Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 144/2023-T
Data da decisão: 2023-09-11  IRS  
Valor do pedido: € 5.223,54
Tema: IRS – Falta de Fundamentação do Ato
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SUMÁRIO

  1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) preconiza que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato, visando responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro.
  2. A fundamentação é suficiente quando proporcione aos destinatários do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que o praticou, i.e., quando um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada.

 

A Árbitra Dra. Rita Guerra Alves, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 17-05-2023, com respeito ao processo acima identificado, decide o seguinte:

 

Decisão Arbitral

  1. Relatório

É Requerente A..., titular do NIF ..., residente na Rua ..., ..., ...-... Porto Santo, doravante designada de Requerente ou Sujeito Passivo.

É Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.

A Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, notificada a Autoridade Tributária em 10-03-2023.

A Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitro, Dra. Rita Guerra Alves.

Em 27-04-2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Coletivo, foi regularmente constituído em 17-05-2023, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

Por despacho de 28-06-2023, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada em sintonia com o previsto no artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT. Mais foram as partes notificadas para querendo apresentarem alegações escritas finais, no prazo de 10 dias a correr em simultâneo, e o Tribunal indicou a data previsível para prolação da decisão arbitral, com advertência da necessidade de pagamento da taxa arbitral subsequente pela Requerente até essa data (v. disponível no SGP do CAAD).

A Requerente apresentou alegações em 30-06-2023, reafirmando, no essencial, a posição assumida no respetivo articulado.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

  1. Posição Das Partes

A ora Requerente, deduziu pedido de pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, n.º 2022..., relativo ao ano de 2018, que fixou um imposto a pagar de € 5.223,54 (cinco mil duzentos e vinte e três euros e cinquenta e quatro cêntimos).

A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:

  1. A Requerente adquiriu em maio de 2006 o imóvel com a matriz urbana n.º..., ..., correspondente ao ... esquerdo do prédio sito no n.º ... da Rua ..., em Lisboa, por 145.000,00€.
  2. A Requerente alienou o Imóvel em setembro de 2018 por 255.000,00€.
  3. Na primeira declaração de IRS de 2018, a Requerente declarou ter alienado o Imóvel pelo valor de 255.000,00€ e por o ter adquirido por 14.500,00€ manifesto lapso esse que determinou à Requerente o pagamento de 3.037,98€.
  4. Porém, a menção dos 14.500,00€ como valor de aquisição do Imóvel resultou de um erro material, o qual, quando detetado pela Requerente foi por esta submetida, em 02.07.2019, declaração de substituição ... com o valor corrigido para 145.000,00€.
  5. Nessa declaração a Requerente mencionou a intenção de reinvestir 180.000,00€ (cento e oitenta mil euros) na aquisição de um novo imóvel a ser afeto à sua morada de habitação permanente.
  6. Fruto desta declaração de substituição onde corrigiu o referido valor de aquisição do Imóvel, a Requerente recebeu da AT, ora Requerida, o montante de 1.883,78€; ou seja, dos 3.037,98€ pagos, a Requerida deduziu 1.154,00€ de imposto a pagar, devolvendo à Requerente a quantia.1.883,78€.
  7. Na declaração de IRS, referente ao ano fiscal de 2020, a Requerente entregou, em 07-07-2021, o anexo G referente a outros incrementos patrimoniais, onde declarou ter reinvestido  parte do capital realizado na venda do Imóvel na aquisição de uma fração, inscrita sob o  artigo matricial ..., da freguesia e concelho de ..., distrito do Funchal, a qual destinou como casa de habitação permanente.
  8. A Requerente destinou 105.000,00€ (cento e cinco mil euros) na aquisição da sua Habitação.
  9. Considerando a diferença entre a intenção de afetação do capital realizado ao reinvestimento inicialmente declarado e o efetivamente investido, isto é, 180.000,00€ (intenção) para os 105.000,00€ (investido), a Requerida, considerou que a Requerente tinha a pagar a título de mais valias a quantia de 7.872,07€.
  10. Abatidos os 1.154,00€ (já pagos pela Requerente), a Requerente pagou então, em 14.08.2022, a quantia de 6.717,87€ (seis mil setecentos e dezassete euros e oitenta e sete cêntimos), perfazendo os 7.872,07€.
  11. Pagamento que teve por base a declaração modelo 3 com a identificação 2018 - ...-..., de 2022.04.29.
  12. Nesta constou:

O valor do Imóvel alienado em setembro de 2018 – 255.000,00€

O valor considerado a título de despesas e encargos com alienação do Imóvel – 10.823,50€

O valor considerado com extinção do mútuo com hipoteca – 61.211,59€

O valor da Habitação adquirida em 23.10.2020 – 105.000,00€

Donde, o cálculo da mais valia considerou:

