Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Ângelo António Almeida Pereira Dias e Dr. A. Sérgio de Matos (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 31-07-2023, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A. (doravante abreviadamente designada por “A...” ou “Requerente”), titular do Número de Identificação de Pessoa Coletiva (“NIPC”)..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais sob o mesmo número, com sede no ..., ..., ..., ...-... Porto Salvo, na qualidade de sociedade dominante do grupo de sociedades relativamente ao qual é aplicado o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), veio ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”, apresentar pedido de pronúncia arbitral contra
– a decisão final do Recurso Hierárquico n.º ...2021... no que se refere à não procedência da pretensão da ali Recorrente da consideração do montante de Euro 11.752.972,11 a título de gasto relativo a perdas em investimentos financeiros;
– a demonstração de liquidação de IRC n.º 2019... , datada de 02 de dezembro de 2019 e, bem assim, da demonstração de acerto de contas n.º 2019..., emitidas por referência ao período de tributação de 2015 e associadas à compensação n.º 2019...;
– a demonstração de liquidação IRC n.º 2023..., datada de 04 de maio de 2023, contra a demonstração de acerto de contas n.º 2023..., emitidas por referência ao período de tributação de 2015 e associadas à compensação n.º 2023....
Constata-se que no pedido formulado no pedido de pronúncia arbitral, a Requerente não faz alusão à demonstração de liquidação IRC n.º 2023..., datada de 04 de maio de 2023, e a demonstração de acerto de contas n.º 2023..., emitidas por referência ao período de tributação de 2015 e associadas à compensação n.º 2023..., que foram emitidas na sequência da decisão de deferimento parcial do recurso hierárquico.
No entanto, é inequívoco que a Requerente pretende a sua anulação, como se depreende do facto de ter referido na parte inicial do pedido de pronúncia arbitral que este era também dirigido contra estes actos.
Aliás, foi assim que a Autoridade Tributária e Aduaneira interpretou as pretensões anulatórias formuladas pela Requerente ao dizer, no artigo 1.º da sua Resposta:
A Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral (PPA) que tem como objeto o ato de deferimento parcial do procedimento de recurso hierárquico (RH) n.º ...2021..., apresentado contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2019..., e respetivos juros compensatórios, da qual resultou um total a pagar de €2.632.130,65 (€2.326.457,43 de imposto e 305.673,22 de juros compensatórios) e, bem assim, a demonstração de liquidação de IRC n.º 2023..., emitida na sequência da decisão de deferimento parcial do RH, do período de tributação de 2015, com os fundamentos constantes da petição que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
Por isso, é de entender que o pedido de pronúncia arbitral contém ínsito pedido de anulação da demonstração de liquidação de IRC n.º 2023... .
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 24-05-2023.
Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções no prazo aplicável.
Em 13-07-2023, as Partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo manifestado vontade de recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 31-07-2023.
A AT apresentou resposta, em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve improceder.
Por despacho de 21-09-2023, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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No período de tributação de 2015, a ora Requerente A..., S.A era a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas de acordo com o RETGS previsto no artigo 69.º e seguintes do Código do IRC, e detinha o capital social das seguintes sociedades:
▪ B..., S.A., NIPC...;
▪ C..., Lda., NIPC...;
▪ D..., Lda., NIPC...;
▪ E... SGPS, S.A., NIPC...;
▪ F..., Lda., NIPC...;
▪ G..., S.A., NIPC...;
▪ H..., S.A., NIPC...;
▪ I..., SGPS, S.A., NIPC...;
▪ J..., S.A., NIPC ... (doravante “J...”);
▪ K..., S.A., NIPC ...
(Relatório da Inspecção Tributária, cujo teor se dá como reproduzido, doravante “RIT”, páginas 1 e 2),
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A actividade efectiva da Requerente consiste na gestão e controlo das suas subsidiárias através de uma estrutura de serviços partilhados, apesar de o código de actividade económica ser de instalação elétrica, atividade que a Requerente cumula com a primeiramente referida (artigo 16.º do pedido de pronúncia arbitral, não contestado e documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em Maio de 2012, a B... integrava o grupo referido e era detentora de uma participação correspondente à detenção de 99.999 ações das 100.000 que constituíam o capital social da sociedade L..., S.A. (“L...”) (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em Maio de 2012, decorriam os trabalhos de empreitada de uma obra sita no Brasil, com vista à construção de linhas de alta tensão, relacionada com uma concessão de serviço público de transmissão, cujo contrato de concessão foi celebrado a 22-12-2010 entre a República Federativa do Brasil, através da Agência Nacional de Energia Elétrica, e a L... (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Do contrato referido constaram, ainda, como partes, a M..., LTDA., a B..., e a N..., LTDA., na qualidade de membros de um consórcio constituído com a L...;
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Em 2012, a B... celebrou um Contrato Promessa de Cessão de Quotas com a O... S.A. e com a P... Limited, que versou sobre a venda das ações que detinha na L..., em que se previa a venda da L... com base numa estimativa de custos até ao final da obra que a L... tinha em curso (concessão e construção de linhas de alta tensão em território brasileiro) (artigo 23.º do pedido de pronúncia arbitral e páginas 7/23 e 8/23 do RIT da inspecção à Requerente como sociedade individual);
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Em 27-02-2013, a B... celebrou um Contrato de Venda de Crédito com a Requerente, através do qual a primeira vendeu, à segunda, o direito ao produto da venda da participação financeira que detinha na L..., tendo sido estipulado como preço do crédito (contraprestação) o montante de € 18.500.000,00 (dezoito milhões e quinhentos mil de Euros) (documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Do contrato constava que o referido montante de € 18.500.000,00 seria pago, pela A... à B..., no prazo de 90 dias após a Requerente ser notificada pela B... do valor final da alienação das acções da L...;
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Por força deste contrato, a Requerente passou a deter o direito a receber o valor de venda das ações que a B... detinha na L..., cujo montante viria a ser determinado nos termos do Contrato Promessa de Cessão de Quotas celebrado pela B...;
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A concretização da operação de alienação da L... apenas veio a ocorrer em Julho de 2015, pelo valor global de € 6.747.027 (seis milhões, setecentos e quarenta e sete mil e vinte e sete Euros) (Documento n.º 9, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Uma vez que o preço acordado, a final, para a cessão de quotas, foi de € 6.747.027,00, a Requerente procedeu, no período de tributação de 2015, ao registo de uma perda no montante de € 11.752.972,11 (onze milhões, setecentos e cinquenta e dois mil, novecentos e setenta e dois Euros e onze cêntimos), a título de perdas em investimentos financeiros, resultante da diferença entre os € 18.500.000,00 pagos à B... em cumprimento do Contrato de Venda de Crédito e os € 6.247.027,00 recebidos pela alienação das ações da L...;
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A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente, na qualidade de sociedade individual, relativa ao período de 2015, ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs 012018... e 012019..., em que foi elaborado o RIT que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
B. Ganhos/Perdas imputadas de subsidiárias, associadas e empreendimentos conjuntos (€- 1.523.570,00)
Para apuramento do Resultado Líquido do Exercício foi considerado uma perda relativa a esta rúbrica no valor de € 1.523.570,24, resultando da soma dos saldos dos extratos contabilísticos das contas 6886, 763, 7853 e 7854, como se segue:
a) O valor relativo a "Perdas em investimentos financeiros", registado na contabilidade na conta 6886, concorreu negativamente para apuramento do Resultado Líquido do exercício, no valor de €11.752.972,11, relativo a Perdas em Investimentos Financeiros.
