Sumário
Não se encontrando aprovada, para uma determinada “Área de Reabilitação Urbana”, uma “Operação de Reabilitação Urbana,” nos termos do nº 1 do art.º 7º do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (DL nº 307/2009, de 23 de Outubro), uma empreitada de obra sobre prédio localizado dentro dessa área não pode ser qualificada como “empreitada de reabilitação urbana”, para efeitos de aplicação da verba 2.23 da Lista I do Código do IVA, pois não existe uma situação legal de “reabilitação urbana”.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Professora Doutora Nina Aguiar (árbitro vogal e relatora) e Professor Doutor Júlio Tormenta (árbitro vogal) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03.05.2023, acordam:
I - RELATÓRIO
A…, LDA, (adiante referida como ‘Requerente’), com sede na Rua …, … - … Lisboa, com o NIPC …, apresentou, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária aprovado pelo Decreto-Lei 10/2011, de 20 de janeiro, pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à declaração de ilegalidade dos seguintes atos tributários:
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Autoliquidação de IVA 4.º Trimestre de 2021, efetuada através da declaração periódica apresentada a 15 de fevereiro de 2022;
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Autoliquidação de IVA 1.º Trimestre de 2022, efetuada através da declaração periódica apresentada a 17 de maio de 2022;
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Indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada no dia 21 de julho de 2022, contra as referidas autoliquidações.
É Requerida a Autoridade Tributária.
Por decisão do Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa foram os signatários designados como árbitros, integrando um coletivo arbitral. Nestas circunstâncias, e em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 1 e n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 03.05.2023.
Por despacho do tribunal de 03.05.23, nos termos do artigo 17.º, n.ºs 1 e 2 do RJAT, a AT foi notificada para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, devendo, no mesmo prazo, ser remetida cópia do processo administrativo, o que sucedeu em 07.06.2023.
Por despacho de 10.06.2023, o Tribunal Arbitral decidiu prescindir da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e da apresentação de alegações pelas Partes.
Em 19.06.23, a Requerente apresentou requerimento em que se pronunciou sobre a resposta apresentada pela Autoridade Tributária, tendo o Tribunal, na sequência deste requerimento, por despacho de 20.06.2023, notificado a Requerida AT para exercer o contraditório no prazo de dez dias, o que esta não fez.
II - SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e encontram-se devidamente representadas.
O processo não padece de vícios que o invalidem e não existem incidentes que importe resolver.
A cumulação de pedidos é admissível ao abrigo do art.º 104.º, n.º 1 al. b) CPPT, aplicável ao processo tributário por força da al. a) do nº 1 do art.º 29.º do RJAT, uma vez que a apreciação dos pedidos cumulados tem por base as mesmas circunstâncias de facto e os mesmos são suscetíveis de ser decididos com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo.
III – POSIÇÃO DAS PARTES
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Da Requerente
Em síntese, a Requerente alega que, encontrando-se o imóvel objeto do contrato de empreitada celebrado pela Requerente dentro da Área de Reabilitação Urbana (ARU) de Cascais e sendo a obra em causa uma obra de reabilitação urbana, nos termos do DL nº 307/2009, de 23 de julho, a mesma beneficia da taxa reduzida de IVA de 6%, nos termos da Verba 2.23 da Lista I do Código do IVA.
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Da Requerida
Em síntese, a Requerida alega o seguinte:
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O primeiro requisito para que determinada operação tenha enquadramento na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA é a de que esteja em causa uma empreitada, mas exige-se, desde logo, que a empreitada seja de reabilitação urbana;
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Para que se esteja perante uma empreitada de reabilitação urbana é necessário, não apenas a delimitação da área de reabilitação urbana, mas também a aprovação de uma operação de reabilitação urbana a desenvolver nessa área;
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Deve, por esse motivo, entender-se que apenas estão em causa empreitadas de reabilitação urbana, quando as mesmas sejam realizadas no quadro de uma operação de reabilitação urbana já aprovada. Porquanto é nas operações de reabilitação urbana aprovadas, através de instrumento próprio ou de plano de pormenor de reabilitação urbana, que estão contidos a definição do tipo de operação de reabilitação urbana e a estratégia de reabilitação urbana ou o programa estratégico de reabilitação urbana, consoante a operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática (cf. artigo 16.º do mencionado normativo legal).
