SUMÁRIO
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Extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, em virtude da revogação do ato pela AT, deve ainda assim ser apreciado o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que a revogação operada não satisfaz integralmente a pretensão deduzida pela Requerente.
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Não constitui vício de falta de fundamentação, nem de falta de notificação para o exercício do direito de audição, uma liquidação oficiosa operada pela AT, com base em declaração oficiosa em que se encontra discriminado o apuramento das mais-valias imobiliárias, quando foi cumprido o disposto no artigo 76.º, n.º 3, do Código do IRS, em que se prevê que, “quando não seja apresentada declaração, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efetuada (…)”.
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No âmbito do processo de reclamação graciosa a AT possuía todos os elementos necessários para excluir de tributação parte da mais-valia gerada com a alienação do imóvel afeto a habitação própria e permanente, pelo que, tendo indeferido a reclamação graciosa, verifica-se existir erro imputável aos serviços, assistindo ao Requerente o direito a juros indemnizatórios, contáveis desde a data de notificação do indeferimento.
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Não pode ser admitida, por ineptidão, a ampliação do pedido nos termos do artigo 265.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, quando a Requerente não apresenta a causa de pedir, ou seja, não indica em concreto os factos e normas legais que, no entender da Requerente, viciam a liquidação em causa.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Jorge Belchior de Campos Laires, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, decide o seguinte:
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Relatório
A..., contribuinte n.º..., com domicílio fiscal na Rua ..., n.º ..., ..., ... – ... Lisboa (“Requerente”), requereu a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) relativamente ao indeferimento da Reclamação Graciosa por si apresentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2022 ... e respetiva liquidação de juros compensatórios, ambas relativa ao ano de 2020, no valor global de € 31.065,48.
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 06/03/2023, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT.
O pedido foi comunicado à Requerida no dia 12/03/2023.
Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro singular o signatário em 27/04/2023, sem oposição das partes.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 17/05/2023.
Em 29/05/2023 a Requerida comunicou ao Tribunal a decisão de revogar o ato objeto do presente PPA, juntando a documentação respetiva.
Em 29/06/2023 o Tribunal notificou a Requerida para que, no prazo de 10 dias, fornecesse cópia do Procedimento Administrativo e prestasse informação adicional.
Em 04/09/2023, a Requerente vem informar o Tribunal, bem como juntar a documentação respetiva, de que foi notificada da liquidação de IRS n.º ... e da liquidação de Juros Compensatórios n.º 2023 ..., ambas referentes ao ano de 2020, que prevê um montante a pagar de € 10.785,75, requerendo a ampliação do pedido, de forma a abranger esta nova liquidação, nos termos do artigo 265.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (“CPC”).
Em 13/09/2023 o Tribunal notificou a Requerida para, no prazo de 20 dias, juntar a informação adicional já requerida, bem como para se pronunciar sobre o Requerimento apresentado pela Requerente, incluindo a ampliação do pedido nos termos do artigo 265.º, n.º 2, do CPC.
Em 22/09/2023 a Requerida pronunciou-se quanto ao Requerimento da Requerente, tendo pedido a prorrogação do prazo, que foi concedido pelo Tribunal, para apresentação dos documentos solicitados pelo Tribunal, o que veio a efetivar em 03/10/2023.
Por Despacho de 04/10/2023 foi dispensada a reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAT, convidou-se as partes para alegações escritas facultativas, pelo prazo simultâneo de dez dias, alegações que a Requerida apresentou no dia 13/10/2023.
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Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído face ao preceituado nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade.
O presente pedido de constituição de tribunal arbitral tem-se por tempestivo.
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Matéria de Facto
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Factos Provados
Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente adquiriu, mediante escritura pública outorgada em agosto de 2017, o prédio urbano, composto por parcela de terreno para construção urbana, denominado ..., ..., freguesia de ..., concelho de Setúbal, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o número ... da dita freguesia, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... (... e ...), sob o artigo ..., e moradia ali construída, destinada a habitação, sita na Rua ..., n.ºs ... e ..., em ..., da mesma freguesia e concelho, inscrito na matriz predial urbana da União das Freguesias de ... (... e...), sob o artigo provisório ..., sem valor patrimonial atribuído, pelo preço de € 260.000 (cfr. documentação junta com o PPA).
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A Requerente fez do imóvel descrito sua habitação própria e permanente, constando, no cadastro da AT, como tendo aí o seu domicílio fiscal (facto alegado pela Requerente e confirmado pela AT).
