Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 799/2022-T
Data da decisão: 2023-10-23  IRS  
Valor do pedido: € 34.919,75
Tema: IRS; Categoria G – Despesas e encargos com trabalhos de construção civil, mediação imobiliária e obtenção de certificação energética do Imóvel; Categoria F – Encargos com serviços jurídicos.
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Sumário:

I – Para efeitos de comprovação das despesas e encargos previstos no artigo 51.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código do IRS, podem os sujeitos passivos lançar mão de quaisquer meios de prova que permitam estabelecer uma conexão entre os documentos apresentados e as despesas declaradas que se pretendem ver consideradas e que permitam comprovar que os encargos declarados foram efetivamente suportados pelos sujeitos passivos;

II – O facto de uma fatura não conter a identificação correta ou suficiente dos serviços prestados ou algum outro dos requisitos previstos no artigo 36.º, n.º 5, do Código do IVA não a torna inválida para titular os valores declarados para efeitos do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS;

III – O Código do IRS não exige, para efeitos do artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS, que os encargos com a valorização dos imóveis, nomeadamente as comissões de intermediação, constem da escritura de compra e venda ou que essa comissão tenha de ser obrigatoriamente paga à mediadora que consta da escritura;

IV – Considerando que as despesas com serviços jurídicos não se encontram expressamente excluídas de dedução, nos termos do artigo 41.º, n.º 1, do Código do IRS, os respetivos montantes devem considerar-se dedutíveis aos respetivos rendimentos prediais associados.

DECISÃO ARBITRAL

  1. Relatório

A..., pessoa singular, com o número de identificação fiscal ... e residente na ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, (“Requerente”), notificado da decisão final de indeferimento no âmbito do processo n.º ...2022..., relativo ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) do ano de 2019, veio requerer a constituição de tribunal arbitral com intervenção de árbitro singular, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 2, e 10.º, n.º 2, , todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na sua atual redação (“RJAT”).

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

  1. Constituição do Tribunal Arbitral

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”).

Pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foi comunicada a constituição do presente tribunal arbitral singular em 28 de fevereiro de 2023, nos termos da alínea c) do número 1, do artigo 11.º do RJAT.

  1. História Processual

A Requerente pretende, em síntese, que sejam considerados dedutíveis, por provados, os valores e factos reclamados referente às mais-valias (categoria G) e aos rendimentos prediais (categoria F) obtidos e declarados no período de 2019, bem como a opção pelo não englobamento dos rendimentos prediais e, em consequência seja (i) anulável a nota de liquidação de IRS n.º 2020..., referente ao período de 2019; (ii) emitida nova liquidação de IRS retificada com base nos elementos declarados pelo Requerente no âmbito da declaração de substituição de IRS entregue; (iii) declarada a ilegalidade da demonstração de liquidação de juros de mora emitida, na parte respeitante ao IRS indevidamente liquidado e ordenada a sua anulação; (iv) emitida nova demonstração de liquidação de juros de mora, a calcular sobre o montante de IRS efetivamente devido, desde 01-09-2020 até à data da efetiva liquidação do imposto devido (ocorrida em 23-12-2022).