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Antes deste momento (aprovação da operação de reabilitação urbana), as empreitadas realizadas na área delimitada de reabilitação urbana não são ainda qualificadas de empreitadas de reabilitação urbana nos termos do Decreto-lei n.º 307/2009, de 23 de outubro (…), e assim também não o podem ser para efeitos do exigido na letra da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA.
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No caso da área de reabilitação urbana em que se situa o prédio em causa nos autos, não se provou nem é do conhecimento da Requerida que tenha sido aprovada uma operação de reabilitação urbana, pelo que a empreitada não se qualifica com empreitada de reabilitação urbana.
IV – QUESTÕES A DECIDIR
A única questão a decidir nos presentes autos consiste em saber se, sendo adjudicada e realizada uma empreitada de reabilitação de um prédio urbano, situado dentro de uma Área de Reabilitação Urbana, delimitada nos termos do Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, mas para a qual não se encontrava em vigor, ao tempo da contratação da empreitada, qualquer plano de operações de reabilitação urbana, tal empreitada pode ser considerada uma “empreitadas de reabilitação urbana”, para efeitos de aplicação da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, e, como tal, deve a mesma beneficiar da taxa reduzida de 6% desse imposto.
V - MATÉRIA DE FACTO
O Tribunal Arbitral dá como provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade por quotas cujo objeto social é a compra, venda e investimentos em imóveis, e revenda dos adquiridos para esse fim, a construção e remodelação de imóveis, e a promoção imobiliária no âmbito dos imóveis adquiridos com essa finalidade;
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No decurso da sua atividade a Requerente celebrou, em 21 de setembro de 2021, um Contrato de Empreitada com a construtora B… – Projetos e Construções, SA. (doc. 5 junto pela Requerente);
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O contrato de empreitada tinha por objeto “a execução (...) de todos os trabalhos necessários e complementares a execução integral da empreitada de demolição de pré-existências e construção do referido edifício, nomeadamente todas as atividades referentes a fornecimentos, construção, execução e montagem dos materiais e dos equipamentos previstos (...)” (doc. 5 junto pela Requerente).
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A obra foi contratada para ser executada num prédio urbano localizado em Cascais, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o número …, da União das Freguesias de cascais e Estoril e inscrito na matriz urbana sob o artigo …, sito na Avenida …, …-… Cascais;
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Nos termos previstos no mencionado Contrato de Empreitada e nos dois trimestres em causa, o Empreiteiro emitiu seis faturas, identificadas e com os elementos constantes da tabela seguinte (documentos 6 a 11 juntos pela Requerente):
Número
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Valor (euros)
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Data
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FA 2021/182
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87 087,27
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26-11-2021
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FA 2021/169
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70 730,85
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28-12-2021
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FA 2021/212
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56 345,59
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30-12-2021
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FA 2022/8
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73 040,39
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31-01-2022
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FA 2022/32
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70 137,62
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28-02-2022
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FA 2022/58
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80 389,38
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29-03-2022
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Em relação ao 4.º Trimestre de 2021, foram consideradas as faturas números FA 2021/182, FA 2021/169 e FA 2021/212, que totalizam o valor global de 214.163,71€, o que equivale ao valor de IVA de 49.257,65 € à taxa de 23%;
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Na declaração periódica referente ao 4.º Trimestre de 2021, entregue no dia 15 de fevereiro de 2022, foi apurado o valor a pagar ao Estado de 49.244,93;
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Este valor foi pago pela Requerente em 17.02.2022 (documentos 12 e 13 juntos pela Requerente);
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Em relação ao 1.º Trimestre de 2022, foram consideradas as faturas números FA 2022/8, FA 2022/32 e FA 2022/58, que totalizam o valor global de 223.567,39 €, o que equivale ao valor de IVA de 5.420,50 € à taxa de 23%.
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Na Declaração Periódica referente ao 1.º Trimestre de 2022, entregue no dia 17 de maio de 2022 foi apurado o valor a pagar ao Estado de 51.420,50€;
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Este valor foi pago pela Requerente em 17.05.2022 (documentos 14 e 15 juntos pela Requerente);
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O referido contrato de empreitada tem por objeto o prédio urbano sito na Avenida …, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º … da União de Freguesias de Cascais e Estoril e inscrito na matriz da mesma freguesia sob o artigo ….