Este saldo diz respeito ao resultado de um contrato de venda de crédito no qual a A... assume a qualidade de Cessionária e a B... (empresa do grupo) no qual a B... vende à A... o direito ao produto da venda da participação da B... na L... (sociedade de direito brasileiro) no âmbito de um contrato promessa de compra e venda celebrado entre a B... e a O..., em 2012, em Anexo a fls. 17 a 19.
Este contrato promessa de compra e venda, previa a venda da L... com base numa estimativa de custos até ao final da obra que a L... tinha em curso (concessão e construção de linhas de alta tensão em território brasileiro).
A alienação efetivou-se no exercício de 2015 e o valor recebido pela venda em 2015 foi de € 6.247.027,00 acrescido de uma estimativa de mais € 500.000,00 a receber em 2016, (pelo que, o SP considerou uma perda no montante de € 11.752.973.00).
Sobre esta matéria se desenvolverá mais pormenorizadamente no ponto III. a fls. 12 do presente relatório.
(...)
III.1. Perdas em investimentos financeiros
Como vem descrito no ponto II1.3.3.2.1.1.B.a) a fls. 6 do presente relatório, o SP, no exercício de 2015, considerou para efeitos fiscais uma perda em investimentos financeiros no valor de € 11.752.972,11.
Conforme já referido, o SP é sociedade dominante do grupo da qual faz parte a empresa B..., a qual era detentora de uma participação maioritária na sociedade de direito brasileiro "R... SA".
Em 2012, a B... celebrou um contrato de venda da participação desta entidade às sociedades "O... SA" e "P… Limited", conforme anexo a fls. 17 a 19. Neste contrato não foi fixado preço de venda, tendo ficado definido que o preço final só seria obtido na data de fecho do contrato de concessão, que apenas veio a ocorrer no ano de 2015.
Mais tarde, em 2013, o SP adquiriu à sua associada B..., por 18.500.000,00, o direito ao recebimento dos valores apurados aquando da venda, da participação financeira tia B... na sociedade L..., que se veio a verificar ser apenas em 2015 e por um valor total de € 6.747.027,89, traduzindo-se num prejuízo de € 11.752.972,11, conforme anexo a fls. 17a 19.
Recorde-se que nesta data continuava por definir o valor final de transação. Porém o sujeito passivo assumiu este ónus. Releva-se o contrato de venda de crédito entre a B... e a A... (SP) é assinado pelo mesmo administrador em representação das duas entidades.
Estabelece o n" 1 do art° 23° do CIRC, à data dos factos, que se consideram gastos do exercido os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
De acordo com este normativo legal, os gastos relevantes para o apuramento do resultado tributável estão subordinados ao requisito da comprovada indispensabilidade para a realização dos rendimentos tributáveis ou para a manutenção da fonte produtora.
Por outro lado, de acordo com o n.º 1 do art°17° do CIRC "1 - O lucro tributável das pessoas coletivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n° 1 do artigo 3° é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código." (sublinhado nosso).
Portanto, os custos contabilísticos não têm forçosamente de corresponder aos custos fiscais, principalmente por razões de prevenção e combate à evasão fiscal.
Assim, apenas são considerados gastos fiscais os que comprovadamente forem indispensáveis para a obtenção dos ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do n° 1 do art° 23° do CIRC.
Pelo que, no sentido de apreciação da indispensabilidade dos gastos nos termos do n.º 1 do art° 23° do CIRC, as sociedades, embora façam parte de um grupo económico, para efeitos fiscais devem ser consideradas individualmente, independentemente dos critérios de gestão do grupo.
Neste sentido, a indispensabilidade de um gasto consiste numa relação de causa e efeito (económica) no interesse da empresa que o assume no sentido da obtenção de ganhos/rendimentos.
Concretamente, para que seja possível considerar o gasto como custo para efeitos fiscais é necessário que a atividade que lhe deu origem seja pela própria empresa desenvolvida e não por outras entidades, tendo como objetivo o interesse da empresa e o prosseguimento do seu objeto social.
No case em análise, o SP, limitou-se a adquirir (por € 18.500.000,00) o direito a receber o valor da venda de uma sociedade, que à partida sabia que lhe era desfavorável, como se veio a verificar.
Esta compra, nada tem a ver com a atividade do SP, aliás, objetivamente, a referida operação serviu apenas para transferir um prejuízo da B... para o SP.
Prejuízo, este, consubstanciado num gasto não dedutível para efeitos fiscais, na esfera da sociedade B..., ao abrigo do disposto no art° 51°-C do CIRC.
Ora, regressando à realidade projetada na sociedade em análise, A..., importa assim aferir de indispensabilidade de um gasto, que de acordo com o apurado, parece desprovido de racionalidade para maximização do lucro.
A relevância fiscal de um gasto depende assim de prova da sua necessidade, adequação, normalidade e de produção do resultado, sendo que a sair dessas características poderá suscitar dúvidas sobre se a motivação é empresarial ou não.
No caso em apreço, o negócio em análise não reúne as condições repetidas. Vejamos:
i- Prova da sua necessidade:
O gasto em apreciação decorre da "compra" de um crédito, sendo que sobre o negócio que poderá vir a gerar tal direito, não se conhece o momento, nem tão pouco o montante pelo qual vai ser realizado.
Desta forma não é expectável que este negócio contribua para o desenvolvimento da atividade do SP.
ii. Adequação e normalidade:
Como se pode explicar que uma empresa assume comprar um crédito por € 18.500.000,00, quando não é certo o momento, nem o valor a receber que lhe permita compensar a compra de um crédito que representa quase metade da sua situação líquida.