Como fundamento da sua pretensão, a Requerente invoca, relativamente à alienação do prédio urbano descrito na matriz predial sob o artigo... da União das Freguesias de ... (..., ..., .., e...), sito na Rua ... n.º..., ... em Coimbra (“Imóvel”), que o respetivo valor de realização a considerar para efeitos do apuramento da mais-valia de IRS corresponde a € 220.000,00 (i.e., 50% do valor total da venda do Imóvel que ascendeu a € 440.000,00) e que os valores de aquisição correspondem a € 54.502,50 (i.e., 25% do valor considerado para efeito de liquidação do Imposto do Selo no momento da abertura da sucessão) e € 54.502,50 (i.e., 25% do valor considerado para efeito de liquidação do Imposto Municipal sobre as transmissões Onerosas de Imóveis – “IMT” no momento da partilha), sobre os quais deverão aplicar-se os coeficientes de desvalorização da moeda de 1,06 e 1,03, respetivamente. A Requerente alega, ainda, que incorreu num montante total de € 28.344,57, a título de encargos com a valorização do Imóvel (i.e., € 5.891,37 de obras de construção civil) e despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação do mesmo (i.e., € 4.705,82 de Imposto do Selo pela aquisição gratuita da quota parte de 25% do Imóvel, € 3.536,16 de IMT e € 435,22 de Imposto do Selo da partilha da quota parte de 25% do Imóvel, € 13.530,00 da comissão imobiliária e € 246,00 com obtenção do certificado energético), devendo consequentemente acrescer ao valor de aquisição do Imóvel. Por outro lado, no que se refere aos rendimentos da categoria F declarados, o Requerente entende que os valores incorridos em 2019 a título de condomínio no valor de € 587,52, Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”) no valor de € 229,26 e serviços jurídicos no valor de € 123,00, totalizando € 939,78, devem considerar-se como gastos dedutíveis ao valor dos rendimentos prediais declarados. Por último, a Requerente, na declaração de IRS de substituição submetida em 01-08-2020, optou pelo não englobamento dos rendimentos prediais obtidos e, em consequência, entende que deverá aplicar-se a estes rendimentos a taxa autónoma de 28%.

A Requerente juntou 23 documentos, procuração e comprovativo de pagamento de taxa de arbitragem inicial, protestando juntar 3 documentos.

A 28.02.2023, foi proferido despacho arbitral tendo em vista a notificação do dirigente máximo do serviço da AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar produção de prova adicional.

A Requerida, respondeu, dirigindo-se por referência a um outro processo que em nada se relaciona com o processo em apreço.

A Requerida veio ao processo informar que, por despacho de 05-04-2023 da Dr.ª ..., por subdelegação de competências da Senhora Subdiretora-Geral da DIRS, foi revogado parcialmente o ato tributário impugnado, nos termos e com os fundamentos constantes da Informação da Direção de Serviços do IRS. Adicionalmente, foi requerido pela Requerida para que fosse dado sem efeito a resposta junta aos autos, porquanto a mesma se dirige e tem que ver com outro processo (738/2022-T CAAD), devendo-se a manifesto lapso no envio de ficheiros. Assim sendo, foi requerida a junção aos autos da informação supra referida, a qual deverá ser considerada para os devidos efeitos, em substituição da resposta aduzida em 06-04-2023.

Nos termos da informação junta aos autos, a Requerida refere, primeiramente, que os encargos suportados com as mensalidades do condomínio no montante global de € 587,52 devem ser aceites como deduções aos rendimentos auferidos com o arrendamento da fração MM do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo..., bem como o montante de IMI pago de € 229,26. Contudo, a Requerida alega que o valor de € 123,00 suportado pelo Requerente com serviços jurídicos não reveste a natureza de necessária para obter ou garantir a perceção de um rendimento predial, não sendo acompanhada do respetivo recibo de quitação, pelo que não resulta comprovado o efetivo pagamento da quantia nela mencionada. No que se refere aos rendimentos da categoria G declarados pelo Requerente, a AT indica que os valores de aquisição do Imóvel alienado ascendem a €108.805,00 (i.e., € 54.402,50 em 03-12-2011 e € 54.402,50 em 04-04-2012), conforme declarado pelo Requerente. Relativamente às despesas com a aquisição e/ou alienação do Imóvel, a AT refere que o Requerente suportou o encargo de € 4.705,82, a título de Imposto do Selo, devido, ao abrigo do disposto na verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, € 3.536,16, a título de IMT, e € 435,22, a título de Imposto do Selo, devidos com base na partilha efetuada em 04-04-2012, devendo os aludidos valores considerar-se como um encargo necessário à aquisição da quota-parte que detinha no Imóvel. A AT refere que o Requerente, relativamente às despesas indicadas, relativas a trabalhos de construção civil, intervenção de sociedade de mediação imobiliária e obtenção da certificação energética do imóvel, não demonstrou que aqueles encargos foram efetivamente suportados e, no que se refere aos trabalhos de construção civil, as faturas subjacentes, além de não se encontrarem, alegadamente, corretamente emitidas, não demonstram que os trabalhos contribuíram, efetivamente, para a valorização do bem imóvel e, bem assim, que o custo dos mesmos foi, efetivamente, pago ao respetivo prestador do serviço (através de recibo). Nestes termos, a Requerida entende ser de conceder provimento parcial ao solicitado pelo Requerente, devendo proceder-se à anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2020..., relativa ao ano de 2019.

