Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 27/2023-T
Data da decisão: 2023-08-30  IMT  
Valor do pedido: € 86.246,25
Tema: IMT – Artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.
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SUMÁRIO:

I – O n.º 2 do artigo 270.º do CIRE deve ser visto como um desentrave e apoio à venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões do interesse dos credores mas também do interesse público da retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador.

II - Não se discordando que possa atribuir-se esta finalidade à norma em apreço, a verdade é que esta finalidade não deixa de estar presente se se considerar que a mesma abrange apenas a transmissão da empresa como um todo ou a transmissão de um determinado estabelecimento da mesma, na vertente de venda, permuta ou cessão, não abrangendo outras figuras contratuais ficcionadas pela regra geral do IMT, como seja o contrato-promessa de aquisição e alienação se o promitente adquirente ceder a sua posição contratual.

 

Os Árbitros Guilherme W. d'Oliveira Martins, Armando Oliveira e A. Sérgio de Matos, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

A..., LDA., sociedade por quotas com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Porto, matriculada na competente Conservatória do Registo Comercial sob o número de identificação de pessoa coletiva..., e com o capital social de € 5.000,00 (cinco mil euros), (doravante designada, abreviadamente, por Requerente) não se conformando com a liquidação do imposto nos termos infra fundamentados, vem, nos termos e para os efeitos do regime disposto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente, “RJAT”), na sua redação atual e, considerando a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à sua jurisdição por força do disposto na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, vem deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL do ato tributário de liquidação de Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) constante do ofício n.º..., de 14/09/2022, no valor de € 86.246,25 (oitenta e seis mil, duzentos e quarenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos), nos termos e para os efeitos dos artigos 50.º e 58.º n.º 1 b), ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e da alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT.

A presente impugnação visa a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato tributário de liquidação de IMT aqui identificado praticado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), no valor € 74.547,43 (setenta e quatro mil, quinhentos e quarenta e sete euros e quarenta e três cêntimos), acrescidos de juros remuneratórios no valor de €11.698,80 (onze mil, seiscentos e noventa e oito euros e oitenta cêntimos), cfr. documento 1 que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.

É Requerida a AT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Coletivo (TAC) foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 12 de janeiro de 2022.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.° do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 3 de março de 2023, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º1 alíneas a) e b) e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

O TAC encontra-se, desde 21 de março de 2023, regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 4 de maio de 2023.

Por despacho de 21 de julho de 2023, o TAC proferiu o seguinte despacho:

“1. Pretende este Tribunal Arbitral, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo, previsto no artigo 16.º, alínea c) do RJAT, dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por desnecessária, atendendo a que a questão em discussão é apenas de direito.

2. Por outro lado, estando em causa matéria de direito, que foi claramente exposta e desenvolvida, quer no Pedido arbitral, quer na Resposta, dispensa-se a produção de alegações escritas devendo o processo prosseguir para a prolação da sentença. 

3. Informa-se que a Requerente deverá proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, até a data limite da prolação da decisão final.

4. Em nome do princípio da colaboração das partes solicita-se o envio das peças processuais em versão word.

Notifiquem-se as partes do presente despacho.”

Não houve oposição de nenhuma das partes.

 

  1. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS

II.1      Posição da Requerente

 

A Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:

  1. O grupo económico ao qual pertence a Requerente tomou conhecimento de uma oportunidade de negócio, que consistia na aquisição de um Imóvel, denominado de Herdade ..., sito em ..., no distrito de Beja, no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TBMRA, que correu termos na Secção Única do Tribunal Judicial de Moura que, por sentença de 22/02/2013 transitada em julgado, declarou insolvente a sociedade comercial SOCIEDADE B..., S.A. (a “Massa Insolvente”).
  2. Por força da situação da Massa Insolvente, e inserida na estratégia operacional do grupo económico onde se insere a Requerente, as condições do negócio eram do seu interesse,
  3. Ao qual acrescia ainda o facto de a situação de insolvência permitir beneficiar da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.
  4. Tendo em vista a mencionada aquisição, e não obstante o grupo económico onde se insere a Requerente pretender que tal aquisição fosse concretizada pela sociedade comercial C..., esta última não disponha, à data, de  condições financeiras para a celebração do Contrato-Promessa de Compra e Venda e pagamento da quantia estipulada a título de sinal e princípio de pagamento,
  5. Motivo pelo qual, aliado à pressão exercida pelo Administrador de Insolvência para a concretização da operação com celeridade sob pena de perda do negócio, o grupo económico onde se insere a Requerente teve de decidir rapidamente através de que sociedade comercial seria, ab initio, concretizado o negócio.
  6. Ora, nesse contexto, a Requerente era a empresa do grupo que, naquele momento, tinha disponibilidade financeira imediata para avançar com o negócio, motivo pelo qual, em 12 de outubro de 2018, celebrou com a Massa Insolvente o Contrato Promessa de Compra e Venda de Imóveis, já junto como documento 2, e por essa razão, foi previsto no Contrato a possibilidade de cedência da sua posição contratual no Contrato-Promessa.
  7. O preço acordado para a celebração do contrato definitivo foi de €7.250.000,00 (sete milhões, duzentos e cinquenta mil euros), tendo a Requerente, na data de celebração do Contrato-Promessa e em virtude da sua disponibilidade financeira, pago à Massa Insolvente a quantia de €1.450.000,00 (um milhão, quatrocentos e cinquenta mil euros), a título de sinal e princípio de pagamento.
  8. Após a celebração do Contrato-Promessa, em cumprimento da estratégia operacional definida dentro do grupo económico e melhor referida no ponto 11.º da presente peça processual, a Requerente cedeu, em 23 de novembro de 2018, a sua posição contratual de promitente adquirente no Contrato-Promessa à C..., empresa que integra o mesmo grupo económico da Requerente – cfr. documento 4 que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
  9. De facto, à data da operação, a Requerente era, e continua a ser na presente data, detida a 100% (cem por cento) pela sociedade comercial de direito neerlandês D..., B.V., titular do número de identificação de pessoa coletiva português...– cfr. Dep. .../2016-11-10 e Dep. ...0/2016-11-10 constantes da certidão comercial da Requerente que se junta como documento 5, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
  10. Por sua vez, à data da operação, a C... era detida a 100% (cem por cento) pela sociedade comercial de direito neerlandês E..., B.V., titular do número de identificação de pessoa coletiva português..., que, por sua vez, era detida a 100% pela já referida D..., B.V. – cfr. Declaração inicial de beneficiário efetivo da C... datada de 26.04.2019 que se junta como documento 6, bem como a declaração inicial de beneficiário efetivo da E..., B.V. datada de 20.04.2020 que se junta como documento 7 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
  11. Acresce ainda que, à data da operação e na presente data, a Requerente e a C... têm o mesmo beneficiário efetivo – cfr. documento 6 já junto e declaração inicial de beneficiário efetivo da Requerente datada de 26.04.2019 que se junta como documento 8 e que aqui se dá por integralmente reproduzido,
  12. O qual, nessa mesma data, fazia parte integrante do órgão de administração de ambas as entidades – cfr. Insc. 1 – Ap. 2/2015... e Av.2 – Ap. 3/2022... constantes da certidão comercial da Requerente já junta como documento 5 e Insc. 19 – Ap. 15/20180730 constante da certidão comercial da C... que se junta como documento 9, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
  13. Ora, conforme já exposto, a intenção sempre foi que o Imóvel, i.e., a Herdade prometida adquirir, fosse adquirida pela C..., sendo necessário que esta tivesse capacidade financeira para tal.
  14. Por esse motivo, em momento prévio à celebração do contrato definitivo de compra e venda, a Requerente cedeu a sua posição contratual de promitente adquirente no Contrato-Promessa, recebendo da cessionária C... a quantia de € 1.450.000,00 (um milhão e quatrocentos e cinquenta mil euros), quantia essa correspondente única e exclusivamente ao que a Requerente, na qualidade de promitente adquirente originária, havia entregue à promitente vendedora a título de sinal e princípio de pagamento – cfr. comprovativo de transferência que se junta como documento 10 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
  15. Tratando-se de um ato de venda compreendido no âmbito do processo de insolvência n.º .../13....TBMRA, em que é insolvente a SOCIEDADE B..., S.A., tal operação beneficiaria da isenção de IMT nos termos previstos no n.º 2 do art. 270.º do CIRE.
  16. Por esse motivo, na sequência da celebração do Acordo de Cessão da Posição Contratual, e tendo presente o benefício fiscal associado ao ato de venda do ativo imobiliário no âmbito do processo de insolvência, a Requerente não procedeu à liquidação de qualquer quantia a título de IMT, por entender que a tal não estava obrigada.
  17. Na medida em que, através da interpretação conjugada do disposto no n.º 3 do artigo 2.º e da alínea g) do artigo 4.º, ambos do Código do IMT (CIMT) e no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, a Requerente entende que, tratando-se de uma operação concretizada no âmbito de um processo de insolvência e mesmo havendo lugar à cessão da posição contratual do promitente adquirente, toda a operação deverá beneficiar da isenção de IMT concedida pelo n.º 2 do art. 270.º do CIRE.
  18. Sem prejuízo do já exposto relacionado com o facto de a cessão da posição contratual efetivada se tratar de um ato meramente instrumental à aquisição final (que beneficia, sem margem de dúvidas, da referida isenção de IMT) e que se operou dentro do mesmo grupo económico, sem qualquer vantagem patrimonial para os seus intervenientes.
  19. O Contrato-Promessa foi inicialmente celebrado entre a Requerente e a Massa Insolvente, no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TBMRA, em que foi declarada insolvente a SOCIEDADE B...,S.A. e, como tal, a Requerente beneficiaria da isenção de IMT nos termos previstos no n.º 2 do art. 270.º do CIRE.
  20. A cessão da posição contratual de promitente adquirente no Contrato-Promessa a favor da C... traduziu-se num ato meramente instrumental à aquisição final, tendo a Requerente única e exclusivamente recebido a quantia de € 1.450.000,00 (um milhão e quatrocentos e cinquenta mil euros) que corresponde ao que a Requerente, na qualidade de promitente adquirente originária, havia entregue à Massa Insolvente a título de sinal e princípio de pagamento, não retirando qualquer vantagem com este negócio.
  1. Tendo o contrato definitivo de compra e venda sido, efetivamente, celebrado entre a Massa Insolvente e a C... – reforce-se, uma empresa do grupo económico da Requerente conforme já demonstrado –, transmissão de bens essa que beneficiou da isenção de IMT prevista no n.º 2 do art. 270.º do CIRE.
  2. Esta tese foi defendida pela Requerente no seu direito de audição, exercido ao abrigo dos artigos 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) e 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA).
  3. No entanto, a AT manteve a decisão de ser aplicável o Imposto, notificando a Requerente da liquidação que ora se impugna, pelo que a Requerente apresentou garantia bancária e decidiu, pela presente, reagir contra o ato administrativo de liquidação praticado pela AT.