O valor da realização – 255.000,00€

O coeficiente de atualização monetário – 1.15

O valor da aquisição atualizado – 166.750,00€

Despesas e encargos – 10.823,90€

A mais-valia de 77.426,10€

Considerando o valor amortizado do imóvel alienado – 61.211,59€

Considerando o montante do investimento com Habitação – 105.000,00€

  1. Tendo em conta que, enquanto trabalhadora por conta de outrem auferiu no período 2018.01.01 a 2018.12.31 – 31.872,98€
  2. Considerando que o investimento tem em vista aquisição da sua habitação permanente – a Requerente devia ter beneficiado de 54,28% de isenção fiscal.
  3. Assim, a mais-valia tributável devia ser de 17.737,23€.
  4. Considerando o rendimento coletável apurado de 49.610,21€ (31.872,98€+17.737,23€) – que é o valor do rendimento global apurado pela Requerida na liquidação 2022.5004701795
  5. Considerando que a Requerente era solteira sendo o quociente conjugal a /1.
  6. Resulta numa parcela a abater de 5.956,68€
  7. Com um apuramento da coleta em -16.367,91€
  8. Com estes dados, a Requerente devia ter pagado à Requerida, a título de imposto - mais valias - pela alienação do Imóvel e aquisição da Habitação o montante de 7.583,11€.
  9. Ainda assim, a Requerida liquidou imposto no montante de 7.872,07€ ou seja mais 288,96€ do valor realmente devido.
  10. Desta feita, a Requerida, determinou à Requerente um rendimento global de 60.098,12€, que a Requerente não consegue perceber como foi apurado, por falta de fundamentação da Requerida, vício que desde logo invoca e que acarreta a invalidade este acto.
  11. Do nr. compensação 2022 ... determinava à Requerente o pagamento de 5.122,99€ até 11.01.2023.
  12. A Requerente alega que a notificação RY...PT  – demonstração de liquidação nr. 2022..., de 28.11.2022, bem como as demais referidas no supra artigo 23.º, da qual a Requerente só tomou conhecimento já em pleno curso do processo de execução fiscal, alterou a situação tributária da Requerente, na medida em que a Requerida, alterou o rendimento global da Requerente, de 49.610,21€ para 60.098,12€.
  13. Alteração que, além de não ter qualquer fundamento fáctico de suporte, pois os dados da primeira declaração vigente, de 21.06.2022, são os mesmos dados da segunda declaração vigente, de 30.11.2022, pois têm por base A MESMA, declaração 2018-... – ... – ..., e configuram um aumento inexplicável do rendimento global da Requerente e um aumento do imposto liquidado, montantes que a Requerente não consegue alcançar por vício de falta de fundamentação da Requerida.
  14. Sustenta a Requerente, se a Requerida, com base na declaração 2018-... – ... – ... apurou um imposto no montante de 7.872,07€, como é que, com base na mesma declaração apura um imposto de 12.995,06€?
  15. Pelo que, sempre a Requerida devia ter notificado a Requerente mediante carta registada com aviso de recepção, o que não tendo acontecido, e tendo a Requerente somente tomado conhecimento da nova liquidação de 28.11.2022 já em processo de execução fiscal, isto após 01.02.2023, houve uma omissão para o exercício do direito de audição antes da liquidação, o que contribui, no presente caso, para uma diminuição dos meios de garantia e de defesa da Requerente.
  16. A tudo isto acresce que a Requerida não fundamenta o inter-cognitivo através do qual a Requerente  possa perceber como é que, com base na mesma declaração de rendimentos esta vê alterada o seu rendimento global de 49.610,21€ para 60.098,12€, isto é, um incremento de 10.487,91€, quando como factos tributários concorrentes para aquisição desse rendimento estão unicamente os auferidos no anexo A – enquanto trabalhadora por conta de outrem e as mais valias tributadas pela alienação do Imóvel – ou seja, os mesmos que deram azo ao apuramento do imposto pago de 7.872,07€.
  17. Termina a Requerente peticionando que o presente pedido de pronúncia arbitral seja totalmente procedente por provado e nessa medida profiram decisão anulatória que: determine a ilegalidade do acto de liquidação de IRS com o nr. 2022..., de 28.11.2022, referente ao período de 2018-01-01 a 2018-12-31, que por sua vez deu azo ao nr. de compensação..., de 2022-12-02, e cumulativamente, no valor de 5.223,54€ (cinco mil duzentos e vinte e três euros e cinquenta e quatro cêntimos), e, bem assim,  que a Requerida, AT, seja condenada à restituição da quantia de 5.223,54€ (cinco mil duzentos e vinte e três euros e cinquenta e quatro cêntimos), acrescida de juros indemnizatórios nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT desde 09.02.2023 até ao seu efetivo e integral pagamento.

