SUMÁRIO:
I-A factualidade invocada pela Requerida poderia ser suscetível de suscitar uma correção ao nível dos proveitos, por aplicação do artigo 63.º do CIRC, mas não uma correção ao nível dos custos com base na não subsunção dos gastos em causa ao artigo 23.º do CIRC, havendo, assim, um claro erro na determinação da consequência jurídica aplicável.
II-A contestação da concreta afetação dos gastos em causa às finalidades previstas no contrato de empréstimo celebrado pela sociedade dominada, apresentada pela Requerida no presente processo, não pode ser considerada, uma vez que a legalidade do ato tributário deve ser aferida face à sua fundamentação, que deve ser coeva deste, não sendo válida a chamada fundamentação sucessiva ou a posteriori.
III- Acresce que, reconhecendo a Requerida no presente processo a genuinidade e veracidade do contrato de empréstimo donde consta a afetação contratual do produto do mesmo a concretos investimentos previstos naquele contrato, e não tendo a Requerida alegado qualquer facto que consubstancie indício fundado de que o produto do empréstimo contraído não tenha sido aplicado na atividade da mutuária, antes expressamente referindo não questionar a transação que o contrato de empréstimo se destinava em exclusivo a financiar, sempre seria de considerar que a Requerida não afastou a presunção de veracidade da prevista no artigo 75.º, nº1, da Lei Geral Tributária.
IV-Mesmo que que a referida presunção tivesse sido afastada, sempre seria de considerar que, resultando da conjugação do contrato de empréstimo e do relatório de inspeção tributária a aquisição das sociedades que aquele contrato de empréstimo visava financiar, foi efetuada prova bastante da dedutibilidade dos gastos, face ao artigo 74º, nº 1, da LGT.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernanda Maçãs (Presidente), Paulo Nogueira da Costa e José Manuel Parada Ramos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 24 de abril de 2023, acordam no seguinte:
I – RELATÓRIO
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A... SGPS, S.A., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e de identificação fiscal ..., integrada na área de competência territorial do Serviço de Finanças de ... – ..., com sede na... – ..., ...-... ... (adiante abreviadamente designada por “Requerente”), na qualidade de sociedade dominante do grupo tributado ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”) previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“CIRC”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), e 6.º, n.º 2, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (“RJAT”), apresentar os pedidos de constituição de tribunal arbitral tributário e pronúncia arbitral em matéria tributária com vista à declaração de ilegalidade e anulação do despacho do Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa de 31 de outubro de 2022, ao abrigo de subdelegação de competências, que indeferiu a reclamação graciosa n.º ...2022..., a qual tinha por objeto o ato tributário de liquidação adicional de IRC do grupo relativo ao exercício de 2017 com o n.º 2021 ... e data de 27 de outubro de 2021, acompanhado da demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., de 24 de novembro de 2021, e correspondente liquidação de juros compensatórios, de onde resultou um montante total a pagar de € 305.694,54, bem como à declaração de ilegalidade e anulação deste ato de liquidação adicional de IRC do grupo.
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A Requerente fundamenta o pedido de pronúncia arbitral (PPA), em síntese, nos seguintes termos:
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Está em causa a ilegal desconsideração da dedutibilidade de juros pagos à banca em face do disposto no artigo 23.º do Código do IRC, com fundamento na errónea premissa de que o pagamento de juros pela B..., S.A., (“B...”) que integrava o perímetro do grupo de que a Requerente era a sociedade dominante em 2017, no âmbito de um financiamento à banca estaria, em parte, relacionado com a disponibilização de fundos à própria Requerente para que esta, por sua vez, financiasse as suas participadas;
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Na realidade, o financiamento em causa encontrava-se a ser canalizado para a atividade operacional da B... e respetiva expansão, mediante a aquisição de sociedades e a sua integração por fusão;
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Por conseguinte, verifica-se uma desconsideração da dedutibilidade de juros suportados pela B... relacionados com a obtenção de rendimentos sujeitos a imposto – por via da valorização da sua participação social no Grupo C...–, em violação do disposto no artigo 23.º do Código do IRC;
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Os financiamentos bancários obtidos pela B... decorreram de necessidades de financiamento da própria atividade da empresa – nomeadamente para efeitos de aquisição de partes sociais de outras sociedades – aquisição essa ocorrida em 2015 – e que lhe permitiram potenciar o seu negócio;
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Os financiamentos concedidos à Requerente A... SGPS resultam da aplicação dos excedentes de tesouraria gerados na esfera individual da B... e canalizados numa ótica de racionalização de recursos no contexto do Grupo D... ao abrigo do Contrato de Apoio à Tesouraria celebrado em 2 de janeiro de 2011;
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Nada disso tem a ver com o contrato de financiamento celebrado em 15 de junho de 2015, até ao montante máximo de € 72.000.000,00, por um prazo de nove anos e três meses, com um sindicato bancário;
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Tal operação teve por base a reestruturação e expansão do Grupo D..., sendo que, no que à B... diz respeito, consubstanciou-se, essencialmente, na aquisição e incorporação por fusão do negócio de retalho do Grupo C..., constituído por oito sociedades;
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Conforme se extrai da Cláusula Terceira do contrato de financiamento, “Os fundos disponibilizados (…) pelos Bancos às Mutuárias [B... e a E...] destinam-se exclusivamente a dotá-las com os fundos necessários ao pagamento do preço da Transação (…) sendo que o montante do Empréstimo a ser disponibilizado será o suficiente e necessário para o efeito (…)”;
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O empréstimo foi concedido de acordo com a seguinte distribuição: (i) B... – 52,899%; (ii) E...– 47,101%;
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A B... realizou a aquisição de partes de capital e créditos em junho de 2015, por um valor total de aproximadamente € 58 milhões, pelo que, conforme facilmente se comprova, o financiamento bancário foi exclusivamente destinado à referida aquisição;
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O Grupo D... celebrou, em 2016 e 2017, novos contratos com os bancos Santander Totta, S.A., Banco BPI S.A., Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola mútuo, C.R.L, Bankinter, S.A e Caixa Geral de Depósitos, S.A. de abertura de linhas de crédito (de médio e longo prazo e conta corrente) e, bem assim, para a emissão de papel comercial, com condições mais vantajosas do que aquelas que o empréstimo contraído em 2015 para a aquisição do Grupo C... previa;
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Pese embora o empréstimo bancário contraído em 2015 tenha sido totalmente amortizado em abril de 2017, tal apenas foi possível por via da referida contratação de linhas de crédito com diversos bancos com condições mais vantajosas para o Grupo D..., não se afastando, contudo, a operação original que conduziu à necessidade de financiamento e que em nada está relacionada com qualquer necessidade de financiamento de outras entidades do grupo;
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Deste modo, a finalidade do crédito contraído não foi alterada, tendo-se apenas verificado a substituição do financiamento contratualizado em 2015 por outro tipo de financiamento;
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Em abril de 2017, foi pago pela B... o montante total de € 21.580.789,65 relativo ao financiamento bancário contraído em 2015;
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Do montante total de juros (de empréstimos bancários e outros) contabilizado no período de tributação de 2017 (€ 761.423,64), o montante de € 196.299,84 respeita ao empréstimo contraído em 2015 e totalmente amortizado em abril de 2017 e o remanescente às linhas de crédito e emissão de papel comercial contratualizados em 2016 e 2017 e que permitiram à B... “substituir” o financiamento inicial por financiamentos com condições mais vantajosas, com a consequente redução dos seus encargos com juros:
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Assim, o montante de € 761.423,64 de juros de empréstimos bancários e outros juros registado no balancete com referência a 31 de dezembro de 2017 nas rubricas #691100 e #691801, corresponde a juros referentes ao financiamento contraído em 2015 para adquirir o negócio de retalho do Grupo C..., entretanto “substituído”, nada tendo a ver com os financiamentos intragrupo efetuados pela B..., os quais tiveram subjacente os excessos de fundos que, após cumprimento das obrigações contratualmente assumidas com a banca, permitiram ainda à B... efetuar financiamentos intragrupo no âmbito do Contrato de Apoio à Tesouraria;
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Assim, entende a Requerente que é dedutível o gasto correspondente a estes juros nos termos e para os efeitos do artigo 23.º do Código do IRC, na justa medida em que este gasto foi incorrido com vista ao crescimento do negócio e do mercado abrangido da B...– não se encontrando em nada relacionado com os financiamentos intragrupo concedidos pela B...– e, consequentemente, visando obter rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRC, pelo que é infundada e ilegal a posição propugnada pelos SIT e depois corroborada pela AT na decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
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A regra geral é a da aceitabilidade dos gastos que sejam contabilizados, podendo, em todo o caso, o legislador consagrar, em simultâneo, normas que expressamente afastam essa dedutibilidade;
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A interpretação prevalente às várias alíneas do anterior n.º 1 (atual n.º 2) do artigo 23.º do Código do IRC era que se presumia a essencialidade dos custos ou perdas que aí estavam especificamente elencados, dispensando-se, por conseguinte, o contribuinte da correspondente prova, sendo precisamente esse o propósito da enumeração;
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Dentre os gastos enumerados neste n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC estão, na alínea c), os “De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração”;
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Daí que a desconsideração dos gastos de financiamento suportados pela B... esteja, à partida, em oposição ao estabelecido na lei;
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As condições para o gasto com o empréstimo bancário relevar – ser deduzido – no apuramento do lucro tributável individual da B...– com reflexo no apuramento do lucro tributável do grupo – estavam reunidas: i) o gasto efetivamente existiu e foi contabilizado pelo sujeito passivo; e ii) existiu um nexo de causalidade empresarial ou económica entre o gasto e os rendimentos ou a manutenção da fonte produtora ou, em termos simplificados, o mesmo estava relacionado com a atividade normal da empresa;
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Nenhum facto concreto capaz de colocar em crise a dedutibilidade desses encargos financeiros por parte da B... foi invocado pela AT no RIT, que consubstancia a – única – fundamentação do ato de liquidação adicional de IRC de 2017;
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Pelo contrário, a putativa relação entre o financiamento bancário obtido a montante e os empréstimos intragrupo concedidos a jusante resulta de um juízo puramente especulativo da AT e desligado de qualquer circunstância concreta;
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A correção de € 1.066.971,76 ao lucro tributável individual da B... que foi depois espelhada pela AT na liquidação adicional de IRC de 2017 do grupo de que a Requerente é a sociedade dominante enferma de erro quanto aos pressupostos de facto e de direito, vício conducente à anulação da liquidação adicional;
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No limite, e sem conceder, estar-se-ia, de acordo com a Requerente, perante uma situação de dúvida que teria de ser valorada a favor do contribuinte em nome da regra fundamental de direito tributário enunciada no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT, segundo a qual “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”;
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Sem prescindir, e ainda que fosse de acolher o entendimento da AT, sustenta a Requerente que o raciocínio subjacente ao apuramento do montante de juros não dedutíveis por parte da AT apresenta diversas irregularidades;
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Da análise ao Anexo 6 do RIT verifica-se que, no mês de dezembro de 2017, o apuramento do montante de gastos não dedutíveis a AT considerou um encargo de juros de € 210.662,76, o qual decorre, essencialmente, de juros de swaps contabilizados neste mês na conta #691802 – Juros de swaps;
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Considerou a AT, no cálculo dos gastos com juros não dedutíveis, o montante de € 6.551,67 contabilizado na conta #691400 – Juros de Locações Financeiras e o montante de € 283.663,03 contabilizado na conta #691802 – Juros de swaps, os quais não respeitam a empréstimos bancários e nenhuma relação tinham com os financiamentos concedidos à Requerente, sendo dedutíveis nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, porquanto são encargos incorridos no âmbito da atividade operacional da empresa;
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Em face do exposto, entende a Requerente que a correção promovida pela AT poderia ter ascendido, no máximo, a € 647.058,64, de onde decorre que, mesmo que seja acolhida a fundamentação esgrimida pela AT no RIT para recusar a dedutibilidade fiscal desses encargos financeiros, o que a Requerente apenas perspetiva por mera cautela e sem conceder, existiu erro dos serviços no apuramento do lucro tributável, vício conducente à anulação da liquidação adicional;
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Sem prescindir, sustenta ainda a Requerente que a AT poderia, quando muito, ter entendido que os financiamentos em causa consubstanciam financiamentos entre entidades relacionadas, e ter aplicado as normas inerentes ao regime de preços de transferência, designadamente o disposto no artigo 63.º do Código do IRC – contudo, tal não integra a fundamentação do ato de liquidação adicional de IRC de 2017 e é unânime na jurisprudência e na doutrina que não pode ser admitida uma fundamentação a posteriori;
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Entende a Requerente que os encargos de financiamento em causa são “gastos do RETGS”, sendo que o não reconhecimento de rendimentos por parte da B... decorrente da não cobrança de juros nos financiamentos por si concedidos à Requerente corresponde necessariamente ao não reconhecimento de gastos na esfera desta última, sem qualquer impacto ao nível do imposto suportado pelo grupo fiscal, salvo Derramas, pelo que não é aceitável qualquer correção proposta pela AT a este nível;
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A Requerente sustenta, ainda, a sua argumentação nas conclusões do acórdão arbitral proferido no processo n.º 579/2021-T, que entende serem aplicáveis no caso sub judice;
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Entende, por fim, a Requerente que, estando demonstrada a existência de erro imputável aos serviços da AT na emissão da liquidação adicional de IRC de 2017, tem direito a receber juros indemnizatórios.
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É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada somente por “Requerida” ou “AT”).
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O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 13-02-2023.
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A Requerida foi notificada da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral em 17-02-2023.
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Os signatários foram designados como árbitros pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, nos termos dos números 2, alínea a), e 3 do artigo 6.º do RJAT, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e nos termos legalmente previstos.
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Em 03-04-2023 foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, conjugado com os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 24-04-2023.
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Em 27-04-2023 foi a Requerida notificada para apresentar Resposta.
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A Requerida apresentou a sua Resposta em 29-05-2023, tendo, na mesma data, remetido ao tribunal cópia do processo administrativo.
