daqui resultando que uma decisão arbitral não se limita à apreciação da legalidade do acto tributário.
6.56. De igual modo, de acordo com o disposto no artigo 24º, nº 1, alínea b) do RJAT, deverá ser entendido que o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a actos tributários (v.g. de liquidação), que visa explicitar/concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”.
6.57. Como refere Jorge Lopes de Sousa “insere-se nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a fixação dos efeitos da decisão arbitral que podem ser definidos em processo de impugnação judicial, designadamente, a anulação dos actos cuja declaração de ilegalidade é pedida, a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento de juros indemnizatórios (…)” (sublinhado nosso).[15] [16]
6.58. Nos termos do artigo 100º, nº 1 da LGT, “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial (…) de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”, sendo que, nos termos da alínea d) do nº 3, do artigo 43º da LGT, “são também devidos juros indemnizatórios (…) d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a (…) ilegalidade da norma legislativa (…) em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.[17]
6.59. Ora, na sequência da declaração de ilegalidade parcial dos actos de liquidação de ISV identificados, com os fundamentos acima apontados, terá de haver lugar ao reembolso parcial dos montantes de ISV pagos pela Requerente, relativo ao imposto incidente sobre a parte das liquidações em crise que se devem considerar anuladas, como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade já assinalada.
6.60. Assim, face ao estabelecido no artigo 61º do CPPT, estando preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, a Requerente terá direito aos referidos juros, calculados à taxa legal em vigor, sobre a quantia de total de ISV indevidamente cobrada e paga em excesso, os quais serão contados de acordo com o disposto no nº 3 do artigo 61º do CPPT, ou seja, desde as datas do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.[18]
Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais
6.61. Nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
6.62. Neste âmbito, o nº 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
6.63. Nestes termos, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerida.
7. DECISÃO
7.1. Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas nos Capítulos anteriores, decidiu este Tribunal Arbitral Singular:
7.1.1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando-se a anulação parcial das liquidações de ISV identificadas no processo e ordenando-se o reembolso à Requerente da quantia total de ISV liquidada e suportada em excesso, no montante de EUR 3.233,56, acrescida dos juros indemnizatórios, calculados nos termos legais, em conformidade com o peticionado;
7.1.2. Indeferir, em consequência, o pedido de reenvio apresentado;
7.1.3. Determinar a anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra as liquidações de ISV agora parcialmente mandadas anular;
7.1.4. Condenar a Requerida no pagamento integral das custas do presente processo;
7.1.5. Mandar notificar o Ministério Público, nos termos e âmbito do disposto no artigo 280º da CRP e do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do teor desta decisão arbitral.
Valor do processo: Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 3.233,56.
Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 612,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.
*****
Notifique-se.
Lisboa, 16 de Outubro de 2023
O Árbitro,
Sílvia Oliveira
[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.
[2] Neste âmbito, segundo a Requerente, “atente-se na nova redação do artigo 11° e da alteração da fórmula contida nesse mesmo artigo para, sem qualquer dúvida, se chegar a essa conclusão”.
[3] Neste âmbito, refere a Requerida, quanto à questão da conformidade da redação atual do artigo 11º do CISV com o direito comunitário, que o Tribunal Arbitral já se pronunciou nesse sentido, conforme, decisão arbitral de 22-02-2022, proferida no Proc. n.º 350/2021- T (parte IV-B, relativa a atos de liquidação de 2021), que parcialmente transcreve e decisão arbitral, de 25-10-2022, proferida no Proc.º n.º 349/2022-T, que também parcialmente transcreve.
[4] Neste âmbito, cita a Requerida Jurisprudência vertida nos Acórdãos de 28-01-2015 (no âmbito do Processo 0722/14), de 11-12-2019 (no âmbito do Processo n.º 058/19.9BALSB) e de 20-05-2020 (no âmbito do Processo 05/19.8BALSB), e de 26-05-2022 (no âmbito do Processo 159/21.3BALSB).
Por outro lado, e numera ainda a Requerida, no mesmo sentido, as decisões proferidas nos processos n.º 296/2020-T, 18/2021-T, 785/2020-T e 271/2021-T.
[5] No caso em análise, a Requerente apresentou em 02-2022, junto da Alfândega de Peniche, um pedido de revisão oficiosa das liquidações de ISV identificadas no ponto 5.4., do Capítulo 5. desta decisão arbitral, com fundamento no disposto no artigo 78º da LGT. O pagamento do imposto ocorreu na data indicada em cada uma das DAV, ou seja, em 01-04-2021 e 27-07-2021, respectivamente. Ora, dado que a Requerente não especificou o fundamento previsto para no artigo 78º da LGT para apresentar o pedido de Revisão, atente-se que logo no seu nº 1, na redação em vigor à data da apresentação do pedido de revisão das liquidações de ISV identificadas nos autos, se estabelecia que “a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.
Neste âmbito, e no que diz respeito ao previsto na segunda parte do nº 1 do artigo 78º da LGT, quando aí se refere que “a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada (…) por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação (…), com fundamento em erro imputável aos serviços”, constitui jurisprudência assente que a revisão dos actos tributários pela Administração Tributária pode ser também requerida, pelos sujeitos passivos, no prazo de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços (2ª parte).
Nesta conformidade, o pedido de revisão apresentado pela Requerente, em 02-2022, com este fundamento, podendo, por isso, ser apresentado no prazo de 4 anos após as liquidações (que ocorreram em 01-04-2021 e 27-07-2021), por ser tempestivo para a apreciação da alegada ilegalidade dos actos de liquidação de ISV em crise, admite que do seu indeferimento possa ser apresentado pedido de pronúncia arbitral.