A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:

  1. Por exceção, alegou a incompetência material do Tribunal Arbitral, e ilegitimidade da AT, invocou que no caso ora em apreço, é imperioso tomar em consideração o facto de a Requerente ter domicílio fiscal no concelho do Porto Santo, sito na Região Autónoma da Madeira. 
  2. Isto porquanto tal facto enforma a situação em apreço de um conjunto de especificidades próprias derivadas das cominações constitucionais, plasmadas nas alíneas i) e j) do nº 1 do art. 227º da CRP, segundo as quais as regiões autónomas têm o poder de exercer poder tributário próprio (al..i)) e dispor das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas (al. j)). Estas mesmas cominações surgem repercutidas no art, 107º e al. b) do art. 108º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira (originariamente publicado pela Lei nº 13/91, de 05/06), na sua versão republicada pela Lei nº 130/99, de 21/08.
  3.  Refere que o Governo Regional, é o sujeito ativo de IRS aqui em causa.
  4. Assim é, porque a Requerente tem o seu domicílio fiscal no Funchal e o IRS aqui em questão é receita da Madeira.
  5. Por impugnação alegou que a Requerente afirma que não sabe como foi apurado o rendimento de € 60.098,12, pelo que solicitaram ao Serviço de Finanças de Lisboa ... o devido esclarecimento sobre esta questão, tendo sido referido o seguinte:

Na sequência o email infra, informa-se relativamente ao acréscimo do rendimento verificado:

Na 2ª declaração de substituição apresentada (2018-... -... ) de que resultou o rendimento de 49 610,21€, declarou o SP no Anexo G- Quadro 5 a intenção de proceder ao reinvestimento do montante de 105 000,00€ na aquisição de imóvel destinado a sua habitação própria e permanente , nos termos do artº  10º nº 5, alinea b) do CIRS, reinvestimento que devia ter lugar no prazo de 36 meses a contar da data da realização ( Setembro de 2018 ). O reinvestimento a ter lugar tinha de ser declarado no Anexo G do ano em que acontecesse.

Consultada as declarações de IRS dos anos de 2019, 2020 e 2021, verifica-se que dos Anexos G apresentados não faz parte qualquer reinvestimento pelo que não tendo sido concretizado o reinvestimento há lugar à reliquidação da declaração do ano de 2018.”

  1. Relativamente ao facto de a Requerente referir que não recebeu as notas de liquidação a 13 de dezembro de 2022, consultamos o site dos CTT e a informação é que o envio foi entregue. O processo de envio terminou.
  2. Neste sentido consideramos que as liquidações foram rececionadas pela Requerente naquela data – 13/12/2022.
  3. Por tudo o exposto, deve ser mantida a liquidação supra mencionada, devendo-se concluir pela improcedência do ppa.
  4. Termina a Requerida peticionando que devem as exceções de incompetência material do Tribunal Arbitral e falta de legitimidade da AT no processo ser julgadas procedentes e, nessa medida, o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente, absolvendo-se a entidade demandada do pedido, como é de Direito e de Justiça.
  1. Do Mérito
    1. Questões Decidendas

Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentada, constituem questões centrais a dirimir, as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:

  1. Exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral e falta de Legitimidade da AT.
  2. Ilegalidade da liquidação adicional em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2022..., relativo ao ano de 2018, que fixou um imposto a pagar de  € 5.223,54 (cinco mil duzentos e vinte e três euros e cinquenta e quatro cêntimos).
  3. Direito da Requerente ao reembolso desse montante e a juros indemnizatórios.

 

  1. Fundamentação De Facto

Consideram-se provados os seguintes factos, assente na prova documental constante do processo que não mereceu impugnação:

  1. A Requerente no ano de 2018 tinha o seu domicílio fiscal localizado em Lisboa, na Rua ... n.º. ... –..., em Lisboa, e em 21.09.2018 alterou o seu domicílio fiscal para a Rua ..., n.º..., em Lisboa.
  2. A Requerente em 05.11.2020, alterou o seu domicílio fiscal para a Rua ..., fração ..., em Porto Santo na Região Autónoma da Madeira.
  3. A Requerente adquiriu em maio de 2006 o imóvel com a matriz urbana n.º..., ..., correspondente ao ... esquerdo, do prédio sito no n.º ... da Rua ..., em Lisboa, por 145.000,00€ (cento e quarenta e cinco mil euros). Cf. doc.1 do PPA.
  4. A Requerente alienou o Imóvel em setembro de 2018 por 255.000,00€ (duzentos e cinquenta e cinco mil euros). Cf. doc.2 do PPA.
  5. Na primeira declaração de IRS de 2018, n.º ... - 2018 - ...– ..., a Requerente declarou ter alienado o Imóvel pelo valor de 255.000,00 e por o ter adquirido por 14.500,00€, conforme declaração: Cf. Doc 3.

