Sumário:
1. As normas do n.º 1, parte final, e n.º 3 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, interpretadas conjugadamente, ao estabelecerem um tratamento fiscal mais favorável para os organismos de investimento coletivo (OIC) que operem em Portugal de acordo com a legislação portuguesa, em relação aos organismos equiparáveis que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia ou de um Estado Terceiro, violam os princípios da liberdade de circulação de capitais e da não discriminação, consagrados nos artigo 63.º e 18º, respetivamente, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e o artigo 8º, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
2. Tendo o Tribunal de Justiça da União Europeia decidido que o artigo 63.° do TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação nacional que determina que os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento colectivo (OIC) não residente são objecto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção, mesmo incidindo sobre estes outras formas de tributação, têm os tribunais nacionais de invalidar as liquidações correspondentes.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros, José Poças Falcão (Presidente do Tribunal), Elisabete Flora Louro Martins Cardoso (árbitra adjunta) e Pedro Miguel Bastos Rosado (árbitro adjunto e relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 20 de março de 2023, acordam no seguinte:
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Relatório
1. A…, fundo de investimento constituído ao abrigo da lei dos Estados Unidos da América, com sede em …, Estados Unidos da América, com o número de contribuinte fiscal americano … e com o número de contribuinte fiscal português …, representado pela sua entidade gestora B…, INC., sociedade de direito americano, com sede em …, Estados Unidos da América, com o número de contribuinte fiscal americano …, doravante designado por Requerente, apresentou, em 4 de janeiro de 2023, pedido de pronúncia arbitral, tendo por objeto o despacho de indeferimento proferido pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, de 29 de setembro de 2022, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa n.º …, relativo aos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) de 2020, consubstanciados nas guias n.º …, n.º … e n.º …, referentes aos períodos de maio, julho e dezembro de 2020, que incidiram sobre dividendos auferidos em território nacional, com vista à declaração de ilegalidade daquela decisão e dos atos tributários que daquela foram objeto.
2. O Requerente pede a anulação dos actos de retenção na fonte de IRC, com o consequente reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios, bem como a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que sobre eles recaiu.
3. É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante designada por Requerida ou AT.
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 6 de janeiro de 2023 e automaticamente notificado à AT.
5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
6. Em 27 de fevereiro de 2023, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo arguido qualquer impedimento.
7. Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT sem que as Partes alguma coisa viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 20 de março de 2023.
8. Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º do RJAT, a Requerida apresentou resposta na qual defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo junto o “processo administrativo” (adiante designado apenas por PA).
9. Por despacho de 17 de maio de 2023 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT, notificadas as partes para alegações finais escritas, de facto e de direito, e fixada data previsível para a prolação e notificação da decisão final.
10. O Requerente apresentou alegações.
11. A Requerida, notificada da tradução dos documentos n.º 4 e 5 juntos pelo Requerente, pronunciou-se sobre os mesmos e fez considerações finais sobre os autos, tendo concluído que o pedido de pronúncia arbitral deverá ser julgado improcedente, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados, pugnando pela sua absolvição, com as devidas e legais consequências.
II. Saneamento
1. O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.
2. As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
3. O processo não enferma de nulidades.
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral é tempestivo.
5. O Tribunal é competente.
III. Matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).
1. Factos provados
Dão-se como provados os seguintes factos relevantes para a decisão:
A) O Requerente é um fundo de investimento mobiliário constituído e a operar de acordo com o direito norte-americano, com residência fiscal nos Estados Unidos da América no ano de 2020 e é sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável (cfr. documentos 1, 2, 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
B) O Requerente é gerido pela entidade gestora B…, INC., sociedade de direito americano, com sede em …, Estados Unidos da América, que tem como Banco Depositário o C… PLC (cfr. documento 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
C) No âmbito da sua atividade, o Requerente, no exercício de 2020, na qualidade de acionista de sociedades residentes em Portugal, auferiu dividendos de fonte portuguesa, sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos, no âmbito do regime legal da substituição tributária (cfr. documentos 3, 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
D) Os dividendos auferidos pelo Requerente foram objeto, em Portugal, de retenção na fonte a título definitivo, como melhor se discrimina na tabela infra:
E) Os atos de retenção na fonte de IRC relativos ao exercício de 2020 estão consubstanciados nas guias n.º …, n.º … e n.º …, referentes aos períodos de maio, julho e dezembro de 2020 (cfr. documentos 3, 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, e PA, cujos teores se dão como reproduzidos);
F) O Requerente apresentou, em 21 de dezembro de 2021, reclamação graciosa contra os referidos atos de liquidação de IRC, peticionado a sua anulação (cfr. documentos n.º 6 e 7 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, e PA, cujos teores se dão como reproduzidos);
G) No âmbito do procedimento de reclamação graciosa, o Requerente foi notificado do Despacho emitido pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, para, querendo, exercer o emitido seu direito de Audição Prévia quanto ao correspondente Projeto de Indeferimento de Decisão da Reclamação Graciosa, o qual o Requerente não exerceu (cfr. documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
H) A Requerente foi notificada do Despacho emitido pelo Diretor de Finanças Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, de 29 de setembro de 2022, nos termos do qual foi determinada a convolação em definitivo do Projeto de Indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada (cfr. documentos n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, e PA, cujos teores se dão como reproduzidos);
I) O Requerente não obteve qualquer crédito de imposto no seu Estado de residência relativo às retenções na fonte objecto da presente impugnação arbitral (cfr. documentos n.º 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
J) Em 4 de janeiro de 2023, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2. Fundamentação da matéria de facto dada como provada
Os factos provados acima elencados baseiam-se nos documentos juntos pelo Requerente, atrás identificados, cuja autenticidade não foi colocada em causa, no processo administrativo e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.