Efetuar um contrato onde se desconhece o valor do ativo subjacente, bem como o momento em que o mesmo pode ser realizado é desajustado no âmbito da gestão de uma entidade que visa a maximização do lucro.
iii. Por fim, a produção do resultado:
Da análise efetuada não se vislumbra que este negócio tenha produzido/acrescentado qualquer rendimento à sociedade. Este negócio não teve qualquer impacto na realidade operacional desta entidade. Na verdade, estamos perante um gasto de € 11.752.972,11 que não teve qualquer contribuição para a atividade do SP. E, que num contexto empresarial, só é possível porque os "decisores" são coincidentes (ver contrato de 27-02-2013 - assinado pelo Eng° Q..., intervindo na qualidade de administrador da B... e da A..., em Anexo a fls. 15-verso), porém tal "decisão" tem impacto na capacidade contributiva de cada entidade, jurídica e economicamente distintas.
Sendo assim, não pode ser considerado gasto fiscal, nos termos do n.º 1 do art° 23° do CIRC, pelo que, deverá ser acrescido no Quadro 7 da correspondente Modelo 22, pelo montante do prejuízo fiscal contabilizado.
(...)
-
Na sequência da inspecção à Requerente na qualidade de sociedade individual, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu a uma inspecção à Requerente, na qualidade de sociedade dominante do grupo, em que foi elaborado o RIT que consta do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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Nesta inspecção, foi imputada à matéria do grupo, além de outras, a correcção ao lucro tributável da Requerente, enquanto sociedade individual, no montante de 11.752.972,11, relativa ao gasto referido na alínea K), que não foi considerado relevante para formação do lucro tributável;
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Na sequência da inspecção à Requerente como sociedade dominante do grupo foi emitida a liquidação de IRC n.º 2019..., em que foi determinado o valor a reembolsar de € 104.677,99, tendo em conta a alteração à matéria tributável que consta do RIT respectivo, bem como, as respectivas: liquidação de juros compensatórios n.º 2019 ... e demonstração de acerto de contas n.º 2019... (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Não tendo sido realizado o pagamento do referido montante até ao termo do prazo para pagamento voluntário, a Requerente foi citada para o Processo de Execução Fiscal (“PEF”) n.º ...2020... (artigo 38.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado);
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A Requerente apresentou pedido de suspensão do PEF, tendo prestado garantia bancária (artigo 39.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado);
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A Requerente deduziu reclamação graciosa contra a liquidação referida, impugnando-a, inclusivamente, quanto à não consideração das perdas em investimentos financeiros, no montante de € 11.752.972,11;
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A reclamação graciosa foi parcialmente deferida, mas foi indeferida na parte em que as liquidações de IRC e juros compensatórios tinham como pressuposto aquela correcção relativa a perdas em investimentos financeiros, no montante de € 11.752.972,11 (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa, inclusivamente quanto à não relevância para a formação do lucro tributável das referidas perdas em investimentos financeiros, no montante de € 11.752.972,11, recurso esse que foi parcialmente deferido por despacho de 15-02-2023, mas foi indeferido na parte respeitante àquelas perdas (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Na decisão do recurso hierárquico refere-se, além do mais, o seguinte:
Partilhamos da opinião defendida pelos SIT de que a perda com a venda da participação financeira que a sociedade dominada B... detinha na subsidiária brasileira R..., SA não tem qualquer relação com a atividade da Recorrente, embora não possamos acompanhar os SIT quando invocam o artigo 51.°-C do CIRC, como motivação para a realização da operação, pois que o contrato de venda de crédito entre a B... e a A... se realizou em 2013 e o artigo invocado foi aditado pela Lei n.° 2/2014, de 16 de Janeiro.
Como bem referem os SIT no relatório do procedimento inspetivo efetuado a Recorrente ao exercício de 2015, é difícil de entender que uma empresa assuma comprar um crédito por € 18.500.000,00, quando desconhece o momento ou o valor que irá receber, sendo que da análise efetuada não se vislumbra que este negócio tenha produzido/acrescentado qualquer rendimento à sociedade, e só se compreende porque os “decisores” são coincidentes (o contrato de 2013 foi assinado pelo Eng° Q..., intervindo na qualidade de administrador da B... e da A...;
Se atentarmos na participação financeira que a sociedade dominada B... detinha na subsidiária brasileira, verificamos que, segundo os dados da IES, a data de início da participação se deu em 5 de agosto de 2010;
E, ao longo do tempo, o valor da participação detida pela B... foi aumentando conforme se discrimina:
O artigo 23.°, n.° 1 do CIRC, dispõe que “(…) Para a determinação do lucro tributável são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, seguindo-se uma enumeração meramente exemplificativa dos gastos com relevância fiscal para efeitos de apuramento do rendimento tributável em sede de IRC;
Nos termos da alínea l) do n.° 2 desta norma consideram-se abrangidos no conceito de gastos € perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo as menos-valias realizadas;
Determina ainda o n.° 3 que “Os gastos dedutíveis nos termos dos números anteriores devem estar comprovados documentalmente, independentemente da natureza ou suporte dos documentos utilizados para esse efeito”;
Defende a Recorrente, e bem, que em 2013, data da aquisição do crédito, o regime do artigo 51.°-C do CIRC não existia no plano legal;
Sobre este argumento importa referir que o início da participação no capital da sociedade brasileira ocorreu em 2010 e que a operação de alienação ocorreu em 2015;
Alega a Recorrente que o gasto registado na rubrica "€#6886 – Perdas em Investimentos Financeiros”" no período de tributação de 2015, decorreu da perda verificada no negócio de compra de crédito à B..., em 27 de fevereiro de 2013;
Sobre este negócio começa a Recorrente por referir que o início se dá em maio de 2012 com a celebração de um contrato promessa entre a B..., a O... SA e a P... Limited para a venda da participação que a B... detinha na sociedade R...;
E que nessa data, 2012, não foi estabelecido qualquer preço de venda, tendo ficado acordado que 0 mesmo apenas deveria ser definido apos a conclusão do projeto/obra no Brasil;
Contudo apesar destas dúvidas quanto ao preço de venda da participação isso não impediu que a Recorrente e a B... tenham celebrado em 2013 um contrato de venda do crédito por € 18.500.000,00;
Ora sobre a argumentação da Recorrente a primeira questão que nos ocorre é a dependência entre a Recorrente e a B... para a celebração deste contrato;
De facto, este “negócio” celebrado entre a Recorrente e a B..., sociedade dominada, está suportado num contrato assinado por uma única pessoa, neste caso o Eng.° Q..., que intervém na qualidade de administrador da B... e da A...;
Depois a Recorrente não explica como é que em maio de 2012 não era possível estabelecer o preço de venda da participação e menos de um ano depois, em fevereiro de 2013, já foi possível estabelecer um preço de venda de € 18.500.000,00;
É que se 0 momento para o estabelecimento do preço de venda era a conclusão do projeto/obra no Brasil, não há nada no processo que nos diga que nessa data (2013) a obra já estava concluída.