 

  1. Que resultou na nota de liquidação nº 2019..., e no pagamento de 3.037,98€ (três mil e trinta e sete euros e noventa e oito euros), cfr demonstração de liquidação de IRS:

 

Cf. Doc 3 e 4 do PPA

  1. A Requerente procedeu ao pagamento do referido imposto.
  2. A Requerente submeteu em 02.07.2019, com o n.º ... - 2018 - ... – ..., uma declaração de substituição, onde corrigiu o erro do valor de aquisição do imóvel, incorretamente declarado por 14.500,00€, tendo corrigido o valor de aquisição do Imóvel para o valor correto de 145.000,00€:

 

. Cf. Doc 3.

  1. A Requerente em 02-07-2019, apresentou à AT esta declaração, solicitando a correção e juntou a justificação com o seguinte teor:

 

cf. Doc 6 da PPA.

  1. A AT aceitou a mesma e procedeu à emissão da nota de liquidação n.º 2020... com base na declaração de substituição, que resultou um imposto a pagar de 1.154,00€, tendo emitido o reembolso do valor pago em excesso, pela Requerente, no montante de 1.883,78€; liquidação da qual resulta o seguinte:

 

Cf.Doc 7 da PPA.

  1. A Requerente declarou a sua intenção de reinvestir 180.000,00€ na aquisição de um novo imóvel a ser afeto à sua morada de habitação permanente, conforme se extrai do documento:

 

cfr. doc. 5 o PPA.

  1. Na declaração de IRS referente ao ano fiscal de 2020, n.º ... - 2020 - ... - ..., a Requerente entregou, em 07-07-2021, o anexo G referente a outros incrementos patrimoniais, onde declarou ter reinvestido parte do capital realizado na venda do Imóvel na aquisição de uma fração inscrita sob o artigo matricial ... da freguesia e concelho de..., distrito do Funchal a qual destinou como casa de habitação permanente, conforme se extrai do documento:

 

Cf. doc.7 da PPA.

  1. A Requerente entregou a sua declaração de rendimentos, onde declarou os 105.000,00€ investidos na aquisição do novo imóvel, face aos 180.000,00€ que tinha inicialmente a intenção de investir, e desta declaração resultou um imposto a pagar de 7.872,07€, conforme nota de liquidação n.º 2022..., e se extrai do documento:

 

Cf. doc.9 da PPA.

  1. Dessa declaração resulta, uma mais-valia tributável de 17.737,23€, e um rendimento coletável apurado de 49.610,21€, conforme liquidação 2022..., cfr. doc. 9 da PPA.
  2. A Requerente procedeu ao pagamento, em 14.08.2022, a quantia de 6.717,87€, acrescido dos 1.154,00€ já pagos pela Requerente, perfazendo os 7.872,07€, conforme comprovativo de pagamento. Cf. doc.10 da PPA.
  3. A Requerida emitiu uma demonstração de liquidação de IRS, n.º 2022..., com o seguinte teor:

 

  1. Dessa liquidação consta um rendimento global da Requerente de 60.098,12€, e determinava um imposto a pagar de 12.99,86€, juros compensatórios, resultando um saldo de 5.122,99, conforme demonstração de acerto de contas:

 

 

  1. Factos Não Provados

Dos factos com interesse para a decisão da causa, todos objetos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

 

  1. Fundamentação Da Fixação Da Matéria De Facto

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

  1. Do Direito
    1. Questões Previas – Incompetência Material e falta de legitimidade

A Requerida alegou, que a Requerente tem domicílio fiscal no concelho do Porto Santo, sito na Região Autónoma da Madeira. Defende que as Regiões autónomas têm o poder de exercer poder tributário próprio e dispor das receitas fiscais nelas cobradas ou geradas. Sendo que o IRS é receita da RAM, nos termos definidos no artigo 108º, al. d) e 112º, nº1 al. a) daquele Estatuto. Que o Governo Regional, é o sujeito ativo de IRS aqui em causa. Acresce que através do Decreto-Lei nº 18/2005, de 16 de Janeiro, foram transferidas para a Região Autónoma da Madeira as atribuições e competências fiscais que no âmbito da AT-RAM (na altura DRAF) e de todos os serviços dela dependentes vinham sido exercidas no território da Região pelo Governo da República. Defende que a AT-RAM (DRAF) não está, pois, entre os serviços vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