3. Factos não provados e fundamentação
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.
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Matéria de Direito
1. Apreciação do mérito do pedido de pronúncia arbitral
O Requerente é um fundo de investimento mobiliário constituído e a operar de acordo com o direito norte-americano, com residência fiscal nos Estados Unidos da América no ano de 2020 e é sujeito passivo de IRC, não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável.
Sendo o Requerente um fundo de investimento mobiliário, estamos perante um organismo de investimento coletivo (OIC) (cfr. artigo 22º do Estatuto dos Benefícios Fiscais).
No âmbito da sua atividade, o Requerente, no exercício de 2020, na qualidade de acionista de sociedades residentes em Portugal, auferiu dividendos de fonte portuguesa, sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos, no âmbito do regime legal da substituição tributária.
Os dividendos auferidos pelo Requerente foram objeto, em Portugal, de retenção na fonte a título definitivo (cf. artigo 94.º do Código do IRC).
1.1. Posições das Partes
O Requerente defende, em suma, que:
- a ilegalidade desta tributação porque, em suma, os organismos de investimento colectivo constituídos de acordo com a legislação nacional estarem, à data dos factos tributários, excluídos de tributação de IRC e retenção na fonte relativamente a dividendos recebidos (artigo 22.º, n.ºs 3 e 10.º, com referência ao artigo 5.º do CIRS) e a não aplicação da da exclusão de tributação a organismos não constituídos de acordo com a legislação nacional constituir uma discriminação contrária incompatível com o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), por ser uma restrição injustificada à liberdade de circulação de capitais.
- que a sua situação de fundo de investimento não residente, encontra-se numa situação comparável à de um fundo de investimento residente.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que:
- a tributação dos OIC constituídos segundo a legislação nacional e a dos não residentes não são comparáveis, porque a dos residentes não se faz a nível de retenção na fonte de IRC, como a dos não residentes, mas faz-se por outras vias, designadamente Imposto do Selo (verba 29 da Tabela Geral do Imposto do Selo) e tributação autónoma (artigos 22.º, n.º 8, do Estatuto dos Benefícios Fiscais e 88.º, n.º 11, do CIRC), tributações estas que não são aplicáveis aos OIC não residentes.
- que “resulta da al. a) do n.º 1 do art.º 65.º do TFUE, é permitido que os Estados-membros apliquem “(…) as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”, tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que, verificado o n.º 3 da mencionada disposição legal.”
- que o imposto retido ao Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera da Requerente, bem como na esfera dos investidores e que o Requerente não esclareceu/provou (apenas alegou) se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera da própria Requerente ou dos investidores.
- que “não pode afirmar-se que se esteja perante situações objetivamente comparáveis, porquanto, a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes, e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pela Requerente, antes, pelo contrário.”
- que “para avaliar se da legislação nacional resulta um tratamento discriminatório dos fundos de investimento de outros Estados contrário ao TFUE, por constituir uma restrição à liberdade de circulação de capitais, a análise não pode cingir-se à consideração estrita das regras de retenção na fonte, há que atender à carga fiscal a que estão sujeitos os OICs abrangidos pelo artigo 22.º do EBF relativamente aos dividendos e às correspondentes ações, pois, só com esta visão global pode concluir-se com um mínimo de segurança que os fundos estrangeiros que investem em ações de sociedades residentes em Portugal são colocados numa situação mais desfavorável.”.
1.2. Da legalidade das liquidações de IRC (atos tributários de retenção na fonte)
Tal como no Proc. n.º 538/2022-T, de 13 de março de 2023, em que a decisão arbitral foi proferida por Tribunal Coletivo em que foi presidente e relator o mesmo árbitro que preside a este processo e que se segue, por razões óbvias, muito de perto – a questão essencial a decidir é a da admissibilidade da diferenciação de tratamento, face à lei nacional, dos OIC residentes e não residentes, na medida em que, por aplicação do regime previsto no artigo 22.º, n.os 1, 3 e 10, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), a seguir reproduzidos, só os OIC constituídos e a operar de acordo com a legislação nacional são dispensados de retenção na fonte:
Assinale-se preliminarmente que, conforme tem assinalado a Jurisprudência, [cfr, v. g., o Acórdão do STA, de 14-3-2018, no Proc nº 0716/13/2ª Secção], “(...) é jurisprudência corrente e pacífica que o Tribunal não tem de apreciar ou conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes tenham produzido. Isto porque uma coisa são as questões submetidas ao tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa. Sendo que só têm dignidade de questões as pretensões processuais formuladas pelas partes ao tribunal e não os argumentos por elas usados em defesa das mesmas, não estando assim o tribunal vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes (...)”.