Quanto ao prazo de interposição do pedido de pronúncia arbitral, de acordo com o disposto na alínea e), do n° l, do artigo 102° do CPPT, o prazo de dedução da impugnação judicial é de três meses contados dos factos enumerados naquele artigo, nomeadamente, da “notificação dos restantes atos que possam ser objeto de impugnação autónoma nos termos deste Código”, sendo que, de acordo com o previsto no artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral deve ser apresentado “no prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma (...)”. Ora dado que a Requerente foi notificada, através do Ofício nº..., de 27-04-2023, da Alfândega de Peniche, do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações de ISV em crise, datado de 26-04-2023 e proferido pelo Senhor Diretor daquela Alfândega, e apresentou o pedido de pronúncia arbitral em 26-06-2023, este pedido considera-se tempestivamente interposto.
[6] Sérgio Vasques, “A reforma da tributação automóvel: problemas e perspectivas”, Fiscalidade, nº 10, Abril de 2002, p. 59-94.
[7] A. Brigas Afonso e Manuel T. Fernandes, “Imposto sobre veículos e Imposto único de circulação”, Códigos Anotados, Coimbra, Coimbra Editora, 2009.
[8] Manuel Teixeira Fernandes, “A reforma da tribulação automóvel”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano l, n.º 2, Junho de 2008, 165-178.
[9] De acordo com o disposto no artigo 1° do Código do Imposto sobre Veículos, “[o] imposto sobre veículos obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infra-estruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.
[10] Segundo José Casalta Nabais, “a quantificação dos custos ambientais torna-se impraticável” “dada a impossibilidade de medir ou mensurar a contraprestação específica que corresponda aos tributos bilaterais ou taxas ambientais”, in “Tributos com fins ambientais”, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano 1, n.º 4, 2008, p. 132.
Ver igualmente Sérgio Vasques, in “O Princípio da Equivalência como Critério de igualdade Tributária”, Almedina, Coimbra, 2008, p. 338-340.
[11] Nesta matéria, vide teor da decisão arbitral nº 53/2016, de 5 de Julho de 2016.
[12] Neste âmbito, foi percorrido um longo caminho, desde o ano 2001, com o Acórdão do TJCE (de 22-02-01) denominado “Gomes Valente”, proferido a título prejudicial, nos termos do qual se criaram as condições para se romper, a nível nacional, com o quadro clássico de tributação dos veículos usados, assente exclusivamente em reduções fixas em função do nº de anos de uso até à jurisprudência mais recente do TJUE, com o Acórdão proferido no processo n.º C-169/2020, nos termos do qual se entendeu que “(…) ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado-Membro, no âmbito do cálculo do imposto em causa previsto no Código do Imposto sobre Veículos, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo110.º do TFUE”.
[13] Note-se que as sucessivas alterações normativas introduzidas no artigo 11º do Código do ISV acabam por traduzir o implícito reconhecimento pelo legislador nacional da efectiva violação do artigo 110º do TFUE.
[14] Neste âmbito, em conformidade com o já decidido pelo TJUE (acórdão Cilfit, de 06/10/1982, processo C-283/81), a obrigatoriedade de reenvio, nos casos em que a mesma exista (sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, como é o caso das decisões arbitrais proferidas pelos tribunais arbitrais tributários constituídos sob a égide do CAAD), pode ser dispensada quando (i) a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal, (ii) o Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma, (iii) o Juiz Nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente (teoria do acto claro, cujos exigentes e cumulativos critérios de verificação foram igualmente definidos no referido Acórdão).
[15] Vide Leite de Campos, Diogo, Silva Rodrigues, Benjamim, Sousa, Jorge Lopes, in “Lei Geral Tributária - Anotada e Comentada”, 4.ª Edição, 2012, página 116).
[16] Sobre a temática dos juros indemnizatórios pode ver-se do mesmo autor (Sousa, Jorge Lopes), “Problemas fundamentais do Direito Tributário”, Lisboa, 1999, página 155 e sgts).
[17] Neste sentido, vide AC TCAS 19/10.3BELRS, de 07-05-2020 (relatora Conselheira Ana Pinhol), nos termos do qual se entende que “III. A Administração Tributária deve reconstituir a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivesse sido praticado o acto tributário anulado (artigo 100.º da LGT), o que inclui, necessariamente, quer a restituição da quantia indevidamente exigida ao contribuinte e por este paga, quer o pagamento de juros indemnizatórios (…). IV. No caso em presença, a ilegalidade determinante da procedência da impugnação (…) decorreu da violação de normas comunitárias que prevalecem sobre as normas do direito interno (…)”.
[18] Neste sentido, vide Acórdão do TCAS nº 1387/11.5BELRA, de 28 de Fevereiro de 2019, nos termos do qual se refere que “o direito a ser indemnizado pelo pagamento de juros indemnizatórios quando se determine em reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços de que resultou pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (…), reflete o princípio da igualdade dos sujeitos da relação. (…). O conceito de erro imputável aos serviços deve ser contraposto ao conceito de vício. (…). O Erro, por seu turno, restringe-se às situações de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, traduzindo-se numa inadequada aplicação do quadro legal à factualidade sujeita a imposto. (…). Apenas os erros são suscetíveis de reparação pelo pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte”.
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