O Requerente, notificado do requerimento apresentado pela Requerida em 14-04-2023, nos termos do qual foi informado do despacho proferido pela AT que determinou a revogação parcial do ato impugnado, informou, para os devidos efeitos, que não prescindia do demais requerido, pelo que não pretendia desistir da instância, tendo, ainda, requerido a admissão como prova de 4 documentos adicionais.

  1. Saneamento

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Questão a decidir

A questão que cabe apreciar no âmbito do presente processo, prende-se com a legalidade do despacho que indeferiu a reclamação graciosa apresentada pelo Requerente e, em consequência, determinar o valor de aquisição fiscal do Imóvel a considerar para efeitos de declaração das mais-valias de IRS, determinar os montantes elegíveis para a determinação da mais-valia sujeita a IRS e, bem assim, os valores dedutíveis aos rendimentos da categoria F declarados pelo Requerente.

  1. Matéria de Facto
  1.  Matéria de Facto Provada

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. Em 03-12-2011, por óbito de B..., o Requerente recebeu1/4 do Imóvel;
  2. Em 18-03-2012, o Imóvel foi objeto de avaliação, tendo sido determinado um valor patrimonial tributário (“VPT”) total de € 217.610,00, conforme infra:
    1. R/C: € 73.940,00;
    2. 1º: € 57.090,00;
    3. 2º: € 86.580,00.
  3. Em 04-04-2012, o Requerente recebeu por partilha, mais 1/4 do Imóvel, passando, assim, a deter 1/2 do Imóvel;
  4. Em 30-06-2020, o Requerente procedeu à entrega, em seu nome, de uma declaração modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2019, a qual foi acompanhada dos anexos A, F e G;
  5. Na referida declaração o Requerente inscreveu do quadro 4.1 do respetivo anexo F, a título de rendas, o montante global de € 10.449,16, sobre as quais havia incidido uma retenção na fonte de IRS no valor total de € 634,29;
  6. No campo 4005 do quadro 4 do anexo G da mesma declaração o Requerente declarou a venda, de uma quota-parte de 50%, do Imóvel com um valor de alienação de € 220.000,00, com data de aquisição de abril de 2012, sem indicação de qualquer valor de aquisição e despesas e encargos relativos a alienação e/ou aquisição (ou valorização) do Imóvel no montante de € 12.676,00;
  7. Em 04-07-2020, e em resultado da submissão da referida declaração de IRS, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2020..., com um montante de imposto a pagar de € 48.574,44;
  8. Em 01-08-2020, o Requerente apresentou declaração modelo 3 de substituição em seu nome, relativa ao ano de 2019, a qual foi acompanhada dos anexos A, B, F e G;
  9. No quadro 4.1 do anexo F da declaração de substituição, o Requerente fez constar os mesmos valores totais de rendas recebidas e retenções na fonte que havia já declarado na anterior declaração, declarando, agora, também gastos suportados com a obtenção dos rendimentos prediais, nos seguintes termos:
    1. Despesas de condomínio: € 587,52;
    2. IMI: € 359,05;
    3. Outros gastos: € 123,00.
  10. Nos campos 4001 e 4002 do quadro 4 do anexo G da declaração de substituição, o Requerente incluiu a alienação, em maio de 2019, de duas quotas-partes de 25% do Imóvel, declarando que as mesmas haviam sido adquiridas em dezembro de 2011 e abril de 2012, respetivamente, pelo montante de € 54.402,50, cada, somando, assim, o valor global de aquisição de € 108.805,00, bem como despesas e encargos com a respetiva aquisição e/ou alienação nas importâncias de € 19.344,46 (quota-parte adquirida em 2011) e € 10.733,30 (quota-parte adquirida em 2012), perfazendo, assim, o total de € 30.077,76;
  11. A declaração de IRS de substituição apresentada pelo Requerente foi convolada em reclamação graciosa, a qual foi autuada sob o n.º ...2022...;
  12. A referida reclamação graciosa foi indeferida, conforme despacho proferido em 15-09-2022 pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa – ...;
  13. Em 28-11-2022, o Requerente apresentou nova declaração de IRS de substituição, em seu nome, também relativa ao ano de 2019, a qual foi igualmente acompanhada dos anexos A, B, F e G;
  14. Nesta última declaração de substituição, o Requerente manteve, no quadro 4.1 do anexo F, os mesmos valores de rendimentos prediais auferidos, retenções na fonte e gastos suportados que havia feito constar na declaração de substituição já anteriormente apresentada;
  15. Nesta última declaração de substituição, o Requerente manteve, ainda, os valores inscritos, nos campos 4001 e 4002 do quadro 4 do anexo G, as datas e valores de aquisição e alienação de duas quotas-partes de 25% do Imóvel, alterando, agora, as despesas e encargos que havia suportado com a respetiva aquisição e/ou alienação para as quantias de € 14.788,64 (quota-parte adquirida em 2011) e € 14.054,20 (quota-parte adquirida em 2012), perfazendo, assim, o total de € 28.842,84;
  16. Em resultado da submissão desta última declaração de substituição, a AT não procedeu a qualquer liquidação com base na mesma.
  1. Matéria de Facto Não Provada