Vejamos:
O artigo 22º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redação em vigor à data a que reportam os atos tributários em crise, sob a epígrafe “Organismos de Investimento Coletivo”, estabelece o seguinte:
1 – São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
2 – O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 – Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.
4 – Os prejuízos fiscais apurados nos termos do disposto nos nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis nos termos do disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 52.º do Código do IRC.
5 – Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica -se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.
6 – As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.
7 – Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.
8 – As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.
9 – O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil:
a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil;
b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.
10 – Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.
11 – A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.
12 – O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando -se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.
13 – As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.
14 – O disposto no n.º 7 aplica -se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.
15 – As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.
16 – No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro”.
Como foi decidido no Acórdão Arbitral proferido no âmbito do Processo n.º 538/2022-T, de 13 de março de 2023, do CAAD (cfr. www.caad.pt), “o regime previsto no artigo 22.º do EBF é um regime consideravelmente mais favorável que o regime geral de tributação em IRC, pois, nos termos do seu n.º 3 é referido que “para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.ºdo Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1” e isenção de derramas estadual e municipal (n.º 6).”
“O n.º 1 do artigo 22.º do EBF estabelece que “são tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”, pelo que exclui do âmbito do regime aí previsto as sociedades como a Requerente, que não foram constituídas de acordo com a legislação nacional.”
“Por outro lado, é manifesto que dos n.ºs 1 e 3 do artigo 22.º do EBF e do n.º 4 do artigo 87.º e da alínea c) do n.º 1 do artigo 94.º do CIRC, os OIC’s residentes em Portugal e os OIC’s residentes noutro Estado-Membro estão sujeitos, quanto aos dividendos que lhes são distribuídos por sociedades residentes em Portugal, a um tratamento distinto, pois apenas os dividendos distribuídos por aquelas a OIC’s não residentes, estão sujeitos a IRC através de retenção na fonte.”
“Neste âmbito, cumpre realçar que de harmonia com o disposto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, “(...)as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático (...)”.”
“Também a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem decidido pacificamente no sentido da primazia do direito internacional convencional sobre o direito interno, como pode ver-se pelos acórdãos de 01-07-2015, proferido no processo n.º 0188/15, 17-06-2015, proferido no processo n.º 0187/15, e de 25-06-2015, proferido no processo n.º 0464/15, em que se entendeu que “nos termos do art. 8.º, n.º 2, da CRP, as normas de convenção internacional, quando regularmente adoptadas pelo Estado Português e publicadas na forma legal, prevalecem sobre o direito interno infraconstitucional, em tudo que seja conflituante com este, motivo por que os tribunais devem recusar a aplicação de lei ou norma jurídica que viole tratado internacional a que Portugal se tenha vinculado (…)”.”
“E como se escreve no Acórdão Arbitral prolatado no âmbito do Processo nº 11/2020-T de 06-11-2020, “como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do TFUE (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões conexas com o Direito da União Europeia (neste sentido, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo: de 25-10-2000, processo n.º 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo n.º 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo n.º 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593). Quando se suscita uma questão de interpretação e aplicação de Direito da União Europeia, os tribunais nacionais devem equacionar a colocação da questão ao TJUE através de reenvio prejudicial. No entanto, quando a lei comunitária seja clara e quando já haja um precedente na jurisprudência do TJUE não é necessário proceder a essa consulta, como o TJUE concluiu no Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, Proc. 283/81. Até mesmo quando as questões em apreço não sejam estritamente idênticas (doutrina do acto aclarado) e quando a correcta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de Direito da União Europeia suscitada (doutrina do acto claro) (idem, n.º 14)”.”
“A Requerida, parece defender que a não tributação dos OIC’s residentes em sede de IRC é compensada pela tributação trimestral destes em Imposto do Selo, nos termos da verba 29 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), e a possibilidade de ser aplicável aos OIC´s residentes tributação autónoma, designadamente a prevista no n.º 11 do artigo 88.º do Código do IRC.”
“No que concerne à referida tributação em Imposto do Selo, ocorre apenas quando “os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário sejam constituídos e operem de acordo com a legislação nacional” (artigo 4.º, n.º 7, do Código do Imposto do Selo), pelo que se trata, de facto, de uma tributação que não se aplica aos OIC´s não residentes.”
“Realce-se que esta tributação incide sobre o valor líquido global dos OIC´s residentes, à taxa de 0,0025%, por cada trimestre, quando invistam exclusivamente em instrumentos do mercado monetário e depósitos, e, nos restantes casos, em que a base tributável poderá incluir os dividendos distribuídos, à taxa 0,0125%, por cada trimestre.”
“É manifesto, porém, que esta tributação em Imposto do Selo que poderá atingir, no máximo, a taxa de 0,05% anuais (na soma dos quatro trimestres), apesar de incidir sobre o valor líquido global dos OIC´s, não se pode considerar equivalente à que resulta da tributação em IRC por retenção na fonte.”