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Na sua Resposta a Requerida apresenta defesa por impugnação, sustentando a improcedência do PPA com base, em síntese, nos seguintes argumentos:
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Em momento algum a Requerente prova os factos que alega no seu pedido de pronúncia arbitral;
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As correções em causa estão cabalmente fundamentadas de facto e de direito nos relatórios das ações inspetivas, bem como na decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada;
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A Cláusula Terceira do contrato de empréstimo bancário celebrado em 15 de junho de 2015, refere que os fundos disponibilizados se destinam exclusivamente a dotar as mutuárias (B... e E...) dos montantes necessários ao pagamento do preço da transação;
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A referida transação encontra-se descrita e quantificada no Anexo 3 ao contrato, onde se encontram identificadas as sociedades adquiridas e quantificadas as diversas rúbricas do seu património, não estando, contudo, identificado o valor pago pela aquisição das participações sociais, nem existe evidência do valor pago com recurso ao contrato de financiamento;
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A demonstração da concreta afetação do empréstimo à transação em causa, que terá necessariamente como suporte documentação que se encontra em posse da Requerente, não foi trazida ao conhecimento da AT, nem do Tribunal;
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A Requerente não aduziu elementos probatórios que permitam estabelecer a relação entre os financiamentos obtidos e o gasto suportado com a aquisição de participações sociais das empresas pertencentes ao Grupo D...;
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Quando, em sede de ação inspetiva, a Requerente foi notificada para esclarecer a natureza e a aplicação do financiamento efetuado, no montante de € 31.538.746,75, a B... informou que o empréstimo tinha sido concedido no âmbito do “Contrato de Apoio à Tesouraria”, celebrado em 02.01.2011 entre várias empresas do grupo D..., o qual tem como objetivo o estabelecimento de regras gerais de apoio à tesouraria intra grupo e prevê a realização de empréstimos autónomos disponibilizados pelas sociedades, quer na qualidade de acionista, quer na qualidade de participada de forma direta ou indireta;
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O referido contrato estabelecia ainda na sua Cláusula Terceira que os empréstimos serão remunerados a uma taxa de juro indexada à Euribor a 1 mês, apurada no último dia útil de cada ano civil adicionada de uma margem percentual (spread) a definir no início de cada ano, prevendo, ainda, na sua Cláusula Quarta, que os empréstimos não podem ultrapassar o período máximo de 1 ano, contado da data em que os montantes foram disponibilizados;
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No caso em apreço, os empréstimos não geraram qualquer rendimento para a B..., sendo que o montante em causa foi concedido à A..., SGPS sem prazo de reembolso definido e a título gratuito, pelo que não foram cumpridas as condições do “Contrato de Apoio à Tesouraria”, tal como é reconhecido pela própria Requerente nos artigos 107.º e 108.º do PPA;
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A Requerente justifica a decisão de não terem sido cobrado juros com um lapso contabilístico e operacional;
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O incumprimento de cláusulas contratuais, seja ou não por mero lapso, de natureza contabilística ou de natureza operacional, é uma decisão dos órgãos de gestão da Requerente, mas não consubstancia justificação válida para aceitar a dedutibilidade fiscal de gastos, se os pressupostos determinados pelo legislador no CIRC não se encontrarem cumpridos, como acontece in casu;
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O facto de a Requerente e a B... pertencerem ao mesmo grupo não invalida que se tratem de entidades autónomas, com personalidade e capacidades jurídicas distintas, sendo os gastos e os rendimentos de cada uma das empresas apurados individualmente;
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A correção controvertida não está dependente do impacto que a mesma possa vir a gerar no resultado apurado no grupo de sociedades, mas sim das regras que dispõe o Código do IRC para apuramento do lucro tributável relativamente a cada sociedade;
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É errado o entendimento da Requerente quando sustenta que uma vez que ambas as sociedades em causa são tributadas no âmbito do RETGS, o hipotético rendimento gerado na esfera da B... (em consequência de juros pagos pela A... SGPS) seria sempre balanceado com o gasto repercutido na esfera da A... SGPS;
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Constatando-se, em sede de ação inspetiva, que a B... contraiu um financiamento, suportou encargos financeiros que contabilizou como gastos e, simultaneamente, concedeu financiamento gratuito à Requerente, considera-se não ser de aceitar fiscalmente aqueles encargos, à luz do normativo que regula a dedutibilidade de gastos ou perdas, constante do artigo 23.º do CIRC;
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Atendendo a que a fundamentação da inspeção tributária para efetuar a correção dos encargos financeiros foi o incumprimento do artigo 23.º do CIRC, é nos termos deste preceito legal que se deve aferir se os gastos, objeto de correção e resultantes do empréstimo contraído pela B..., preenchem ou não os requisitos consagrados na norma;
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Antes como agora, a relevância de um gasto para efeitos fiscais sempre dependeu da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado, sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causa é ou não empresarial, se é um gasto efetivamente incorrido no interesse da empresa ou se respeita a um qualquer outro interesse, ou seja, se estamos perante um gasto aceite fiscalmente ou não;
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Nos termos do artigo 23.º do CIRC, os gastos dedutíveis têm de respeitar dois requisitos cumulativos: i) encontrarem-se devidamente documentados; ii) sejam incorridos ou suportados para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC;
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O legislador clarificou o preenchimento do requisito da indispensabilidade, relativamente aos encargos financeiros sob a forma de juros, acrescentando que os capitais alheios a que respeitam sejam aplicados na exploração da própria entidade que os suporta;
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O lucro tributável é apurado com base na contabilidade do sujeito passivo, que para o efeito, deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística, conforme dispõe a aliena a) do n.º 3 do art.º 17.º do CIRC, dispondo a alínea b) do mesmo n.º 3 do artigo 17.º que, para o apuramento do lucro tributável, a contabilidade deve refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo.
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Assim, nos termos do disposto no art.º 75.º, n.º 1 da LGT, presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos;
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Os requisitos de dedutibilidade dos gastos não beneficiam, portanto, da presunção de veracidade que decorre do artigo 75.º, n.º 1 da LGT, atendendo à ressalva feita pelo legislador – «sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos»;
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Cabe à Requerente, que pretende fazer valer o seu direito à dedutibilidade dos gastos, o ónus de demonstrar e comprovar que o gasto teve na sua origem e na sua causa um fim empresarial;
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Uma vez que a B... se encontrava registada para o exercício da atividade com o CAE principal: 47750 - Comércio a retalho de produtos cosméticos e de higiene, estabelecimentos especializados, e CAE’s secundários 47711 - Comércio a retalho de vestuário para adultos, estabelecimentos especializados; 49410 – Transportes rodoviários e 96022 - Institutos de beleza, os gastos referentes a juros suportados com os financiamentos bancários obtidos não estão relacionados com qualquer atividade inscrita no seu objeto social, inexistindo a necessária relação entre os encargos financeiros suportados e a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto, o que impede a sua dedutibilidade;
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A B... contraiu financiamento e suportou os encargos inerentes, mas não beneficiou de tal financiamento, pois o empréstimo obtido pela B... não foi utilizado para a obtenção dos seus rendimentos sujeitos a imposto, tendo, isso sim, sido aplicado na atividade de outras sociedades, em concreto da A..., SGPS;
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Refere a Requerente que o empréstimo que a B... lhe concedeu resultou de excedentes de tesouraria, mas, conforme se pode verificar pela análise ao extrato da subconta 2662 - “Empréstimos concedidos/ Empresa mãe” – A... SGPS, o saldo inicial é de € 26.166.701,70 e o saldo final é de € 31.538.746,75, donde é possível concluir que o empréstimo concedido no exercício de 2015 à B..., empréstimo esse que a Requerente invoca ter sido unicamente utilizado para a aquisição do grupo C..., foi na verdade utilizado para financiar a Requerente;
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Os excedentes de tesouraria referidos pela Requerente não existiriam se a B... não tivesse recorrido a empréstimo bancário em montante tão elevado;
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Assim, não se encontra demonstrada a conexão entre os gastos suportados e os rendimentos sujeitos a IRC, em respeito pelo consignado no artigo 23.º do CIRC, incumprindo a Requerente o ónus da prova que sobre si recai, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT;
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Quanto à determinação do montante de encargos suportados que não foram aceites fiscalmente, os serviços da inspeção compulsaram, mensalmente, para o período em apreço (2017), o valor dos empréstimos constantes nas subcontas supra referidas, assim como o valor dos encargos suportados com o nível de endividamento, tendo posteriormente apurado a percentagem mensal do montante de empréstimos considerados não necessários à atividade da empresa e, consequentemente, o montante dos encargos não aceites fiscalmente, pelo que a correção contestada não padece dos vícios que a Requerente lhe imputa;
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As hipóteses alternativas de outras soluções legais, como a opção pela aplicação do princípio da plena concorrência, não passam de elementos hipotéticos, que não relevam para a apreciação da matéria sub judice;
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No que concerne à decisão do tribunal arbitral proferida no processo nº 579/2021-T, a fundamentação que a suporta não teve em consideração que a questão em análise – dedutibilidade dos gastos – não beneficia da presunção legal de veracidade que decorre do artigo 75.º, n.º 1, da LGT;
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Está plenamente demostrada a legalidade das correções efetuadas pelos SIT, que deverão manter-se na ordem jurídica, devendo improceder a argumentação expendida pela Requerente, por falta de prova que contrarie a fundamentação que sustenta os atos tributários impugnados;
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Não se verificando, nos presentes autos, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer direito a juros indemnizatórios.
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Por despacho arbitral de 04-06-2023, o Tribunal decidiu dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo fixado prazo para a produção de alegações escritas.