Não existe factualidade relevante para a decisão da causa dada como não provada.

  1. Motivação da Decisão da Matéria de Facto

Conforme resulta da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT, ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes.

Desta forma, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é determinada tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Nestes termos, tendo em conta as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos anteriormente elencados.

  1. Matéria de direito

O pedido de pronúncia arbitral a decidir consiste em apreciar a legalidade do indeferimento da reclamação graciosa que resultou da convolação da declaração de IRS de substituição apresentada pelo Requerente, em concreto, determinar qual o valor de aquisição fiscal do Imóvel a considerar para efeitos de mais-valias de IRS, determinar se os montantes declarados pelo Requerente são elegíveis para efeitos da determinação da mais-valia sujeita a IRS e, bem assim, determinar os valores passíveis de dedução aos rendimentos da  categoria F declarados pelo Requerente.

A título preliminar, importa salientar, contudo, que, conforme decorre do aduzido na informação junta aos autos pela Requerida, e no que se refere aos rendimentos da categoria G declarados pelo Requerente, a AT propõe que os valores de aquisição do Imóvel alienado ascendam a €108.805,00 (i.e., € 54.402,50, correspondente à quota-parte de 25% adquirida em 03-12-2011, e € 54.402,50, correspondente à quota-parte de 25% adquirida em 04-04-2012), conforme havia sido declarado pelo Requerente.

A Requerida, relativamente às despesas com a aquisição e/ou alienação do Imóvel, considerou que o Requerente suportou, efetivamente, o encargo de € 4.705,82, a título de Imposto do Selo, devido, ao abrigo do disposto na verba 1.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo, € 3.536,16, a título de IMT, e € 435,22, a título de Imposto do Selo, devidos com base na partilha efetuada em 04-04-2012, devendo, assim, considerarem-se como encargos necessários à aquisição da quota-parte que detinha no Imóvel e, por esta razão, passíveis de serem acrescidos ao valor de aquisição fiscal do Imóvel.

Por outro lado, no que se refere aos montantes passíveis de dedução aos rendimentos da categoria F declarados pelo Requerente, a Requerida entende que os encargos suportados com as mensalidades do condomínio no montante global de € 587,52 devem ser aceites como deduções aos rendimentos auferidos com o arrendamento da fração MM do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo ..., bem como o montante de IMI pago de € 229,26.

Neste sentido, inexistindo divergência entre as partes, no que se refere aos factos e valores anteriormente referidos, e tendo a Requerida revogado parcialmente a liquidação de IRS n.º 2020... em crise, relativa ao ano de 2019, após a constituição do Tribunal Arbitral, entende-se que foi dada satisfação parcial à pretensão formulada pelo Requerente, nos termos supra.

