SUMÁRIO:
I – A tributação de uma sociedade ao abrigo do Regime Especial de Tributação de Grupos de Sociedades não exclui a aplicabilidade das derramas regionais das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
II – Um sujeito passivo de IRC, que exerce parte da sua actividade nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira através de estabelecimentos estáveis aí existentes, que não é residente nessas regiões mas sim no território continental português, está sujeito às derramas regionais previstas naquelas circunscrições pela parcela do lucro tributável imputável àqueles estabelecimentos.
III – O cálculo do quantum devido a título de derrama estadual e a título de cada uma das derramas regionais deve ser aferido com base no critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro (Lei das Finanças Regionais), que determina uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à actividade que nela foi efectivamente desenvolvida.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Carla Castelo Trindade, Eva Dias Costa e Rui Miguel Zeferino Ferreira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A..., S.A., NIF ..., com sede na..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa (“Requerente”), ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 Março (“RJAT”), veio apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral (“PPA”), quanto ao indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre os actos de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) do Grupo Fiscal B..., na parte respeitante à derrama estadual individual da Requerente, respeitante aos períodos de tributação de 2019 e 2020.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite em 26 de Dezembro de 2022 pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).
3. Requerente veio sustentar a procedência do seu pedido, em síntese, tendo em conta os seguintes argumentos:
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Começou a Requerente por invocar a “ilegalidade da liquidação de IRC do Grupo Fiscal B... no que respeita à parte da derrama estadual que recaiu sobre a componente do lucro tributável da requerente imputável à RAA e à RAM” porque esta componente “não deveria ter sido considerada no apuramento da derrama estadual paga pela ora requerente, e reflexamente pelo Grupo Fiscal B..., em cada um desses exercícios, já que tal resultou na total indevida desconsideração da repartição do volume de negócios da requerente (e reflexamente do Grupo Fiscal B... de que é a sociedade dominante) entre o território continental, a RAA e a RAM”;
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“a requerente, residente em território continental, mas que mantém instalações na RAA através das quais exerce efectivamente a sua actividade (…) deverá ficar sujeita a derrama regional relativamente à parte do lucro tributável imputável ao seu estabelecimento / instalações fixas nos Açores, imputável, pois, à referida Região Autónoma (…), não devendo, por sua vez, essa parte do lucro tributável da requerente ficar sujeita a derrama estadual, conforme expressamente consagrado pelo legislador”;
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“O mesmo raciocínio deverá, naturalmente, aplicar-se à componente do lucro tributável apurado pela requerente nos exercícios em causa de 2019 e 2020 e imputável às instalações que mantém na RAM e através das quais desenvolve efectivamente a sua actividade naquele território”;
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Para sustentar a sua posição convocou a Requente a aplicação do artigo 87.º-A do CIRC, dos artigos 2.º e 5.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro que criou a derrama regional a vigorar na RAA, do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto que criou a derrama regional a vigorar na RAM, na redacção aplicável à data dos factos, do artigo 26.º da Lei das Finanças Regionais aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro;
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Conclui a Requerente que “atento o lucro tributável imputável ao território continental, bem como à RAA e à RAM - imputação essa realizada de acordo com o critério da proporção do volume de negócios apurado por referência à actividade efectivamente desenvolvida em cada região (como sucede com o restante IRC) -, a derrama estadual efectivamente devida em cada um dos exercícios aqui em causa deveria corresponder a € 2.486.520,51 (2019) e € 916.994,67 (2020)”;
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“Em complemento, entende a requerente que não é devida derrama regional em nenhum dos exercícios em causa, em virtude de (…) componente do lucro tributável imputável à RAA e à RAM em 2019 e em 2020 ser inferior a € 1.500.000”;
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“a AT, na sua decisão de indeferimento, justifica a adopção de posição contrária nomeadamente com o seguinte argumento “(…) a derrama regional aplicar-se-á aos sujeitos passivos residentes nas Regiões Autónomas, por um lado, e aos sujeitos passivos residentes no estrangeiro (e nessa medida, não residentes em território nacional) mas que mantenham estabelecimento estável nas Regiões Autónomas”;
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“Por outras palavras: a AT entende que a ora requerente, porque nos exercícios aqui em causa de 2019 e 2020 manteve a sua sede e residência fiscal em território continental, ainda que mantendo instalações através das quais desenvolveu a sua actividade nas Regiões Autónomas (estabelecimento estável), vê o seu lucro tributável ficar integralmente sujeito a derrama estadual”:
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“Acresce ainda que, sendo a derrama estadual apurada individualmente, ao nível de cada uma das sociedades que integram o Grupo Fiscal B... (e não ao nível do RETGS/Grupo), a alocação do lucro tributável ao território continental, à RAA e à RAM de acordo com o supra referido critério de imputação previsto na Lei das Finanças Regionais (cfr. artigo 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro), com o consequente eventual apuramento de derrama estadual e de derramas regionais, não produz impacto ao nível do perímetro de aplicação do RETGS”;
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“Encontrando-se ainda os referidos artigos 87.º-A do Código do IRC e 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro (Lei das Finanças Regionais), em conjugação com o regime jurídico da derrama regional previsto no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A (RAA) e no Decreto-Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho (RAM), na redacção em vigor à data dos factos, feridos de inconstitucionalidade, quando interpretados no sentido da sujeição a derrama estadual da totalidade do lucro tributável apurado por um sujeito passivo de IRC residente em território continental e com estabelecimento estável nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, incluindo a parte do lucro tributável imputável, de acordo com o critério da proporção do volume de negócios, à actividade efectivamente exercida através das instalações que mantém em cada uma das referidas Regiões Autónomas, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (artigo 13.º da CRP) e, bem assim, do princípio da capacidade contributiva (artigo 104.º CRP), corolários do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP), e bem assim feridos de ilegalidade por violação de lei de valor reforçado, a Lei (orgânica) das Finanças Regionais”.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As partes foram notificadas dessa designação em 10 de Fevereiro de 2023, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 28 de Fevereiro de 2023, sendo que naquela mesma data foi a Requerida notificada para apresentar a sua resposta.
