Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 57/2023-T
Data da decisão: 2023-09-25  IRS  
Valor do pedido: € 114.083,32
Tema: IRS. Residente Não Habitual e Registo
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SUMÁRIO

A inscrição no registo de residentes não habituais, tem natureza exclusivamente declarativa, e não efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respectivo regime.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros (árbitro-presidente), Dr. João Santos Pinto (árbitro-relator) e Dr. Paulo Lourenço, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por “CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 03 de Abril de 2023, decidem no seguinte:

 

1. Relatório

A..., NIF..., e b..., NIF ... (adiante designados por “Requerentes”), casados entre si, ambos residentes na Rua ..., nº ... - ..., ...–... Lisboa, requereram a constituição de Tribunal Arbitral e apresentaram pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado por “RJAT”), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada por “AT” ou “Requerida”).

Os Requerentes peticionam ao Tribunal Arbitral que declare a ilegalidade tendo em vista a anulação dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2021... (relativa ao ano de 2019), 2021 ... e 2021 ... (relativas ao ano de 2020) e 2022 ... (relativa ao ano de 2021), no valor total de € 114.083,32, ordenando-se ainda a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

Os Requerentes alegaram em síntese que a inscrição no registo de residentes não habituais tem natureza exclusivamente declarativa e que o pedido de inscrição para além do prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, não obsta a que beneficiem do aludido regime.

O requerimento de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 30 de Janeiro de 2023, tendo sido aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD na mesma data e seguido a sua normal tramitação.

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 15 de Março de 2023, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 03 de Abril de 2023. Nesse mesmo dia, foi a Requerida notificada para apresentar Resposta nos termos do artigo 17.º do RJAT.

 

Em 08 de Maio de 2023, a Requerida apresentou Resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação, e juntando aos autos o processo administrativo no mesmo dia.

Em 10 de Maio de 2023, os Requerentes vieram pronunciar-se sobre a excepção invocada pela Requerida.

Em 12 de Maio de 2023, o Tribunal Arbitral Coletivo proferiu o seguinte Despacho Arbitral:

1-O Tribunal considera dispensável a reunião do artº18ºRJAT e conhecerá da matéria da exceção na decisão arbitral que será proferida até 3\10\2023.

2.Notificam-se as partes para, querendo,  apresentarem alegações escritas, sucessivas, no prazo de15 dias.

O prazo da AT inicia-se depois de decorrido o prazo do SP.

3.O SP deverá proceder ao pagamento da taxa remanescente.

Igualmente no dia 12 de Maio de 2023 foi proferido despacho arbitral para de acordo com o princípio da boa colaboração, o envio de cópia em word da peças processuais, incluindo da resposta à exceção e alegações.

Apenas a Requerente apresentou alegações.

 

2. Saneamento

O Tribunal Arbitral Coletivo é competente e foi regularmente constituído.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (cf. artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

3. Matéria de Facto

3.1. Factos Provados

Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo Arbitral, este Tribunal Arbitral Coletivo considera provados, com relevo para a presente Decisão Arbitral, os seguintes factos:

  1. Os Requerentes não residiram em Portugal, nem apresentaram qualquer declaração fiscal neste país nos anos de 2014 a 2018.
  2. Em 2019 os Requerentes arrendaram um imóvel em Portugal e passaram a constar formalmente do cadastro tributário como residentes neste país (cf. informação constante do sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira).
  3. Os Requerentes não solicitaram, até 31.03.2020, a sua inscrição como residentes não habituais no registo dos contribuintes.
  4.  Os Requerentes submeteram a declaração de IRS n.º 2019-...-...-... relativa ao ano de 2019 incluindo o anexo L.
  5. Da aludida declaração resultou a liquidação de IRS n.º 2020..., na qual não foi apurado qualquer valor a pagar.
  6. Em 04 de Junho de 2021, a Administração Tributária notificou os Requerentes para substituírem a sua declaração relativa a 2019, eliminando o anexo L por não constarem do cadastro tributário como residente não habitual.
  7. Em 15 de abril de 2021, os Requerentes substituíram a sua declaração modelo 3 de IRS relativa ao ano de 2019 pela declaração n.º ...-... -... tendo omitido o anexo L e mantiveram os rendimentos declarados: (i) rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro no valor total de € 107.600,26, sujeitos a retenções na fonte no valor global de € 17.070,18; e (ii) mais-valias mobiliárias obtidas no estrangeiro no valor total de € 2.522,92, com despesas dedutíveis no montante de € 271,90.
  8. Em consequência, a Administração Tributária emitiu a liquidação n.º 2020..., na qual apurou o valor a pagar de € 21.560,42
  9. O Anexo L foi também omitido na declaração modelo 3 de IRS n.º ...-...-..., relativa ao ano de 2020, apresentada em 28 de setembro de 2021 no qual declararam (i) rendimentos profissionais obtidos em Portugal no valor total de € 5.500,00; (ii) menos-valias realizadas em Portugal no valor de € 983,25; (iii) rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro no valor total de € 75.977,64, sujeitos a retenções na fonte no valor global de € 5.564,84; e (iv) mais-valias mobiliárias obtidas no estrangeiro no valor total de € 103.090,66, com despesas dedutíveis no montante de € 2.065,31
  10. O que originou a liquidação n.º 2021..., depois substituída pela liquidação n.º 2021..., apurando o valor a pagar de € 54.690,09.
  11. Do mesmo modo, em 9 de maio de 2022 os Requerentes submeteram a declaração modelo 3 de IRS n.º ...-...-... relativa ao IRS de 2021 omitindo o anexo L, no qual declararam (i) rendimentos profissionais obtidos em Portugal no valor total de € 5.500,00; (ii) rendimentos de capitais obtidos no estrangeiro no valor total de € 90.145,89, sujeitos a retenções na fonte no valor global de € 12567.92; e (iii) mais-valias mobiliárias obtidas no estrangeiro no valor total de € 70.828,88, com despesas dedutíveis no montante de € 685.24.
  12. A Administração Tributária emitiu a liquidação n.º 2022..., na qual apurou o valor a pagar de € 37.832,81
  13. Por seu turno, os Requerentes em 30 de maio de 2022 apresentaram uma declaração de substituição relativa ao IRS de 2021 com o respetivo Anexo L, a qual foi rejeitada pelo sistema informático da Administração Tributária.
  14. Tendo igualmente apresentado posteriormente os respectivos pedidos de inscrição como residentes não habituais n.º IRN... e IRN... .
  15. Os Requerentes liquidaram todo o imposto apurado pela Administração Tributária relativamente a estes três anos.
  16. Não se conformando com tais actos de liquidação, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa em 30 de Junho de 2022.
  17. Tendo sido ambos notificados em 28 de Outubro de 2022 do despacho de indeferimento da mesma Reclamação Graciosa, de cujos indeferimentos apresenta o presente ppa.
  18. No âmbito do procedimento de reclamação graciosa à qual coube o número REC 2022... foi proferido despacho favorável de convolação do projecto de decisão em definitivo, com a seguinte fundamentação:

 

 

3.2. Factos Não Provados

Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.

 

3.3. Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Coletivo e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes e nos documentos juntos pelas Partes ao presente Processo Arbitral.

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o princípio da livre apreciação.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

4. Matéria de Direito

4.1 Da incompetência material

Vem a Requerida AT defender a incompetência material do Tribunal Arbitral, com o argumento de que os Requerentes pretendem um pedido de reconhecimento do estatuto de residente não habitual para o ano de 2019 e seguintes, tendo como fundamento a ilegalidade da decisão administrativa.

A AT alega para o efeito que o “pedido deduzido decorre, inequivocamente, que a Requerente pretende que o Tribunal Arbitral:

1.º Ordene a inscrição da Requerente no registo de contribuintes da AT como residente não habitual com efeitos ao ano de 2019, anulando o ato administrativo de indeferimento do pedido formulado nesse sentido;

e 2.º E só, consequentemente, no decurso da anulação daquele ato administrativo em matéria tributária, anule os atos tributários de liquidação de IRS para os anos em causa e o ato de indeferimento da Reclamação Graciosa.

Sustenta ainda que “sem se apreciar se a Requerente pode ou não estar inscrito como residente não habitual, não há como avançar para a apreciação para a ilegalidade que se imputa ao ato de liquidação de IRS uma vez que decorre tão só de aplicação deste regime de tributação.”