 

Posição da Requerida

 

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

  1. Nos casos, como o dos presentes autos, em que consta do contrato promessa de compra e venda uma cláusula expressa de que o promitente adquirente pode ceder a sua posição contratual a terceiros (cf. cláusula 5 do mencionado contrato), apesar de não ocorrer uma efetiva transmissão de bens imóveis, a mesma é ficcionada para efeitos de IMT, nos termos do n.º 1 e al. a) do n.º 3 do art.º 2.º do Código do IMT.
  2. Olhando à letra da norma prevista nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 2.º do CIMT, apenas exige “que seja clausulado no contrato ou posteriormente que o promitente adquirente pode ceder a sua posição contratual a terceiro”. Ou seja, a única condição é que a cláusula seja expressa no contrato ou em documento posterior.
  3. Assim sendo, a partir do momento em que seja clausulado no contrato promessa, ou posteriormente, que o promitente adquirente pode ceder a sua posição contratual a terceiro, como aconteceu neste caso, ocorreu o facto gerador previsto na alínea a) do n.º 3 do art.º 2.º do CIMT, passando a cessão a ser tributada nos termos da alínea b), incidindo o imposto sobre a parte do preço efetivamente pago pelo cessionário ao cedente (art.º 12.º, n.º 4, regra 18.ª do CIMT).
  4. In casu, o sujeito passivo/promitente adquirente (no caso concreto, a A...) não terá direito a qualquer isenção ou redução de taxa, nos termos da alínea e) do artigo 4.º do CIMT:
  5. “O IMT é devido pelos adquirentes dos bens imóveis, sem prejuízo das seguintes regras:

(…)

e) Nas situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 2.º, o imposto é devido pelo primitivo promitente adquirente e por cada um dos sucessivos promitentes adquirentes, não lhes sendo aplicável qualquer isenção ou redução de taxa, ainda que a parte do preço paga ao promitente vendedor ou ao cedente corresponda a qualquer dos escalões previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 17.º e no n.º 3 do artigo 22.º;”

  1. Concluindo, existindo uma cláusula de cedência no contrato promessa em apreço, não pode a operação em causa deixar de ser subsumida ao regime previsto na alínea a) e b) do n.º 3 do art.º 2.º do CIMT.
  2. Pelo que, a partir do momento em que seja clausulado no contrato promessa ou posteriormente que o promitente adquirente pode ceder a sua posição contratual a terceiro, como aconteceu neste caso, ocorreu o facto gerador previsto na alínea a) do n.º 3 do art.º 2.º do CIMT, passando a cessão a ser tributada nos termos da alínea b), incidindo o imposto sobre a parte do preço efetivamente pago pelo cessionário ao cedente (art.º 12.º, n.º 4, regra 18.ª do CIMT):

“4 - O disposto nos números anteriores entende-se, porém, sem prejuízo das seguintes regras:

(…)

18.ª Nas situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 2.º, o imposto incide apenas sobre a parte do preço paga pelo promitente adquirente ao promitente alienante ou pelo cessionário ao cedente;

Art.º 17.º

“5 - Nos casos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 2.º, a taxa aplicável aos montantes referidos na regra 18.ª do n.º 4 do artigo 12.º é a que corresponder à totalidade do preço acordado no contrato, não lhe sendo aplicável a taxa referida na alínea a) do n.º 1.”

  1. Estiveram bem os serviços de inspeção ao concluírem no relatório que:

“Nos termos do n.º 2 do art.º 270.º do CIRE, estão isentas de IMT os atos de venda, permuta, ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados na liquidação da massa insolvente.

O contrato promessa de compra e venda com cláusula de cedência não é uma venda, permuta ou cessão para efeitos legais, embora ficcionada como tal para efeitos de liquidação de IMT.

Dispõe o Código do IMT que mesmo em situações de redução de taxa ou isenção, a liquidação de IMT por parte do promitente comprador é devida antes da celebração do contrato promessa de compra e venda

(…)

Assim, conclui-se que a A... deveria ter solicitado a liquidação de IMT em momento anterior à celebração do contrato promessa de compra e venda sobre o valor do sinal/princípio de pagamento efetuado no valor de €1.450.000,00, nos termos do art.º 19.º do Código do IMT.

Esse IMT não é suscetível de ser anulado dado que efetivamente não viria a ser a A... a adquirir os imóveis, mas sim a entidade a quem a A... cedeu a sua posição: C... . E esta última beneficiou da isenção de IMT prevista no n.º 2 do art.º 270.º do CIRE.”

  1. Assim sendo, a tributação em IMT é devida desde logo pela celebração do contrato promessa de compra e venda com cláusula de cedência de posição contratual, pois que o legislador ficciona, a partir daí, a transmissão do bem imóvel, sendo irrelevante que não tivesse a posse efetiva do bem prometido vender ou se retirou ou não qualquer vantagem com o negócio.

 

 

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vide artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

O processo não enferma de nulidades.

  1. Fundamentação

IV.1.    Matéria de facto

 