E, admitimos que a conclusão da obra só tenha ocorrido em 2015, pois a alienação da participação só se concretizou em julho de 2015, pelo valor de € 6.747.027,00;
Por isso acompanhamos os SIT quando referem que a Recorrente sabia à partida que o negócio lhe era desfavorável, e que o contrato e operação de aquisição de créditos apenas teria tido como propósito transferir as perdas com a alienação da participação social da esfera da B... para a sua esfera;
A não ser assim como se compreende que a Recorrente adquira por € 18.500.000,00 um valor que a B... deveria receber da O... SA, pela venda da sua participação, alegando desconhecer o momento do recebimento e o valor a receber;
Só entre entidades dependentes se pode compreender este “negócio”. Alega também a Recorrente que não dispunha de dados que lhe permitissem conhecer o
desfecho do negócio;
Ora a Recorrente dispunha de dados que lhe permitiam conhecer e antecipar o desfecho do negócio;
Este é um argumento que, salvo melhor opinião, não pode ser aceite em função do que foi a participação dominante na sociedade brasileira;
A participação no capital social da sociedade brasileira foi desde o seu início até ao final de praticamente 100%;
Sobre a participação no capital social e os montantes das entradas ao longo do tempo, pode verificar-se que depois do contrato de venda do crédito a B... viu a sua participação na sociedade brasileira aumentar de € 10.021.930,56 para € 18.444.579,90;
Em relação a estes montantes e ao momento em que foram efetuados, depois da venda do crédito, a Recorrente não vem dar nenhuma explicação;
Ainda sobre o contrato de venda do crédito entre a B... e a Recorrente, e admitindo a sua existência, importa realçar que a sua celebração em 2013 não parece ter tido algum efeito na contabilidade das entidades intervenientes;
A Recorrente apesar de alegar a existência desse contrato não demonstra o seu efeito, quer na sua contabilidade quer na contabilidade da sociedade dominada B... .
Afigura-se-nos que a Recorrente deveria figurar no passivo da B... como devedora em virtude da aquisição do crédito pelo valor de € 18.500.000,00, mas da nossa análise às declarações IES não nos pareceu que esse registo tenha sido efetuado;
Da análise as declarações IES submetidas pela B... verificamos que a sociedade brasileira apurou no exercício de 2012 um resultado líquido negativo no valor de € 5.410.553,00;
Sendo que este resultado negativo não parece ter conduzido a B... ao registo de qualquer perda por imparidade na sua contabilidade;
Aqui chegados e perante tudo o quanto nos foi possível analisar, afigura-se-nos, que não pode ser atendida a pretensão da Recorrente.
E não pode ser atendida porque, em nossa opinião, e acompanhando a posição dos SIT, as operações aqui em causa foram realizadas com a intenção de transferir as perdas com a alienação da participação na sociedade brasileira da esfera da B... para a esfera da Recorrente;
Se não houvesse essa intenção como se pode compreender a aquisição de um crédito, por um valor de € 18.500.000,00, que se sabia, em função dos resultados conhecidos da participada brasileira, iria conduzir a uma perda significativa;
Esta operação só é possível entre empresas que se encontram numa situação de dependência e, como referem e bem os SIT, não parece ter sido realizada com o objetivo de obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
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Na sequência da decisão do recurso hierárquico, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2015 com o n.º 2023..., datada de 04-05-2023, a respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 2023 ... (compensação n.º 2023...) e demonstração de acerto de contas n.º 2023 ... (documento n.º 2023...), emitidas por referência ao período de tributação de 2015 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A Requerente cumpriu com a obrigação legal de certificação de contas, que foi levada a cabo pela S..., SROC, S.A. (“S...”), tendo esta atestado, sem reservas, que as demonstrações financeiras da Requerente retratam, de forma verdadeira e apropriada, a posição financeira, o desempenho e as alterações na posição financeira da Requerente (documento n.º 10, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 23-05-2023, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo, que são indicados nos pontos da matéria de facto fixada.
Não se provou que a Requerente sabia, quando celebrou o negócio com a B..., que ele lhe seria desfavorável, nem que que ele apenas teve como propósito a transferência das perdas com a alienação das quotas da L... da esfera da B... para a A... .
Na verdade, nenhuma prova foi produzida sobre o conhecimento da Requerente sobre o eventual valor do crédito que adquiriu ou sobre o seu propósito.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, na decisão do recurso hierárquico, que constitui a sua posição final sobre a correcção em causa, diz que a ora Requerente «sabia, em função dos resultados conhecidos da participada brasileira, iria conduzir a uma perda significativa» e que a «sociedade brasileira apurou no exercício de 2012 um resultado líquido negativo no valor de € 5.410.553,00».
Mas, por um lado, nem se provou que em 27-02-2013 já estivesse apurado o resultado líquido negativo da L... de 2012 e, por outro lado, o facto de ter prejuízo em 2012 não implicava que o valor do seu capital fosse inferior ao preço de € 18.500.000,00 acordado pela Requerente e a B... para aquisição do direito ao produto da venda das acções.
Por outro lado, se é certo que o facto de se estar perante uma operação entre a Requerente e a B..., que são entidades com relações especiais, à face do n.º 4 do artigo 63.º do CIRC, justifica dúvidas sobre a adequação do preço praticado ao valor real presumível das acções, não pode deixar de constatar-se que a Autoridade Tributária e Aduaneira não efectuou qualquer correcção ao preço praticado, com base no regime dos preços de transferência, o que indicia que não obteve prova de que o preço fosse diferente do que seria acordado entre entidades independentes.
Nestas condições, não se pode considerar provado que o preço acordado fosse intencionalmente sobrevalorizado, com a finalidade de transferir perdas do património da B... para o da Requerente.
Corrobora uma conclusão no sentido da inexistência desta finalidade o facto de a AT não identificar qual ou quais as vantagens fiscais que dessa hipotética transferência de perdas poderiam resultar no âmbito de um grupo a que se aplica o RETGS, e em quem por isso, «o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo».
3. Matéria de direito
3.1. Actos que são objecto do processo
Nos casos de impugnação administrativa de actos de liquidação (nomeadamente de reclamação graciosa e recurso hierárquico de actos de liquidação), se a respectiva decisão mantém o acto impugnado, total ou parcialmente, com diferente fundamentação deverá entender-se que se opera revogação por substituição daquele acto de liquidação (como decorre do artigo 173.º do Código do Procedimento Administrativo) na parte mantida com nova fundamentação, passando a subsistir na ordem jurídica um novo acto que, apesar de manter o mesmo conteúdo decisório, na parte mantida, terá a nova fundamentação. ( [1] )
No caso em apreço, a decisão do recurso hierárquico exprime a posição final da Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a questão das perdas em investimentos financeiros e fá-lo com fundamentos diferentes, designadamente abandonando a fundamentação do RIT quanto à relevância do artigo 51.º-C do CIRC para a apreciação da questão.