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Em 06/07/2020, a Requerente alienou o referido imóvel pelo preço de € 435.000 (cfr. documentação junta com o PPA).
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A Requerente adquiriu, em 27/06/2022, pelo preço de € 155.000, a fração autónoma designada pela letra “C”, correspondente ao 2.º andar do prédio urbano sito na Rua ..., n.ºs ... a ... e Rua ..., n.ºs ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o número ... da freguesia de ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da União de Freguesias de ... e ... (cfr. documentação junta com o PPA).
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No âmbito do processo de divergência nº ... foi a Requerente notificada,
através do ofício nº GIC-... de 08/11/2021 (registo CTT nº RY...PT e recebido a 11/11/2021) para regularizar a falta de entrega da declaração modelo 3 de IRS de 2020 (cfr. documentos de prova requeridos especificamente pelo Tribunal e entregues pela requerida em 03/10/2023).
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A Requerente não entregou a referida declaração dentro do prazo estipulado (cfr. alegação da AT e não contestado pela Requerente)
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Em 21/04/2022, a AT elaborou uma declaração oficiosa de rendimentos modelo 3 de IRS, em nome da Requerente, referente ao ano de 2020, com o n.º ... - 2020 -
...-..., em que figura um anexo G, correspondente a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, com um valor de alienação de € 435.000, um valor de aquisição em 2017 de € 260.000, despesas e encargos no valor de € 12.116,88 referente ao prédio com identificação matricial nº ...-U-... (cfr. Processo Administrativo).
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Da referida declaração oficiosa resultou a liquidação ora em discussão, nº 2022 ... de 30/04/2022, com valor a pagar de € 31.065,48, que inclui juros compensatórios no valor de € 972,85 (cfr. Processo Administrativo e documentação junta com o PPA).
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Essa liquidação foi paga pela Requerente no dia 16/08/2022 (cfr. documentação junta com o PPA).
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Em 08/06/2022 a Requerente apresentou reclamação graciosa da referida liquidação, onde declarou a intenção de reinvestir o valor de venda do imóvel (cf. Processo Administrativo, bem como documentação junta com o PPA).
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Em 25/08/2022, conforme anunciado pela Requerente em sede de reclamação graciosa, a Requerente entregou uma declaração de substituição modelo 3 relativa ao ano de 2020, em que no anexo G (mais-valias) apresentava como valor de realização do imóvel o montante de € 435.000, um valor de aquisição de € 260.000, despesas e encargos no valor de € 11.544,47, com intenção de reinvestimento no valor de € 232.000 e um valor de empréstimo amortizado de € 167.000 (cf. Processo Administrativo, bem como documentação junta com o PPA).
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A Requerente foi notificada, em 05/12/2022, da decisão definitiva de indeferir a Reclamação Graciosa (cfr. Processo Administrativo, bem como a documentação junta com o PPA).
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Por Despacho da Subdiretora-geral de 24/05/2023 foi revogada a liquidação controvertida, incluindo os juros, não atribuindo, porém, juros indemnizatórios à Requerente (cfr. Despacho de revogação junto pela Requerida e esclarecimentos prestados posteriormente e que constam dos autos).
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No referido Despacho a AT conclui que deveria ser validada e liquidada a declaração entregue pelo Requerente a que se faz referência no ponto K acima.
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Na sequência da revogação, a Requerente foi notificada da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2023... e da liquidação de Juros Compensatórios n.º 2023..., ambas referentes ao ano de 2020, que prevê um montante a pagar de € 10.785,75 (cfr. documento junto pela Requerente).
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Factos não Provados
Não existem factos não provados com relevância para a decisão.
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Motivação da Decisão de Facto
A convicção do Tribunal fundou-se unicamente nas alegações das partes e na análise crítica da prova documental junta aos autos, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente.
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Matéria de Direito
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Da inutilidade superveniente da lide no que respeita à anulação da liquidação de IRS contestada
O ato tributário objeto do PPA foi revogado (anulado administrativamente) pela AT dentro do prazo de 30 dias previsto no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT.
Desta forma, por facto superveniente, deixa de haver objeto do litígio, devendo ser extinta a instância quanto ao pedido feito pelo Requerente de anulação dos atos de liquidação de IRS e de indeferimento do pedido de reclamação graciosa, nos termos do disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do Código do Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT.
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Do pedido de juros indemnizatórios
Em resultado do pedido de anulação parcial da liquidação de IRS em causa, a Requerente pede que lhe seja reembolsado o montante de imposto e juros indevidamente pago, bem como a atribuição de juros indemnizatórios.