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A Requerente apresentou as suas alegações em 15-06-2023, nas quais reiterou, no essencial, os argumentos contidos no PPA, referindo ainda o seguinte:
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“O que fundamenta a liquidação adicional de IRC do exercício de 2017 ora contestada é, pois, única e exclusivamente a alegada não dedutibilidade, à luz da regra geral vertida no n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, dos encargos suportados pela B... com financiamento bancário na medida em que o mesmo estaria – hipoteticamente – relacionado com financiamentos gratuitos concedidos à A... SGPS, ora Requerente.”
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“Portanto, é apenas este fundamento, tal como foi enunciado e desenvolvido pela Requerida no RIT, cuja bondade – ou falta dela – compete a este tribunal arbitral avaliar para conceder provimento – ou não – ao pedido de anulação da liquidação adicional de imposto (cf. artigo 77.º, n.º 1, da LGT e artigos 62.º, n.º 3, alínea i), e 63.º, n.º 1, do RCPITA).”
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“Constitui jurisprudência consolidada que “Nas liquidações adicionais praticadas após procedimento de inspeção tributária, o ato de liquidação tem de ser analisado e interpretado em conformidade com o conteúdo do relatório de inspeção” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0921/15.6BEPRT, de 16 de setembro de 2020. Veja-se ainda o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 103/07.0BELRS, de 10 de fevereiro de 2022, entre muitos outros).”
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“Fundamentação a posteriori que é aquilo que, salvo o devido respeito, a Requerida procura fazer ao alegar, entre os artigos 33.º e 35.º da sua resposta, por exemplo, que não existe prova do valor exato mutuado pelos bancos que foi utilizado pela B... para pagar o preço da aquisição de oito sociedades do negócio de retalho do Grupo C...,”
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“Ou, para utilizar as palavras da própria Requerida no artigo 35.º do seu articulado de resposta, que “a Requerente não aduziu elementos probatórios que permitam estabelecer a relação entre os financiamentos obtidos e o gasto suportado com a aquisição de participações sociais das empresas pertencentes ao Grupo C...”.”
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“Em nenhum momento os serviços de inspeção da Requerida questionaram a aquisição societária que motivou a contratação do empréstimo bancário, reconhecendo, ao invés, de forma expressa a sua ocorrência em 2015 (cf. pp. 10 e 16 do RIT).”
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Tão-pouco a Requerida impugnou a genuinidade do contrato de empréstimo, “no qual ficou estipulado de forma expressa, na cláusula terceira, número 2, que “Os fundos disponibilizados, nos termos e condições previstos no Contrato, pelos Bancos às Mutuárias [B... e E..., nos montantes indicativos de € 38.160.000,00 e € 33.840.000,00, nesta ordem], destinam-se exclusivamente a dotá-las com os fundos necessários ao pagamento do preço da Transação [que, de acordo com a cláusula primeira, ponto 1.32, se consubstanciava na aquisição da totalidade do capital social e créditos dos sócios relativamente a onze sociedades pertencentes ao Grupo C...], conforme a estrutura da Transação descrita no Anexo III” (veja-se o Doc. n.º 4 junto à p.i.).”
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“A relação causal entre o empréstimo bancário titulado pelo contrato assinado em 15 de junho de 2015 e a aquisição do negócio do Grupo C... pelo Grupo D... – no qual a B... estava inserida – é evidenciada logo nos seus considerandos, de onde consta que a A... SGPS, ora Requerente, celebrou com os então detentores do primeiro grupo um memorando de entendimento com vista à sua compra pela B... e pela E... e que, “Para financiar a Transação, a A... SGPS iniciou com os Bancos uma negociação com vista à concessão de um empréstimo”.”
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“Relação que é densificada pelos Anexos I (conjunto das sociedades abrangidas pela transação, aí se identificando a B..., então sob outra designação, e as oito sociedades do Grupo C... que nela viriam a ser incorporadas por fusão ainda em 2015) e II (perímetro da transação), sendo que neste último ficou estipulado, no que foi designado como “perímetro alargado” – aceite pelos bancos, conforme o considerando 1.12 –, que a “F... S.A. [atual B...] adquire as 8 sociedades operacionais de retalho do Grupo C......” e que, até 31 de dezembro de 2015, as “Sociedades adquiridas Grupo C... serão fundidas nas sociedades adquirentes F... S.A. [B...] e E... S.A.”.”
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“Bem vistas as coisas, o próprio contrato de empréstimo junto como Doc. n.º 4 à p.i. faz soçobrar a tese da Requerida segundo a qual a B... teria utilizado fundos mutuados pelos bancos para financiar gratuitamente a A... SGPS, ora Requerente.”
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Do Anexo III ao contrato (fluxos de transação) consta que: na chamada “fase 1” o sindicato bancário disponibilizou à B... a quantia de € 36.500.000; que a “Fase 3” consistia no empréstimo da importância disponibilizada pelos bancos à B... a favor da A... SGPS; com esses fundos, na “Fase 5”, a A... adquiria as oito sociedades do Grupo C... em referência pelo valor de € 58.693.000,00; na fase 6 a A... SGPS transferiria essas participações sociais por esse mesmo valor, do qual € 36.500.000,00 para liquidação da dívida com a B...; derradeiramente, na “Fase 9”, a realizar-se até 31 de dezembro de 2016, as oito sociedades adquiridas ao Grupo C... fundiam-se por incorporação na B... .
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Concluindo-se pela existência de “uma conexão real e efetiva entre o financiamento bancário e a aquisição das oitos sociedades do negócio de retalho do Grupo C... que foram incorporadas por fusão na B... no ano de 2015”.
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O montante de € 761.423,64 de juros de empréstimos bancários e outros juros registado no balancete com referência a 31 de dezembro de 2017 nas rubricas #691100 e #691801 corresponde a juros referentes ao empréstimo contraído em 2015 para adquirir o negócio de retalho do Grupo C..., nada tendo a com os financiamentos intragrupo realizados pela B..., os quais tiveram subjacente os excessos de fundos que, após cumprimento das obrigações contratualmente assumidas com a banca, permitiram-lhe ainda efetuar empréstimos no seio do grupo ao abrigo do Contrato de Apoio à Tesouraria junto à p.i. como Doc. n.º 5.
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A Requerida apresentou igualmente alegações, nas quais, além de reafirmar e reiterar a argumentação desenvolvida em sede de Resposta, fez constar o seguinte:
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“Os argumentos do Requerente não podem, de todo, proceder, porquanto fazem uma interpretação e aplicação das normas legais subsumíveis ao caso sub judice, designadamente do art.º 23.º do CIRC, notoriamente erradas, como se demonstrou.”
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“Devendo o Tribunal concluir, de acordo com a prova produzida pela Requerente, que não se encontra demonstrada a conexão entre os gastos suportados e os rendimentos sujeitos a IRC, em respeito pelo consignado no artigo 23.º do CIRC, e que a Requerente não cumpriu o ónus da prova que sobre si recai, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, julgando totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.”
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Cabendo à Requerente, “que pretende fazer valer o seu direito à dedutibilidade dos gastos, o ónus de demonstrar e comprovar que o gasto teve na sua origem e na sua causa um fim empresarial.”
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“Uma vez que a B... se encontrava registada para o exercício da atividade com o CAE principal: 47750 - Comércio a retalho de produtos cosméticos e de higiene, estabelecimentos especializados e CAE’s secundários 47711 - Comércio a retalho de vestuário para adultos, estabelecimentos especializados; 49410 – Transportes rodoviários e 96022 - Institutos de beleza, os gastos referentes a juros suportados com os financiamentos bancários obtidos não estão relacionados com qualquer atividade inscrita no seu objeto social, inexistindo a necessária relação entre os encargos financeiros suportados e a realização dos rendimentos ou ganhos sujeitos a imposto, o que impede a sua dedutibilidade.”
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Tendo-se provado na presente ação tributal que a B... contraiu financiamento e suportou os encargos, mas não beneficiou de tal financiamento e que os empréstimos não geraram qualquer rendimento para a B..., sendo que o montante em causa foi concedido à A... SGPS sem prazo de reembolso definido e a título gratuito.