Para além disso, na sequência da decisão do recurso hierárquico foi emitida, em 2023, uma nova demonstração de liquidação relativa ao exercício de 2015.
Por isso, considera-se que a liquidação de IRC n.º 2019 ... e as respectivas: liquidação de juros compensatórios e demonstração de acerto de contas efectuadas em 2019 foram mantidas com a nova fundamentação que consta da decisão do recurso hierárquico e complementadas com a demonstração de liquidação n.º 2023 ... .
3.1.1. Fundamentação à posteriori
O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. ( [2] )
Assim, a fundamentação sucessiva ou a posteriori não é relevante para aferir a sua suficiência, quando não acompanhada de revogação e prática de um novo acto. ( [3] )
Neste caso, a decisão do recurso hierárquico alterou a fundamentação que constava do RIT e foram emitidas novas liquidações de IRC e juros indemnizatórios na sequência dessa decisão, pelo que é essa a única relevante.
Na verdade, admitir, na pendência do processo jurisdicional, uma alteração a posteriori da fundamentação em que assentam os actos impugnados, afectaria o direito da Requerente à tutela judicial efectiva, constitucionalmente reconhecido nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP, pois prejudicaria a possibilidade de utilizar todos os meios de defesa administrativos e jurisdicionais previstos na lei.
Por isso, não se atende a fundamentos novos invocados na Resposta pela Autoridade Tributária e Aduaneira, designadamente sobre dúvidas quanto à realidade do contrato de venda de crédito que está em causa nos autos, pois a sua existência foi aceite na decisão do recurso hierárquico e foi seu pressuposto.
3.2. Posições das Partes
A Requerente defende, em suma, o seguinte:
– a actividade empresarial que gere custos dedutíveis há-de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito (e nunca um obrigatório nexo de causalidade imediato) de obtenção de rendimento;
– estamos perante atos de gestão de ativos e passivos que correspondem, precisamente, ao core business da Requerente, tal como a AT reconheceu quer no relatório inspetivo, quer na decisão final do Recurso Hierárquico “a sua atividade efetiva consiste na gestão e controle das suas subsidiárias e associadas, através de uma estrutura de serviços partilhados;”;
– estão reunidos todos os requisitos da dedutibilidade de gastos em IRC, designadamente uma relação entre gasto e a atividade societária;
– a generalidade dos gastos, ainda que não obrigatórios, excessivos, desrazoáveis e improdutivos, podem ser fiscalmente aceites, desde que motivados pelo fim empresarial. Tratam-se das business related expenses, ou de despesas enquadradas (…) por um motivo empresarial, o que traduz de certo modo a transposição da doutrina do business purpose test;
– a comprovação, a posteriori, da ausência de rendimentos diretamente relacionados com o gasto não é um fator relevante para se concluir pela não dedutibilidade do gasto;
– inexiste qualquer outra motivação relativamente ao gasto em causa, que não seja uma motivação comercial, cujo interesse subjacente é, apenas e só, a manutenção da atividade produtiva do grupo societário;
– a fonte produtora de uma empresa, enquanto conjunto de meios técnicos, humanos e financeiros, organizados com vista à concretização de um determinado fim económico, inclui a acumulação de ativos (tangíveis, intangíveis biológicos, financeiros e outros) que lhe permitam prosseguir a sua atividade, sendo a definição de “ativo”: “um recurso controlado pela entidade com resultado de acontecimentos passados e do qual se espera que fluam benefícios económicos futuros”;
– para desconsiderar a dedutibilidade do gasto, era à AT que competia explicar, fundamentadamente, que o mesmo não se inseria na atividade societária da Requerente;
– provado que esteja que os atos da empresa foram efetuados no âmbito da sua atividade, requisito que aqui se verifica dada a posição de holding da Requerente no grupo societário, é fundamento suficiente, à luz da jurisprudência e da doutrina, para se considerar que os gastos de financiamento contraídos são indispensáveis e, portanto, aceites nos termos do artigo 23.º do Código do IRC;
– havendo uma relação de domínio entre a A... e a B..., em que a A... é a sociedade dominante e a B... uma das suas dominadas, ainda que não tivesse ocorrido a transferência do crédito da B... para a A..., sempre se assumiria que a A... seria a responsável pelo cumprimento da obrigação em causa;
– a Requerente procurou com a mesma assegurar que a B..., entidade por si dominada, pudesse desenvolver a sua atividade sem se encontrar condicionada pelo resultado futuro decorrente da operação de alienação;
– qualquer gasto destinado a garantir a sustentabilidade de empresas participadas tem como propósito obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC (e.g. dividendos e mais-valias);
– o que releva será a mera expectativa de recebimento desses rendimentos sujeitos a imposto, independentemente de os mesmos virem ou não a ocorrer;
– se a Requerente obtivesse lucro resultante da alienação da participação financeira, tal rendimento iria, igualmente, ser reconhecido na esfera da Requerente, pelos argumentos já referidos e de acordo com o procedimento do Grupo a este respeito;
– da certificação legal de contas, sem reservas, efectuada por uma entidade externa, é possível concluir que as demonstrações financeiras da Requerente foram preparadas de acordo com o direito contabilístico, ou seja, de acordo com os princípios contabilísticos geralmente aceites, conjunto de normas, regras e convenções que devem ser observados na política contabilística em geral e na elaboração das demonstrações financeiras em particular;
– o número 1 do artigo 75.º da LGT estabelece uma presunção legal de veracidade das declarações apresentadas pelos contribuintes à AT, desde que as mesmas estejam de acordo com a legislação comercial e fiscal;
– o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito e da demonstração da falta de correspondência entre o teor dos documentos apresentados pela Requerente e a realidade, nos termos dos artigos 74.º e 75.º da LGT, recai sobre quem os invoque;
– se no entendimento da AT a Requerente não provou que o Contrato de Venda de Crédito e posterior Cessão de Quotas não tiveram como propósito a transferência das perdas da B... para a A..., operações que não foram realizadas com o objetivo de obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, impende sobre si o ónus de fundamentar a sua posição invocando argumentos e apresentando documentação adequados para esse efeito;
– tal prova deverá assentar na análise dos factos concretos e objetivos do caso em apreço, e não num conjunto de elementos e juízos ligeiros e de suposição, tal como resultou das conclusões da AT ao recorrer a termos como “esta operação (…) não parece ter sido realizada com o objetivo de obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.”;
– é manifesta a injustiça e desproporcionalidade da atuação e argumentação apresentada pela AT, atendendo à sua desconsideração de que ambas as empresas integram o mesmo grupo fiscal, sendo o lucro tributável do grupo consolidado, calculado através da soma algébrica dos lucros tributários e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações de rendimento individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo;
– considerando que o Contrato de Venda de Crédito foi celebrado no ano de 2013, ou seja, antes da entrada em vigor deste regime, carece de sentido e racionalidade este argumento da AT.