Refira-se, em primeiro lugar, que a extinção da instância quanto à liquidação de IRS não implica a sua igual extinção para o pedido de juros indemnizatórios, porquanto a revogação do ato operada pela AT não satisfaz todas as pretensões da Requerente, dado que esta, além do reembolso das importâncias indevidamente pagas, pede igualmente o pagamento de juros indemnizatórios.
Embora não se trate de uma posição unânime do CAAD, acolhe-se a orientação e a fundamentação tomada, entre outros, no Processo n.º 40/2019-T, citando: “se a remoção dos atos de liquidação (ou da parte inquinada) não for acompanhada da regulação da situação que existiria se não tivessem sido praticados, ou seja da atribuição de juros indemnizatórios (ou de indemnização por prestação de garantia se for o caso), então, nessa medida o processo pode prosseguir para acautelar a pretensão acessória suscitada pela emissão de tais atos ilegais que, apesar de anulados, existiram e produziram efeitos lesivos”.
Conforme bem fundamenta a decisão no referido processo, um entendimento contrário “não se afigura de harmonia com a jurisprudência constante do STA que preconiza que não existindo pronúncia administrativa (decisão) sobre os juros indemnizatórios (e, mutatis mutandis, sobre a indemnização por prestação de garantia indevida se for o caso), não está integralmente regulada a relação tributária gerada pelo ato ilegal, nem satisfeita de forma integral a pretensão deduzida no processo, pelo que o Tribunal, tendo sido deduzido pedido nesse sentido, pode apreciar e, caso se verifiquem os respetivos pressupostos, condenar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios, ou seja, nesta exata medida mantém-se a utilidade e interesse da pronúncia jurisdicional. Jurisprudência com a qual se concorda. A título de exemplo, vide os Acórdãos daquele Supremo Tribunal nos processos n.ºs 574/14, de 7 de janeiro de 2016, e 1101/16, de 3 de maio de 2017”.
Desta forma, uma vez que a revogação operada não satisfaz integralmente a pretensão deduzida no processo, importa saber se existe direito ao pagamento de juros indemnizatórios.
Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Nesse sentido, vejamos quais são os vícios apontados pela Requerente ao ato de liquidação.
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Da alegada falta de fundamentação e falta de notificação para audição prévia
A Requerente alega que da análise da notificação da liquidação em causa não resulta suficiente a necessária fundamentação, nem de facto, nem de direito, conforme é exigido pelo disposto no artigo 77.º da LGT, por forma a justificar a decisão nela inserta.
Segundo a Requerente, não são explicitados quaisquer fundamentos, seja de facto ou de direito, que determinaram a sua emissão, causando uma incerteza à Requerente em relação à fundamentação da liquidação oficiosa objeto de contestação, o que impossibilita a preparação da defesa do Contribuinte.
A Requerente aponta igualmente o vício de falta de notificação para o exercício da audição prévia.
A Requerida alega, e com razão, adiante-se, que, no âmbito do procedimento de divergências de IRS 2020, a Requerente foi notificada através do Ofício nº GIC-... de 08/11/2021 (registo CTT nº RY...PT e recebido a 11/11/2021), para regularizar a falta de entrega da modelo 3 de IRS 2020, conforme cópia do ofício que consta dos autos.
Assim, a AT deu cumprimento ao disposto no artigo 76.º, n.º 3, do Código do IRS, em que se prevê que, “quando não seja apresentada declaração, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efetuada, não se atendendo ao disposto no artigo 70.º e sendo apenas efetuadas as deduções previstas no n.º 3 do artigo 97.º”.
E estipula a alínea b) do n.º 1 da referida norma que “não tendo sido apresentada declaração, a liquidação tem por base os elementos de que a Autoridade Tributária e Aduaneira disponha”.
Não tendo a declaração modelo 3 de IRS sido entregue no prazo estipulado, a AT emitiu a competente liquidação, com base na declaração oficiosa, onde é percetível de que se trata de rendimentos decorrentes da alienação de imóvel, bem como os valores respetivos, habilitando a Requerente a reagir, como aliás reagiu, por via de reclamação graciosa.
Não procede assim a alegação da Requerente quanto à falta de fundamentação do ato tributário, bem como a alegação de falta de notificação para o exercício da audição prévia, uma vez que a alínea b) do n.º 2 do artigo 60.º da LGT prevê a dispensa de audição “no caso de a liquidação se efetuar oficiosamente, com base em valores objetivos previstos na lei, desde que o contribuinte tenha sido notificado para apresentação da declaração em falta, sem que o tenha feito.”.