Face ao exposto, cumpre apreciar e decidir a legalidade do indeferimento da reclamação graciosa, relativamente à restante matéria aduzida pelo Requerente no pedido de pronúncia arbitral – i.e., na parte não revogada da liquidação e que se mantém, por essa razão, na ordem jurídica.

  1. Categoria G – Despesas e encargos com trabalhos de construção civil, mediação imobiliária e obtenção de certificação energética do Imóvel

A Requerida considerou que, relativamente às despesas indicadas pelo Requerente com trabalhos de construção civil, intervenção de sociedade de mediação imobiliária e obtenção da certificação energética do Imóvel, as mesmas não podem ser aceites, porquanto as faturas subjacentes àqueles gastos não foram acompanhadas de cópias dos respetivos recibos de quitação.

Ora, dispõe o artigo 51.º, n.º 1, alínea a) e b), do Código do IRS que «Para a determinação das mais-valias sujeitas a imposto, ao valor de aquisição acrescem:

  1. Os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação, bem como a indemnização comprovadamente paga pela renúncia onerosa a posições contratuais ou outros direitos inerentes a contratos relativos a esses bens, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º;

 

  1. As despesas necessárias e efetivamente suportadas, inerentes à aquisição e alienação, nas situações previstas nas alíneas b), c) e k) do n.º 1 do artigo 10.º».

Como refere PAULA ROSADO PEREIRA (Manual de IRS, 2.ª edição, Coimbra, pág. 246) «nas situações previstas no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, a dedução de despesas e encargos, para efeitos do cálculo das mais-valias tributáveis, é efetuada mediante uma técnica de acréscimo, ao valor de aquisição do bem imóvel objeto de alienação onerosa [...]. O acréscimo, nos termos do artigo 51.º, alínea a), do CIRS, pode corresponder a:

  1. Encargos com a valorização do bem, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos. Estão aqui em causa encargos intrinsecamente ligados ao bem alienado, conducentes a uma valorização, quer material ou física, quer económica, do mesmo. Carecem de relevância os encargos destinados à mera preservação do valor do bem, e não à sua valorização [...];

 

  1. Despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação dos bens em causa.” [...].

O artigo 128.º, n.º 1, do Código do IRS determina que «As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo de 15 dias, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Autoridade Tributária e Aduaneira os exija

O artigo 71.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (“LGT”) determina que «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.»

Por sua vez, o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil (“CC”) estabelece que «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado

Por fim, importa salientar que o artigo 75.º, n.º 1, da LGT estabelece, ainda, que «Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos

Ou seja, em face do enquadramento legal supra, pode concluir-se que o legislador exige aos sujeitos passivos de IRS a obrigação de apresentar junto da AT da documentação comprovativa dos elementos por aqueles declarados nas suas declarações de IRS, não se vislumbrando, contudo, na legislação fiscal em vigor, qualquer limitação quanto à natureza dos documentos comprovativos dos valores declarativamente expressos.

Face ao exposto, não pode o Tribunal deixar sem reparo que a lei não limita os meios de prova à apresentação de faturas e respetivos recibos de quitação, podendo os sujeitos passivos lançar mão de quaisquer meios de prova que permitam estabelecer uma conexão entre os documentos apresentados e as despesas declaradas que se pretendem ver consideradas e que permitam comprovar que os encargos declarados foram efetivamente suportados pelo sujeito passivo.

  1. Despesas e encargos com trabalhos de construção civil

No que respeita aos encargos incorridos com a valorização do Imóvel, bem como às despesas inerentes à sua aquisição e alienação, o Requerente declarou um valor total de € 28.344,57, dos quais € 5.891,35 reportam-se a encargos com trabalhos de construção civil.

Neste plano, importa analisar, em primeiro lugar, se os encargos com trabalhos de construção civil declarados pelo Requerente poderão ser considerados e acrescidos ao respetivo valor de aquisição do Imóvel, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS.