A Autoridade Tributária e Aduaneira mantém a posição assumida na decisão do recurso hierárquico, dizendo ainda o seguinte, em suma:
– a B... foi sócia maioritária da L..., tendo aumentado a sua participação na sociedade após a celebração do Contrato de Venda de Crédito;
– a B... não registou qualquer perda por imparidade na sua contabilidade decorrente do resultado líquido negativo da L... no período tributário de 2012 (-5.410.553,00);
– a Requerente não demonstrou o reconhecimento, do Contrato de Venda de Crédito, na sua contabilidade e na contabilidade da B...;
– a Requerente sabia, à partida, que o negócio lhe era desfavorável e que o Contrato de Venda de Crédito apenas teve como propósito a transferência das perdas com a alienação das quotas da L... da esfera da B... para a A...;
– a Requerente não logrou comprovar que a perda incorrida em 2015 o foi no interesse societário estrito da sociedade A... e com o objetivo de obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC, tal como exige o n.º 1 do art.º 23.º do CIRC;
– a responsabilidade da sociedade dominante pelas obrigações da sociedade subordinada, isso em nada conflitua com as obrigações fiscais de ambas;
– o regime de proteção dos credores subjacente ao artigo 501.º do CSC não é um regime que garanta só por si a dedutibilidade fiscal de um encargo a ele associado, pois, a sociedade diretora possui um direito de regresso da prestação por si efetuada, que lhe confere um direito de exigir da sua subordinada os montantes suportados;
– a assunção de determinadas responsabilidades inerentes à sua posição de sociedade dominante não significa que todos os encargos que venha a assumir lhe possam ser economicamente imputáveis e possam influenciar negativamente o seu lucro tributável;
– as duas sociedades, apesar de tributadas segundo o RETGS, são entidades independentes que devem determinar o lucro tributável e o imposto devido de forma autónoma, e apresentar a sua declaração periódica de rendimentos, nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 120.º do Código do IRC;
– pelo que não ser indiferente a perda com a venda da participação financeira ser reconhecida numa ou noutra sociedade;
– a Requerente devia estar em condições de vir demonstrar nos presentes autos o caminho seguido e respetivos registos contabilísticos efetuados, no exercício de 2013 e seguintes;
– admitindo que a compra do referido crédito à sociedade dominada teria sido efetuada a pronto, deveria a Requerente juntar ao pedido arbitral prova do pagamento à sociedade dominada dos €18.500.000,00, correspondente à contraprestação acordada pela aquisição do crédito que viesse a decorrer da alienação da participação financeira na L..., prova que nunca juntou, nem nos procedimentos anteriores de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, nem agora no presente pedido arbitral;
– na hipótese de a compra do referido crédito à sociedade dominada ter sido efetuada a crédito, conforme decorre do contrato que estipula que a Requerente pagaria os €18.500.000,00 à B... no prazo de 90 dias após a Requerente ser notificada pela B... do valor final da transação da L..., obviamente que as demonstrações financeiras e declarações IES do exercício de 2013 e seguintes, da Requerente e da sociedade dominada, refletiriam os efeitos desse contrato celebrado pelas partes em fevereiro desse ano;
– pois, nesta segunda hipótese, realçada na análise do recurso hierárquico, a B... deveria figurar no passivo da Requerente como credora do valor de € 18.500.000,00, valor que deveria igualmente constar na declaração IES submetida, o que não sucede;
– há falta de coerência entre o alegado e os dados da sua contabilidade, de que as declarações IES são o reflexo;
– o lucro tributável é apurado com base na contabilidade de cada uma das sociedades que compõem o grupo, na sua esfera individual, que para o efeito, deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística, conforme dispõe a aliena a) do n.º 3 do art.º 17.º do CIRC, dispondo a alínea b) do mesmo n.º 3 do artigo 17.º que, para o apuramento do lucro tributável, a contabilidade deve refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo;
– a aceitar-se como verdadeiro o conteúdo das IES, conclusão a retirar é a de que, em fevereiro de 2013, não se terá realizado o contrato de venda de crédito entre a B... e a Requerente, pois caso contrário o mesmo estaria espelhado nas referidas demonstrações financeiras e na IES;
– a relevância de um gasto para efeitos fiscais sempre dependeu da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado, sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causa é ou não empresarial, se é um gasto efetivamente incorrido no interesse da empresa ou se respeita a um qualquer outro interesse, ou seja, se estamos perante um gasto aceite fiscalmente ou não;
– tem de existir alguma forma, direta ou indireta, de conexão com as atividades e com a obtenção ou garantia dos rendimentos ou ganhos tributáveis;
– quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.), então tal custo não deve ser havido por indispensável”;
– os gastos relevantes fiscalmente, na esteira do disposto no artigo 23.º do CIRC, serão aqueles que encontram motivo no fim lucrativo da entidade que os suporta e contabiliza e não os que são incorridos para benefício de terceiros, ou mesmo numa lógica de tributação do Grupo como um todo;
– a presunção de veracidade das declarações e contabilidade dos contribuintes não afasta a exigência dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos;
– o ónus da prova da indispensabilidade dos gastos recai sobre o Sujeito Passivo.
3.3. Apreciação da questão
A B..., que é participada da Requerente e integra um grupo a que é aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), detinha a quase totalidade (99.999 de 100.000 acções) do capital da L... .
A L..., no âmbito de um consórcio, tinha celebrado um contrato de concessão com a Agência Nacional de Energia Elétrica, que integra a República Federativa do Brasil.
Em 2012, a B... celebrou um contrato-promessa de Cessão de Quotas com a O... S.A. e com a O... Limited, em que se previa venda das acções que a B... detinha na L..., com base numa estimativa de custos até ao final da obra que a L... tinha em curso.
Em Fevereiro de 2013, a B... vendeu à Requerente o direito a receber o produto da venda das acções que resultaria do cumprimento desse contrato-promessa, pelo preço de € 18.500.000,00, que seria pago no prazo de 90 dias após a Requerente ser notificada pela B... do valor final da alienação das acções da L... .
A concretização da operação de alienação pela B... das acções da L... apenas veio a ocorrer em Julho de 2015, pelo valor global de € 6.747.027,00.
Assim, o direito ao crédito adquirido pela Requerente à B... pelo valor de € 18.500.000,00 traduziu-se no direito da Requerente receber valor de € 6.747.027,00, que veio a ser o produto da venda das acções.
Neste contexto, a Requerente registou uma perda no montante de € 11.752.972,11.
Está-se perante uma menos-valia realizada que o artigo 23.º n.º 2, alínea l), do CIRC admite como dedutível para determinação do lucro tributável.