6. Em 14 de Abril de 2023, a Requerida apresentou a sua resposta e juntou aos autos o processo administrativo, tendo-se defendido por excepção e por impugnação, requerendo a sua absolvição da instância e, subsidiariamente, a sua absolvição de todos os pedidos, com base nos seguintes argumentos:
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“Nos termos do disposto no art. 2º, alínea a) da Portaria nº 112/2011, de 22 de Março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no nº 1 do art. 2º do RJAT”;
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“é constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP], no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, uma interpretação que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente”;
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“Conforme resulta do pedido, a requerente peticiona que a AT seja condenada a calcular a derrama estadual considerando o lucro tributável imputável a cada uma das regiões (território continental, RAA e RAM) nas quais a requerente exerce a sua atividade, com a atribuição da relevância devida à existência de derramas regionais em vigor na RAA e na RAM”;
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“Assim, com a presente ação arbitral, o que a requerente pretende é, no fundo, obter o reconhecimento de um direito, de proceder a uma determinada forma de cálculo da derrama estadual, independentemente da anulação de uma liquidação”;
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“pedido formulado pela requerente não se destina a obter a anulação, parcial, da liquidação de IRC, mas apenas a obter uma condenação da AT a adotar um determinado procedimento no cálculo da derrama estadual”;
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“Posto isto, a pretensão jurídica formulada pela requerente reconduz-se ao reconhecimento de um direito ou ao pedido de condenação à prática de um acto devido, que não poderão ser obtidos por esta via”;
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“Por isso, o pedido de pronúncia arbitral não consubstancia o meio próprio, o que, no caso, redunda na própria incompetência do Tribunal Arbitral, para reconhecer o direito que a requerente pretende obter, ou para, em alternativa, à ação administrativa especial, condenar a AT à prática de um ato devido”;
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“Deste modo, verifica-se a existência de uma exceção dilatória, consubstanciada na incompetência material do tribunal arbitral, a qual obsta ao conhecimento do pedido, e, por isso, deve determinar a absolvição da entidade Requerida da instância, atento o disposto nos artigos 576.º, n.º 1 e 577.º, alínea a) do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT”.
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Sem conceder, “os Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas permitem que as Assembleias Legislativas Regionais possam atuar sobre matérias do seu poder tributário próprio e da adaptação do sistema fiscal nacional, designadamente, adaptar os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais, em matéria de incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, nos termos da Lei de Finanças das Regiões Autónomas”;
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“Porém, não estamos perante o exercício de um poder tributário próprio, o qual se manifesta na possibilidade de estabelecimento de um regime fiscal específico, mas eventualmente perante a possibilidade de adaptar o sistema fiscal da República”;
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“para efeitos desta adaptação e no sentido de promover a economia, o investimento e a criação de emprego em benefício do desenvolvimento sustentável, para os períodos de 2019 e 2020, as Regiões Autónomas determinaram um valor de taxas de derrama regional inferiores face às previstas no artigo 87.º-A do CIRC”;
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“contudo (…) a derrama regional (…) [e] taxas neles previstas, apenas se aplica a: a) Residentes nas Regiões Autónomas da Madeira ou dos Açores; b) Não residentes com estabelecimento estável na RAM ou na RAA”;
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“a requerente tem a sua sede e residência fiscal em Portugal Continental e a sua atividade é sujeita a tributação em IRC, verificando-se que o requisito de incidência previsto no nº 1 do artº 87º-A, do CIRC, se encontra preenchido pela mesma estando esta, assim, obrigada a liquidar a derrama estadual nos termos e às taxas previstas no referido artigo”;
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“a opção pela aplicação do RETGS só pode ser formulada quando se verifiquem cumulativamente um conjunto de requisitos, entre os quais que a totalidade dos rendimentos de todas as sociedades pertencentes ao grupo com sede ou direção efetiva em território português, esteja sujeita ao regime geral do IRC à taxa normal mais elevada (cfr. al. a) do n.º 3 do art.º 69.º do CIRC)”;
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“Deste modo, e conforme estipula a al. d) do n.º 4 do art.º 69.º do CIRC, não podem fazer parte do grupo as sociedades que, no início ou durante a aplicação do regime, estejam sujeitas a uma taxa inferior à taxa normal mais elevada e não renunciem à sua aplicação”;
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“Ou seja, quando estamos na presença de sujeitos passivos que integram um grupo de sociedades tributado pelo RETGS, nos casos em que a sociedade dominante tenha sede no Território Continental, a totalidade dos rendimentos das sociedades do grupo está sujeita ao regime geral de tributação em IRC, à taxa normal mais elevada, nos termos da al. a) do n.º 3 do art.º 69.º do CIRC”;
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“Quanto à Derrama Estadual, introduzida no Código do IRC pela Lei n.º 12‑A/2010, de 30 de junho, por aditamento dos artigos 87.º-A, 104.º-A e 105º-A, verifica‑se que a mesma representa uma receita adicional e acessória do Estado, incidente sobre a parte do lucro tributável superior a €1.500.000,00 sujeito e não isento de IRC das entidades residentes que exerçam a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e das entidades não residentes com estabelecimento estável em território nacional”;
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“Da leitura do art.º 87.º-A do CIRC extrai-se a definição, a incidência pessoal, bem como as taxas aplicáveis à derrama estadual. Assim, a derrama estadual, enquanto adicional ao IRC, tem a natureza de IRC”;
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“Na situação em análise, muito embora a sociedade tenha atividade nas Regiões Autónomas, a sua sede é em Portugal Continental, é tributada pelo RETGS, pelo que é‑lhe aplicável a regra geral, e consequentemente, a derrama estadual, prevista no artº 87º-A do CIRC”;
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“O apuramento das receitas fiscais atribuídas às Regiões Autónomas, em cumprimento do constitucional e legalmente determinado, não tem qualquer relação com o imposto da derrama estadual, nomeadamente com a definição da sua incidência objetiva”;
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“Em respeito pelo princípio da legalidade plasmado nos artigos 103.º da Constituição e 8.º da LGT, a incidência da derrama estadual encontra-se prevista no artigo 87.º-A do Código do IRC”;
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“incidência do imposto da derrama estadual tem por base a globalidade do lucro tributável obtido pelos sujeitos passivos, não se fazendo qualquer segregação ou exclusão de incidência em função da circunscrição a que o mesmo é imputado”;
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“O entendimento manifestado pela Requerente confunde as operações de cálculo de apuramento das receitas fiscais atribuídas às Regiões Autónomas com a definição (a montante) da incidência objetiva da derrama estadual”;
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“A interpretação do artigo 87.º-A do Código do IRC assumida pela Requerente, no sentido em que a norma implicaria a determinação da incidência objetiva da derrama estadual de acordo com as regras do apuramento das receitas fiscais atribuídas às Regiões Autónomas é, pelo atrás exposto, inequivocamente inconstitucional por violação do artigo 103.º da Constituição”;
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“Como tal, haverá que concluir que o ato tributário de autoliquidação de IRC, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, não padecem de qualquer vício, devendo a sua conformidade com a lei ser reconhecida pelo douto tribunal arbitral”.