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O prédio urbano identificado acima e objeto do Contrato de Empreitada estava localizado em área de reabilitação urbana (‘ARU’), do município de Cascais, com delimitação em vigor aprovada por deliberação da Assembleia Municipal de Cascais de 28 de junho de 2021 e publicada em Diário da República pelo Aviso n.º 14079/2021, de 26 de julho (documentos 17 e 18 juntos pela Requerente);
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Em 21.07.2022, a Requerente remeteu à Autoridade Tributária, por correio, reclamação graciosa das autoliquidações impugnadas nos presentes autos, tendo sido, na mesma data, aberto pela Autoridade Tributária o procedimento de reclamação graciosa com o número …;
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À data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente não havia sido notificada de decisão sobre o procedimento de reclamação graciosa.
Dá-se como não provado:
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O facto alegado pela Requerente no ponto 63 do ppa, de que ficou demonstrado em sede administrativa que se está perante uma reabilitação urbana ao abrigo do Decreto-Lei nº 307/2009.
O Tribunal não dá como provados ou não provados quaisquer outros factos com relevância para o julgamento da causa.
Relativamente à fundamentação da matéria de facto, o Tribunal não está obrigado a pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamentam o pedido formulado pelo autor (cfr. artigos 596.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 2 a 4, do CPC e dizer se a considera provada ou não provada (cf. ainda o artigo 123.º, n.º 2, do Código do Processo e Procedimento Tributário (CPPT), ex vi artigo 29º do RJAT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC).
Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos juntos pelo Requerente bem como no processo administrativo, de que foi junta cópia pela AT, os quais, analisados de forma crítica, constituem a base da convicção do Tribunal quanto à realidade dos factos descrita supra.
VI – DISCUSSÃO DE DIREITO
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do Código do IVA, em conjugação com a verba 2.23 da sua Lista I anexa ao mesmo código, é aplicável a taxa reduzida de IVA de 6% a: “Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional”.
A norma que define o facto tributário é, assim, composta pelos seguintes elementos:
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Um contrato de empreitada;
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Que tenha por objeto uma obra de reabilitação urbana;
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Tal como definida em diploma específico;
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Realizada em imóvel (ou espaço público) localizado numa área de reabilitação urbana delimitadas nos termos legais; ou
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No âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.
No caso dos autos, não é discutido que estamos perante um contrato de empreitada.
De igual modo, não é discutido que o imóvel objeto da obra contratada se situa dentro de uma área de reabilitação urbana delimitada nos termos legais, ie, nos termos do DL n.º 307/2009, de 23 de Outubro.
Também não é discutido que o tipo de obra objeto do contrato de empreitada, consistindo numa reabilitação de um prédio urbano, pudesse ser enquadrado na verba 2.23 da sua Lista I anexa ao Código do IVA.
Discute-se, sim, que a empreitada possa ser qualificada como uma “empreitada de reabilitação urbana”.
A Autoridade Tributária considera que a empreitada não pode ser qualificada como “empreitada de reabilitação urbana” por faltar, para a área de reabilitação urbana em causa, uma “operação de habilitação urbana” aprovada pelo competente órgão municipal.
A Requerente considera que, para que a empreitada possa ser qualificada como “empreitada de reabilitação urbana” é necessário apenas que o imóvel objeto da obra se localize dentro de uma “área de reabilitação urbana” e que, de acordo com a parte final do artigo 2.º, alínea j), do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (DL n.º 307/2009, de 23 de Outubro), se consubstancie em “obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios”.
Dois processos arbitrais tributários anteriores abordaram já questões relacionadas com o conceito de “empreitada de reabilitação urbana” utilizado na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, embora nenhuma delas totalmente coincidente com a que se encontra em apreciação nos presentes autos.
No processo nº 137/2022-T (Decisão de 22.07.2022), estava em causa uma empreitada de “renovação e beneficiação geral” de um edifício localizado numa “Área de Reabilitação Urbana” (ARU).