No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira, na sua posição final adoptada na decisão do recurso hierárquico, não aceitou a dedutibilidade, por achar que
– «é difícil de entender que uma empresa assuma comprar um crédito por € 18.500.000,00, quando desconhece o momento ou o valor que irá receber, sendo que da análise efetuada não se vislumbra que este negócio tenha produzido/acrescentado qualquer rendimento à sociedade, e só se compreende porque os “decisores” são coincidentes (o contrato de 2013 foi assinado pelo Eng° Q..., intervindo na qualidade de administrador da B... e da A...»;
– «que a Recorrente sabia à partida que o negócio lhe era desfavorável, e que o contrato e operação de aquisição de créditos apenas teria tido como propósito transferir as perdas com a alienação da participação social da esfera da B... para a sua esfera»;
– «as operações aqui em causa foram realizadas com a intenção de transferir as perdas com a alienação da participação na sociedade brasileira da esfera da B.., para a esfera da Recorrente»;
– «Se não houvesse essa intenção como se pode compreender a aquisição de um crédito, por um valor de € 18.500.000,00, que se sabia, em função dos resultados conhecidos da participada brasileira, iria conduzir a uma perda significativa»;
– «Esta operação só é possível entre empresas que se encontram numa situação de dependência e, como referem e bem os SIT, não parece ter sido realizada com o objetivo de obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC»;
– «não foi possível estabelecer uma relação de causa/efeito, entre o gasto incorrido e o rendimento daí gerado para obtenção de rendimentos futuros e, dado o não cumprimento deste requisito, não é possível a sua dedutibilidade fiscal».
3.3.1. Perdas relevantes para determinação do lucro tributável
Na redacção vigente ao tempo em que foi feita a aquisição o artigo 23.º, n.º 1, do CIRC estabelecia que «consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».
Na redacção do CIRC em vigor em 2015, esta norma passou a estabelecer que «para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC».
À face de qualquer das redacções, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo firmou-se no sentido de que são dedutíveis as perdas derivadas de actos praticados no interesse da empresa, com business purpose. Assim, um gasto ou perda será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi praticado o acto que o gera, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa. ( [4] )
No caso em apreço, está-se perante a aquisição pela Requerente de um crédito de valor incerto, não determinável nesse momento da aquisição, por o preço final só ser obtido depois da entrada em operação da concessão que constitui o objeto da L..., como se refere no contrato de venda do crédito à Requerente e é aceite no RIT (página 20/23 do RIT da inspecção à Requerente enquanto sociedade individual).
O valor que veio a ser apurado na venda das acções pela B..., em execução do referido contrato-promessa foi de € 6.747.027,89, consideravelmente inferior ao da venda do crédito à Requerente.
A Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou que foi realizada a venda e aceitou como gasto parte do valor de € 18.500.000 pago, apenas não aceitando a diferença entre esse valor e o que foi efectivamente recebido que foi de € 6.747.027,89.
Em última análise, a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira reconduz-se a aceitar que a aquisição do crédito foi efectuada no interesse da Requerente (se não o aceitasse, todo o valor de € 18.500.000 deveria ser desconsiderado como gasto e não apenas a diferença entre o que despendeu e o que recebeu) mas o montante pago terá sido exagerado (sendo, por isso, que não aceita a despesa como gasto na medida do que considera exagerado e veio a ser registado com perda).
Como resulta da matéria de facto fixada, não se provou que o preço de aquisição do crédito não fosse adequado, designadamente que divergisse do preço que seria normalmente acordado entre entidades independentes, nas condições concretas em que o contrato foi celebrado, muito antes do momento em que foi possível apurar o valor real das acções da L... .
Uma vez comprovada a despesa de € 18.500.000,00 efectuada com o contrato e tendo ela sido realizada no interesse da Requerente (como aceita a Autoridade Tributária e Aduaneira ao aceitar a relevância desse gasto na medida do valor recebido pela venda das acções da L...) é sobre a Autoridade Tributária e Aduaneira que recai o ónus da prova do seu eventual excesso em relação ao que seria o preço normal de mercado. ( [5] ) É assim quando é aplicado o regime dos preços de transferência e terá de ser também assim quando a Autoridade Tributária e Aduaneira utiliza um meio alternativo para fundamentar a correcção cujo efeito prático é substancialmente idêntico ao que seria obtido através da aplicação daquele regime.
Para além disso, não se provou que o preço acordado entre a Requerente e a B... tivesse sido intencionalmente sobrevalorizado, com a finalidade de transferir perdas do património da B... para o da Requerente, nem que a Requerente soubesse que a aquisição iria conduzir a uma perda significativa.
A Autoridade Tributária e Aduaneira é que alega a existência desta intenção e o conhecimento da Requerente, pelo que é sobre ela que recai o ónus da prova do alegado, com resulta do n.º 1 do artigo 74.º da LGT.
A certificação legal de contas, que foi efectuada por uma entidade independente, sem qualquer reserva quanto à operação de aquisição do crédito aponta no mesmo sentido de não se estar perante um acto praticado à margem do interesse empresarial.
Assim, desde logo, tem de se concluir que as liquidações de IRC e juros compensatórios, que têm subjacente a fundamentação da decisão do recurso hierárquico, enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de facto, pois assentam em fundamentos de facto não provados.
Por outro lado, mesmo que fosse previsível a ocorrência de perdas como resultado da aquisição do crédito pela Requerente, não seria de excluir o interesse empresarial, pois, esse interesse não se reduz à obtenção imediata de rendimentos antes se manifesta também a nível de os garantir no futuro, designadamente através da manutenção da fonte produtora, como resulta do teor expresso da parte final do artigo 23.º, n.º 1 do CIRC, em qualquer das redacções.
Assim, não deixa de ser do interesse da sociedade dominante de um grupo a criação de condições de sustentabilidade das empresas dominadas e, assim, assegurar a obtenção de rendimentos no futuro. Na verdade, como se refere na página 3/23 do RIT da inspecção à Requerente enquanto sociedade individual, a sua actividade efectiva do SP «consiste na gestão e controle das suas subsidiárias e associadas, através de uma estrutura de serviços partilhados», pelo que se compaginam com o interesse da Requerente os actos necessários para o bom funcionamento das empresas de grupo.
Desta perspectiva, afigura-se que se deve considerar compaginável com o interesse empresarial da Requerente procurar «assegurar que a B..., entidade por si dominada, pudesse desenvolver a sua atividade sem se encontrar condicionada pelo resultado futuro decorrente da operação de alienação» (artigo 91.º do pedido de pronúncia arbitral).