A Requerente contra-alegou, dizendo que a Requerida, sustenta a tese da exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral e ilegitimidade da AT unicamente, no facto da Requerente ter mencionado, que, na presente data, tem domicílio na Rua ..., ..., em Porto Santo. A declaração de rendimentos de 2018 submetida deu entrada no... , sito na Rua..., Lisboa, com o código ..., o que demonstra que, à data do facto tributário, a perceção dos rendimentos e a sua manifestação à Fazenda Pública e respetiva liquidação foi processado pela AT e não pela AT RAM. A própria declaração n.º ...-2018-... -..., que foi submetida em 2022, na sequência de contacto telefónico de funcionário da AT do referido bairro fiscal, referente ao ano de 2018, foi submetido em Lisboa, no referido e designado bairro fiscal, isto apesar da Requerente em 2022 já ter a sua morada em Porto Santo. Sendo que, o facto tributário que gera as mais valias expressas nos anexos “G” é, precisamente, esta alienação por venda. A AT RAM não é de facto nem de direito, autora de nenhum dos actos objeto do presente litígio, razão pela qual se defende que o CAAD é materialmente competente para conhecer do mérito da presente ação.

Sobre as exceções invocadas pela Requerida, a questão que se coloca é a de saber quem é o sujeito ativo do imposto aqui em apreço. Se é da Região Autónoma da Madeira ou da Região do Governo da República.

O enquadramento da questão da incompetência material do presente tribunal, coloca-se porque a AT-RAM não está legalmente vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao contrário da AT, implicando a falta de legitimidade e incompetência do presente tribunal para decidir sobre o mérito da causa.

Neste sentido, veja-se o disposto no artigo 4.º do RJAT, onde se prevê que a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos do RJAT depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, vinculação consagrada pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março. Deste modo, a AT-RAM (DRAF) não se encontra, pois, entre os serviços vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.

A jurisprudência do CAAD já se pronunciou em situações semelhantes, veja-se a título de exemplo a decisão arbitral Processo 63/2018-T, para a qual remetemos.

Retomando ao presente caso, conforme se extrai com facilidade da factualidade assente, a liquidação aqui em apreço, diz respeito ao período fiscal do ano de 2018, em concreto, conforme alega a AT, a uma reliquidação da declaração do ano de 2018, e a Requerente no ano de 2018, era residente e tinha o seu domicílio fiscal em Lisboa. Sendo que a alteração de domicílio fiscal para a Região Autónoma da Madeira, apenas se verificou em 05.11.2020.

Assim, a liquidação em apreço, pese embora tenha sido emitida em 2022, incide exclusivamente sobre o período fiscal de 01.01.2018 a 31.12.2018, concretamente, segundo alega a AT diz respeito a uma reliquidação da declaração do ano de 2018.

Ora, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 10.ºdo CIRS, o momento fiscalmente relevante é a data da alienação do imóvel, e não a data da emissão da liquidação. Ora, segundo a AT, no caso concreto, decorreu dos prazos para reinvestimento, que a AT alegou que a Requerente não cumpriu, não tendo procedido à declaração do reinvestimento, que resultou numa reliquidação para o ano de 2018.

É entendimento pacifico da jurisprudência, e plasmado nas demonstrações de liquidação juntas ao processo pela Requerente, que o não reinvestimento por parte do sujeito passivo, irá resultar numa correção ou acerto de contas ao ano da alienação do imóvel, no ano da alienação, resultando inclusive na cobrança de juros indemnizatórios por parte da AT.

Continuando a nossa análise, não resulta da legislação em vigor, que, com a alteração posterior do domicílio fiscal, do sujeito passivo, para a Região da Madeira, implique e transforme a RAM no sujeito ativo, de todos os Impostos do Sujeito Passivo, anteriormente à sua mudança.

Concluindo, a questão das exceções alegadas de incompetência material do presente tribunal e da ilegitimidade, não se verificam, porquanto da factualidade descrita, e provada, a Requerente no ano de 2018 tinha o seu domicílio fiscal em Lisboa. A alteração do domicílio fiscal pela Requerente para a RAM deu-se em 2020, não alterando o sujeito ativo do imposto em 2018.

Dito isto, estando perante uma liquidação respeitante ao ano de 2018, ano em que a Requerente era residente fiscal em Lisboa, a legitimidade é da Autoridade Tributaria, e o presente tribunal é competente para apreciar o mérito da causa.

Pelo anteriormente exposto, improcede a exceção de incompetência material do tribunal arbitral e de falta de legitimidade da AT.

  1. Ilegalidade da Liquidação: delimitação das questões a decidir:

Tendo em consideração a posição das Partes e a matéria de facto dada como assente, as questões jurídicas que importa solucionar, são o vício de falta de fundamentação da Requerida, por preterição de uma formalidade essencial, manifestamente lesivo e invalidante do ato, e a ilegalidade do ato por violação de lei.