O tribunal considerou que a renovação e beneficiação geral, encontrando-se o imóvel objeto de tais obras dentro de uma ARU, não pode deixar de se considerar uma “empreitada de reabilitação urbana”, para efeitos do disposto na verba 2.23. da lista I anexa ao Código do IVA, uma vez que a renovação e beneficiação de um edifício se enquadram na última parte da definição de reabilitação urbana constante do artigo 2.º, alínea j), do RJRU.
Colocava-se ainda a questão de saber se o facto de não existir, para a obra em causa, um licenciamento pelo município ou entidade gestora era impeditiva da aplicação da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA. A Autoridade Tributária sustentava que a aplicação da taxa reduzida estaria dependente de um licenciamento da obra, apoiando-se para tal no art.º 44.º do Regime Jurídico das Edificações Urbanas, segundo o qual a execução de uma reabilitação urbana fica sujeita a licenciamento e admissão de comunicação prévia de operações urbanísticas e autorização de utilização, inspeções, vistorias e cobrança de taxas.
O tribunal deu a esta questão uma resposta negativa, considerando que a “alegação da Requerida AT não pode deixar de se considerar como uma inferência ou uma dedução, que não está suportada no texto da verba 2.23 da lista I anexa ao Código do IVA. Na verdade, em nenhum segmento da verba 2.23 se determina que, tendo em vista a aplicação da taxa reduzida de IVA, seja necessário que a apreciação e aprovação do respetivo pedido de licenciamento seja efetuada pela respetiva câmara municipal, nos termos do artigo 4.º do RJUE”.
No processo n.º 404/2022, estava em causa uma construção nova, dentro de uma ARU.
A Autoridade Tributária sustentava a inaplicabilidade, ao caso, da verba 2.23 da lista I anexa ao Código do IVA com base em dois argumentos:
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Que essa verba se aplica necessariamente à construção de um edifício num prédio urbano devoluto ou construção após demolição integral de uma construção, excluindo a construção de um edifício totalmente novo;
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Que “a localização de um prédio em área de reabilitação urbana não constitui, por si só, condição suficiente para o enquadramento no conceito de reabilitação urbana”, sendo necessária uma certificação emitida pela Câmara Municipal, no sentido de que obra se insere numa “reabilitação urbana”.
Quanto ao primeiro argumento, o tribunal considerou, com base na al. j) do art.º 2º do RJRU que “não resulta desta definição que a construção de novos edifícios esteja excluída do conceito de «reabilitação urbana»”.
O tribunal acrescenta, porém, que “essa mesma característica de a «reabilitação urbana» consubstanciar uma «intervenção integrada sobre o tecido urbano existente» obstará a que possa ser enquadrada em tal conceito qualquer construção de edifício novo não inserida num «conjunto articulado de intervenções visando, de forma integrada, a reabilitação urbana de uma determinada área», isto é, que não se integre numa «operação de reabilitação urbana», à face da definição deste conceito que fornece a alínea h) do artigo 2.º RJRU.
E por isso, prossegue o acórdão, “tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira ao defender que o mero licenciamento de uma construção através de empreitada em local inserido numa área de reabilitação urbana, sem que haja a prévia aprovação de uma operação de reabilitação que o enquadre, não permite qualificar uma empreitada como sendo de reabilitação urbana para efeitos da verba 2.23 referida.”
No caso concreto a que o acórdão citado diz respeito, o tribunal constatou e deu como provado o facto de se encontrar em vigor, para a ARU em causa, uma “Operação de Reabilitação Urbana”.
A partir daí, desenvolveu o seu raciocínio nos seguintes termos: “Por outro lado, estando aprovada essa operação de reabilitação urbana para a área em que foi efectuada a construção, não há qualquer razão para crer que o licenciamento não foi efetuado no seu âmbito, de acordo com a «Estratégia de Reabilitação de Lisboa 2011/2014» a que corresponde a respetiva «Operação de Reabilitação Urbana Simples». Na verdade, para além de ter sido emitida pela Câmara Municipal de Lisboa a certidão que consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, em que se faz referência a esse Aviso como «condicionante», a construção em causa assume características que não permitem duvidar da sua sintonia com a referida operação de reabilitação urbana simples, que são o facto de a construção ter sido levada a cabo num terreno vendido pela Câmara Municipal de Lisboa em hasta pública e de a construção ter sido efectuada com base no «Estudo de Edificabilidade de Iniciativa Municipal» que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, elaborado pela Divisão de Projetos e Estudos Urbanos da Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa.”