“Por isso, é de concluir que do artigo 22.º do EBF resulta uma tributação agravada dos OIC´s não residentes em relação aos OIC´s residentes, que não é totalmente compensada pela tributação destes em Imposto do Selo, que é a tributação que apenas onera os residentes.”
“Para além disso, a legislação nacional não prevê qualquer mecanismo ulterior que permita atenuar ou eliminar a carga fiscal a que os rendimentos auferidos por um fundo de investimento ou por uma sociedade de investimento não residente estão sujeitos.”
“Da violação da proibição de restrições à circulação de capitais (artigo 63.º do TFUE)”
“Dispõe artigo 63.º do TFUE (ex-artigo 56.º do TCE):
“1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros. 2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros”.”
“E, nos termos do previsto no artigo 65.º do TFUE (ex-artigo 58.º do TCE), “1. O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros: a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido; b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infrações às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública. 2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados. 3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.”
“Por sua vez, assinala-se no acórdão do TJUE de 10-04-2014, proferido no processo n.º C-190/12, aplicável com as necessárias adaptações, que: “(...) 38. Importa recordar, antes de mais, que, embora a fiscalidade direta seja da competência dos Estados Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (acórdão de 10 de maio de 2012, Santander Asset Management SGIIC e C 338/11 a C 347/11, n.º 14 e jurisprudência referida). 39. A este respeito, resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que as medidas proibidas pelo artigo 63.º, n.º 1, TFUE, enquanto restrições aos movimentos de capitais, incluem as que são de molde a dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro ou a dissuadir os residentes desse Estado Membro de investirem noutros Estados (acórdãos de 18 de dezembro de 2007, A, C-101/05, Colet., p. I-11531, n.º 40; de 10 de fevereiro de 2011, Haribo Lakritzen Hans Riegel e Österreichische Salinen, C-436/08 e C-437/08, Colet., p. I-305, n.º 50; e Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 15).40. No caso vertente, a isenção fiscal prevista pela legislação fiscal nacional em causa no processo principal era concedida unicamente aos fundos de investimento que exerciam a sua atividade em conformidade com a Lei sobre os fundos de investimento. 41. Resulta igualmente da decisão de reenvio que, nos termos da legislação nacional em causa no processo principal, os fundos de investimento só beneficiam da isenção na condição de a sua sede se situar em território polaco. Por conseguinte, os dividendos pagos a fundos de investimento não residentes não podiam beneficiar, apenas devido ao local de estabelecimento desses fundos, da isenção da retenção na fonte, mesmo que esses dividendos pudessem eventualmente ser objeto de uma redução da taxa de tributação ao abrigo de uma convenção preventiva da dupla tributação. 42. Ora, uma tal diferença de tratamento fiscal dos dividendos entre os fundos de investimento residentes e os fundos de investimento não residentes é suscetível de dissuadir, por um lado, os fundos de investimento estabelecidos num país terceiro de adquirirem participações em sociedades estabelecidas na Polónia e, por outro, os investidores que residem nesse Estado Membro de adquirirem participações em fundos de investimento não residentes (v., neste sentido, acórdão Santander Asset Management SGIIC e o., já referido, n.º 17). 43. Daqui resulta que uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal é de molde a conduzir a uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º TFUE”.
“Ora resulta óbvio desta decisão do TJUE (no caso, relativo à distribuição de dividendos) que no caso de aquela (distribuição) ser efetuada por sociedades residentes em Portugal a OIC´s não residentes tal se englobará no conceito de movimentos de capitais, para efeitos do artigo 63.º do TFUE.”
“Esta jurisprudência do TJUE é necessária e obviamente aplicável à situação sub juditio, pois, em face do artigo 22.º, n.º 1, do EBF, o tratamento privilegiado não se aplica à Requerente exclusivamente por a sua constituição não ter sido feita segundo a legislação nacional.”
“Por outro lado, as sociedades constituídas noutro Estado Membro serão tendencialmente não residentes em Portugal (como sucede no caso em apreço), pelo que este artigo 22.º, n.º 1, impondo-lhes um regime de tributação consideravelmente mais gravoso do que o aplicável às sociedades constituídas segundo a legislação nacional, tem potencialidade para “dissuadir os não residentes de investirem num Estado-Membro”, desde logo porque têm de enfrentar a concorrência das sociedades que usufruem de situação de vantagem fiscal, que ficam em melhores condições para comercialização dos seus produtos de investimento.”
“É certo que a alínea a) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE acima transcrito, permite que os Estados-Membros apliquem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido, tendo em conta a sua soberania fiscal, desde que verificado o n.º 3 do mesmo artigo.”
“Mas, como se refere no n.º 3 daquele artigo 65.º, “as medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.”.
“Ora, no caso em apreço, sendo tributados em Portugal os OIC´s não residentes, a sua situação é comparável à dos OIC´s nacionais pelo que devem ser objeto de tratamento equivalente ao aplicável aos OIC’s residentes.”