Neste contexto, afastada a alegada pela AT mas não provada intencionalidade da transmissão de perdas da B... para a Requerente, a empresarialidade da aquisição do direito ao produto da venda das acções da L... é clara, não só sob a perspectiva da Requerente como sociedade individual (pois era um acto que podia produzir lucros, no caso de o produto da venda das acções vir a ser superior aos € 18.500.000,00 pagos), mas também sob o prisma da sociedade dominante de um grupo, em cujas funções se insere a criação de condições que favoreçam o funcionamento das sociedades que o integram, inclusivamente através da transferência do risco de uma operação, se tal se afigurar adequado em termos de boa gestão.
Para além disso, é também errado o fundamento invocado na decisão do recurso hierárquico de que «não foi possível estabelecer uma relação de causa/efeito, entre o gasto incorrido e o rendimento daí gerado para obtenção de rendimentos futuros e, dado o não cumprimento deste requisito, não é possível a sua dedutibilidade fiscal».
Na verdade, como vem sendo há muito afirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo não é necessária a existência de uma relação de causalidade entre cada gasto incorrido e o rendimento obtido ( [6] ), pelo que as liquidações de IRC e juros compensatórios de 2013 enfermam também de vício de violação de lei.
3.2.2. Princípios da justiça e da proporcionalidade
A Requerente tem razão quando alega que «é manifesta injustiça e desproporcionalidade da atuação e argumentação apresentada pela AT, atendendo à sua desconsideração de que ambas as empresas integram o mesmo grupo fiscal, sendo o lucro tributável do grupo consolidado, calculado através da soma algébrica dos lucros tributários e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações de rendimento individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo».
Na verdade, os princípios da justiça e da proporcionalidade são impostos à actuação globalidade da actuação da Autoridade Tributária e Aduaneira, por força do disposto nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT.
Neste caso, estando-se perante relações entre entidades que integram o mesmo grupo económico e tributadas no âmbito do RETGS, não se demonstrou interesse público em efectuar qualquer correcção, uma vez que a eventual transferência de perdas não teria efeito no determinação do lucro tributável global do grupo. Por isso, a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, sendo desnecessária para satisfazer o interesse público, ofende o princípio da proporcionalidade.
Por outro lado, quanto ao princípio da justiça, a sua violação é flagrante por estar expressamente prevista na lei a solução considerada justa para as situações em que o preço acordado entre entidades relacionadas não corresponde ao preço normal de mercado.
Na verdade, a existir uma divergência por excesso entre o preço contratado e o preço que seria normalmente acordado entre entidades independentes, a solução prevista na lei seriam as correcções com base no regime dos preços de transferência, previsto no artigo 63.º do CIRC, considerando como preço da venda das acções o que teria sido praticado se as operações se tivessem efetuado numa situação normal de mercado e não o preço que a posteriori veio a ser determinado em 2015, com base em informações entretanto obtidas e não disponíveis em 2013.
Por outro lado, as correcções que se justificariam se o preço de venda do crédito se afastasse do que seria obtido numa situação normal de mercado, teriam de ser simétricas, nas esferas das duas sociedades intervenientes, pelo que à consideração de um preço inferior teria não só de ser desconsiderado parcialmente um gasto na esfera da Requerente, mas também considerada uma diminuição do mesmo montante nos rendimentos da B... (artigo 63.º, n.º 11, do CIRC nas redacções de 2009 e 2014 a que corresponde actualmente o n.º 13).
A esta luz, é manifesto que a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira apenas na esfera da Requerente, diminuindo a relevância de um gasto sem concomitante respectiva redução do rendimento ou aumento de perdas na esfera da B..., ofende o princípio da justiça, por impor ao grupo uma tributação excessiva em relação à realidade da perda que sofreu.
Pelo exposto, as liquidações de IRC e juros compensatórios impugnadas enfermam de vício de violação de lei por ofensa dos princípios da justiça e da proporcionalidade.
Estes vícios justificam a anulação das liquidações de IRC e juros indemnizatórios nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
3.3. Conclusão
Os actos impugnados enfermam de vícios de violação, por erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito que justificam a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
4. Decisão
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Anular parcialmente a decisão do recurso hierárquico n.º ...2021..., na parte em indeferiu a pretensão da Requerente consideração do montante de € 11.752.972,11 a título de gasto relativo a perdas em investimentos financeiros;
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Anular parcialmente a liquidação de IRC n.º 2019..., e a demonstração de acerto de contas n.º 2019..., emitidas por referência ao período de tributação de 2015 e associadas à compensação n.º 2019..., nas partes em que têm como pressuposto a não consideração daquele montante de € 11.752.972,11 a título de gasto relativo a perdas em investimentos financeiros;
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Anular parcialmente a demonstração de acerto de contas n.º 2023... e a compensação n.º 2023 ... nas partes em que têm como pressuposto a não consideração daquele montante de € 11.752.972,11 a título de gasto relativo a perdas em investimentos financeiros.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.105.488.94, indicado pelas pela Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
6. Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 1, do RJAT, e 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela II anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 27.540,00, a cargo da Requerida.
Lisboa, 09-10-2023
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(relator)
(Ângelo António Almeida Pereira Dias)
(A. Sérgio de Matos)
[1] Neste sentido, sobre a revogação por substituição, podem ver-se o acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 6-10-1999, processo n.º 23379, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-9-2002, página 3102, e os acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 29-5-2002, processo n.º 47541; de 18-12-2002, processo n.º 48366; de 29-4-2003, processo n.º 363/03; de 28-5-2003, processo n.º 533/03; de 25-2-2009, processo n.º 843/08.
[2] Essencialmente neste sentido, podem ver–se os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, a propósito de situação paralela que se coloca nos processos de recurso contencioso:
– de 10–11–98, do Pleno, proferido no recurso n.º 032702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12–4–2001, página 1207:
– de 19-06-2002, processo n.º 047787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10–02–2004, página 4289.
– de 09-10-2002, processo n.º 0600/02.
– de 12-03-2003, processo n.º 01661/02;
– de 22–03–2018, processo nº 0208/17.
( [3] ) Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: de 11-2-93, do Pleno, processo n.º 026389, publicado em Apêndice ao Diário da República de 16-10-95, página 103; de 4-11-93, processo n.º 031798, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-10-96, página 6007; e de 03-02-94, processo n.º 032325, publicado em Apêndice ao Diário da República de 20-12-96, página 791.
No mesmo sentido, podem ver-se os acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 24-11-1999, processo n.º 023720; e 19-12-2007, recurso n.º 0874/07.
[4] Essencialmente neste sentido pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-06-2017, processo n.º 0627/16.
[5] Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14-03-2001, processo n.º 025744, publicado em Apêndice ao Diário da República de 27-6-2003, página 842; de 12-03-2003, processo n.º 01508/02; de 01-06-2005, processo n.º 0228/05;m e de 14-05-2015, processo n.º 0833/13.
[6] Neste sentido, além do citado acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-06-2017, processo n.º 0627/16, pode ver-se o acórdão de 24-09-2014, processo n.º 0779/12.