A este respeito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), proferido no âmbito do processo n.º 0587/11, de 21-03-2012, decidiu que «[…] parece ser de aceitar tal interpretação no sentido de que a referida al. a) do art. 51º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, às valorizações materiais ou físicas, abrangendo ainda os encargos efectivamente suportados que os valorizem economicamente.»

Por outro lado, nas palavras de XAVIER DE BASTO (IRS: Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, Coimbra Editora, 2007, págs. 460-465) «Se o objectivo da norma fosse atender só às valorizações materiais ou físicas e excluir os demais encargos, tê-lo-ia dito expressamente. Bem ao invés, o uso de uma formulação aberta ― “encargos com a valorização dos bens” ― parece indiciar que se não quis restringir o alcance da norma, como pretende o citado despacho da administração fiscal. Por outro lado, a dedução de encargos ― através, neste caso, da sua adição ao valor de aquisição ― é solução que decorre do princípio da tributação do rendimento líquido. Não prever a dedução de encargos efectivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento ― neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação ― é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento, o que só razões muito ponderosas poderiam justificar e haveria, por certo, de ser expressamente reflectido no texto legislativo

Conforme resulta da fatura referente aos trabalhos executados, bem como do orçamento apresentado pelo empreiteiro que prevê a realização de trabalhos de demolições, carpintarias, redes de águas e esgotos, eletricidade, pinturas e móveis de cozinha, constata-se que os aqueles trabalhos apresentam uma forte componente de valorização e não operações de mera manutenção do Imóvel, como é também evidenciado pela expressão dos valores orçamentados envolvidos.

Para a comprovação do referido encargo, o Requerente apresentou a respetiva fatura emitida, em seu nome, pela sociedade C..., Lda. com o número FT 2014/45, no valor total de € 5.891,35, bem como o recibo n.º RC2014/43, emitido em 27-10-2015, com o valor recebido de 2.891,37 e o valor já recebido em data anterior de € 3.000,00.

O facto de o descritivo da fatura conter apenas a menção «Trabalhos executados no seu apartamento na Av. ...” não obsta, por si só, à sua consideração para efeitos do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS.

No Acórdão do STA, proferido no âmbito do processo n.º 01254/04, de 20-04-2005, é referido que «A lei não estipula um regime de prova vinculada. Pelo contrário, nesta matéria, o n. 3 do art. 128º, 3, do CIRS aponta até em sentido diverso.»

Mais se diga que o facto de a fatura não conter, alegadamente, a identificação correta ou suficiente dos serviços prestados ou algum outro dos requisitos previstos no artigo 36.º, n.º 5, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) não a torna inválida para titular os valores declarados para efeitos do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS.

Assim, tendo sido apresentada prova documental do efetivo pagamento dos encargos incorridos com a valorização do Imóvel, não tendo a AT logrado demonstrar que aqueles encargos não foram suportados pelo Requerente e inexistindo razões para duvidar do referido montante declarado pelo Requerente, é forçoso concluir que se encontram preenchidos todos os pressupostos para a consideração do montante de € 5.891,35, relativo a encargos com trabalhos de construção civil, para efeitos do artigo 51.º, n.º 1, alínea a), do Código do IRS, devendo aquele valor ser considerado e, deste modo, acrescer ao respetivo valor de aquisição do Imóvel.

  1. Despesa suportada com a mediação imobiliária

O Requerente refere, ainda, que do valor total declarado de € 28.344,57, €13.530,00 respeitam a serviços de intermediação imobiliária paga à D..., Lda.

Contudo, segundo entendeu a AT, o Requerente não apresentou qualquer recibo dando a legal quitação do pagamento da importância liquidada através da mesma fatura.

Ora, para a comprovação do referido encargo, o Requerente juntou aos autos a fatura emitida, em seu nome, pela sociedade D..., Lda. com o número FT 2014/45, no valor total de € 5.891,35, bem como o recibo n.º 149, emitido em 20-05-2019, com o valor recebido de € 13.530,00.

A este respeito, importa salientar que o Código do IRS não exige que os encargos com a valorização dos imóveis, nomeadamente as comissões de intermediação, constem da escritura de compra e venda ou que essa comissão tenha de ser obrigatoriamente paga à mediadora que consta da escritura.