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Tendo a Requerente confessado, nos artigos 114.º e 115.º do pedido arbitral, que não foram cumpridas as condições do “Contrato de Apoio à Tesouraria.
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“Sendo que, justificar a falta de cobrança de juros como um lapso contabilístico e operacional consubstancia o incumprimento ónus da prova quanto à dedutibilidade fiscal dos gastos declarados.”
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“Provou-se na presente ação arbitral que o empréstimo obtido pela B... não foi utilizado para a obtenção dos seus rendimentos sujeitos a imposto, mas sim aplicado na atividade de outras sociedades, em concreto da A..., SGPS.”
II-SANEADOR
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O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos do n.º1 artigo 2.º e alínea a), n.º1 artigo10.º, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto no artigo 4.º e n.º 2 do artigo10.º, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
O processo não enferma de nulidades processuais, nem existem exceções dilatórias ou perentórias ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa.
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Cumpre apreciar e decidir.
III-DO MÉRITO
III-1-MATÉRIA DE FACTO
§1.º Factos dados como provados
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Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
17.1. No período de tributação findo a 31 de dezembro de 2017, a Requerente era a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributadas ao abrigo do RETGS, previsto e regulado pelos artigos 69.º e seguintes do Código do IRC.
17.2. Deste grupo faziam parte, no exercício de 2017, enquanto sociedades dominadas, a Sociedade B..., S.A., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e de identificação fiscal ... e a Sociedade E..., S.A., anteriormente designada H..., S.A., titular do número único de identificação de pessoa coletiva e de identificação fiscal ... .
17.3.No âmbito de um procedimento de inspeção tributária externo à Sociedade B..., S.A levado a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa ao abrigo Ordem de Serviço n.º OI2019... e que incidiu sobre o exercício de 2017, foi elaborado, em 5 de julho de 2021, o relatório de inspeção tributária que teve despacho concordante do Coordenador da Equipa datado de 13 de julho de 2021, da Chefe de Divisão de 16 de julho de 2021 e do Diretor de Finanças Adjunto de 16 julho de 2021, por delegação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e do qual consta, além do mais, o seguinte:
A atividade exercida pelo sujeito passivo engloba a comercialização, importação e exportação de produtos de perfumaria, cosmética, bijutaria e acessórios, artigos de vestuário, pronto a vestir e outros, bem como a administração de lojas de venda ao público de tais produtos e, bem assim, o exercício da atividade de salão de cabeleireiro, de instituto de beleza e de atividades relacionadas com a manutenção e bem estar físico e ainda o transporte rodoviário de mercadorias por conta própria.
Em agosto de 2015, a B... adquiriu e incorporou por fusão o negócio de retalho do Grupo C..., constituído por 8 sociedades que operavam a totalidade das lojas designadas por "B...", e que a seguir se Identificam:
A incorporação por fusão produziu efeitos contabilísticos e fiscais com referência a 1 de janeiro de 2015
(…)
II.3.8. ATIVIDADE EXERCIDA
A B... tem como atividade o comércio, importação e exportação de artigos de perfumaria, produtos de beleza e higiene, produtos químicos e similares.
No período de 2015, conforme se relatou, a B... adquiriu e incorporou por fusão o negócio de retalho do Grupo C..., constituído por 8 sociedades, que operavam até então, a totalidade das lojas "B..." existentes em Portugal.
No mesmo ano, na sequência da reorganização societária havida, o sujeito passivo alterou a sua designação social de "F..., S.A." para "B..., S.A.".
De acordo com o relatório de gestão, a 31 de dezembro de 2017, a B... tinha a seu cargo a exploração de 154 lojas de perfumaria e cosmética com as insígnias "B...", "I...", "J...", "K...", "L..." e lojas "M...".
(…)
III. DESGRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
Na sequência da ação de inspeção realizada de acordo com os métodos e procedimentos adotados por esta unidade orgânica, com a profundidade considerada adequada em cada situação, resultaram as correções que de seguida se relatam para o período de 2017, na esfera do sujeito passivo.
III.1. CORREÇÕES EM SEDE DE IRC - MATÉRIA COLETÁVEL
III.1.1. GASTOS DE NATUREZA FINANCEIRA NÃO ACEITES FISCALMENTE
Descrição dos factos
• Financiamentos obtidos
Da análise efetuada aos elementos contabilísticos respeitantes ao período de 2017, verificou-se que o sujeito passivo recorre a financiamento através de capitais alheios, nomeadamente a financiamento bancário, o qual se encontra contabilizado nas diversas subcontas das contas 251 - Financiamentos obtidos - Instituições de crédito, as quais apresentam os seguintes saldos finais:
(…)
(…)
(…)
17.4. Nesta sequência foi promovido pela AT um procedimento inspetivo externo e de âmbito parcial sobre a Requerente e a aplicação do RETGS no exercício de 2017, de cujo relatório final – que teve despacho concordante da Diretora de Finanças Adjunta de Lisboa de 15 de outubro de 2021, em regime de delegação de competências – consta, além do mais, o seguinte :
17.5. Na sequência deste relatório de inspeção tributária foi emitida pela AT o ato tributário de liquidação adicional de IRC do grupo com o n.º 2021..., com data de 27 de outubro de 2021, relativo ao exercício de 2017, bem como da correspondente liquidação de juros compensatórios, de que resultou um montante total de € 306.020,66, o qual foi pago pela Requerente a 10 de janeiro de 2022.
17.6.A fim de financiar a aquisição do negócio de retalho do Grupo C..., referida no relatório de inspeção tributária da B..., B..., S.A. foi celebrado em 15 de junho de 2015 um contrato de empréstimo, sob a forma de abertura de crédito, até ao montante máximo de € 72.000.000,00, entre, de um lado, um sindicato bancário constituído pelo Banco BPI, S.A., Caixa Geral de Depósitos, S.A., Caixa Económica Montepio Geral, Montepio Investimento, S.A., Caixa Central – Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L. e, do outro lado, a E... e a atual B..., enquanto sociedades mutuárias, e a ora Requerente, como responsável solidária, junto com o pedido de pronúncia arbitral como documento nº 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
17.7. Consta do n.º 1, da clausula segunda, do referido contrato, o seguinte: “Pelo contrato, e nos termos e condições, os Bancos concedem às Mutuárias, que aceitam, um Empréstimo, sob a forma de abertura de crédito, até ao montante máximo de € 72.000.000,00 (setenta e dois milhões de Euros), obrigando-se as Mutuárias e a A... SGPS, de forma solidária, a promover e assegurar o respetivo reembolso nos termos estipulados no presente instrumento”.
17.8. Na clausula terceira do contrato consta o seguinte: “1.O Empréstimo vigorará pelo prazo total de 9 anos e três meses a contar da data do Contrato. 2.Os fundos disponibilizados, nos termos e condições previstas no contrato, pelos Bancos às Mutuárias, destinam-se exclusivamente a dotá-las com os fundos necessários ao pagamento do preço da Transação, conforme a estrutura da transação descrita no anexo III (…)”
17.9. No Anexo III ao contrato são detalhados os diferentes fluxos e fases de transação que, no que respeita à B..., culminaria na incorporação das 8 sociedades por ela adquiridas por fusão.
17.10. A aqui Requerente apresentou reclamação graciosa contra a referida liquidação adicional de IRC do grupo de 2017, bem como contra a liquidação de juros compensatórios, peticionando a sua anulação.
17.11. Na reclamação graciosa a Requerente alegou, além do mais, o seguinte:
(…)
17.12. Com a petição de reclamação graciosa a Requerente juntou o contrato de empréstimo referido nos pontos 17.6., 17.7., 17.8. e 17.9. do probatório.
17.13. Consta do parecer que fundamentou projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, que veio a ser convertido em definitivo, o seguinte:
V - ANÁLISE GLOBAL E PARECER
Como já mencionado, no âmbito do procedimento inspetivo antes referido ao exercício de 2017, foram os resultados fiscais declarados corrigidos, tendo por base, gastos reconhecidos na contabilidade e não dedutíveis fiscalmente, nomeadamente, encargos suportados com financiamentos obtidos, de acordo com a norma do artigo nº 23º do CIRC o que deu origem à liquidação adicional de IRC, aqui em crise.
