SUMÁRIO:
I – Os subsídios financeiros e certos apoios concedidos por entidades públicas a cooperativas são isentos de IRC quando comprovadamente se destinem a financiar o exercício de funções públicas delegadas pelo Estado nessas entidades [artigo 66º-A/6-a), do EBF)] II – À luz do artigo 74º, da LGT, compete à Cooperativa a prova do preenchimento desse requisito III – A atividade económica corrente de uma cooperativa não está abrangida pela isenção ainda que se reconheça o interesse e utilidade pública dessa sua atividade.
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Os Árbitros, José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Catarina Gonçalves e Raquel Franco (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 20 de fevereiro de 2023, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
É Requerente A..., com sede na ..., n.º ..., em Lisboa, registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número único de matrícula e de identificação fiscal ..., doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.
É Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.
O Requerente apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro, notificada a AT.
O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como Árbitro Presidente o Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues e como Árbitras Adjuntas a Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos e a Dra. Raquel Franco.
Em 20 de janeiro de 2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.
Desta forma, o Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído em 20 de janeiro de 2023, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a AT, para, querendo, se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.
Posteriormente, a Prof.ª Doutora Maria do Rosário Anjos veio renunciar às funções arbitrais, tendo sido determinada a sua substituição, nos termos e ao abrigo do disposto do Regulamento de Seleção e Designação de Árbitros em Matéria Tributária (artigo 6.º, n.º 5), por despacho de 27.02.2023 do Presidente do Conselho Deontológico, pela. Dra. Catarina Gonçalves.
Mais tarde, veio o Prof. Nuno Cunha Rodrigues renunciar às funções arbitrais, tendo sido determinada a sua substituição, nos termos e ao abrigo do disposto do Regulamento de Seleção e Designação de Árbitros em Matéria Tributária (artigo 6.º, n.º 5), por despacho de 20.03.2023 do Presidente do Conselho Deontológico, pelo Juiz José Poças Falcão.
Por Despacho de 3 de maio de 2023, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, e conferida às partes a possibilidade de apresentação de alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Argumentos das partes
A ora Requerente deduziu pedido de pronúncia arbitral tendo em vista a declaração de ilegalidade da liquidação adicional do IRC, referente ao período de 2017-09-01 a 2018-08-31, e demonstração de liquidação de juros, ambas associadas à demonstração de acerto de contas n.º 2021..., todas com o número de compensação 2021..., de 14 de maio, no total de € 468.180,96 (quatrocentos e sessenta e oito mil, cento e oitenta euros e noventa e seis cêntimos).
Valor que foi, posteriormente, corrigido pela Requerente para € 147.429,25 (cento e quarenta e sete mil quatrocentos e vinte e nove euros e vinte e cinco cêntimos).
A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação, o seguinte:
a. A A... é uma cooperativa que tem por objeto principal o ensino superior, que prossegue, nomeadamente, através da criação e gestão de estabelecimentos de ensino superior;
b. Os subsídios que lhe são atribuídos são (i) rendimentos provenientes de apoios e subsídios financeiros ou de qualquer outra natureza, (ii) que foram atribuídos pelo Estado ou por outras entidades que integram à Administração Pública em sentido lato, (iii) como compensação pelo exercício de funções de interesse e utilidade públicas delegados pelo mesmo Estado.
c. A situação sob análise deverá ser abrangida pela previsão do artigo 66.º- A do EBF.
d. Assim, não devem ser sujeitos a tributação, em sede de IRC, os subsídios recebidos no montante de €587.307,35 (quinhentos e oitenta e sete mil trezentos e sete euros e trinta e cinco cêntimos).
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
a. Em momento algum o Requerente prova o que cauciona ao longo do seu pedido de pronúncia arbitral, mormente o preenchimento do requisito que exige que os apoios e subsídios financeiros são atribuídos pelo Estado como “compensação pelo exercício de funções de interesse e utilidade públicas delegadas pelo Estado”;
b. O princípio do ónus da prova consubstancia-se no princípio de que quem alega um determinado facto constitutivo de um direito, tem a necessidade de prová-lo. (cf. art.º 342.º do Código Civil – CC e n.º 1 do art.º 74.º da LGT).
c. Conclui dever o pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
c.
Ambas as partes apresentaram alegações, reiterando as posições já assumidas.
2. Fundamentação
2.1. Fundamentação de facto
Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar, de seguida, a matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental constante dos autos.
a. A Requerente é uma cooperativa de direito português que tem por objeto principal o ensino superior, que prossegue, nomeadamente, através da criação e gestão de estabelecimentos de ensino superior.
b. A Requerente desenvolve um conjunto de atividades que se inserem nos seus fins estatutários e através dos quais são prosseguidos fins educacionais/ensino, designadamente na área do ensino superior.
c. A Requerente recebeu apoios e subsídios financeiros de várias entidades concedentes, no total de € 358.650,99, imputados ao período compreendido entre 01/09/2017 e 31/08/2018, mormente da Fundação para a Ciência e Tecnologia.
d. Na sequência das correções promovidas pelos SIT em sede de inspeção, ao período de tributação de 2017/18, a Requerente foi notificada da demonstração da liquidação de IRC identificada com o n.º 2021 ..., de 12 de maio de 2021, bem como da respetiva demonstração da liquidação de juros, ambas associadas à demonstração de acerto de contas n.º 2021 ..., com a compensação n.º 2021..., de 14 de maio
e. Não se conformando, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa, em 29.09.2021.