7. Em 24 de Abril de 2023, foi a Requerente notificada para exercer o direito ao contraditório sobre a matéria de excepção invocada pela Requerida, o que aquela veio a fazer através de requerimento apresentado em 2 de Maio de 2023, com recurso aos seguintes argumentos:
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“O poder de condenar no reembolso (com tudo o que isso implica) é uma exigência do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, que se impõe na arbitragem tributária da mesma maneira que se impõe na impugnação judicial. Quem tem poderes/competência para anular imposto, tem necessariamente competência/poderes (ou a tutela não seria efectiva) para condenar no reembolso, mais ainda (ou por maioria de razão) do que tem competência para condenar no pagamento de juros indemnizatórios”;
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“não se concebe que o Tribunal não esteja investido de poderes para condenar no reembolso, posto que, evidentemente, as partes lhe indiquem em concreto o montante da liquidação cuja legalidade se discute, caso contrário terá de ser diferida para execução de sentença a determinação do exacto montante a anular e a reembolsar. Mas só nesse caso”;
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“a AT tem todo o direito de contestar essa quantificação, se entender que foi mal feita, quer na precedente fase administrativa, quer na presente fase arbitral, e depois o Tribunal decidirá, com ou sem mais pedidos de explicação sobre o cálculo de que necessite, e se não ficar esclarecido sobre essa eventual controvérsia relativa à quantificação, mas só nesse caso, deverá então remeter para execução de julgado a melhor dilucidação da mesma”;
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“a norma constante do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, nesta interpretação da AT, é inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de direito democrático e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigos 2.º, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da Constituição)”.
8. Em 11 de Maio de 2023, foi proferido despacho arbitral no qual se dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 16.º, alínea c), 19.º e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. Naquele despacho foi ainda conferida às partes a possibilidade de apresentarem alegações finais, direito que a Requerente e a Requerida exerceram, respectivamente, em 20 e em 30 de Maio de 2023.
II. SANEAMENTO
9. O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e o pedido é tempestivo nos termos do artigo 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
10. Cumpre nesta sede apreciar a excepção dilatória invocada pela Requerida na sua resposta, de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de condenação da AT ao apuramento do IRC segundo determinado cálculo da derrama estadual, que consiste num pedido de reconhecimento de um direito ou de condenação à prática de um acto devido.
11. Quanto a este ponto, desde já se diga que não assiste razão à Requerida.
12. No PPA, a Requerente indicou no ponto “B – Da identificação do acto tributário objecto de pronúncia arbitral”, que “[o]s actos objecto do pedido de pronúncia do Tribunal Arbitral são o indeferimento da reclamação graciosa supra identificado e, consequentemente (e em termos finais ou últimos), os actos de autoliquidação de IRC (derrama estadual) do Grupo Fiscal B... relativos aos exercícios de 2019 e 2020, na medida em que estas autoliquidações enfermam de ilegalidade por incluírem derrama estadual indevidamente suportada sobre parte do lucro tributável legalmente alocada às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, como se verá infra”.
13. Mais referiu naquele ponto que “[p]retende a ora requerente submeter à apreciação do Tribunal Arbitral (i) a legalidade deste indeferimento da reclamação graciosa, na medida em que desatende o reconhecimento da ilegalidade (por indevida liquidação) daquela parte das autoliquidações de IRC (derrama estadual) referentes aos exercícios de 2019 e 2020 do Grupo Fiscal B... e, bem assim, (ii) a legalidade daquela parte das autoliquidações de IRC (derrama estadual) referentes aos exercícios de 2019 e 2020, mais especificamente ilegalidade no que respeita ao montante de € 97.132,07 (incluindo € 79.050,86 relativamente ao exercício de 2019 e, bem assim, € 18.081,21 relativamente ao exercício de 2020, conforme infra se quantificará melhor)”.
14. No PPA, a Requerente indicou ainda no ponto “C – Identificação do pedido de pronúncia arbitral, respectivos fundamentos e exposição das questões de facto e de direito objecto do referido pedido” que “Pretende a ora requerente que seja declarada quer a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa, quer a ilegalidade parcial dos actos de autoliquidação supra identificados (cfr. Docs. n.ºs 2 a 9) – e que sejam consequentemente anulados –, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, mais concretamente no que concerne à parte dos referidos actos de autoliquidação que reflecte a liquidação indevida de derrama estadual suportada sobre parte do lucro tributável legalmente alocada às Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, que originou um montante de imposto indevidamente liquidado no valor de € 97.132,07 (€ 79.050,86 relativamente ao exercício de 2019 e € 18.081,21 relativamente ao exercício de 2020)”;
15. A final, formulou a Requerente o seguinte pedido “[n]estes termos, deve ser declarada a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa supra melhor identificado e, bem assim, a ilegalidade parcial das autoliquidação de IRC (derrama estadual) relativas aos exercícios de 2019 e 2020 do Grupo Fiscal B..., quanto ao montante de € 79.050,86 e de € 18.081,21, respectivamente, no total de € 97.132,07, com a sua consequente anulação nesta parte e nestes montantes, por violação de lei e do princípio da legalidade, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso do montante total de € 97.132,07 (incluindo € 79.050,86 relativamente a 2019 e, bem assim, € 18.081,21 relativamente a 2020) acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 23 de Setembro de 2022 até integral reembolso”.
16. Dos excertos transcritos resulta inquestionável que a Requerente contesta nos presentes autos a legalidade de actos tributários – o objecto imediato do pedido é o acto de indeferimento da reclamação graciosa e o objecto mediato são os actos de autoliquidação de IRC referentes aos exercidos de 2019 e 2020 –, que se inserem no âmbito de competência material do Tribunal Arbitral por força do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º1 do RJAT e artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março a contrario.
17. No que em concreto respeita ao pedido de reembolso do montante total de € 97.132,07, está tão só em causa a quantificação pela Requerente daqueles que são, no seu entender, os efeitos práticos decorrentes da eventual anulação parcial dos actos de autoliquidação de IRC impugnados. É que, recorde-se, caso o pedido arbitral venha a ser julgado procedente, a AT fica vinculada nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT a “[r]estabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que inclui o reembolso do imposto indevidamente pago.
18. Apesar de o processo arbitral ser essencialmente um contencioso de mera anulação, a verdade é que os Tribunais Arbitrais não estão em absoluto arredados de proferir pronúncias condenatórias, designadamente no que respeita à condenação no pagamento de juros indemnizatórios, à condenação do pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia e, por maioria de razão, ao reembolso do imposto indevidamente liquidado.