Vejamos, pois, se assiste razão à Requerente quanto à alegação dos vícios de forma:

Da matéria de facto considerada provada, para este efeito, importa realçar a seguinte:

  1. A Requerente submeteu em 2019 a sua declaração de substituição IRS, a intenção de reinvestir o valor total da alienação do imóvel ocorrido em 2018.
  2. A Requerente submeteu em 2020 a sua declaração de IRS, declarando ter procedido ao reinvestimento parcial do valor total da alienação do imóvel ocorrido em 2018, nos termos do regime previsto no n.º5 do artigo 10.º do CIRS.
  3. Conforme as suas declarações de rendimentos, a Requerente declarou a sua intenção de reinvestir 180.000,00€, tendo apenas reinvestido 105.000,00€.
  4. Neste seguimento, a alteração dos rendimentos pela Requerente, por meio da declaração submetida pela Requerente, resultou um rendimento global 49.610,21€, e um imposto a pagar de 7.872,07€, referente ao ano de 2018, face aos 1.154,00€ já pagos pela Requerente.
  5. A Requerida veio por meio de demonstração de liquidação de IRS n.º 2022..., datada de 28-11-2022, notificar a Requerente do imposto a pagar de 12.995,86€ e juros compensatórios, quanto período fiscal de 2018, do qual resultando um saldo de imposto a pagar de 5.122,99€.
  6. Desta demonstração, resulta uma diferença no rendimento global de 49.610,21€ declarados pela Requerente para 60.098,12€ da Requerida.

A matéria de facto está fixada, importa agora proceder à subsunção jurídica, e determinar o Direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões Decidendas já enunciadas.

Iniciamos pela apreciação do vicio de falta de fundamentação.

A Requerente invoca o vício formal, de falta de fundamentação, alicerçada no disposto nos artigos 77.º da LGT, 125.º, n.º 2 do CPA e 268.º, n.º 3 da CRP. 

Neste âmbito, vejamos qual a fundamentação do ato tributário em causa.

Assim, refere o seguinte, conforme se colhe da demonstração de liquidação adicional de IRS 2022 ..., que se transcreve:

 

Ora, liquidação em que resulta um aumento de imposto e juros de 5.122,99€, face à declaração submetida pela Requerente, e um aumento do rendimento global de 49.610,21€ para 60.098,12€, que originou no aumento do imposto a pagar já referido.

Vejamos, esta questão, sob o ponto de vista da análise da legislação, jurisprudência e doutrina.

Ora, é consabido, que a Administração Tributária, tem o dever de fundamentar os atos de liquidação impugnados de harmonia com o princípio plasmado no art. 268º da CRP e acolhido nos arts. 125º do CPA e 77 º da LGT.

Assim, resulta do nº 1 e 2 do artigo 77º da LGT o seguinte: “1-A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo as que integrem o relatório da fiscalização tributária. 2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”.

Também, quanto a esta questão da fundamentação do ato, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do processo n.º 01674/13, de 03-12-2014, que: "A fundamentação a que se refere este normativo legal terá, pois, de assentar em razões de facto e de direito que suportem formalmente a decisão administrativa.

E, como é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de ato e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o ato estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do ato, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual.

Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos de facto e de direito que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração na determinação do ato. E, por isso, a insuficiência, a obscuridade e a contradição da motivação equivalem a falta de fundamentação (art. 125º nº 2 do CPA), por impedirem uma cabal apreensão do iter volitivo e cognoscitivo que determinou a Administração a praticar o ato com o sentido decisório que lhe conferiu.

No que se refere à fundamentação de direito, a jurisprudência deste Tribunal tem decidido que para que a mesma se considere suficiente não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado, devendo considerar-se o ato fundamentado de direito quando ele se insira num quadro jurídico. Como se dá nota no acórdão do Pleno desta Secção de 25/03/93, no proc. nº 27387, o dever de fundamentação fica assegurado sempre que, mau grado a inexistência de referência expressa a qualquer preceito legal ou princípio jurídico, a decisão se situe num determinado e inequívoco quadro legal, perfeitamente cognoscível do ponto de vista de um destinatário normal, concluindo-se, assim, que haverá fundamentação de direito sempre que, face ao texto do ato, forem perfeitamente inteligíveis as razões jurídicas que o determinaram."

26.           Em sentido idêntico, diz-nos ANTÓNIO LIMA GUERREIRO em nota ao artigo 77.º da LGT: «Tem sido jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal Administrativo (seguida a partir do Acórdão de 11 de Dezembro de 1991, recurso 11897), que a falta de notificação da fundamentação não afecta a legalidade do ato. É um elemento exterior ao ato e não um requisito da sua perfeição. A falta de notificação da fundamentação conduz apenas à consequência prevista no artigo 37º do CPPT, nos termos do qual, se a notificação não contiver todos os requisitos previstos na lei, pode o interessado requerer a notificação dos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha isenta de qualquer pagamento, contando-se apenas a partir da notificação dos factos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha o prazo de reclamação, recurso ou impugnação judicial.»