Concluindo, em consequência, que pela incompetência absoluta em razão da matéria configura uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto ao pedido respetivo

Por seu turno, os Requerentes na sua resposta vêm reiterar o peticionado, no sentido de que o pedido de pronúncia arbitral se refere única e exclusivamente à discussão da legalidade das liquidações de imposto do Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº 2021... (relativa ao ano de 2019), 2021..., 2021 ... (relativas ao ano de 2020), 2022 ... (relativa ao ano de 2021.

Analise-se:

A competência dos tribunais arbitrais está circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT que estabelece: «1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.» (…)

Assim, no que interessa para a decisão a proferir nos autos, resulta da própria letra da lei que o tribunal arbitral é competente para a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.

In casu, os Requerentes vêm no pedido apenas requerer especificamente a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos tributários a que se referem os actos de liquidação adicional de IRS dos anos 2019 a 2021, bem como o consequente reembolso aos Requerentes do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios e não o reconhecimento do estatuto do residente não habitual.

Ensina Alberto dos Reis “E como o fim para que, em cada caso concreto, se faz uso do processo se conhece através da petição inicial, pois que nesta é que o autor formula o seu pedido e o pedido enunciado pelo autor é que designa o fim a que o processo se destina, chega-se à conclusão seguinte: a questão da propriedade ou impropriedade, do processo especial é uma questão, pura e simples, de ajustamento do pedido da acção à finalidade para a qual a lei criou o respectivo processo especial”. (Código de Processo Civil Anotado, volume II, páginas 288-289)

A competência material do Tribunal determina-se pelo pedido formulado pelo Autor e pelos fundamentos que invoca (causa de pedir).

 Como se decidiu nos processos n.ºs 262/2018-T e 188/2020-T, “é à face do pedido ou conjunto de pedidos que formulou o autor que se afere a adequação das formas de processo especiais, designadamente o processo arbitral.” – www.caad.org.pt

É certo que os Requerentes abordam a temática do estatuto do Residente Não Habitual ao longo do seu arrazoado, mas sempre tendo por base a ilegalidade das respectivas liquidações. Assim, dúvidas não restam que o objecto do presente processo não é a inscrição em concrecto dos Requerentes com o estatuto do Residente Não Habitual, tal como defende a AT, mas tão só e apenas a legalidade das respectivas liquidações de IRS.

Assim, tendo por consideração o pedido arbitral, tal como está formulado, em que se impugna actos de liquidação, conforme previsto no artigo 2.º n.º 1 do RJAT, como matéria de competência dos tribunais arbitrais constituídos no âmbito do CAAD, conclui-se pela improcedência da excepção de incompetência material suscitada pela Requerida.

 

4.2. Da ilegalidade da liquidação de IRS impugnada

Centremo-nos agora na questão principal objecto do presente pedido arbitral. A vexata questio é a de saber se o pedido de inscrição como residente não habitual, tem ou não natureza meramente declarativa.

O regime do residente não habitual foi inicialmente previsto no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, tendo criado o regime fiscal para o residente não habitual em sede do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), tendo em vista atrair para Portugal profissionais não residentes qualificados em atividades de elevado valor acrescentado ou da propriedade intelectual, industrial ou know-how, bem como beneficiários de pensões obtidas no estrangeiro.

Considerando a data dos factos (2019 a 2021), o regime do Estatuto do Residente não Habitual rege-se pela redação dos n.ºs 8 a 10 do Código do IRS, conforme segue:

8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.

Constata-se assim que os critérios para ter o estatuto do Residente Não Habitual são definidos pelo respectivo n.º 8 do artigo 16.º CIRS. O n.º 8 estabelece um critério positivo e negativo. Assim, para poderem beneficiar do estatuto de Residente Não Habitual, as pessoas singulares têm que preencher cumulativamente os seguintes pressupostos: i.) Tornarem-se fiscalmente residentes nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 16.º do Código do IRS (1.ª parte do n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS) (critério positivo) e ii.) Não terem sido residentes em território português nos cinco anos anteriores (2.ª parte do n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS); (critério negativo).

Por seu turno, o n.º 10 do mesmo artigo, refere que o mesmo contribuinte “deve” solicitar a sua inscrição até ao dia 31 de Março do ano seguinte em que se torne residente fiscal em Portugal. E compreende-se que, em nosso entender, o legislador tenha indicado tal data (31 de Março) coincidente com o dia anterior ao prazo do início da entrega da Modelo 3 do IRS (1 de Abril), previsto no artigo 60.º do CIRS, com vista a facilitar a tarefa de organização administrativa do cadastro mormente com a liquidação do IRS dos beneficiários de tal estatuto.