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Quanto ao indeferimento da reclamação graciosa
Conforme consta dos autos, em sede de reclamação graciosa a Requerente declarou a sua intenção de proceder ao reinvestimento do valor de realização, alegando que, tendo procedido à alienação do imóvel sito em ... em 06/07/2020, que à data constituía a sua habitação própria e permanente, dispunha do prazo de 36 meses, contados da referida data (portanto, até 06/07/2023), para reinvestir o valor de realização desse imóvel, na compra de outro imóvel, também destinado à sua habitação própria e permanente.
No que se refere ao imóvel alienado, a AT vem, no Despacho de revogação, verificar “que este imóvel alienado foi adquirido em 2017 com a finalidade de habitação secundária e corresponde a morada localizada na Rua ..., ...-... ..., sendo este o domicílio fiscal da requerente desde 31-01-2020, para efeitos do disposto no nº 1 do art.º 19º da LGT conjugado com o nº 12 do art.º 13º do CIRS, cumprindo-se, assim, a qualificação como habitação própria permanente a data sua alienação e consequentemente, o disposto no nº 5 do art.º 10º do CIRS para beneficiar da exclusão da tributação das mais valias imobiliárias”.
Tal conclusão podia ter sido retirada no âmbito do processo de reclamação graciosa, já que nenhum facto ou documento novo foi trazido pela Requerente nos presentes autos.
Alega ainda a AT, para sustentar a não atribuição de juros indemnizatórios, que “em sede de Direito de audição da reclamação graciosa, o SP apresentou como prova de reinvestimento, para efeitos do no nº 5 do art.º 10º do CIRS, a escritura de aquisição do prédio com a seguinte identificação matricial ...-U-... com a seguinte localização: Rua ... nº ... ...-... Lisboa. Não teve acolhimento devido ao facto de não coincidir com o seu domicílio fiscal e não ter sido afetado a sua habitação própria e permanente no prazo previsto na alínea a) do nº 6 do art.º 10º do CIRS”.
Porém, as condições previstas na lei são as do artigo 10.º, n.º 5, alíneas b) e c), do Código do IRS, ou seja, em primeiro lugar, que o reinvestimento “seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização” e que “o sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação”.
Quanto à primeira condição, verifica-se que, à data da apresentação da reclamação graciosa, ainda decorria o prazo de reinvestimento, pelo que à Requerente não era exigido que apresentasse qualquer reinvestimento concreto.
Conforme decorre da segunda condição, à Requerente era-lhe exigido que declarasse essa intenção de reinvestimento e o respetivo quantitativo. Ora, essa declaração consta do anexo G da declaração de substituição submetida pela Requerente, a qual foi expressamente referenciada pela Requerente no âmbito da reclamação graciosa, que é precisamente aquela que, à data, não foi validada pela AT, mas que a AT considerou, agora, dever ser validada, conforme refere o Despacho de revogação emitido já no decurso da presente ação.
A opção legislativa é clara: o contribuinte deve declarar a sua intenção de reinvestir o valor de realização, o que lhe permite usufruir imediatamente do benefício fiscal, tendo um prazo de 36 meses para a concretização do reinvestimento (exceto se já feito nos 24 meses anteriores). À AT caberá fiscalizar se o reinvestimento foi feito no prazo legal, e, caso assim não aconteça, o imposto pago a menos tem de ser reposto pelo contribuinte, acrescido de juros compensatórios.
Desta forma, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, e face ao quadro legal descrito, a AT estava em poder dos elementos necessários para anular a liquidação e emitir outra que a substituísse, liquidando o IRS que era devido, tendo por base a isenção (parcial, dado que o reinvestimento também o era) da mais-valia obtida.
Não o tendo feito, deve concluir-se ter havido erro imputável aos serviços da AT.
Desta forma, o direito a juros indemnizatórios deve ser reconhecido a partir da data em que a AT notificou à Requerente o indeferimento da reclamação graciosa, ou seja 05/12/2022, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º1, alínea a), do RJAT, calculados sobre a quantia indevidamente paga pela Requerente, à taxa dos juros legais, em conformidade com o disposto nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, ambos da LGT.