Resulta do exposto, que para a fundamentação exigida pelo artigo 77 º da LGT, é absolutamente fundamental que os atos contenham elementos suficientes para compreender os aspetos de facto e de direito que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração na determinação do ato.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) preconiza que a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de ato, visando responder às necessidades de esclarecimento do contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro – vide a título de exemplo os acórdãos do STA, processos n.ºs 065/09, de 15 de abril de 2009, e 01114/05, de 2 de Fevereiro de 2006. 

JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE considera que a insuficiência da fundamentação conduz a um vício de forma equivalente à falta de fundamentação, quando for manifesta – cf. O Dever da Fundamentação Expressa de Atos Administrativos, Coleção Teses, 2003, Almedina, pp. 232-239.

A fundamentação é suficiente quando proporcione aos destinatários do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que o praticou, i.e., quando um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão nele prolatada (cf. acórdãos do STA, processos n.ºs 0512/17, de 14 de março de 2018, 42180, de 20 de novembro de 2002, e 46796, de 14 de março de 2001.

Retomando o caso em apreço, vejamos se a liquidação preenche os requisitos legais da fundamentação, elencados pela jurisprudência do STJ descrita, e se passa o “teste” do destinatário normal, o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil.

Das liquidações apresentadas pela Requerente, Modelo 3, já descritas na factualidade, não permite concluir o motivo do acréscimo do rendimento global aplicável pela Requerida à Requerente de 49.610,21€ para 60.098,12€.

A Requerida veio em sede Arbitral, apresentar uma justificação para essa alteração, referindo que solicitou um esclarecimento ao Serviço de Finanças de Lisboa ..., e que deu a seguinte reposta.

““Na sequência o email infra, informa-se relativamente ao acréscimo do rendimento verificado:

Na 2ª declaração de substituição apresentada (2018-...-... ) de que resultou o rendimento de 49 610,21€, declarou o SP no Anexo G- Quadro 5 a intenção de proceder ao reinvestimento do montante de 105 000,00€ na aquisição de imóvel destinado a sua habitação própria e permanente , nos termos do artº  10º nº 5, alinea b) do CIRS, reinvestimento que devia ter lugar no prazo de 36 meses a contar da data da realização ( Setembro de 2018 ). O reinvestimento a ter lugar tinha de ser declarado no Anexo G do ano em que acontecesse.

Consultada as declarações de IRS dos anos de 2019, 2020 e 2021, verifica-se que dos Anexos G apresentados não faz parte qualquer reinvestimento pelo que não tendo sido concretizado o reinvestimento há lugar à reliquidação da declaração do ano de 2018”.

De acordo com o esclarecimento apresentado posteriormente pela AT, e conforme já referido, a liquidação advém do incumprimento por parte da Requerente de declarar o reinvestimento.

Todavia, esta alegada fundamentação, apresentada pela AT, não permite ao Tribunal seguir esse raciocino ou chegar a essa conclusão em face dos documentos juntos aos autos e na posse do sujeito passivo, ora Requerente, compostos pela declaração de rendimentos de 2018 e 2020, das liquidações, da demonstração de liquidação de IRS, bem como não foi junta documentação para demonstrar a dita alegação da AT.

Por outras palavras, o Tribunal não consegue com base nos documentos que alegadamente suportam a liquidação sub judice chegar ao novo valor liquidado pela AT e o respetivo acréscimo do rendimento tributável.

A justificação, apresentada pela Requerida, à posteriori, nos presentes autos, de se tratar de uma reliquidação por falta da Requerente da menção da intenção de reinvestimento, não é compatível com as declarações submetidas pela Requente, as quais fazem essa menção.

Não foi junto aos autos, ou foi a Requerente notificada antes da emissão desta nova nota de liquidação, qualquer documento que justifique a alteração de que resultou um aumento do rendimento global e do imposto.

A este preceito, diga-se, que já foi alvo de decisão dos tribunais arbitrais, designadamente no processo 730/2021-T, a questão da falta de fundamentação, quando o sujeito passivo, não procede ao reinvestimento. Nessa decisão foi entendido, que não há falta de fundamentação se a AT proceder à emissão da reliquidação por falta do reinvestimento. Conforme decidiu a douta decisão, estão cumpridos os critérios da fundamentação e passa o “teste” do destinatário normal, o bonus pater familiae, porque a reliquidação resulta das declarações submetidas pelo sujeito passivo e pelo decurso do prazo de reinvestimento.

Contudo neste caso, tendo a Requerente, procedido corretamente à submissão e identificado corretamente a sua intenção de reinvestimento, não permite seguir o mesmo raciocino logico que se verifica quando não há o reinvestimento.