Deste modo, do confronto dos números 8 a 10 do artigo 16.º do CIRS, dúvidas não restam que os requisitos estão unicamente previstos no respectivo n.º 8.

Concluindo-se assim que, a respectiva inscrição, bem como a data-limite prevista no respectivo respectivo n.º 10, tem natureza exclusivamente declarativa, e não tem efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respectivo regime.

Voltando ao caso dos autos, dúvidas não restam que os Requerentes não foram residentes fiscais nos anteriores (2014 a 2018) em que se tornaram residentes fiscais. Facto que. Aliás, nem sequer é contestado pela Requerida.

Acresce ainda que, pela entrega das respectivas declarações modelos 3 do IRS com o anexo L e o pedindo da inscrição como residente Não Habitual, ainda que em data posterior, é inequívoco que pretendem beneficiar de tal regime, dado que cumprem os respectivos requisitos da sua atribuição.

Tal como foi decidido na decisão arbitral com processo n.º 777/2020-T, acompanha-se o entendimento no sentido de que vale “(…) a junção dos anexos L à declaração de rendimentos como pedido, dirigido à AT, para ser tributado pelo regime dos “residentes não habituais (…)”

E concorda-se igualmente com mesma decisão arbitral na parte em que decidiu que:

“(…) o que interessa aferir nos presentes autos é apenas se o registo como “residente não habitual,” previsto no n.º 8 (à data dos factos) do art.º 16.º, constitui um requisito formal necessário para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime respetivo.

Atente-se na redação do n.º 7 do art.º 16º: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.”

O direito a ser tributado como residente não habitual depende, portanto, e como se vê, apenas de o sujeito passivo “ser considerado residente não habitual”.

Para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, a lei não exige o registo. Pelo contrário, o n.º 6 é perfeitamente expresso e inequívoco ao dizer que “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.”

Ou seja, para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, basta que se verifiquem dois requisitos, não sendo nenhum deles o registo como residente não habitual.

São esses requisitos:

a) Ter-se o sujeito passivo tornado fiscalmente residente num determinado ano;

b) Não ter o sujeito passivo sido residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

Afigura-se assim evidente que a letra das disposições relevantes não permite a conclusão de que o registo como residente habitual é requisito para a aplicação do regime.

E, acompanha-se igualmente a fundamentação do processo nº 188/2020-T:

“Não obstante, como por regra ocorre, a interpretação da lei fiscal não pode, nem deve, ficar-se pelo teor literal dos normativos imediatamente aplicáveis, devendo, antes, e mais não seja pela imposição da realização dos princípios da tributação da capacidade contributiva e da justiça material, decorrentes dos artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2, da LGT, identificar-se a finalidade material do regime a aplicar, através da compreensão da natureza das normas convocáveis, das finalidades por si visadas, e do contexto sistemático das mesmas.

Sob esta perspectiva, a norma do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que disciplina a data limite até à qual os sujeitos passivos que reúnam os pressupostos materiais de que depende a tributação de acordo com o regime dos residentes não habituais podem requerer a inscrição como residente não habitual - até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente em território nacional -, deverá entender-se como uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa assegurar sua efectividade e o seu normal funcionamento, sendo, especialmente e desde logo de notar que a norma em causa, não tem subjacentes quaisquer finalidades de evitar a fraude ou a evasão fiscal.

E, nem se diga, como faz a AT, que não tendo o Requerente respeitado o prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS para requerer a sua inscrição como residente não habitual, não pode beneficiar desse regime em qualquer um dos dez anos a que teria direito se tivesse apresentado o pedido dentro do prazo. Tratando-se a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, de uma obrigação meramente declarativa e, portanto não constitutiva do direito a beneficiar daquele regime, o atraso na entrega de declarações constitui uma contraordenação tributária prevista e punida nos termos do artigo 116.º do RGIT, e não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do residente não habitual.”