f. Em 22.10.2021, apresentou a Requerente reclamação graciosa, requerendo a anulação da liquidação do imposto, juros e a correspondente demonstração de acerto de contas, bem como a revisão da matéria coletável apurada, no valor de € 1.560.457,33, corrigindo-se para o valor de € 973.436,08, visando refletir a isenção de IRC, nos termos do n.º 6 do artigo 66.º-A do EBF, dos apoios e subsídios de Estado recebidos no montante de € 358.650,99, e a dedução à matéria coletável do prejuízo fiscal do período anterior de 2016/2017, no valor de € 287.270,05.
g. Em despacho de indeferimento de 07.09.2022, proferiu a AT uma decisão sustentando a legalidade da liquidação adicional de IRC e respeitantes juros compensatórios.
2.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
2.3. Fundamentação Da Fixação Da Matéria De Facto
Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Tendo em conta as posições assumidas pelas partes, o disposto nos artigos 110.º, n.º 7 e 115.º, n.º 1, ambos do CPPT, a prova documental e o PPA junto aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
3. Matéria de Direito
3.1. Delimitação das questões a decidir
Atenta a posição das partes, constituem questões a dirimir:
- A anulação do ato tributário de liquidação adicional de IRC, no montante corrigido de 147.429,25€ (cento e quarenta e sete mil quatrocentos e vinte e nove euros e vinte e cinco cêntimos), respeitante ao período 2017/2018, em função de se determinar se os subsídios recebidos pela Universidade, de que a Requerente é titular, devem, ou não, considerar-se abrangidos pela isenção prevista no art. 66º- A, n.º 6, do EBF.
- A condenação no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.
3.2. Sobre a ilegalidade do ato
Está em causa nestes autos a aplicabilidade do n.º 6 do art. 66-A do EBF, o qual dispõe:
“São isentos de IRC:
a) Os apoios e subsídios financeiros ou de qualquer outra natureza atribuídos pelo Estado, nos termos da lei às cooperativas de primeiro grau, de grau superior ou às régies cooperativas como compensação pelo exercício de funções de interesse e utilidade públicas delegados pelo Estado.”
Em concreto, a divergência entre as partes coloca-se relativamente à parte da norma que impõe que a atribuição dos apoios/subsídios vise a “compensação pelo exercício de funções de interesse e utilidade públicas delegados pelo Estado.”
Este mesmo tema foi já analisado no âmbito do processo 753/2022-T, que coloca em oposição as mesmas partes, mas relativamente ao período de tributação de 2016-09-01 a 2017-08-31 (cfr Acórdão junto a estes autos pela Requerida).
Ora, tal como nesse processo, também neste a Requerente entendeu a fundamentação das correções efetuadas como referida à ausência de prova da origem e destino dos subsídios em causa, tendo junto numerosa documentação destinada a provar serem as entidades concedentes entes públicos (Estado em sentido amplo) e destinarem-se tais subsídios a financiar as suas atividades essenciais (ensino universitário e investigação científica e tecnológica).
Contudo, a Requerente não provou que esses apoios e subsídios foram atribuídos como compensação pelo exercício de funções de interesse e utilidade públicas delegados pelo Estado, o que é precisamente o fundamento da correção da AT.
Ora, sobre o ónus da prova, dispõe o artigo 74.º n.º 1 da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”
“Como o ónus da prova em direito fiscal é objectivo ou material, tratando-se de determinar que factos devem ser dados como provados, e não quem terá de os alegar e de os provar, aquele preceito legal deve ser entendido como critério de decisão, a questão é decidida contra a parte onerada com o ónus da prova.”, cf Flora, Cristina – “A PROVA NO PROCESSO TRIBUTÁRIO”, in CADERNOS DE FORMAÇÃO CONTÍNUA, ED. ELECTRÓNICA, MAIO 2018, CEJ.
Assim, não tendo a Requerente logrado efetuar a prova a que estava obrigada, deve este tribunal decidir pela total improcedência do pedido formulado.
Assim, face ao exposto, o ato de liquidação de IRC e a demonstração de acerto de contas aqui sindicada, emitidos pela AT, e bem assim, a respetiva liquidação de juros compensatórios, não enfermam de qualquer ilegalidade, devendo, por isso, ser mantidos na ordem jurídica.
4. Decisão
Face a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos impugnados.
5. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 147.429,25 (cento e quarenta e sete mil quatrocentos e vinte e nove euros e vinte e cinco cêntimos).
6. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3 060.00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente, por ter sido total o seu decaimento.
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Notifiquem-se as Partes, bem como Digno Representante do Ministério Público, nos termos e para os efeitos dos artigos 280.º, n.º 3, da Constituição e 72.º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, do 185.º-A, n.º 2, do CPTA subsidiariamente aplicável, e do artigo 17.º, n.º 3, do RJAT.
Lisboa, 14 de agosto de 2023.
O Árbitro Presidente,
José Poças Falcão
A Árbitra Adjunta,
Catarina Gonçalves
A Árbitra Adjunta,
Raquel Franco