Ora, no caso vertente, não se encontrava em vigor, no momento do licenciamento da obra, uma “Operação de Reabilitação Urbana” para a “ARU” em que o prédio se localiza, o que nos coloca perante uma situação distinta da de qualquer um dos processos citados.
A verba 2.23 da Lista I do Código do IVA assenta no conceito de “empreitada de reabilitação urbana”, mas não o define, assumindo, ao invés, que essa definição será efetuada em “diploma específico.”
Contrariamente à assunção do legislador tributário, nenhum diploma específico define “empreitada de reabilitação urbana”.
Mas existindo um regime jurídico da reabilitação urbana (o DL 307/2009, de 23 de Outubro, já anteriormente referido), é nele que devemos tentar encontrar a noção de empreitada de reabilitação urbana”.
O art.º 7.º do RJRA dispõe:
1 - A reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana é promovida pelos municípios, resultando da aprovação:
a) Da delimitação de áreas de reabilitação urbana; e
b) Da operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.
2 - A aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana e da operação de reabilitação urbana pode ter lugar em simultâneo.
3 - A aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana pode ter lugar em momento anterior à aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver nessas áreas.
4 - A cada área de reabilitação urbana corresponde uma operação de reabilitação urbana.
Do número 1, em particular, afigura-se-nos resultar claramente que a “reabilitação urbana” pressupõe dois elementos:
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A delimitação de uma área de reabilitação urbana; e
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A aprovação de uma operação de reabilitação urbana.
Esta interpretação é reforçada pelo nº 4 do preceito, que dispõe que “a cada área de reabilitação urbana corresponde uma operação de reabilitação urbana”.
E é ainda robustecida pelo art.º 15.º do diploma, em que se estipula que “no caso da aprovação da delimitação de uma área de reabilitação urbana não ter lugar em simultâneo com a aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver nessa área, aquela delimitação caduca se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação.”
As três disposições citadas indicam, todas elas, no sentido de que não existe uma situação legal de “reabilitação urbana” se não for aprovada uma “operação de reabilitação urbana”.
Esta interpretação está em consonância com a conclusão do acórdão tirado no processo n.º 404/2022, citado supra, em que o tribunal afirma: “tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira ao defender que o mero licenciamento de uma construção através de empreitada em local inserido numa área de reabilitação urbana, sem que haja a prévia aprovação de uma operação de reabilitação que o enquadre, não permite qualificar uma empreitada como sendo de reabilitação urbana para efeitos da verba 2.23 referida.”
Assim, há que concluir que a empreitada em causa nos autos, situando-se dentro de uma “Área de Reabilitação de Urbana” para a qual não se encontrava em vigor, à data do licenciamento, uma “Operação de Reabilitação de Urbana”, não é de qualificar como “empreitada de reabilitação urbana” para efeitos da verba 2.23 da Lista I do Código do IVA, não podendo, assim, beneficiar da taxa reduzida de 6% de IVA.
Assentando nesta conclusão, o Tribunal arbitral considera não se verificar fundamento para declarar ilegais as liquidações impugnadas.
VII – DECISÃO
Em decorrência do tudo o que ficou exposto, o Tribunal Arbitral Coletivo decide julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade, e consequentemente manter na ordem jurídica, os atos tributários impugnados, que são:
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Autoliquidação de IVA 4.º Trimestre de 2021, efetuada através da declaração periódica apresentada a 15 de fevereiro de 2022;
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Autoliquidação de IVA 1.º Trimestre de 2022, efetuada através da declaração periódica apresentada a 17 de maio de 2022;
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Indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada no dia 21 de julho de 2022, contra as referidas autoliquidações.
VIII - VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.ºA do CPPT, e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o valor do pedido é fixado em € 74.414,29 (setenta e quatro mil, quatrocentos e catorze euros e vinte e nove cêntimos).
IX - CUSTAS ARBITRAIS
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e no artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 2.448,00 € (dois mil, quatrocentos e quarenta e oito euros), nos termos da Tabela I do mencionado Regulamento, a cargo da Requerente.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 14 de agosto de 2023
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa - presidente)
(Nina Aguiar – árbitro vogal, relatora)
(Júlio Tormenta – árbitro vogal)