Factos dados como provados

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

  1. O grupo económico ao qual pertence a Requerente tomou conhecimento de uma oportunidade de negócio, que consistia na aquisição de um Imóvel, denominado de Herdade ..., sito em Moura, no distrito de Beja, no âmbito do processo de insolvência n.º .../13...TBMRA, que correu termos na Secção Única do Tribunal Judicial de Moura que, por sentença de 22/02/2013 transitada em julgado, declarou insolvente a sociedade comercial SOCIEDADE B..., S.A. (a “Massa Insolvente”).
  2. Por força da situação da Massa Insolvente, e inserida na estratégia operacional do grupo económico onde se insere a Requerente, as condições do negócio eram do seu interesse,
  3. Ao qual acrescia ainda o facto de a situação de insolvência permitir beneficiar da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.
  4. Tendo em vista a mencionada aquisição, e não obstante o grupo económico onde se insere a Requerente pretender que tal aquisição fosse concretizada pela sociedade comercial C..., esta última não disponha, à data, de  condições financeiras para a celebração do Contrato-Promessa de Compra e Venda e pagamento da quantia estipulada a título de sinal e princípio de pagamento,
  5. Motivo pelo qual, aliado à pressão exercida pelo Administrador de Insolvência para a concretização da operação com celeridade sob pena de perda do negócio, o grupo económico onde se insere a Requerente teve de decidir rapidamente através de que sociedade comercial seria, ab initio, concretizado o negócio.
  6. Ora, nesse contexto, a Requerente era a empresa do grupo que, naquele momento, tinha disponibilidade financeira imediata para avançar com o negócio, motivo pelo qual, em 12 de outubro de 2018, celebrou com a Massa Insolvente o Contrato Promessa de Compra e Venda de Imóveis, já junto como documento 2, e por essa razão, foi previsto no Contrato a possibilidade de cedência da sua posição contratual no Contrato-Promessa.
  7. O preço acordado para a celebração do contrato definitivo foi de €7.250.000,00 (sete milhões, duzentos e cinquenta mil euros), tendo a Requerente, na data de celebração do Contrato-Promessa e em virtude da sua disponibilidade financeira, pago à Massa Insolvente a quantia de €1.450.000,00 (um milhão, quatrocentos e cinquenta mil euros), a título de sinal e princípio de pagamento.
  8. Após a celebração do Contrato-Promessa, em cumprimento da estratégia operacional definida dentro do grupo económico e melhor referida no ponto 11.º da presente peça processual, a Requerente cedeu, em 23 de novembro de 2018, a sua posição contratual de promitente adquirente no Contrato-Promessa à C..., empresa que integra o mesmo grupo económico da Requerente – cfr. documento 4 que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
  9. De facto, à data da operação, a Requerente era, e continua a ser na presente data, detida a 100% (cem por cento) pela sociedade comercial de direito neerlandês D..., B.V., titular do número de identificação de pessoa coletiva português...– cfr. Dep. ...2016-11-10 e Dep. .../2016-11-10 constantes da certidão comercial da Requerente que se junta como documento 5, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
  10. Por sua vez, à data da operação, a C... era detida a 100% (cem por cento) pela sociedade comercial de direito neerlandês E..., B.V., titular do número de identificação de pessoa coletiva português ..., que, por sua vez, era detida a 100% pela já referida D..., B.V. – cfr. Declaração inicial de beneficiário efetivo da C... datada de 26.04.2019 que se junta como documento 6, bem como a declaração inicial de beneficiário efetivo da E..., B.V. datada de 20.04.2020 que se junta como documento 7 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
  11. Acresce ainda que, à data da operação e na presente data, a Requerente e a C... têm o mesmo beneficiário efetivo – cfr. documento 6 já junto e declaração inicial de beneficiário efetivo da Requerente datada de 26.04.2019 que se junta como documento 8 e que aqui se dá por integralmente reproduzido,
  12. O qual, nessa mesma data, fazia parte integrante do órgão de administração de ambas as entidades – cfr. Insc. 1 – Ap. 2/2015... e Av.2 – Ap. 3/2022...constantes da certidão comercial da Requerente já junta como documento 5 e Insc. 19 – Ap. 15/2018... constante da certidão comercial da C... que se junta como documento 9, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

 

Factos dados como não provados

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária, e em factos não questionados pelas partes.

 

Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

A matéria de facto foi fixada por este TAC e a convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos aos autos.

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Acórdão do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo n.º 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspeção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

IV. 2. Matéria de Direito

 

VI. 2.A. DA ALEGADA INVALIDADE DA NOTIFICAÇÃO DO ATO DE LIQUIDAÇÃO E DA ALEGADA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO IMPUGNADO

 

 

Alega a Requerente que a notificação da liquidação ora em crise é omissa quanto à identificação completa dos meios de defesa, normas e prazos aplicáveis, assim como a possibilidade de solicitar pronúncia arbitral, nos termos e no prazo previsto na al. a) do n.o do art.o 10.º do RJAT, constituindo uma violação manifesta do n.º 2 do art.º 36.º do CPPT, gerando, desse modo, a invalidade da notificação do ato de liquidação, o que, também, obsta, decisivamente, à eficácia da decisão notificada, nos termos e para os efeitos do n.º 6 do art.º 77.º da LGT.