Analisada a reclamação graciosa apresentada pela reclamante, o relatório dos SIT e os documentos apresentados, pela reclamante, nesta sede, podemos verificar que, a análise incidiu, na sua generalidade, sobre os mesmos elementos/documentos obtidos em sede de procedimento inspetivo, pelo que, quanto à matéria de facto aqui em análise, fundamentada no relatório de inspeção, cujas conclusões aqui defendemos e para o qual remetemos, competindo-nos referir essencialmente o seguinte:
Verificaram os SIT, que a reclamante suportou encargos financeiros no montante global de €1.066.971,76, por ter recorrido a financiamento através de capitais alheios e, simultaneamente, concedeu empréstimos a outras empresas, sem estes terem sido objeto do correspondente rendimento associado, nomeadamente os juros, pelo que estes gastos não seriam fiscalmente aceites, nos termos do artigo 23º do CIRC. (cfr. o ponto III.1.1. do RIT)
Ora, cumpre-nos informar que o n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, no que se refere à sua indispensabilidade que “para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
Veiculando este normativo o princípio disposto no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), de acordo com o qual “a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”, devendo excluir-se do cômputo do lucro tributável todos os gastos incorridos na obtenção do rendimento.
Assim, dispõe a al. c) do referido artigo que são dedutíveis os gastos “de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e as resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado”.
Ao contrair empréstimos e simultaneamente conceder empréstimos a outras empresas e ao não Informação fazer repercutir quaisquer juros ou encargos, está a incorrer em gastos financeiros que não estão diretamente relacionados com a sua atividade, mas sim com a atividade dessas sociedades participadas.
Com efeito, os gastos financeiros incorridos pela reclamante, decorrentes do recurso a capital alheio, com o fim de libertar meios financeiros não remunerados para as sociedades participadas, não podem ser considerados como diretamente relacionados com a sua atividade, como forma do exercício indireto de uma atividade económica.
Pelo demonstrado aqui, e em procedimento inspetivo, não foi possível estabelecer uma relação de causa/ efeito, entre o gasto incorrido e o rendimento daí gerado para obtenção de rendimentos futuros e, dado o não cumprimento deste requisito, não é possível a sua dedutibilidade fiscal.
Quanto aos montantes de gastos com juros, apurados pelos SIT, cumpre-nos informar que: Os SIT demonstraram através do documento denominado por “Anexo 6”, onde foram identificados estes montantes de gastos que se encontravam contabilizados na “Conta 69” e respetivas subcontas, o qual integra os anexos do RIT e, foi validamente notificado ao contribuinte com os cálculos do apuramento dos encargos financeiros não aceites fiscalmente em 2017, no montante total de €1.066.971,76.
Para o apuramento deste montante, os SIT relacionaram o valor dos encargos suportados com o nível de endividamento, para além de verificados mensalmente o valor dos empréstimos considerados nas subcontas evidenciadas no RIT, de que resultou uma percentagem mensal do montante de empréstimos “considerados não necessários à atividade da empresa”.
Ora, não sendo estes gastos considerados imprescindíveis ao normal desenvolvimento da sua atividade, não cumprindo o requisito primordial da “indispensabilidade” do gasto, isto é, um custo será aceite fiscalmente, caso, reportado ao momento em que foi efetuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros.
No que concerne ao enquadramento pela tributação segundo as regras previstas pelos preços de transferência, dado tratar-se de operações efetuadas entre entidades que se poderiam qualificar como entidades com relações especiais, não se limitando a considerar como gastos não dedutíveis na esfera individual da “B...”, e não terem efetuado qualquer ajustamento sobre esta realidade na “Arie, conforme alegado pela reclamante, cumpre-nos informar que:
Estabelece, como conceito, o n.º 4 do artigo 63.º do CIRC, que existem relações especiais entre duas entidades, quando uma entidade tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra entidade e, quando qualificadas como entidades relacionadas que efetuaram operações vinculadas, devem efetuá-las em plena concorrência, tendo-as que comparar com as operações entre entidades independentes através de determinação pelo método mais apropriado, o qual deve ser o sujeito passivo a adotar, de acordo com o disposto na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro.
Assim, na esfera da entidade que suporta os juros, neste caso a “B...”, este gasto pode ser considerado como gasto fiscal, se visar a obtenção ou o garantir de rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do nº 1 do artigo 23º do CIRC, atendendo-se à limitação de aceitação de gasto fiscal prevista no nº 1 do artigo 23º-A do CIRC e, que se fossem contratados de forma idêntica aos que normalmente seriam contratados por entidades independentes, em operações idênticas, não se aplicaria a limitação.
E, nos termos do artigo 63º do CIRC, apenas os juros estão sujeitos às regras e procedimentos previstos para os preços de transferência, não existindo quaisquer definições ou limitações em termos de montantes para a realização dos empréstimos e, se existir o pagamento de importâncias Informação de juros, como regra, estes são objeto de retenção na fonte no momento do seu vencimento, nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 94º do CIRC, podendo, no entanto, existir a sua dispensa em função de determinados condicionalismos legais previstos.
Ficando assim demonstrado que, quanto ao enquadramento fiscal, no caso da entidade que suporta os gastos com os juros, devem estes ser considerados como gastos suportados para obtenção de rendimentos nos termos do artigo 23º do CIRC, podendo apenas aplicar-se, se for o caso, as regras previstas para os preços de transferência no pagamento de juros sobre os empréstimos obtidos junto das outras sociedades do grupo, se os houver, através do mecanismo de retenção na fonte no momento do seu vencimento.
Verificou-se assim, que os SIT efetuaram o correto enquadramento dos factos tributários identificados no âmbito das suas atribuições, em sede de procedimento inspetivo, os quais para além da prorrogativa de proceder à avaliação, análise e exame dos bens, documentos e demais elementos, de modo a que poderem formular juízos técnicos e recolher os documentos e demais elementos probatórios, adequados ao necessário suporte factual e jurídico das conclusões, se impõe que, quando dessa análise se identifique divergências ou erros, promovam as correções técnicas necessárias com vista ao apuramento da verdade sobre a situação tributária do contribuinte, conforme previsto no n.º 1 do artigo 63.º da LGT e artigos 28.º, 29.º e 30.º do RCPITA.
Em sede de reclamação graciosa, os documentos apresentados, pela reclamante, não se mostraram suficientes para demonstrar inequivocamente o alegado, cabendo-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que alega, nos termos do nº1 do artigo 74º da LGT “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, o que não se verifica no caso em apreço, ficando, assim, demonstrado a existência de erros ou inexatidões, suscetíveis de correção fiscal.
Deste modo, afigura-se-nos ser de manter as liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios, aqui mencionadas, referentes ao período de tributação de 2016.
17.14. A AT indeferiu a reclamação graciosa em 31.10.2022 tendo notificado a Requerente desta decisão nessa mesma data.
§2.º Factos dados como não provados
À luz dos factos alegados pelas partes e da fundamentação de facto dos atos tributários objeto do processo, inexistem factos não provados com interesse para a decisão em causa.
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A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes.
Tal como no Processo n.º 699/2022-T, referente a uma correção ao lucro individual da B... do exercício de 2016, com os mesmos fundamentos que aqui estão espelhados, relativamente ao contrato de empréstimo que constitui o documento nº 4 junto com a petição inicial acompanha-se N... quando, sobre o valor probatório do documento proveniente de terceiro, refere o seguinte: “Os documentos provenientes de terceiros não possuem uma eficácia probatória própria, quer em função do conteúdo quer em função da proveniência. Colocam-se, assim, duas questões quanto a estes documentos: qual o seu valor probatório e se estão sujeitos a impugnação de genuinidade (art. 444º do CPC).