19. Neste preciso sentido, vejam-se as considerações do Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão proferido em 25 de Junho de 2019, no processo n.º 44/18.6BCLSB:
“Importa, de igual modo, aferir da invocada incompetência do tribunal arbitral para determinar o valor exacto da anulação e do reembolso a conceder à Impugnada, interpretação do tribunal arbitral que, na perspectiva da Impugnante, viola a Constituição e seus princípios (conclusões 40.º a 54.º e 61.º)
A respeito da competência dos tribunais arbitrais em matéria de condenação pronunciou-se recentemente o acórdão do TCAS de 22/05/2019, proc. n.º 7/18.1BCLSB:
“A competência dos tribunais arbitrais está fixada no art.º 2.º, n.º1 alíneas a) e b), do RJAT, pelo que importará, desde logo, indagar se o pedido de condenação da AT “no reembolso à Requerente do montante de imposto pago (€ 55.081,78)”, se compreende no âmbito da competência do tribunal arbitral para apreciar a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.
Uma leitura conjugada do disposto naquele art.º 2.º do RJAT com o disposto no art.º 10.º, n. º1, alínea a) do mesmo diploma, parece apontar no sentido de que a competência dos tribunais arbitrais corresponderá, salvo restrições legais, aos casos em que, no processo judicial tributário, os tribunais tributários conhecem das pretensões através do meio processual da impugnação judicial – artigos 97.º, n.º1 alíneas a) a f), 99.º e 102.º, n.º1, todos do CPPT.
Como se sabe, em processo judicial tributário, é pelo pedido que se afere a adequação do meio processual ao fim por ele visado: se o pedido formulado pelo Autor não se ajusta à finalidade abstractamente configurada por lei para essa forma processual, ocorre erro na forma do processo (cf. Prof. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, volume II, Coimbra Editora, 3.ª edição - reimpressão, págs. 288/289).
Só que, estando os tribunais arbitrais limitados na sua competência material à apreciação de pretensões que se prendem com “a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e “a declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”, quaisquer outras pretensões – não compatíveis, em processo judicial tributário, com a forma processual da impugnação judicial – excedem o âmbito da sua competência, fixada no art.º2.º, n.º1 do RJAT.
Ora, por força da consagração do princípio constitucional da tutela judicial efectiva (cf.artº.268.º, nº.4, da Constituição da República), o processo judicial tributário tem vindo a perder a sua natureza estrita de um contencioso de mera anulação e a conferir tutela a pretensões características de um contencioso de plena jurisdição. É que, como se diz no Acórdão deste tribunal de 06/08/2017, tirado no proc.º06112/12, aquele princípio constitucional “somente é alcançado se as sentenças puderem ter todos os efeitos necessários e aptos a proteger o direito ou interesse apreciado pelo Tribunal, assim não podendo limitar-se à mera anulação do acto tributário e podendo o processo de impugnação revestir uma natureza condenatória, caso o contribuinte solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante pago acrescido dos respectivos juros” (sublinhado nosso).
E para sustentar a natureza tendencial da impugnação como processo de plena jurisdição, aponta-se também no aresto em citação, “o princípio da economia processual que exige que se ponha fim ao litígio utilizando do processo judicial tudo o que puder ser aproveitado para basear uma decisão do Tribunal de onde sai logo uma definição da situação tributária concreta sob análise que não careça de qualquer nova pronúncia da Administração Tributária” e, ainda e por último, “razões ligadas ao próprio âmbito do contencioso tributário ou aos limites à plena jurisdição de um tal contencioso, os quais só serão de aceitar em relação àqueles domínios ou aspectos da acção administrativa em que a mesma plena jurisdição implique para o juiz tributário a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa, nomeadamente a intangibilidade do caso julgado administrativo ou o respeito pelas áreas em que a Administração Tributária goza de uma margem de livre apreciação na sua decisão (v.g. discricionariedade técnica)”.
Nesta linha de entendimento, não se descortinam razões para restringir aos tribunais arbitrais a possibilidade – que se confere aos tribunais tributários em processo de impugnação judicial – de proferirem decisões de natureza condenatória, caso o contribuinte solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante pago acrescido dos respectivos juros, desde que tal não implique para o tribunal arbitral a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa, nomeadamente a intangibilidade do caso julgado administrativo ou o respeito pelas áreas em que a Administração Tributária goza de uma margem de livre apreciação na sua decisão (cf. Carla Castelo Trindade, “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – Anotado”, Almedina, 2016, a págs.120 e ss.).
Concluímos, pois, pela competência dos Tribunais Arbitrais para proferir condenatórias nas situações em que, como a dos autos, contribuinte requerente solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante de imposto pago acrescido dos respectivos juros indemnizatórios.”.
20. Perante o exposto, julga-se improcedente a excepção dilatória invocada pela Requerida na sua resposta.
21. No mais, o processo não enferma de nulidades, nem existem excepções ou outras questões prévias que cumpram conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
III. MATÉRIA DE FACTO
§1 – Factos provados
22. Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
-
A Requerente é uma sociedade comercial residente em Portugal;
-
A Requerente tem sede e direcção efectiva no território continental português, mas também exerce a sua actividade nas Regiões Autónomas dos Açores (“RAA”) e da Madeira (“RAM”) através de instalações aí existentes;
-
A Requerente é a sociedade dominante de um grupo (“Grupo Fiscal B...”), que é tributado ao abrigo do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (“RETGS”);
-
Em 9 de Julho de 2020, a Requerente entregou a sua declaração individual de IRC Modelo 22, referente ao exercício de 2019, tendo ainda apresentado uma declaração de substituição – cfr. docs. n.º 11 e 12 juntos com o PPA;
-
Em 29 de Julho de 2020, na qualidade de sociedade dominante do Grupo Fiscal B..., a Requerente apresentou a declaração agregada de IRC Modelo 22 (RETGS), referente ao exercício de 2019, tendo ainda apresentado três declaração de substituição – cfr. docs. n.º 2 a 5, 11 e 12 juntos com o PPA;
-
Em 15 de Julho de 2021, a Requerente entregou a sua declaração individual de IRC Modelo 22, referente ao exercício de 2020, tendo ainda apresentado duas declarações de substituição – cfr. docs. n.º 13 a 15 juntos com o PPA;
-
Em 15 de Julho de 2021, na qualidade de sociedade dominante do Grupo Fiscal B..., a Requerente apresentou a declaração agregada de IRC Modelo 22 (RETGS), referente ao exercício de 2019, tendo ainda apresentado três declaração de substituição – cfr. docs. n.º 6 a 9, 13 e 14 juntos com o PPA;
-
Nos exercícios de 2019 e 2020, a Requerente apurou os seguintes montantes relativos ao volume de negócios e colecta individual de IRC imputáveis à RAA e à RAM:
– cfr. doc. n.º 16 junto com o PPA;
-
Nos exercícios de 2019 e 2020, o lucro tributável da Requerente foi apurado em função da proporção do volume de negócios gerado em cada região, conforme detalhado na tabela seguinte:
– cfr. docs. n.º 12 e 15 juntos com o PPA;
-
Nos exercícios de 2019 e 2020, a derrama estadual individual apurada pela Requerente com base no seu lucro tributável individual total foi de, respectivamente, € 2.565.571,37 e € 935.075,88 – cfr. docs. n.º 12 e 15 juntos com o PPA;
-
A Requerente, no cálculo da sua derrama estatual individual dos exercícios de 2019 e 2020, não dividiu a matéria colectável pela derrama estadual e derramas regionais em proporção do volume de negócios em cada circunscrição, antes a alocou na íntegra e exclusivamente à derrama estadual;
-
O modelo oficial da declaração Modelo 22 nos exercícios de 2019 e 2020 não continha quaisquer campos para apuramento de derramas regionais equivalentes aos campos 350 (“Imposto imputável à Região Autónoma dos Açores”) e 370 (“Imposto imputável à Região Autónoma da Madeira”) existentes no que se refere à restante parte do IRC;
-
A derrama estadual individual da Requerente foi por esta incluída no valor global de derrama estadual apurado no âmbito do RETGS, que nos exercícios de 2019 e 2020 perfez, respectivamente, o montante de € 2.645.065,02 e de € 979.931,82 – cfr. docs. n.º 5 e 9 juntos com o PPA;
-
O valor global de derrama estadual apurado pelo Grupo Fiscal B... corresponde ao somatório das derramas estaduais individualmente apuradas por cada sociedade incluída no perímetro de aplicação do RETGS;
-
Em 8 de Julho de 2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra as autoliquidações de IRC respeitantes aos exercícios de 2019 e de 2020;
-
Em 30 de Setembro de 2022, foi a Requerente legalmente notificada do indeferimento do pedido de reclamação graciosa que tramitou sob o n.º ...2022...;
-
Em 25 de Dezembro de 2022, a Requerente apresentou o PPA que deu origem aos presentes autos.