Igualmente invoca que a notificação carece de fundamentação.

Não podemos concordar com a existência de ambos os vícios. Senão vejamos.

Quanto ao primeiro vício respeitante à invalidade da notificação, na verdade, como a própria Requerida invoca: “Com efeito, a Requerente não alega não ter sido notificada. Antes alega que a notificação é insuficiente, imperfeita, por não conter a menção do prazo e meios de reação contra o ato notificado, em violação dos princípios conformadores da atividade da administração, as garantias subjetivas dos contribuintes e o expressamente previsto no n.º 2 do artigo 36.o do CPPT”.

Ora, este fundamento não é suficiente desde que tenha dado à Requerente um conhecimento claro da motivação da liquidação, de modo a permitir que fizesse uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato ou a sua impugnação, como se constata através do presente pedido de pronúncia do tribunal arbitral.

Quanto ao segundo vício respeitante à falta de fundamentação, está absolutamente claro que foi a falta de entrega da declaração Modelo 1 pela Requerente, que deu lugar à emissão da liquidação oficiosa de IMT (poder-dever) pela AT, em respeito pelo preceituado na norma do n.º 1, do art.º 19.º, do CIMT. Pelo que, conforme mencionado pela Requerida na Resposta, “tendo a liquidação oficiosa sido emitida em conformidade com os comandos legais aplicáveis, não se vislumbra onde possa existir na mesma qualquer vício de violação do dever de fundamentação ínsito nos normativos invocados pela Requerente (art.ºs 268.º, n.º 3 da CRP e 77.º da LGT)”.

Sendo assim, improcedem ambos os vícios invocados.

 

VI. 2.B. QUANTO À QUESTÃO DE FUNDO

 

Está em causa na presente impugnação a interpretação conjugada do disposto no n.º 3 do artigo 2.º e da alínea g) do artigo 4.º, ambos do Código do IMT (CIMT) e no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, sendo que a Requerente entende que, tratando-se de uma operação concretizada no âmbito de um processo de insolvência e mesmo havendo lugar à cessão da posição contratual do promitente adquirente, toda a operação deverá beneficiar da isenção de IMT concedida pelo n.º 2 do art. 270.º do CIRE.

            Vejamos.

O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional - artigo 2.º, n.º 1, do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis - CIMT.

Nos termos previstos no n.º 3 do artigo 2.º do CIMT:

«Considera-se que há também lugar a transmissão onerosa para efeitos do n.º 1 na outorga dos seguintes actos ou contratos:

(...)

e) Cedência de posição contratual ou ajuste de revenda, por parte do promitente adquirente num contrato-promessa de aquisição e alienação, vindo a contrato definitivo a ser celebrado entre o primitivo promitente alienante e o terceiro».

Ora, da disposição legal supra transcrita resulta que o CIMT sujeita a imposto o promitente adquirente num contrato-promessa de aquisição e alienação se este ceder a sua posição contratual / ajustar a revenda a terceiro e se este terceiro vier a celebrar o contrato definitivo com o promitente alienante.

Perante a verificação dos pressupostos de facto de que depende a sujeição ao imposto, a saber: i) que o promitente-adquirente em contrato-promessa com (v. cl.ª Quinta do CPCV – anexo 2 do PPA)  cláusula de livre cedência de posição contratual ceda sua posição contratual a terceiro; ii) que entre o terceiro adquirente dessa posição contratual e o promitente alienante seja celebrado contrato definitivo de propriedade do imóvel, pode o contribuinte afastar o regime-regra de tributação, apresentando a prova da verificação dos pressupostos de que depende o regime excepcional e derrogatório.

Cumulativamente interessa analisar o disposto no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, como benefício fiscal.

Ora, determina o artigo 10.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais que “as normas que estabelecem benefícios fiscais não são suscetíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva”.

Este preceito legal, em linha com o artigo 11.º da Lei Geral Tributária, confirma a posição que é hoje pacífica na própria lei, na doutrina e na jurisprudência de que na interpretação das normas fiscais devem ser observadas as regras e princípios gerais de interpretação, com assento legal no artigo 9.º do Código Civil, sem prejuízo da proibição da analogia quando estejam em causa normas atinentes aos elementos essenciais do imposto.