A jurisprudência italiana tem reconhecido a tais documentos um valor puramente indiciário de modo que – ocorrendo certas circunstâncias tais como (i) a falta de impugnação pela parte contra quem o documento é produzido (ii) a presença de instrumentos que demonstram a sua atendibilidade e credibilidade e o concurso com outros elementos probatórios designadamente testemunhais – tais documentos podem sedimentar o convencimento do juiz. No que tange `veracidade das declarações contidas em tais tipos de documentos, haverá que aquilatar: (i) o momento em que foi formado o documento (antes ou depois da eclosão do lítigio); (ii) o conhecimento do declarante sobre a existência da controvérsia; (iii) se a declaração é espontânea ou a pedido de alguma das partes; (iv) se a declaração está direcionada a uma das partes ou a terceiro.
A jurisprudência nacional tem afirmado que estes documentos provenientes de terceiro são livremente apreciados pelo tribunal nos termos do art. 366º.” (DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL COMENTADO, Almedina, 2020, pags. 165-166).
Nesta esteira, também aqui se entende que os documentos provenientes de terceiro são livremente apreciados pelo tribunal. No caso dos autos é a própria Requerida que em sede de Reposta afirma que:
“Com efeito, a Cláusula Terceira do contrato de empréstimo bancário celebrado em 15 de junho de 2015, refere que os fundos disponibilizados se destinam exclusivamente a dotar as mutuárias (B... e E...) dos montantes necessários ao pagamento do preço da transação (cf. página 9 e 10 do contrato, anexo ao ppa como Doc. n.º 4).
A referida transação encontra-se descrita e quantificada no Anexo 3 ao contrato, onde se encontram identificadas as sociedades adquiridas e quantificadas as diversas rúbricas do seu património, não estando, contudo, identificado o valor pago pela aquisição das participações sociais, nem existe evidência do valor pago com recurso ao contrato de financiamento.”
Assim, a Requerida não só não impugnou o documento em causa, como da apreciação que dele faz em sede de resposta subjaz a consideração do mesmo como genuíno e verídico. Posição da Requerida que se mostra congruente com os demais factos relevantes para apreciação do documento: o mesmo é anterior à eclosão do litígio; as aquisições das sociedades que o empréstimo se destinava a financiar foram concretizadas, como é reconhecido pela Requerida; os mutuantes são entidades bancárias nacionais reconhecidas.
Por outro lado, inexiste qualquer elemento probatório indiciante de que o contrato não seja verdadeiro.
Constando do seu Anexo III que o valor de aquisição das 8 sociedades adquiridas era de € 58.694 milhares. Montante este bastante superior ao valor do financiamento concedido para essa aquisição nesse contrato, que era de € 36.500 milhares, pelo que a dúvida suscitada pela Requerida na sua resposta quanto a não existir “evidência do valor pago com recurso ao contrato de financiamento” não se justifica. Questão que não foi, sequer, suscitada em sede do relatório de inspeção tributária ou de indeferimento da reclamação graciosa. E que, a ter-se suscitado, poderia ter sido facilmente clarificada em sede de ação inspetiva pelos próprios SIT.
São estas as razões pelas quais o Tribunal considerou provados os factos dos pontos 17.6 a 17.9 do probatório.
III – O Direito aplicável
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Como vimos, a Requerente suscita nas alegações, em resultado da Resposta da Requerida,
Entre o mais, que :
“Constitui jurisprudência consolidada que “Nas liquidações adicionais praticadas após procedimento de inspeção tributária, o ato de liquidação tem de ser analisado e interpretado em conformidade com o conteúdo do relatório de inspeção”, invocando jurisprudência dos Tribunais Estaduais superiores.
“Fundamentação a posteriori que é aquilo que, salvo o devido respeito, a Requerida procura fazer ao alegar, entre os artigos 33.º e 35.º da sua resposta, por exemplo, que não existe prova do valor exato mutuado pelos bancos que foi utilizado pela B... para pagar o preço da aquisição de oito sociedades do negócio de retalho do Grupo C...,”
Na verdade, constitui jurisprudência pacífica que a validade do ato de liquidação deve ser aferida face à sua fundamentação contemporânea, no caso, a constante do processo instrutor. .
Como se pode ler na decisão arbitral de 23/05/2016, proferida no processo 731/2015-T:
“(…) é irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua atuação poderia basear-se noutros fundamentos” .
Na mesma linha, considera-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1/06/2015, proferido no proc. 58/11, o seguinte:
“Sob pena de violação do princípio da separação de poderes e assumir-se como órgão de administração activa dos impostos, o tribunal não pode decidir sobre a manutenção de actos que deveriam ser anulados com base em fundamentação diferente da utilizada pela administração tributária.”.
Do relatório de inspeção tributária consta que as razões pelas quais a AT considerou não dedutíveis os gastos em causa foram as seguintes: “Verifica-se assim que em 2017, o sujeito passivo suportou encargos financeiros, resultantes de financiamentos contraídos junto de entidades bancárias e, simultaneamente, encontra-se a financiar terceiros, sem a obtenção do correspondente rendimento financeiro – juros, pelo que importa aferir a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros contabilizados pela B… no período em análise.
(…)
No caso em análise, verifica-se que o sujeito passivo contrai financiamento e, simultaneamente, concede financiamento à empresa mãe, suportando encargos financeiros, que contabilizou como gastos, não existindo a obtenção do equivalente ganho financeiro destes empréstimos efetuados, designadamente juros.
Do exposto, não emerge da situação em apreço, que o montante contabilizado a título de juros, comissões e imposto do Selo de empréstimos bancários, tenha clara e inequivocamente contribuído para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a imposto, pelo que não será de aceitar fiscalmente as importâncias contabilizadas pelo sujeito passivo, por não se encontrar cumprido o princípio basilar da dedutibilidade de gastos ou perdas que preside ao artigo 23º do CIRC.”
Constata-se ainda que no RIT são identificados os saldos em dívida da B..., S.A. a instituições de crédito à data de 31/12/2017, no montante total de € 24.140.479,93 e os saldos mensais referentes aos empréstimos por ela concedidos à empresa mãe, que 31/12/2017 ascendiam a € 31.538.746,75, não se fazendo qualquer referência, quer às datas dos contratos referentes ao financiamento contraído, quer às do financiamento concedido, não emergindo, portanto, do RIT, simultaneidade entre os mesmos. A simultaneidade que emerge do RIT é a de que a B..., S.A. “suportou encargos financeiros, resultantes de financiamentos contraídos junto de entidades bancárias e, simultaneamente, encontra-se a financiar terceiros…”. Face a esta situação adicionada ao facto de nos financiamentos concedidos a B..., S.A., não ter obtido o correspondente rendimento financeiro – juros, a AT decidiu que os gastos com os juros dos financiamentos obtidos, não eram de aceitar fiscalmente, à luz do art. 23º do CIRC.
De seguida circunscreveu essa não dedutibilidade a € 1.066.971,76 do total de € 1.270.001,29 de juros e encargos financeiros com a seguinte justificação:
“Foram compulsados, mensalmente, para o período em análise, o valor dos empréstimos constantes nas subcontas anteriormente evidenciadas, assim como o valor dos encargos suportados com o nível de endividamento, tendo-se posteriormente apurado a percentagem mensal do montante de empréstimos considerados não necessários à atividade da empresa e, consequentemente, o montante dos encargos não aceite fiscalmente.” (pag. 24 do RIT).
Não resulta deste discurso fundamentador, também sufragado pela decisão que indeferiu a reclamação graciosa, que a Requerida tenha invocado que os fluxos financeiros resultantes dos empréstimos contraídos a que se referem os pontos 17.6 a 17.8 do probatório, não tenham sido aplicados pela B..., S.A. conforme acordado contratualmente. Quanto a este aspeto é de observar, aliás, que o contrato celebrado com o sindicato bancário, não consta entre os anexos que integram o RIT, nem no mesmo lhe é feita qualquer referência.
No que respeita à decisão que indeferiu a reclamação graciosa, muito embora tal documento aí tenha sido junto pela Requerente, também não se alega qualquer desvio dos fundos resultantes do contrato de empréstimo celebrado à finalidade aí prevista com carácter de exclusividade.