§2 – Factos não provados
23. Com relevo para a decisão da causa, inexistem factos que não se tenham consideram provados.
§3 – Fundamentação da fixação da matéria de facto
24. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
25. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
26. Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente da prova documental junta aos autos pela Requerente e do PA junto aos autos pela Requerida, que foram apreciados pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos e tendo presente a ausência da sua contestação especificada pelas partes, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
§1 – Ordem de conhecimento dos vícios
27. No PPA a Requerente invocou a ilegalidade das autoliquidações de IRC do Grupo Fiscal B... no que respeita à parte da derrama estadual que recaiu sobre a componente do lucro tributável da Requerente imputável à RAA e à RAM. Em primeiro lugar, por violação do disposto nos artigos 87.º-A do Código do IRC e 26.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro (“Lei das Finanças Regionais”), bem como por violação do regime jurídico da derrama regional previsto no Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A (RAA) e no Decreto‑Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de Julho (RAM). Em segundo lugar, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (artigo 13.º da CRP), do princípio da capacidade contributiva (artigo 104.º CRP), corolários do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da CRP).
28. Nos termos do disposto no artigo 124.º do CPPT aplicável ex vi artigo 19.º, n.º 1, alínea a), aquela será a ordem de apreciação dos vícios imputados pela Requerente aos actos tributários contestados no presente processo.
§2 – Ilegalidade dos actos de autoliquidação de IRC na parte respeitante à derrama estadual que incidiu sobre a componente do lucro tributável imputável à RAA e à RAM
29. O objecto do litígio no presente processo centra-se na aplicação do regime jurídico da derrama estadual à Requerente e na sua conjugação com os regimes das derramas regionais da RRA e da RAM.
30. A derrama estadual consiste numa tributação adicional em sede de IRC que foi criada pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, no âmbito da aprovação de um conjunto de medidas de consolidação orçamental previstas no Programa de Estabilidade e Crescimento, que tiveram como objectivo reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública.
31. À data dos factos, a derrama estadual encontrava-se prevista no artigo 87.º-A do CIRC, onde se determinava o seguinte:
“Artigo 87.º-A
Derrama estadual
1 – Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas apurado por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e por não residentes com estabelecimento estável em território português, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:
Rendimento tributável (euros)
|
Taxa (em percentagem)
|
De mais de 1 500 000 até 7 500 000
|
3
|
De mais de 7 500 000 até 35 000 000
|
5
|
Superior a 35 000 000
|
9
|
(…)
3 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.
4 – Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º.”
32. A Requerente, enquanto sujeito passivo de IRC, residente em território português, que exerce a título principal uma actividade de natureza comercial, e que nos anos de 2019 e 2020 obteve um rendimento tributável superior a € 1.500.000, estava sujeita ao pagamento da derrama estadual.
33. A questão que se coloca é a de saber se a derrama estadual a suportar pela Requerente, que é tributada ao abrigo do RETGS, e que exerce parte da sua actividade na RAA e na RAM através de estabelecimentos estáveis que aí possui para o efeito, deve ou não considerar a proporção do lucro tributável imputável àquelas regiões autónomas.
34. Como ponto de partida, desde já se refere que o facto de a Requerente ser tributada ao abrigo do RETGS em nada interfere com o cálculo da derrama estadual.
35. Isto na medida em que o legislador previu expressamente no n.º 3, do artigo 87.º-A do CIRC que, mesmo nos casos em que o RETGS seja aplicável, não é o lucro tributável agregado do grupo que será objecto da derrama estadual, mas sim o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades que o integram, incluindo a da sociedade dominante.
36. Para além disto, o facto de o Grupo Fiscal B... ser tributado ao abrigo do RETGS também não interfere com o cálculo das derramas regionais eventualmente aplicáveis e com a sua articulação com a derrama estadual.
37. É certo que as derramas regionais da RAA e da RAM estabelecem taxas de tributação mais reduzidas comparativamente às taxas da derrama estadual, e é certo que o artigo 69.º, n.º 3, alínea a) do CIRC faz depender a aplicação do RETGS da tributação de todas as sociedades no perímetro do grupo, pela totalidade dos seus rendimentos, com base no regime geral de tributação em IRC e à taxa normal mais elevada com renúncia à aplicação de taxas inferires àquela.
38. No entanto, a eventual aplicação das derramas regionais da RAA e da RAM, enquanto regimes acessórios de tributação adicional em sede de IRC que são, não têm a virtualidade de afastar o regime geral de tributação em IRC, nem tampouco a aplicação da taxa normal mais elevada, que é a que se encontra prevista no n.º 1, do artigo 87.º do CIRC.
39. O que quer dizer que a aplicação do RETGS não implica uma renúncia pela Requerente à aplicação dos regimes especiais das derramas regionais em face da sujeição única à derrama estadual prevista no artigo 87.º-A do CIRC, conforme sustenta a Requerida.