Uma das primeiras regras gerais de interpretação prende-se com a literalidade da norma a interpretar segundo a qual não pode ser considerado pelo intérprete um pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal ainda que imperfeitamente expresso.

Diz o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE que “estão isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

Desde logo haverá que ter em conta que o conteúdo e alcance das expressões que nesta norma se referem à sua componente tributária, conexa com o imposto sobre as transmissões de bens imóveis, devem ser procurados à luz das normas de incidência do respetivo Código (CIMT).

Ora, uma das regras gerais de incidência do CIMT é a de que havendo a transmissão efetiva, material, de um prédio, no sentido em que o mesmo seja transferido entre dois patrimónios juridicamente autónomos, mediante o pagamento de um preço, deixa de ser tão relevante a denominação que possa atribuir-se à operação ou ao título translativo utilizado, tanto podendo ocorrer no âmbito de um contrato de compra e venda formalizado nos termos da lei civil, através de um contrato promessa com tradição dos bens, através de uma procuração irrevogável, de uma cedência de posição contratual, através de uma permuta, de uma dação em pagamento, de uma operação de cisão ou fusão de sociedades, de aquisição de partes sociais ou de quotas de determinadas sociedades titulares de bens imóveis quando algum sócio fique a dispor de 75% do capital social, de cessão de partes sociais ou de quotas de sociedades civis na parte em que haja sócios a adquirir comunhão de imóveis, entre outras transmissões previstas nas normas de incidência daquele Código (vd. artigos 1.º a 3.º do CIMT). 

Muitas vezes, quer a linguagem doutrinária, quer a jurisprudência e até as normas avulso, mormente as que tipificam benefícios fiscais, refletem esta variedade de transmissões reais ou ficcionadas, utilizando indistintamente, e às vezes até com alguma redundância e falta de rigor, diversas denominações como, por exemplo, venda, alienação, compra e venda, permuta, cessão, tudo expressões que visam captar os vários tipos de transmissão fiscal sujeita a IMT (vd., entre outras publicações, Os Impostos sobre o Património Imobiliário, anotações aos artigos 1.º a 3.º do CIMT, por J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, publicação Engifisco).

É o que se passa no preceito em análise que utiliza as expressões “venda”, “permuta” e “cessão” sem fazer qualquer distinção entre cada uma delas, sem as enquadrar nem referenciar às situações de incidência do CIMT e também sem esgotar as diversas formas translativas previstas no Código que podem operar transmissões sujeitas a este imposto, razões que, entre outras, terão levado os acórdãos supra analisados a fazer referências à pouca clareza, à falta de rigor e à ambiguidade com que a norma em causa é redigida.

Podendo mesmo afirmar-se que o legislador do CIRE, inseguro quanto à melhor expressão que deveria utilizar para tipificar as realidades que pretendia abranger pela isenção do citado n.º 2 do artigo 270.º, em vez de uma utilizou três expressões esperando que assim correria menor risco de falhar o efeito pretendido.

Para terminar a análise desta componente literal da norma em causa não podemos deixar de assinalar que os termos de vender, permutar e ceder são todos eles verbos transitivos e, sendo assim, a referência à empresa ou estabelecimentos desta surge como complemento direto dos referidos verbos.

No entanto o elemento literal não é suficiente, pois há que separar a norma de incidência de IMT e os benefícios fiscais criados neste imposto. Assim, para se atingir o verdadeiro sentido e alcance de uma norma devem ser considerados outros elementos interpretativos, como seja, o elemento racional ou lógico, o elemento sistemático e o elemento histórico (vd. Manuel de Andrade, in Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 8.ª Edição, Arménio Amado-Editor, Coimbra 1978).

Em termos do elemento racional deve considerar-se que toda e qualquer norma foi criada com uma determinada finalidade e que, consequentemente, deve ser entendida no sentido que melhor responda ao resultado que se pretendeu alcançar.

O n.º 2 do artigo 270.º do CIRE deve ser visto como um desentrave e apoio à venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões do interesse dos credores mas também do interesse público da retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador.