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Da ampliação do pedido
Na sequência da revogação operada pela AT, a Requerente foi notificada de nova liquidação de IRS, n.º 2023..., e da liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., ambas referentes ao ano de 2020, que prevê um montante a pagar de € 10.785,75.
A Requerente pretende que, nos temos do artigo 265.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, seja ampliado o objeto dos presentes autos, passando a abranger também o identificado ato praticado pela AT, com vista ao conhecimento da sua legalidade, nos termos e com os mesmos fundamentos invocados no PPA que deu origem aos presentes autos.
Efetivamente, dispõe o artigo 64.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável como direito subsidiário ao processo arbitral, conforme o disposto no artigo 29.º do RJAT, que: “quando, na pendência do processo, o ato impugnado seja objeto de anulação administrativa acompanhada ou sucedida de nova regulação, pode o autor requerer que o processo prossiga contra o novo ato com fundamento na reincidência nas mesmas ilegalidades, sendo aproveitada a prova produzida e dispondo o autor da faculdade de oferecer novos meios de prova”.
A este respeito, a Requerente alega em suma que: “de facto, não se compreende como pode a Administração tributária reconhecer – e bem – a pretensão da aqui Requerente de poder reinvestir a mais-valia imobiliária que realizou, no prazo de 36 meses, ou seja, até ao ano de 2023 e, ato contínuo, vir a praticar um novo ato de liquidação de IRS, em substituição do ato ferido de ilegalidade, que prevê a obrigação de pagamento da quantia de € 10.785,75, o que pressupõe a tributação, de novo, em 2020, da mais-valia imobiliária realizada pela Requerente nesse mesmo ano”.
Como se vê, a Requerente não apresenta qualquer causa de pedir que possa vir a ser apreciada pelo Tribunal, ainda que se concluísse, face à base legal invocada pela Requerente e à norma citada do CPTA, estarem reunidos os pressupostos para ampliação do pedido contra o novo ato.
Na verdade, parece resultar do alegado pela Requerente que, do Despacho de revogação operado pela AT, não deveria resultar qualquer nova liquidação de IRS. No entanto, é a própria Requerente que declara não reinvestir a totalidade do valor de realização, logo, algum valor de IRS teria de ser liquidado pela AT, sendo de notar que o valor a reinvestir é o “valor de realização” e não a “mais-valia”, pelo que, havendo reinvestimento apenas parcial, como a Requerente expressamente admite, haveria sempre lugar a tributação em IRS.
Efetivamente, conforme dispõe o n.º 9 do artigo 10.º do Código do IRS, “no caso de reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições estabelecidas nos n.ºs 6 e 8, os benefícios a que se referem os n.ºs 5 e 7 respeitam apenas à parte proporcional dos ganhos correspondentes ao valor reinvestido.”
Se dos autos resultasse que não é devido qualquer montante de IRS, então admitir-se-ia que a Requerente se limitasse a reagir contra esta nova liquidação de IRS, sem considerações adicionais. Mas esse não é o caso, conforme se demonstrou acima.
Assim, face ao disposto no artigo 186.º, n.º 2, alínea a), do CPC, o Tribunal terá de concluir pela ineptidão, quanto a esta parte, do PPA, considerando a total ausência de causa de pedir, ou seja, da indicação concreta dos factos e normas legais que, no entender da Requerente, viciam a liquidação em causa.
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Decisão
De harmonia com o exposto, decide o Tribunal Arbitral:
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Julgar extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, quanto ao pedido de anulação da liquidação de IRS n.º 2022 ... e respetiva liquidação de juros compensatórios, ambas relativas ao ano de 2020, no valor global de € 31.065,48;
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Julgar procedente o pedido de condenação da AT ao reembolso das importâncias que, em resultado da referida anulação, se devem considerar como indevidamente pagas;
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Condenar a AT a pagar juros indemnizatórios desde a data da notificação do indeferimento da reclamação graciosa até à data do processamento da respetiva nota de crédito;
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Não ampliar o objeto do presente PPA, por ineptidão do pedido, à liquidação de IRS n.º 2023 ... e da liquidação de juros compensatórios n.º 2023 ..., ambas referentes ao ano de 2020, que prevê um montante a pagar de € 10.785,75.
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Valor do Processo
Nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, quando seja impugnada a liquidação o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende. Fixa-se como valor do processo o indicado pela Requerente de € 31.065,48.
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Custas
Custas no montante de € 1.836,00, a cargo da Requerida, por decaimento, de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 20 de outubro de 2023
O Árbitro,
Jorge Belchior de Campos Laires