“Como se defendeu na decisão arbitral proferida no processo n.º 90/2019-T (em matéria de dividendos), “embora não estejam sempre numa situação comparável, residentes e não residentes são colocados nessa posição a partir do momento em que o Estado-Membro que se considere, unilateralmente ou por convenção, opte por tributar os acionistas não residentes de maneira menos favorável que os residentes, relativamente aos dividendos que uns e outros recebam de sociedades residentes. Especialmente relevante, em sede das liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais, é o facto de o tratamento fiscal menos favorável dos não residentes os dissuadir, na qualidade de acionistas, de investirem no Estado da residência das empresas distribuidoras de dividendos, e constituir, igualmente, um obstáculo à obtenção de capital no exterior por parte dessas empresas”.”
“Para além disso, no que concerne à alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do TFUE, não se pode entender que o tratamento desfavorável dos OIC´s a não residentes possa ser justificado por uma razão imperiosa de interesse geral ou por risco de evasão fiscal, que só é relevante se estiverem em causa expedientes artificiais, que tenham como objetivo primacial evitar o pagamento de imposto normalmente devido, sendo que as restrições não podem exceder o necessário.”
“Mas se dúvidas restassem relativamente à questão objeto dos autos, elas foram dissipadas pela relativamente recente decisão do TJUE, proferida em 17-03-2022, no processo C 545/19, em sede de reenvio prejudicial promovido no âmbito do processo arbitral do CAAD nº 93/2019-T, publicada em
https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=AED083FA8FA02CE95E7517CE8B347E6D?text=&docid=256021&pageIndex=0&doclang=pt&mode=req&dir=&occ=first&part=1&cid=422856
“Aí decidiu o TJUE que “(...) o artigo 63.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção(...)”.”
Assinale-se, ainda, que a Jurisprudência Arbitral, de forma praticamente unânime, nalguns casos mesmo antes do Acórdão do TJUE de 17-3-2022 citado, defendia a invalidade/ilegalidade das retenções pelas razões discriminatórias apontadas – Cfr., v. g., as decisões arbitrais nos processos do CAAD nºs 132/2021-T, 368/2021-T, 549/2019-T, 817/2021-T, 68/2020-T (proferida pela árbitra adjunta neste processo) e 922/2019-T (proferida por Tribunal Coletivo em que que a árbitra adjunta deste processo igualmente participou).
A livre circulação de capitais abrange assim todas as formas de investimento direto, incluindo o investimento mobiliário, como é o caso dos presentes autos. Neste ponto, a própria AT também entende a distribuição de dividendos efetuada por sociedades residentes em Portugal ao Requerente é “passível” de ser qualificada como movimento de capital na aceção do artigo 63.º do TFUE e da própria Diretiva 88/361/CEE, de 24 de junho de 1988 (vide ponto 40. da Resposta).
Relativamente ao fato de estarmos perante um Estado terceiro (Estados Unidos da América), também a AT não discute que a consagração da liberdade de circulação dos capitais e, consequentemente, a proibição de adoção de medidas restritivas da mesma, encontra-se consagrada nos art.ºs 63.º e seguintes do TFUE, concretização do art.º 18.º do TFUE, sendo aplicável tanto entre Estados-membros como entre Estados-membros e Estados-terceiros, ou seja, que não integram a EU (vide pontos 17 e 50 da Resposta).
Por conseguinte, não altera os dados do problema a circunstância de, no caso, estar em causa um residente em país terceiro.
Nesse sentido, é elucidativo o acórdão do TJUE de 18 de Janeiro de 2018, no Processo n.º C-45/17 (acórdão Jahin).
Aí se refere que o artigo 63º do TFUE estabelece a livre circulação de capitais entre Estados Membros, por um lado, e entre Estados Membros e países terceiros, por outro, de onde decorre que o âmbito de aplicação territorial da livre circulação de capitais prevista no artigo 63º do TFUE não se limita aos movimentos de capitais entre Estados Membros, mas estende se igualmente aos movimentos de capitais entre Estados Membros e Estados terceiros (parágrafos 19 e 21).
Ademais:
O Requerente alega que não deduziu nos EUA, Estado da residência, o imposto retido na fonte em Portugal, conforme se extrai de cópia das declarações de rendimentos referente aos exercícios de 2019 (1) e de 2020 (2) , juntou como documentos n.º 4 e n.º 5, respetivamente.
Mais alega o Requerente que, em face ao regime legal e fiscal a que se encontra sujeito no Estado da residência, não pode deduzir um eventual crédito por imposto suportado no estrangeiro, razão pela qual o imposto suportado em Portugal não foi recuperado no Estado da residência.
A Requerida vem dizer que, no caso dos autos, não houve qualquer troca de informações entre Portugal e os EUA sendo os únicos elementos disponíveis os fornecidos pela Requerente, pelo que se está perante uma situação que pode legitimar uma restrição à liberdade de circulação de capitais e à aplicação do art. 22º do EBF.