E se dúvidas restassem é patente a diferença de redacção com a anterior versão do n.º 2 do artigo 23.º Código Fiscal do Investimento, como bem observa o processo n.º 705/2022-T:

Esta interpretação mostra-se corroborada pelo confronto com a anterior regulação do regime dos residentes não habituais. Recorde-se que, na versão do Decreto-Lei n.º 249/2009, o art. 23.º, n.º 2 do Código Fiscal do Investimento dispunha que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal, pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da DGCI” e o então n.º 7 do art. 16.º do CIRS afirmava, do mesmo modo, que: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção-Geral dos Impostos”. Como se observa, a ligação que então se fazia entre a inscrição da qualidade de residente não habitual no registo dos contribuintes e a aquisição do direito a ser tributado como tal desapareceu da regulação vigente, a qual apenas conexiona a aquisição do direito a ser tributado como residente não habitual à consideração como tal em atenção à factualidade de os sujeitos passivos se tornarem fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2 do art. 16.º do CIRS e não terem sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores, que são, pois, os únicos requisitos de que depende essa condição.

Conclui-se assim que, os Requerentes cumprem os requisitos previstos no nº 8 do artigo em causa, os quais, como já se viu, são os únicos requisitos exigidos por lei para que um sujeito passivo possa beneficiar do regime dos residentes não habituais. Igualmente se conclui que, por seu turno, a inscrição no registo de residentes não habitais, tem natureza exclusivamente declarativa, e não efeitos constitutivos do direito de ser tributado nos termos do respectivo regime.

No mesmo sentido, vejam-se os processos n.º 188/2020-T, 777/2020-T e mais recentemente o 705/2022-T.

Destarte, pelo facto de não ter sido aplicado o regime dos residentes não habituais, os actos de liquidação em causa são ilegais por erro nos pressupostos de direito, o que implica a sua anulação nos termos do n.º 1 do artigo 163.º do Código do Procedimento Administrativo.

 

4.3 Restituição da quantia indevidamente paga e juros indemnizatórios

Os Requerentes formulam pedido de restituição da quantia arrecadada pela AT, bem como o pagamento de juros indemnizatórios. Veja-se o que diz a Requerente no Pedido de Pronúncia Arbitral: REQUER A CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA E DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE E CONSEQUENTE ANULAÇÃO DOS ATOS TRIBUTÁRIOS ACIMA IDENTIFICADOS, COM O CONSEQUENTE REEMBOLSO AOS REQUERENTES DO IMPOSTO INDEVIDAMENTE PAGO, ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS A SEU FAVOR, NOS TERMOS PREVISTOS NO ARTIGO 43.º, N.º 1, DA LEI GERAL TRIBUTÁRIA.

Nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT), são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

No caso sub judice, dada a anulação das liquidações de IRS impugnada, há que reconhecer o direito ao reembolso do montante total de €114.083,32, por força dos citados arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, de modo a restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da anulação ora decretada não tivesse sido praticado.

Quanto aos juros indemnizatórios, dado que a Requerida efetuou as liquidações impugnadas por sua iniciativa com a ilegalidade verificada, é-lhe imputável tal situação, pelo que, nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT, cabe reconhecer aos Requerentes o direito a juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento de cada uma das liquidações adicionais relativas aos anos de 2019, 2020 e 2021 até integral reembolso da quantia paga, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, da LGT.

 

Ficam, assim, as custas decorrentes do presente processo arbitral a cargo da AT (Requerida), nos termos do artigo 536.º, n.º 3, e 527.º do CPC (aplicáveis ex vi o artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).

 

5. Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

  1. julgar improcedente a excepção invocada pela Requerida;
  2. julgar procedente, nos termos expostos, o pedido objecto da presente pronúncia arbitral e, em consequência, anular as liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º n.º 2021... (relativa ao ano de 2019), 2021... e 2021 ... (relativas ao ano de 2020), 2022 ... (relativa ao ano de 2021), no valor total de € 114.083,32, com as legais consequências;
  3. condenar a Requerida na restituição do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, desde a data dos respectivos pagamentos até integral reembolso;
  4. condenar a Requerida nas custas processuais.

 

6. Valor do processo

Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº. 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 114.083,32.

 

7. Custas arbitrais

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em € 3.060,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22.º, n.º 4, e 13.º, n.º 1, ambos do RJAT.

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de Setembro de 2023

 

Os Árbitros,

 

 

Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros (árbitro-presidente)

 

 

Dr. João Santos Pinto

 

 

Dr. Paulo Lourenço