Não se discordando que possa atribuir-se esta finalidade à norma em apreço, a verdade é que esta finalidade não deixa de estar presente se se considerar que a mesma abrange apenas a transmissão da empresa como um todo ou a transmissão de um determinado estabelecimento da mesma, na vertente de venda, permuta ou cessão, não abrangendo outras figuras contratuais ficcionadas pela regra geral do IMT, como seja a mera promessa de compra e venda. Ora, a interpretação sobre o que está ou não abrangido não pode fazer-se em função de máximos ou mínimos, em função do grau de apoio ou incentivo que pode conferir à proteção dos credores ou do mundo empresarial.

Esse grau só a própria lei o poderia determinar, não o intérprete, e no caso em apreço nada permite concluir que o benefício fiscal se deve aplicar a toda e qualquer transmissão dos bens da empresa insolvente ou sequer que o legislador ou a própria lei quisessem esse resultado, como seja a mera promessa de compra e venda em causa nos presentes autos.

Quanto ao elemento sistemático, a confrontação do n.º 2 do artigo 270.º com outras disposições do CIRE sobre benefícios fiscais pode também ajudar a percecionar o sentido e alcance desta norma.

Neste tocante, o que vemos é que nos artigos 268.º, 269 e n.º 1 do artigo 270.º estão previstos benefícios fiscais nos domínios da tributação do rendimento, do imposto do selo e do imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis, podendo constatar-se que, no que toca à transmissão de imóveis, há duas operações comuns a todas estas normas e que são a “dação de bens em cumprimento” e a “cessão de bens aos credores” (vd. n.º 1 do artigo 268.º, alínea d) do artigo 269.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 270.º).

Ainda no domínio das operações que podem envolver imóveis a alínea e) do artigo 269.º prevê a isenção de imposto de selo para “a venda, permuta ou cessão de elementos do ativo da empresa” e as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 270.º preveem a isenção de IMT para as transmissões conexas com a constituição de novas sociedades e com a realização do seu capital social e também as transmissões que visem o aumento do capital social da sociedade devedora.

Constata-se assim que estas situações abrangidas pelos benefícios fiscais estão claramente formuladas e devidamente delimitadas para determinados tipos de operações e que, no caso da alínea e) do artigo 269.º, no domínio do imposto de selo, a norma é bem clara e expressa ao abranger a “a venda, permuta ou cessão de elementos do ativo da empresa” sem que haja qualquer dúvida, no plano gramatical, de que os verbos vender, permutar e ceder têm como complemento direto apenas e só os elementos do ativo da empresa.

O que permite concluir que, diferentemente de outras normas em que o fim prosseguido com os benefícios fiscais foi diverso, o legislador privilegiou aqui a alienação definitiva do conjunto dos ativos da empresa insolvente ou de qualquer dos seus estabelecimentos tendo em vista proteger a sua continuação e a sua laboração noutra titularidade. O que de todo não abrange situações em que haja a mera promessa de venda a uma entidade, mesmo com uma clausula de cedência de posição contratual.

O elemento histórico pode também estar presente com a análise da evolução das normas que antecederam a versão atual do preceito em análise.

E, neste tocante, o que se constata é que o CIRE foi aprovado ao abrigo da Lei de autorização legislativa n.º 39/2003, de 22 de Agosto, que autorizava o Governo a “isentar de imposto municipal de sisa (antecedente do IMT) a venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimento ou elementos dos seus ativos”. Com efeito, face à letra da norma e à ausência de qualquer referência expressa a contratos promessa de compra e venda, com ou sem clausula de cedência de posição contratual, concluiu-se sem hesitação que a isenção consignada no referido preceito legal apenas é aplicável à alienação de prédios de carácter definitivo, nos estritos limites dos conceitos de “venda”, “permuta” e “cessão”.

Pelo que o presente pedido de aplicação da isenção de IMT à parte do negócio – contrato-promessa de compra e venda – em que a Requerente participou, deve improceder, com todas as consequências legais.

             

  1. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, o Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar totalmente improcedente o presente pedido arbitral;
  2. Condenar a Requerente ao pagamento das custas.
  1. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 86.246,25, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

  1. Custas

 

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 2.754,00, a pagar pela Requerente, uma vez que o pedido principal foi improcedente, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

Notifique-se.

 

 

Lisboa, 30 de agosto de 2023.

 

Os Árbitros,

 

 

(Guilherme W. d’Oliveira Martins)

 

 

(Armando Oliveira)

 


(A. Sérgio de Matos)

 

 



[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.