No caso da CDT entre Portugal e os Estados Unidos da América, o artigo 28.º estabelece o seguinte, sobre a «Troca de Informações»:
1 - As autoridades competentes dos Estados Contratantes trocarão entre si as informações necessárias para aplicar esta Convenção ou as leis internas dos Estados Contratantes relativas aos impostos abrangidos por esta Convenção, na medida em que a tributação nelas prevista não seja contrária a esta Convenção. A troca de informações não é restringida pelo disposto no artigo 1.º, «Pessoas visadas». As informações obtidas por um Estado Contratante serão consideradas secretas, do mesmo modo que as informações obtidas com base na legislação interna desse Estado, e só poderão ser comunicadas às pessoas ou autoridades (incluindo tribunais e autoridades administrativas) encarregadas do lançamento, cobrança ou administração dos impostos abrangidos por esta Convenção, ou de processo de execução ou de processo de natureza punitiva relativos a estes impostos, ou da decisão de recursos referentes a estes impostos. Essas pessoas ou autoridades utilizarão as informações assim obtidas apenas para os fins referidos. Essas informações poderão ser divulgadas no caso de audiências públicas de tribunais ou de sentença judicial.
2 - O disposto no n.º 1 nunca poderá ser interpretado no sentido de impor a um Estado Contratante a obrigação: a) De tomar medidas administrativas contrárias à sua legislação e à sua prática administrativa ou às do outro Estado Contratante; b) De fornecer informações que não possam ser obtidas com base na sua legislação ou no âmbito da sua prática administrativa normal ou das do outro Estado Contratante; c) De transmitir informações reveladoras de segredos ou processos comerciais, industriais ou profissionais, ou informações cuja comunicação seja contrária à ordem pública.
3 - Se as informações forem solicitadas por um Estado Contratante nos termos do disposto neste artigo, o outro Estado Contratante deverá obter as informações a que o pedido se refere do mesmo modo e na mesma medida como se a tributação do primeiro Estado mencionado fosse a tributação desse outro Estado e o imposto lançado por esse outro Estado. Desde que seja especificamente solicitado pela autoridade competente de um Estado Contratante, a autoridade competente do outro Estado Contratante fornecerá as informações, nos termos deste artigo, sob a forma de depoimentos de testemunhas e de cópias autenticadas de documentos originais e integrais (incluindo livros, documentos, declarações, registos, contabilidade e escritos) na mesma medida em que tais depoimentos e documentos possam ser obtidos em virtude da legislação e da prática administrativa desse outro Estado no que se refere aos seus próprios impostos.
4 - Não obstante o disposto no artigo 2.º, «Impostos visados», e para efeitos do presente artigo, a Convenção aplicar-se-á aos impostos de qualquer natureza percebidos a nível nacional por um Estado Contratante.
Os termos imperativos do n.º 1 do artigo 28.º da CDT não parecem deixar margem para dúvidas de que a troca de informações é obrigatória desde que elas sejam «necessárias para aplicar esta Convenção ou as leis internas dos Estados Contratantes relativas aos impostos abrangidos por esta Convenção, na medida em que a tributação nelas prevista não seja contrária a esta Convenção».
Neste sentido veja-se, entre outras, as decisões arbitrais proferidas no âmbito dos Processos 769/2020-T e 846/2021-T do CAAD.
E acompanhando o decidido no Processo 769/2020-T do CAAD:
“diga-se, ainda, que a actuação da Administração Tributária está subordinada ao princípio do inquisitório e da busca da verdade material, enunciado no artigo 58.º da LGT, que impõe à Administração Tributária o dever de «no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido».
À face deste princípio, a Administração Tributária não tem só a possibilidade, mas sim o dever de efectuar as diligências tendentes a obter as informações permitidas pelas CDT, o que se justifica acentuadamente por se tratar de um meio de prova especialmente qualificado, equiparado às próprias informações da Administração Tributária portuguesa (artigo 76.º, n.ºs 1 e 4 , da LGT).
Assim, numa perspectiva que tenha em mente a unidade do sistema jurídico (como impõe o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil), que pressupõe a sua coerência, a observância dos deveres decorrentes do princípio do inquisitório não é dispensada quando está em causa o accionamento das CDT, antes é por estas pressuposta, sendo essa a finalidade primacial da previsão da possibilidade de troca de informações entre as administrações tributárias. (…)
(…) Com efeito, como se referiu, mesmo quando a lei estabelece que o ónus da prova recai sobre o contribuinte, a Administração Tributária não está dispensada de «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido» (artigo 58.º da LGT). As regras do ónus da prova, no procedimento tributário, não têm o alcance de dispensar a Administração Tributária do cumprimento deste dever, mas apenas de estabelecer contra quem deve ser proferida a decisão no caso de, no final do procedimento, ficar com uma dúvida insanável sobre qualquer ponto da matéria de facto. O funcionamento destas regras, assim, ocorre apenas quando, após a actividade necessária para a adequada fixação da matéria de facto, directamente a partir dos meios de prova e indirectamente com base na formulação de juízos de facto, se chega a uma situação em que não se apurou algum ou alguns dos factos que relevam para a decisão que deve ser proferida. Nestes casos, por força das regras do ónus da prova, devem decidir-se os pontos em que se verifique tal dúvida contra a parte que tem o ónus da prova. ( ). Assim, no procedimento tributário ( ), o princípio do inquisitório, enunciado neste artigo 58.º da LGT, situa-se a montante do ónus de prova (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21-10-2009, processo n.º 0583/09), só operando as regras do ónus da prova quando, após o devido cumprimento daquele princípio, se chegar a uma situação de dúvida (non liquet) sobre os factos relevantes para a decisão do procedimento tributário, situação esta em que a matéria de facto é decidida contra a parte a quem é imposto tal ónus.