40. Este é, também, o entendimento que tem sido defendido pela jurisprudência dos Tribunais Arbitrais, designadamente nos acórdãos proferidos no âmbitos dos processos n.º 742/2019-T, de 28 de Setembro de 2020, n.º 187/2020-T, de 15 de Outubro de 2021 e n.º 836/2021-T, de 26 de Setembro de 2022, que se pronunciaram sobre os temas aqui abordados embora quanto a casos não inteiramente idênticos ao do presente processo. Para efeitos elucidativos, veja-se o que se fez constar do sumário do mencionado acórdão arbitral n.º 187/2020-T:
“1) À parte da derrama estadual constante da Declaração Modelo 22 reportada ao Grupo de empresas em que seja aplicável o RETGS e que tenha origem na esfera jurídica individual de sociedade sua integrante residente na Região Autónoma dos Açores são aplicáveis as taxas reduzidas de derrama regional constantes do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A;
2) A referida aplicação das taxas reduzidas de derrama regional não é contrária à lógica própria nem prejudica o funcionamento do RETGS pois a derrama estadual/regional é apurada por referência ao lucro tributável apurado individualmente por cada sociedade integrante, sem possibilidade de compensação de prejuízos/lucros gerados no seio do Grupo;
3) A “taxa normal” mais elevada de IRC a que o legislador se refere no art.º 69.º, n.º 3 al. a) e n.º 4 al. d) do CIRC é a taxa do art.º 87.º do CIRC, e não também as “taxas adicionais” de derrama estadual do art.º 87.º-A do CIRC.”.
41. Estão então assente que a tributação do Grupo Fiscal B... ao abrigo do RETGS não exclui, à partida, a aplicação das derramas regionais da RAA e da RAM à actividade desenvolvida pela Requerente em cada uma das referidas regiões, cumpre então aferir se estão ou não verificados os respectivos pressupostos.
42. Nos termos do artigo 227.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), assiste à RAA e à RAM o direito de “exercer poder tributário próprio, nos termos da lei, bem como adaptar o sistema fiscal nacional às especificidades regionais, nos termos de lei quadro da Assembleia da República”.
43. Este poder tributário próprio das Regiões Autónomas é regulado pela Lei das Finanças Regionais, que ao que aqui importa dispõe o seguinte:
“Artigo 26.º
Imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas
1 - Constitui receita de cada região autónoma o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC):
a) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável numa única região;
b) Devido por pessoas coletivas ou equiparadas que tenham sede ou direção efetiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria em mais de uma circunscrição, nos termos referidos no número seguinte;
c) Retido, a título definitivo, pelos rendimentos gerados em cada circunscrição, relativamente às pessoas coletivas ou equiparadas que não tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional.
2 - Relativamente ao imposto referido na alínea b) do número anterior, as receitas de cada circunscrição são determinadas pela proporção entre o volume anual de negócios do exercício correspondente às instalações situadas em cada região autónoma e o volume anual total de negócios do exercício.
3 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por volume anual de negócios o valor das transmissões de bens e prestações de serviços, com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado (IVA).”.
44. No âmbito do poder tributário próprio que lhe assiste, a RAA aprovou o Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, através do qual estabeleceu a derrama a vigorar naquela região, ao que aqui importa, nos seguintes termos vigentes à data dos factos:
“O Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores dota a Assembleia Legislativa Regional da faculdade de legislar em matérias do seu poder tributário próprio e da adaptação do sistema fiscal nacional, designadamente o poder de adaptar os impostos de âmbito nacional às especificidades regionais, em matéria de incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes, nos termos da Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
Estes princípios materializam-se, nomeadamente, na necessidade de adaptar a derrama estadual prevista no artigo 87.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto Lei 442-B/88, de 30 de novembro, na sua redação atual, à Região Autónoma dos Açores sob a forma de derrama regional, o que é efetuado nos termos do presente decreto legislativo regional. Por via da adaptação referida, estabelece-se uma redução de 20 % nas taxas da derrama regional face às atualmente aplicadas em sede da derrama estadual, tendo por fundamento a identidade entre aquelas derramas e o IRC, bem como a redução deste último na Região Autónoma dos Açores ao abrigo do artigo 5.º do Decreto Legislativo Regional 2/99/A, de 20 de janeiro, na sua redação atual.
Concomitantemente, a redução das taxas da derrama afigura-se como um instrumento de política fiscal para promoção da economia e reforço dos meios dos agentes económicos na concretização de investimento e criação de emprego, em benefício do desenvolvimento sustentável da Região Autónoma dos Açores.
Assim, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, nos termos da alínea i) do n.º 1 do artigo 227.º da Constituição da República Portuguesa, do n.º 1 do artigo 37.º e alínea b) do n.º 2 do artigo 50.º do Estatuto Político Administrativo da Região Autónoma dos Açores, decreta o seguinte:
(…)
Artigo 2.º
Incidência
1 – Sobre a parte do lucro tributável superior a € 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros) sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas, apurado por sujeitos passivos residentes na Região Autónoma dos Açores, bem como por sujeitos passivos não residentes com estabelecimento estável na Região Autónoma dos Açores, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incide derrama regional às taxas constantes da tabela seguinte:
Rendimento tributável (em euros)
|
Taxa (em percentagem)
|
De mais de 1 500 000 até 7 500 000
|
2,4
|
De mais de 7 500 000 até 35 000 000
|
4,0
|
Superior a 35 000 000
|
7,2
|
(…)
3 – Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as taxas a que se refere o n.º 1 incidem sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica de rendimentos individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante, referida na alínea b), do n.º 6, do artigo 120.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).
4 – Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama regional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC.
(…)
Artigo 5.º
Disposições finais
1 — O presente diploma entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
2 — Não são aplicáveis aos sujeitos passivos, mencionados no artigo 2.º, os artigos 87.º -A, 104.º -A e 105.º -A do CIRC.”. (negrito nosso)
45. Tendo em conta que não se afigura controvertido nos autos o facto de a Requerente exercer a sua actividade económica na RAA – bem como na RAM – através de estabelecimentos estáveis aí existentes, o que importa agora apurar é se o conceito de “não residente com estabelecimento estável” utilizado no n.º 2, do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro, se reporta apenas a entidades que não sejam de todo residentes em qualquer circunscrição do território português e que tenham na RAA estabelecimento estável ou, pelo contrário, se para além destes também inclui os sujeitos passivos que apesar de terem naquela região um estabelecimento estável são residentes no território continental português.
46. Desde já se adiante que o conceito “não residente com estabelecimento estável” a que alude a referida norma também abrange o último daqueles dois casos.