A falta apontada pela Requerida na fundamentação dos atos tributários é diversa e consiste no facto de ter efetuado financiamentos à Requerente sem juros, sendo de inferir que nenhuma irregularidade apontaria caso os juros tivessem sido cobrados.
O vício apontado pela Requerida à contabilidade da B..., S.A é, pois, na realidade e em substância, dirigido aos proveitos que aquela sociedade não teve e que a Requerida entende que deveria ter tido (juros) e não aos custos incorridos com juros dos empréstimos obtidos, cuja afetação aos fins contratualmente estabelecidos não foi questionada nos atos tributários impugnados.
Face à ausência de qualquer apreciação, ponderação ou valoração pela Requerida do contrato de empréstimo na fundamentação dos atos tributários, conforme referido e resulta do probatório, carece de base factual a afirmação da Requerida no artigo 33.º da Resposta, em que por um lado reconhece que a transação de aquisição das sociedades se encontra descrita e identificada no Anexo III do contrato, com identificação das entidades adquiridas e quantificadas as diversas rúbricas do seu património, afirmando ao mesmo tempo não estar “identificado o valor pago pela aquisição das participações sociais, nem existe evidência do valor pago com recurso ao contrato de financiamento”. Afirmação esta que não encontra eco no RIT, o qual não fez qualquer alusão a este contrato que, de resto, dele não consta, conforme claramente resulta do probatório.
Assim sendo, a contestação da concreta afetação do empréstimo ao fim contratualmente previsto com caracter de exclusividade, formulada pela Requerida no presente processo, não pode ser considerada, uma vez que a legalidade do ato tributário deve ser aferida face à sua fundamentação, que deve ser coeva deste, não sendo válida a chamada fundamentação sucessiva.
É certo que a factualidade invocada pela Requerida na fundamentação dos atos tributários, da qual foi elemento central e decisivo, não terem sido cobrados juros no financiamento concedido pela B..., S.A. à Requerente, poderia ser suscetível de suscitar uma correção ao nível dos proveitos, por aplicação do artigo 63º do CIRC, mas não uma correção ao nível dos custos com base na não subsunção dos gastos em causa ao art. 23º do CIRC, havendo, pois, um claro erro na determinação da consequência jurídica aplicável.
Assim sendo, os atos tributários em causa face à sua fundamentação, são ilegais, o que, desde logo, determina a sua anulação.
Ademais, sempre se dirá que, caso se não considerasse que o ato naufraga desde logo face à sua fundamentação, sempre haveria que considerar que o ónus da prova dos gastos dedutíveis pertence ao contribuinte, (arts. 74º, 1º, LGT e 23º-3 do CIRC) mas que este beneficia, porém, da presunção prevista no art. 75º, nº 1, da LGT.
Ora “Quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz” (art. 350º, nº 1, do Código Civil) pelo que se companha o entendimento do Acórdão do Tribunal Central Administrativo-Sul de 8 de julho de 2021 proc. 311/03.3BTLRS, onde se pode ler: “o art. 75.º, n.º 1, da LGT estabelece uma presunção de veracidade das declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz (cf. n.º 1, do art. 350.º do C.C.). Não obstante, aquela presunção não se verifica nas situações previstas nas várias alíneas do n.º 2 daquele preceito legal, cabendo à AT demonstrar qualquer das situações elencadas naquele n.º 2, que obstam à verificação da presunção.”
Também na decisão arbitral proferida no processo 579/2021-T, de 10 de Maio de 2022 referente a liquidação adicional de IRC do período tributário de 2015, em que foi também impugnante a aqui Requerente, se pode ler:
“Lembremos que, nos termos do art. 74º, 1 da LGT, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. E lembremos também que a Requerente beneficia da presunção legal de veracidade consagrada no artigo 75º, 1 da LGT, nos termos do qual “presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.”.
Entendemos, à luz dos artigos 344º, nº 1 e 350º, nº1, do Código Civil que, estando os gastos comprovados documentalmente e inscritos na contabilidade, é a Requerida que tem o ónus de provar qualquer das situações elencadas naquele no n.º 2 do artigo 75º da LGT, que possa obstar à verificação da presunção constante do nº 1.
Acontece, porém, que a Requerida não demonstrou qualquer das situações elencadas no n.º 2, do artigo 75º, da LGT e, em bom rigor, nem sequer as invocou na fundamentação dos atos tributários impugnados.
Mas mesmo que a Requerida tivesse afastado a presunção legal do art. 75º, nº 1, da LGT, regressando-se às regras do ónus da prova, a consequência da aplicação do art. 74º do mesmo diploma seria a de a Requerente ter de provar os requisitos da dedutibilidade dos gastos à luz do nº 1 daquele artigo. Ora, sempre seria de considerar que essa prova resulta do contrato junto pela Requerente como doc. nº 4 onde consta expressamente a finalidade do empréstimo objeto de expressa vinculação contratual (cláusula 1ª, pontos 1.3,1.4 ou 1.32, cláusula 3ª, nº 2, ou anexo III - doc. nº 4 junto ao PPA), não tendo sido produzida pela Requerida qualquer contraprova que tornasse duvidoso o cumprimento da destinação contratual do produto do empréstimo, resultando, ao invés, do próprio relatório de inspeção tributária, a aquisição das sociedades que o contrato de empréstimo visava financiar, o que aponta no sentido da efetiva execução da mencionada destinação contratual.
Donde resulta que, mesmo que se considerasse que a Requerida, na fundamentação dos atos tributários, tivesse posto em causa a afetação do produto dos empréstimos bancários aos fins contratualmente estabelecidos –o que, como supra referido não ocorreu, dado que o contrato de empréstimo não foi sequer objeto de qualquer ponderação, nem sequer consta do relatório de inspeção tributária– como o faz na Resposta apresentada neste processo, ainda assim, pelas razões expostas, os atos sempre enfermariam de ilegalidade.
Assim sendo, é manifesto que, também por estas razões, não pode, também, deixar de ser declarada a ilegalidade dos atos tributários sub judice, com a sua consequente anulação.
Atento o decidido, fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados pela Requerente.
19. Veio, ainda, a Requerente pedir a condenação da Requerida a restituir ao Requerente o imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.
No caso em apreço, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos atos de liquidação, é procedente a pretensão da Requerente à restituição, por força dos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para restabelecer a situação que existiria se a ilegalidade em causa não tivesse sido praticada. No que concerne aos juros indemnizatórios, cabe ainda apreciar esta pretensão à luz do artigo 43º da LGT.
Dispõe o nº 1 daquele artigo que “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Sufragamos o entendimento de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa que sustentam que “O erro imputável aos serviços que operaram a liquidação fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” (Lei Geral Tributária, encontros da escrita, 4ª Edição, 2012, pág. 342).
No caso sub judice é manifesto que os atos tributários em causa, praticados pela Requerida, sofrem do vício de violação de lei, da exclusiva responsabilidade da Requerida, conforme supra exposto, pelo que não poderá deixar de proceder o pedido de condenação da Requerida quanto aos juros indemnizatórios, que devem ser contados à taxa legal de 4 % ao ano (arts. 43º, nº 4, 35º, nº 10, da LGT e 559º, nº 1 do Código Civil e Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril) desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da nota de crédito, em que são incluídos (art. 61º, nº 5, do CPPT).
IV- DECISÃO
Assim, decide o coletivo deste Tribunal Arbitral:
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Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:
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Anular os atos tributários impugnados;
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Condenar a Requerida a devolver às Requerente o imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal de 4 % ao ano, contados desde 13 de abril de 2021 até integral pagamento.
V- Valor do Processo
Valor da ação: € 305. 694,54, nos termos do disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
VI- CUSTAS
Custas pela Requerida no valor de € 5. 508 00, nos termos do nº 4 do artigo 22.º do RJAT.
Notifique-se as Partes.
Lisboa, 16 de agosto de 2023
O árbitro presidente,
(Fernanda Maçãs)
(Paulo Nogueira da Costa)
(José Parada Ramos)