De resto, o dever de utilização de todos os meios de prova necessários resulta claramente de do artigo 50.º do CPPT que estabelece que «no procedimento, o órgão instrutor utilizará todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários ao correcto apuramento dos factos ...», independentemente de o ónus da prova recair ou não sobre o contribuinte, norma esta que está em sintonia com o artigo 72.º da LGT que estabelece que o «órgão instrutor pode utilizar para o conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento todos os meios de prova admitidos em direito».
As expressões “todas as diligências necessárias», «todos os meios de prova admitidos em direito» e «todos os meios de prova legalmente previstos que sejam necessários», utilizadas nos artigos 26.º e 72.º da LGT e 50.º do CPPT, não dão margem para interpretação restritiva quanto aos deveres de realização de diligências que a lei impõe à Administração Tributária e à não restrição dos meios de prova que deve utilizar.
Não há qualquer norma das CDT que afaste este dever que é imposto generalizadamente à Administração Tributária em todos os procedimentos tributários e é exigido para assegurar a concretização dos princípios constitucionais da prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, da justiça e da igualdade (artigo 266.º da CRP) que não se compatibilizam com a imposição de tributação em situações em que não se verificam os pressupostos substantivos da sua aplicação. Aliás, precisamente em situações deste tipo o Supremo Tribunal Administrativo, independentemente da apresentação ou não de formulário, várias vezes afirmou a preponderância da situação substantiva).”
Não se descorinando nos presentes autos quaisquer indícios de fraude fiscal, o que é determinante é que a norma do artigo 22.º, n.º 1, do EBF impõe aos organismos de investimento colectivo não residentes um regime de tributação consideravelmente mais gravoso do que o aplicável aos organismos de investimento colectivo constituídos segundo a legislação nacional portuguesa, tendo potencialidade para dissuadir os não residentes de investirem num Estado Membro da UE, desde logo porque têm de enfrentar a concorrência das entidades que usufruem do benefício fiscal, que ficam em melhores condições para comercialização dos seus produtos de investimento.
Na decisão arbitral proferida no processo do CAAD nº 68/2020-T pela árbitra adjunta neste processo, pode ainda ler-se:
“(…) tanto a jurisprudência nacional quanto a do TJUE fornecem indicações seguras quanto à desconformidade com o direito da União da disparidade do regime de tributação dos dividendos auferidos por organismos de investimento colectivo residentes e não residentes, que tem consagração nos n.ºs 1 e 10 do artigo 22.º do EBF.”
“Resulta também da argumentação expendida que não constituem fundamento bastante para se afastar a condenação da disparidade de tratamento fiscal em razão da residência dos veículos de investimento sujeitos a retenção:
- nem a possibilidade de a consideração da globalidade das imposições fiscais sobre os organismos de investimento colectivo residentes (veja-se o parágrafo 42 da decisão no processo C-190/12 - Emerging Markets Series of DFA Investment Trust Company, e tenha-se em conta que, até para a AT, o argumento da convocação das demais imposições fiscais que incidiam sobre organismos de investimento colectivo residentes só se tornou aparente ao fim de muitos casos de litigância);
- nem a possibilidade de os organismos de investimento colectivo não residentes poderem recuperar os montantes retidos (veja-se o parágrafo 63 da decisão no processo C-38/11 - Amorim Energia BV e os parágrafos 45-47 do processo 90/2019-T), ou os seus investidores (vejam-se os parágrafos 31-34 da decisão no processo Santander Asset Management SGIIC SA e, de novo, e os parágrafos 45-47 do processo 90/2019-T). De resto, resulta da legislação aplicável à Requerente – tal como foi por ela invocado – que os organismos de investimento colectivo que correspondem à sua incontestada natureza estão isentas de impostos sobre o rendimento, nos termos do disposto no artigo 173. da Lei de17 de Dezembro de 2010 (cfr. supra, 3.1.). Assim, fica legalmente excluída uma eventual compensação, no seu país de sede, dos montantes retidos pelo Fisco nacional”.”
Sem necessidade de mais considerações, as atos de liquidação em IRC impugnados (atos de retenção na fonte) são assim ilegais por assentarem em disposição legal que viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º, n.º 1, do TFUE.
Por conseguinte, o vício identificado justifica a anulação das liquidações de IRC (atos de retenção na fonte) impugnadas, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
O indeferimento expresso da reclamação graciosa enferma do mesmo vício, já que mantém as liquidações, com os fundamentos que constam da decisão de indeferimento.
Em face do exposto, impõe-se concluir que as liquidações de IRC em crise (atos de retenção na fonte), são ilegais, devendo ser anuladas, pelo que terá de proceder, na sua totalidade, o pedido apresentado pelo Requerente.