47. Considerando que o objectivo da derrama regional da RAA é adaptar o regime da derrama estadual às especificidades daquela região como forma de assegurar a “promoção da economia e reforço dos meios dos agentes económicos na concretização de investimento e criação de emprego, em benefício do desenvolvimento sustentável da Região Autónoma dos Açores”, uma interpretação consentânea com o elemento teleológico da interpretação apontará para o sentido de que aos residentes na RAA se contrapõem todos os demais sujeitos passivos que não tenham residência naquela região mas que ali auferem rendimentos que compõem o seu lucro tributável.
48. Este é também o resultado interpretativo que, sistematicamente, melhor se coaduna com o disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 26.º da Lei das Finanças Regionais acima transcrito, que refere que será receita das regiões autónomas o IRC devido por sujeitos passivos que apesar de não serem residentes nas mesmas, são residentes em território nacional e têm ali sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica própria às quais sejam imputáveis os rendimentos.
49. Entendimento diverso revelaria não só uma quebra da coerência do próprio regime da derrama regional da RAA, que exclui expressamente e sem distinção a aplicação do regime da derrama estadual previsto no artigo 87.º-A do CIRC, como também implicaria uma quebra da coerência do sistema como um todo, em prejuízo da autonomia financeira da RAA consagrada através do respectivo estatuto político‑administrativo, porquanto ficaria de fora da alocação efectiva de receitas do IRC uma parcela do imposto imputável àquela circunscrição.
50. Portanto, ao contrário do sustentado pela Requerida, encontrava-se efectivamente preenchido pela Requerente o âmbito de incidência subjectiva à derrama regional da RAA, sendo que idêntica conclusão se impõe relativamente à derrama regional da RAM.
51. No âmbito do poder tributário próprio que lhe assiste, a RAM aprovou o Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto, através do qual estabeleceu a derrama a vigorar naquela região, ao que aqui importa, nos seguintes termos vigentes à data dos factos:
“Artigo 4.º
Incidência
1 – Sobre a parte do lucro tributável superior a (euro) 1 500 000 sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas apurado pelos sujeitos passivos enquadrados no n.º 1 do artigo 26.º da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de Setembro, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, incidem as taxas adicionais constantes da tabela seguinte:
Lucro o tributável (em euros)
|
Taxa (em percentagem)
|
De mais de 1 500 000 até 7 500 000
|
2,5
|
De mais de 7 500 000 até 35 000 000
|
4,5
|
Superior a 35 000 000
|
8,5
|
2 – Quando seja aplicável o regime especial de tributável dos grupos de sociedades, a taxa a que se refere o número anterior incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual de cada uma das sociedades do grupo, incluindo a da sociedade dominante.
3 – Os sujeitos passivos referidos nos números anteriores devem proceder à liquidação da derrama adicional na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do CIRC.”.
52. Ao remeter o n.º 1, do artigo 4.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto para o n.º 1 do artigo 26.º da Lei das Finanças Regionais, que na sua alínea b) inclui expressamente os sujeitos passivos residentes no território continental português, mas com estabelecimento estável nas regiões autónomas, resulta sem margem de dúvidas o preenchimento pela Requerente da incidência subjectiva prevista na derrama regional da RAM.
53. Aqui chegados, sublinha-se que a jurisprudência que já se pronunciou sobre casos em que se colocaram questões de sentido semelhante ao dos presentes autos também concluíram que as derramas regionais são aplicáveis aos sujeitos passivos residentes em Portugal e que exercem actividade na RAA ou na RAM através de estabelecimentos estáveis aí situados.
54. Neste preciso sentido veja-se o seguinte entendimento sufragado pelo Tribunal Arbitral no acórdão proferido em 6 de Março de 2023, no processo n.º 437/2022-T:
“Trata-se, assim, com a Derrama Regional dos Açores de promover a economia de uma região periférica, independentemente da circunscrição a que pertençam os operadores económicos que desenvolvam uma atividade económica nessa Região Autónoma e não da consagração de um benefício estatutário exclusivamente reservado aos residentes com sede na região autónoma e aos estabelecimentos estáveis de não residentes, excluindo os demais residentes em território nacional com estabelecimento estável nessa mesma região autónoma, que, apesar da porventura escassa dimensão, não poderia deixar de ser considerado discriminatório perante o direito comunitário da concorrência aplicável.”.
55. Este também é o entendimento passível de ser extraído da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), que apesar de versar sobre temas distintos é passível de ser transposta para o presente processo.
56. Veja-se para o efeito o sumário do acórdão proferido pelo STA em 7 de Janeiro de 2009, no processo n.º 0669/08, onde se referiu o seguinte:
“III - O conceito de «estabelecimento estável» que emana do art. 5.º do CIRC, embora neste Código só tenha utilidade relativamente a entidades não residentes (isto é, sem sede ou direcção efectiva) em território português, é potencialmente aplicável, para efeitos de regimes de tributação especiais das Regiões Autónomas, como reportando-se a entidades que sejam residentes em Portugal, mas não tenham sede ou direcção efectiva em determinada Região Autónoma.
IV - Por força do princípio da igualdade, enunciado no art. 13.º da CRP, que proíbe distinções desprovidas de justificação objectiva e racional, deve interpretar-se em conformidade com a Constituição o art. 2.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, de 20 de Fevereiro, com o sentido de beneficiarem da taxa reduzida de IRC todas os sujeitos passivos deste imposto sem sede nem direcção efectiva na Região Autónoma da Madeira que na área desta Região possuam instalações qualificáveis como «estabelecimento estável», independentemente de a sua sede ou direcção efectiva ser no estrangeiro ou em área do território nacional exterior aquela Região Autónoma.
V - Na verdade, para além da identidade material da situação real, a nível da Região Autónoma da Madeira, de empresas nacionais e estrangeiras nela não residentes, a razão que justificou a criação de taxas reduzidas de IRC para entidades não residentes na Região Autónoma da Madeira, que é «fomentar o investimento produtivo na Região Autónoma da Madeira» (Preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001), vale igualmente para o investimento por empresas estrangeiras e por empresas nacionais.”.
57. Ou ainda o acórdão proferido pelo STA em 18 de Novembro de 2020, no processo n.º 0958/10.1BELRS, no qual se evidenciou o seguinte:
“A questão a dirimir – saber se a taxa regional reduzida de IRC é aplicável aos rendimentos dos sujeitos passivos com sede no Continente, mas obtidos em estabelecimento estável situado na Região Autónoma da Madeira - tem sido objeto de julgamento uniforme por esta Secção de Contencioso Tributário, no sentido afirmativo, como dá conta a sentença recorrida, e foi reiterado no acórdão de 14/01/2015, proferido no processo 058/14.