Neste contexto, encontrando-se preenchidos todos os requisitos necessários para demonstrar, de forma inequívoca, a conexão do montante pago a um mediador imobiliário com a transação concreta que originou a mais-valia tributável, deve, consequentemente, o valor de € 13.530,00 considerar-se como um encargo elegível para efeitos do artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

  1. Despesa suportada com a obtenção de certificação energética do Imóvel

Por fim, o Requerente refere que do valor total declarado de € 28.344,57 com despesas e encargos, € 246,00 respeitam à obtenção de certificação energética, paga à sociedade E..., Lda.

Neste âmbito, a AT refere que o Requerente não fez acompanhar a cópia da fatura relativa ao certificado energético com qualquer recibo relativo ao pagamento da quantia naquela mencionada.

Ora, para a comprovação do referido encargo, o Requerente juntou aos autos a fatura emitida, em seu nome, pela sociedade E..., Lda., com o número FT CE/1036, no valor total de € 246,00, bem como o recibo n.º RE CE/1035, emitido em 01-03-2019, com o valor recebido de € 246,00.

Face ao exposto, é forçoso concluir encontrarem-se preenchidos todos os requisitos necessários para demonstrar, de forma inequívoca, a conexão do montante pago para obtenção do certificado energético do Imóvel, devendo, consequentemente, o valor de € 246,00 concorrer para a determinação da mais-valia de IRS, nos termos do artigo 51.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS.

  1. Categoria F – Encargos com serviços jurídicos

O Requerente declarou no Anexo F, quadro 4.1, linha 4003, o montante de € 123,00, respeitante a despesas com serviços jurídicos, dedutíveis para efeitos do artigo 41.º do Código do IRS.

Para a comprovação do referido encargo, o Requerente juntou fatura – emitida por F..., Sociedade de Advogados, SP, RL, com data de 04-08-2019.

Nos termos do artigo 41.º, n.º 1 e 2, do Código do IRS «1 - Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se, relativamente a cada prédio ou parte de prédio, todos os gastos efetivamente suportados e pagos pelo sujeito passivo para obter ou garantir tais rendimentos, com exceção dos gastos de natureza financeira, dos relativos a depreciações e dos relativos a mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração, bem como do adicional ao imposto municipal sobre imóveis.

2 - No caso de fração autónoma de prédio em regime de propriedade horizontal, são dedutíveis, relativamente a cada fração ou parte de fração, outros encargos que, nos termos da lei, o condómino deva obrigatoriamente suportar e que sejam efetivamente pagos pelo sujeito passivo.»

Nesta matéria, a AT concluiu que o encargo em apreço não reveste a natureza de necessária para obter ou garantir a perceção de um rendimento predial.

Ora, conforme resulta do enquadramento legal anteriormente exposto, são passíveis de dedução todos os gastos efetivamente suportados e pagos pelo sujeito passivo para obter ou garantir tais rendimentos, com exceção dos gastos de natureza financeira, dos relativos a depreciações e dos relativos a mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração, bem como do adicional ao imposto municipal sobre imóveis.

Verifica-se, portanto, que o legislador adotou uma norma que prevê a dedutibilidade de gastos aos rendimentos prediais de âmbito amplo, excluindo a dedução apenas de alguns tipos de gastos expressamente aí previstos.

Neste sentido, considerando que as despesas com serviços jurídicos não se encontram expressamente excluídas de dedução, nos termos do artigo 41.º, n.º 1, do Código do IRS, não se vislumbra qualquer razão para afastar a sua dedutibilidade aos respetivos rendimentos prediais associados.

Sem prejuízo do exposto, as despesas elegíveis efetuadas nos imóveis arrendados devem estar comprovadas documentalmente para efeitos de dedução nos rendimentos prediais, em sede de IRS, por força do estabelecido no artigo 41.º do Código do IRS, maxime do seu n.º 8.

A fatura junta aos autos pelo Requerente para a comprovação dos encargos com serviços jurídicos não identifica o prédio a que se reporta. Por outro lado, o Requerente não logrou provar que aqueles gastos foram por si, efetivamente, suportados e pagos, designadamente através da apresentação do respetivo recibo de quitação, documento comprovativo da transferência bancária ou qualquer outro meio que comprove o seu efetivo pagamento.