1.3. Da questão prejudicial a submeter ao TJUE
No seu PPA (artº 154º), o Requerente vem dizer que “Caso se entenda não proceder o supra exposto, porque está em causa uma questão de interpretação de Direito da União Europeia que suscita dúvidas, deverá submeter-se a respetiva interpretação ao TJUE competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.º do TFUE.”
Nos pontos 94 a 96 da sua Resposta, a Requerida vem dizer que se justifica o reenvio prejudicial neste caso para o TJUE “uma vez que estamos perante um país terceiro e perante uma situação não similar com as que já foram analisadas no CAAD”.
Entende o Tribunal que as questões objeto dos autos são absolutamente claras e foram já objeto de abundantes decisões na Jurisprudência, incluindo, em sede de reenvio prejudicial, a sobredita decisão do TJUE de 17-3-2022, não justificando o pedido de reenvio cautelarmente apresentado pela Requerente e o pedido de reenvio efetuado pela Requerida, pelo que se indeferem esses pedidos.
IV. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios
O Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela AT, bem como de pagamento de juros indemnizatórios, com referência expressa aos artigos 43º da LGT, desde a data em que a AT se deveria ter pronunciado sobre a reclamação graciosa, isto é, desde 22 de abril de 2022, ou, pelo menos, invocando a alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, desde dia 22 de dezembro de 2022.
A Requerida não põe em causa o pagamento do imposto, limitando-se a concluir que o pedido de pronúncia arbitral deverá ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos.
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º da LGT e do art. 61.º do CPPT.
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.
Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso dos montantes indevidamente pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.
Pelo que se referiu, o pedido de pronúncia arbitral procede totalmente contra as liquidações de IRC (atos de retenção na fonte), no valor global de € 208.231,26 (duzentos e oito mil, duzentos e trinta e um euros e vinte e seis cêntimos).
Por isso, o Requerente tem o direito de ser reembolsado desta quantia, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
Pelo exposto, procede o pedido de reembolso da quantia de € 208.231,26 (duzentos e oito mil, duzentos e trinta e um euros e vinte e seis cêntimos), o que é consequência da anulação.
No que concerne a direito a juros indemnizatórios, o TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União tem como consequência não só direito ao reembolso como o direito a juros, como pode ver-se pelo acórdão de 18-04-2013, processo n.º C-565/11 (e outros nele citados), em que se refere:
21 Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C-113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).
22 Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).
23 A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida).
No entanto, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo.
O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, sob a epígrafe “Pagamento indevido da prestação tributária”, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3 – São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.
Os erros que afectam as retenções na fonte não são imputáveis à Administração Tributária, pois não foram por ela praticadas.
No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente e este erro é imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira.
A questão mais discutível no âmbito da jurisprudência tem respeitado ao termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios numa situação como a dos autos.
Recentemente, o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo uniformizou jurisprudência sobre esta matéria, especificamente para os casos de retenção na fonte seguida de reclamação graciosa, no acórdão de 29-06-2022, processo n.º 93/21.7BALSB, nos seguintes termos:
Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T.
Tratando-se de jurisprudência uniformizada, ela deve ser acatada, pelo que é de concluir que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data em que se operou o indeferimento expresso da reclamação graciosa, relativamente ao montante a reembolsar.
Os juros indemnizatórios devem ser contados desde data em que se operou o indeferimento expresso da reclamação graciosa até integral reembolso ao respectivo Requerente, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
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Decisão
Em face do exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Indeferir os pedidos de reenvio prejudicial formulados pelo Requerente e pela Requerida;
b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado;
c) Anular o acto de indeferimento expresso do procedimento de reclamação graciosa n.º …, conforme pedido;
d) Anular os atos tributários de retenção na fonte, a título de IRC, que foram efetuados a título definitivo, sobre os dividendos auferidos de fonte portuguesa, no período de 2020, no valor global de € 208.231,26 (duzentos e oito mil, duzentos e trinta e um euros e vinte e seis cêntimos), conforme pedido;
e) Condenar a Requerida no reembolso dos valores das retenções indevidas, no valor global de € 208.231,26 (duzentos e oito mil, duzentos e trinta e um euros e vinte e seis cêntimos), com juros indemnizatórios, desde data em que se operou o indeferimento expresso da reclamação graciosa, conforme decidido em IV;
f) Condenar a Requerida no pagamento das custas deste processo atento o seu decaimento.
VI. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º A n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 208.231,26 (duzentos e oito mil, duzentos e trinta e um euros e vinte e seis cêntimos).
VII. Custas
De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 4.284,00 (quatro mil duzentos e oitenta e quatro euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, conforme decidido supra.
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Notifique-se, incluindo o Ministério Público.
Lisboa, 20 de setembro de 2023
O Tribunal Arbitral
José Poças Falcão
(Árbitro Presidente)
Elisabete Flora Louro Martins Cardoso
(Árbitra Adjunta)
Pedro Miguel Bastos Rosado
(Árbitro Adjunto e Relator)