Assim sendo, e tendo em conta o disposto no artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil (CC), que dispõe que o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, adota-se a mesma solução, transcrevendo-se a fundamentação contante deste último acórdão, que começa também por apontar a existência desse entendimento jurisprudencial pacífico que acompanha no seu julgamento:
«A sentença recorrida, a fls. 86 a 93 dos autos, julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrida contra o indeferimento de reclamação graciosa da liquidação adicional de IRC do exercício de 2003 relativa à actividade exercida na Região Autónoma, no entendimento de que aos rendimentos obtidos pelo seu “estabelecimento estável” situado naquela região era aplicável, não a taxa normal de IRC, mas a taxa reduzida prevista no artigo 2.º, n.º 1 do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, e 20 de Fevereiro, na sua redacção inicial (vigente em 2003).
Consta do probatório fixado na sentença recorrida (cfr. o n.º 2 do probatório fixado) que No exercício de 2003, a ora impugnante, tinha estabelecimento estável na Região Autónoma da Madeira, facto este tido como sendo fixado por Acordo e não tendo a matéria de facto fixada sido impugnada pela recorrente.
Ora, a limitação do âmbito de aplicação da taxa de IRC reduzida em vigor na Região Autónoma da Madeira em 2003 [o presente recurso respeita ao exercício de 2002, apenas relevando a diferença em termos de valor da taxa reduzida] aos estabelecimentos estáveis situados na Região Autónoma da Madeira de entidades não residentes em território nacional não resulta claramente, contrariamente ao alegado, do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2001/M, pois que o preceito, na sua parte final, remete não apenas para a alínea a) do artigo 13.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, mas igualmente para a alínea b) do mesmo artigo, que refere constituírem receitas de cada Região o IRC devido por pessoas colectivas ou equiparadas que tenham sede ou direcção efectiva em território português e possuam sucursais, delegações, agências, escritórios, instalações ou quaisquer formas de representação permanente sem personalidade jurídica próprias em mais de uma circunscrição, nos termos referidos nos n.º 2 e 3 do presente artigo.”.
58. Tendo-se já concluído pela aplicação das derramas regionais da RAA e da RAM à Requerente, cumpre por fim aferir qual o modo de compatibilização destas com a derrama estadual, sendo certo que é nesta fase claro que qualquer uma das derramas incide sobre o lucro tributável apurado na declaração periódica individual da Requerente, conforme resulta da aplicação conjugada do artigo 87.º-A, n.º 3 do CIRC, do artigo 2.º, n.º 3 do Decreto Legislativo Regional n.º 21/2016/A, de 17 de Outubro e do artigo 4.º, n.º 2 do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de Agosto.
59. Quanto a este ponto, haverá que recorrer ao critério de imputação previsto no artigo 26.º, n.º 2, da Lei das Finanças Regionais, que fixa uma repartição do imposto a suportar pelo sujeito passivo em cada circunscrição com base na proporção do volume de negócios apurado por referência à actividade efectivamente desenvolvida em cada região.
60. Significa isto que no cálculo do quantum devido a título de derrama estadual pela Requerente não deverá ser tida em consideração a proporção do lucro tributável imputável aos estabelecimentos estáveis sitos na RAA e na RAM, que se encontra sujeito às derramas regionais especificamente previstas em cada uma daquelas circunscrições.
61. Em face do exposto, julga-se procedente a ilegalidade imputada pela Requerente aos actos de autoliquidação objecto de impugnação no presente processo, impondo-se a sua anulação parcial em conformidade.
62. Na medida em que a Requerente obteve já o efeito útil pretendido com o seu pedido, consubstanciado na declaração de ilegalidade e consequente anulação parcial dos actos de autoliquidação objecto do pedido, fica prejudicado o conhecimento do vício de ilegalidade por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade (artigo 13.º da CRP) e do princípio da capacidade contributiva (artigo 104.º CRP), por a sua apreciação representar a prática de um acto inútil no processo, proibida nos termos conjugados dos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
§3 – Reembolso do imposto e juros indemnizatórios
63. No pedido arbitral a Requerente solicitou o reembolso do imposto indevidamente pago, bem como a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
64. No que respeita à devolução à Requerente do montante de imposto indevidamente pago, verifica-se que a Requerida apenas contestou a competência do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido, não tendo colocado em causa o quantum apurado pela Requerente. Uma vez que tal importância não se afigura controvertida e porque não existem razões para colocar em causa o montante calculado pela Requerente, assiste-lhe o direito ao reembolso da derrama estadual suportada em excesso nos exercícios de 2019 e 2020, no valor de € 79.050,86 e de € 18.081,21, respectivamente, no valor total de € 97.132,07, por força do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT e no artigo 100.º da LGT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
65. Quanto aos juros indemnizatórios, determina o artigo 43.º, n.º 1 da LGT que os mesmo apenas são devidos “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.
66. No caso de tributos autoliquidados pelo sujeito passivo apenas se pode considerar que existiu um erro imputável aos serviços se a AT, confrontada com a apreciação da legalidade daqueles actos, optou por mantê-los como tal na ordem jurídica, confirmando a sua validade que, posteriormente, vem a ser julgada desconforme à lei.
67. Quanto à fixação do termo inicial de cálculo dos juros indemnizatórios, é entendimento uniforme do STA, por exemplo no acórdão proferido em 9 de Dezembro de 2021, no processo n.º 01098/16.5BELRS que:
“Ainda que a liquidação tenha sido efectuada correctamente de acordo com os elementos de facto declarados pelo contribuinte, se este pediu a anulação da mesma mediante impugnação administrativa com fundamento em erro nos pressupostos de facto e a AT, indevidamente, lha recusa ou não cumpre os prazos de decisão, deve considerar-se que desde esse momento da decisão de indeferimento, efectiva ou presumida, a imputabilidade do erro se transferiu para a AT desde (passando a constitui um erro dos serviços), a determinar o pagamento por esta ao sujeito passivo de juros indemnizatórios sobre o montante pago [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].”
68. Perante o exposto, assiste à Requerente o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, calculado sobre o montante de imposto indevidamente pago, desde a data do indeferimento do pedido de reclamação graciosa, isto é, desde 30 de Setembro de 2022, e até à data da emissão da respectiva nota de crédito.
V. DECISÃO
Termos em que se decide:
-
Julgar improcedente a excepção dilatória de incompetência material invocada pela Requerida;
-
Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, nessa medida, anular o acto de indeferimento do pedido de reclamação graciosa e anular parcialmente os actos de autoliquidação contestados, com o consequente reembolso à Requerente do montante de € 97.132,07;
-
Condenar a Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios desde o dia 30 de Setembro de 2022, até à data da emissão da respectiva nota de crédito.
-
Condenar a Requerida nas custas do processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 97.132,07.
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 2.754,00, a suportar pela Requerida, conforme ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de Agosto de 2023
A Árbitra Presidente,
Carla Castelo Trindade
(Relatora)
A Árbitra vogal,
Eva Dias Costa
O Árbitro vogal,
Rui Miguel Zeferino Ferreira