Assim, os encargos com serviços jurídicos declarados pelo Requerente no valor de € 123,00, apesar de serem, prima facie, um gasto dedutível aos rendimentos brutos da categoria F, não se encontra documentalmente provada a sua conexão com o prédio arrendado, nem resulta da prova apresentada que aquele valor tenha sido efetivamente suportados pelo Requerente, pelo que não deverá o mesmo ser considerados para os efeitos previstos no artigo 41.º do Código do IRS.

  1. Opção pelo não englobamento dos rendimentos prediais

Nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea e), do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos, estabelecia que «São tributados à taxa autónoma de 28 %: […]

e) Os rendimentos prediais.»

Sem prejuízo, os aludidos rendimentos podem ser englobados por opção dos respetivos titulares residentes em território português, nos termos do artigo 72.º, n.º 12, do Código do IRS (na redação em vigor à data dos factos).

Assim, o atual modelo de tributação dos rendimentos prediais assenta na respetiva sujeição a tributação mediante uma taxa única especial ou no seu englobamento facultativo com o restante quantitativo do rendimento coletável, ficando neste último caso sujeito às taxas gerais progressivas previstas no artigo 68.º, n.º 1, do Código do IRS.

A este respeito, refira-se que o atual regime de opção pelo englobamento consagrado no Código do IRS pode caracterizar-se, em termos gerais, como um regime semi-dual, por não serem aplicadas às diversas categorias de rendimentos as mesmas taxas de tributação.

No âmbito do IRS, a semi-dualização está patente no facto de alguns tipos de rendimentos estarem sujeitos a tributação a taxas especiais de tributação autónoma ou a taxas liberatórias ao passo que outros, quando obtidos por sujeitos passivos residentes, são de englobamento obrigatório, sendo-lhes aplicáveis as taxas gerais progressivas de IRS.

Em conformidade, o regime de opção acima descrito visa alcançar o equilíbrio e coesão deste imposto quando confrontado com o princípio da igualdade horizontal entre contribuintes e o princípio da capacidade contributiva.

Assim, em termos práticos, os sujeitos passivos de IRS, no que se refere aos rendimentos prediais, podem optar, aquando do preenchimento da respetiva declaração de rendimentos do IRS – Modelo 3, ou pela aplicação do regime geral de uma taxa autónoma de 28% ou pelo englobamento daqueles rendimentos e consequente sujeição dos mesmos às taxas gerais progressivas de IRS, consoante resulte mais favorável ao sujeito passivo, atendendo à sua situação concreta.

Neste contexto, tendo o Requerente optado na respetiva declaração de rendimentos do IRS – Modelo 3, relativa a 2019, pelo não englobamento dos rendimentos prediais obtidos, devem aqueles rendimentos líquidos ficar sujeitos à taxa autónoma de 28%, nos termos do disposto no 72.º, n.º 1, alínea e), do Código do IRS.

  1. Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide o presente Tribunal Arbitral:

  1. Julgar parcialmente procedente o presente pedido arbitral, anulando-se parcialmente a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e anulando-se parcialmente a liquidação contestada de IRS supra identificada, nos termos acima expostos;
  2. Julgar totalmente procedente o pedido de emissão de nova liquidação de IRS retificada, nos termos acima expostos;
  3. Julgar totalmente improcedente o pedido de declaração da ilegalidade e anulação da demonstração de liquidação de juros de mora emitida pela Requerida, por o Tribunal Arbitral ser materialmente incompetente para a apreciar a legalidade da liquidação de juros de mora efetuada no âmbito do processo de execução fiscal.
  1. Valor do Processo

Fixa-se ao processo o valor de  34.919,75, em conformidade com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

  1. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante de custas arbitrais em € 1.836,00 de acordo com a Tabela I anexa ao RCPAT, ficando o referido montante, na íntegra, a cargo da Requerente.

Notifique-se.

Lisboa, 23 de outubro de 2023

O Árbitro,

 

 

Sérgio Santos Pereira