É de relevo mencionar, que a Requerente, conforme factualidade descrita, demonstrou no documento junto ao PPA, que, na sua declaração de IRS referente ao ano fiscal de 2020, entregue em 07-07-2021, no anexo G referente a outros incrementos patrimoniais, declarou ter reinvestido parte do capital realizado na venda do Imóvel na aquisição de uma fração inscrita sob o artigo matricial ... da freguesia e concelho de ..., distrito do Funchal a qual destinou como casa de habitação permanente.

Pelo que a alegação da Requerida, supratranscrita, de que a Requerente não faz qualquer reinvestimento nas declarações de IRS dos anos de 2019, 2020 e 2021, não encontra base factual, ou documental que permita a sua comprovação, contudo a Requerente fez a respetiva declaração de reinvestimento no campo 5 do Anexo G para o ano de 2020.

Face à fundamentação presente, conclui-se pela ilegalidade da liquidação ora em apreço, uma vez que foi efetuada a declaração pela Requerente do respetivo reinvestimento.

Com isto, pretende-se concluir, que não só a liquidação não permite concluir ou seguir o raciocínio da justificação apresentada pela AT em sede Arbitral, bem como não foram apresentados elementos ou prova para suportar a sua alegação. E a Requerente, cumpriu com os seus deveres de declaração, submeteu corretamente as suas declarações, motivos pelos quais não permite a este tribunal, com base nas declarações de rendimentos juntas, chegar à mesma conclusão que a AT alega, pelo que a liquidação não passa o “teste” do destinatário normal, o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do Código Civil.

Neste sentido, do que se vem dizendo, entende este Tribunal, que a liquidação não cumpre com os critérios elencados pela jurisprudência suprarreferida, não permite conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a prática do ato pela AT.

Na situação concreta, estamos perante um caso de manifesta insuficiência de fundamentação, que equivale à falta de fundamentação, de acordo com o disposto no artigo 153.º, n.º 2 do CPA aplicável por remissão do artigo 2.º, alínea c) da LGT. Termos em que, também por esta via se afigura a anulação do ato tributário.

  1. Questões de conhecimento prejudicado

Na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre todas as questões que deva apreciar, abstendo-se de se pronunciar sobre questões de que não deva conhecer (segmento final do n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT). As questões sobre que recaem os poderes de cognição do tribunal, são, de acordo com o n.º 2 do artigo 608.º, do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)”.

Em face da solução dada à questão relativa ao vicio de falta de fundamentação, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões incluídas no pedido de pronúncia arbitral.

  1. Pedido de reembolso da quantia paga e juros indemnizatórios

Veio ainda a Requerente pedir a condenação da Requerida no reembolso da quantia paga indevidamente, no montante de € 5.223,54, acrescido de juros indemnizatórios.

A procedência do pedido de anulação do ato de liquidação objeto do pedido de pronúncia arbitral tem por consequência vincular a AT nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º, do RJAT, e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que inclui, para além da restituição do indevido, “o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.

Igual consequência decorre do disposto no n.º 1 do artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável ao processo arbitral tributário por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, que estabelece “1 - A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.

O regime dos juros indemnizatórios consta do artigo 43.º, da LGT, que fixa o momento a partir do qual os mesmos são devidos, por erro imputável aos serviços (n.ºs 1 e 2) ou por “outras circunstâncias” (n.º 3), bem como a respetiva taxa (n.º 4) e a consequência do atraso na execução da sentença transitada em julgado (n.º 5).

Nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º, da LGT, aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, com entrada em vigor no dia imediato ao da sua publicação e com efeitos retroativos a 1 de janeiro de 2011, “São também devidos juros indemnizatórios (…) d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução”.

Na sequência da anulação do ato de liquidação de IRS, tem Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia paga, no valor total de € 5.223,54, como consequência da anulação, e a juros compensatórios.

Face a todo o exposto e às invocadas normas legais, decide-se pela procedência do pedido da Requerente.

  1. Decisão

Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando-se a ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2022..., relativo ao ano de 2018 objeto do processo, condenando-se a Requerida a restituir à Requerente a quantia paga, no montante de € 5.223,54, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT.

 

  1. Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 5.223,54 (cinco mil duzentos e vinte e três euros e cinquenta e quatro cêntimos), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada.

  1. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612.00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifiquem-se as Partes, bem como Digno Representante do Ministério Público, nos termos e para os efeitos dos artigos 280.º, n.º 3, da Constituição e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, do 185.º-A, n.º 2, do CPTA subsidiariamente aplicável, e do artigo 17.º, n.º 3, do RJAT.

 

Lisboa, 11 de Setembro de 2023

 

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Rita Guerra Alves