Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 691/2022-T
Data da decisão: 2023-08-02  Selo  
Valor do pedido: € 212.866,00
Tema: Imposto do Selo - Cash Pooling – Isenção do imposto do selo prevista na alínea h) do nº 1 do artigo 7º do Código do Imposto do Selo (redação da Lei do OE/2020 (Lei nº 2/2020).
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.RELATÓRIO

A..., Sociedade Unipessoal, Lda. (doravante designada por Requerente ou Sujeito Passivo), com o NIF..., e domicilio fiscal na Rua ..., nº ... –..., ..., ...-... Lisboa,  apresentou, em 2022-11-28,  pedido de constituição de tribunal arbitral tributário ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do Decreto Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante referido por RJAT),e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A, de 2 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), visando o respetivo pedido de pronúncia arbitral (abreviada e ulteriormente “PPA”) a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de indeferimento do reclamação graciosa nº ...2022..., bem assim como, e consequentemente,  a declaração de nulidade dos atos de liquidação de imposto do selo (IS) / declarações de retenções na fonte, nºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., por referência ao período de abril a dezembro de 2020,  bem como as declarações mensais de Imposto do Selo com os nºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., correspondentes ao período de janeiro de 2021 a fevereiro de 2022, no montante de 212.866,00 €.

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral tributário foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 2022-11-25 e notificado à Requerida, nos termos legais, nessa mesma data.

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foram designados como árbitros os signatários, que comunicaram àquele Conselho a aceitação do encargo, no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

4.Em foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11º, º 3, alíneas a) e b) do RJAT, na redação que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. O tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 2023-01-30, de acordo com a prescrição da alínea c) do artigo 11º do RJAT, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/ 2012, de 31 de Dezembro.

6. Devidamente notificada para tanto, através de despacho proferido em 2023-02-01, a Requerida apresentou em 2023-03-06 a sua resposta, tendo nessa mesma data procedido à junção aos autos do processo administrativo instrutor (PA).

7.Por despacho proferido em 2023-03-06 devidamente notificado às partes, que fundamentou, para além do mais, a dispensa da realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, foram as partes convidadas a apresentar, querendo, alegações escritas, e designada como data previsível para a prolação da decisão e sua notificação às partes, a data de 2023-05-08.

8. A Requerente apresentou em 2023-03-28 alegações escritas, onde fundamentalmente, reitera e reforça o constante das suas peças processuais, procedendo à indicação de jurisprudência em abono da sua tese, traçando ainda um quadro conclusivo das suas alegações.

9. Em igual data (2023-03-28) a Autoridade Tributária e Aduaneira, apresentou as suas alegações escritas onde reitera fundamentalmente a posição já devidamente expressa quer em sede administrativa, quer no âmbito da resposta apresentada.

10. A fundamentar o seu pedido a Requerente invoca em síntese, e com relevo para o que aqui importa, o que segue, (que se menciona maioritariamente por transcrição);

10.1. A Requerente é uma sociedade de direito português que tem como objeto social principal a importação, exportação, venda, exposição, distribuição e, em geral, a difusão, sob qualquer forma, de objetos de consumo e serviços que se destinem à cultura, ao lar , ao ensino, à formação, à informação e ao lazer, incluindo os serviços de assistência técnica, de manutenção e outros, relacionados com as atividades mencionadas (cfr, artigo 6º do pedido de pronúncia arbitral);

10.2. A Requerente faz parte do designado Grupo B... e tem, desde outubro de 2019, o seu capital social detido na totalidade pela sociedade holding do grupo, a C..., SOCIÉTÉ ANONYME, sociedade constituída ao abrigo das leis de França e com várias subsidiárias espalhadas pela Europa (cfr, artigo 7º do pedido de pronúncia arbitral);

10.2. Sendo que antes disso a C... detinha 99,96% do capital social da Requerente (cfr, artigo 8º do pedido de pronúncia arbitral);

10.4. O que o contrato estipula é um sistema de cash pooling, na modalidade de cash concentration , no qual a C... atua como entidade centralizadora e a Requerente como entidade aderente (cfr, artigo 10º do pedido de pronúncia arbitral);

10.5.Sendo que esta centralização, assenta, materialmente, na existência de contas bancárias centralizadoras abertas em nome da C... para as quais e através das quais se efetua diariamente a regularização ou nivelamento do saldo das contas bancárias das entidades aderentes, como a Requerente (cfr, artigo 11º do pedido de pronúncia arbitral);

10.6.O contrato prevê, em traços gerais, a implementação da gestão de tesouraria de conta-corrente, centralizando regularmente os excedentes de tesouraria das contas bancárias locais das diferentes subsidiárias (empresas participante ou aderente, como a Requerente) numa conta de pool gerida pela C..., que os distribui pelas outras empesas que necessitam de liquidez.(cfr, artigo 12º do pedido de pronúncia arbitral);

10.7. As operações de tesouraria realizadas entre a Requerente e a C... ao abrigo do contrato podem ser reconduzidas a empréstimos ou financiamento entre entidade pertencentes ao mesmo grupo. (cfr, artigo13º do pedido de pronúncia arbitral);

10.8. Em cumprimento do disposto nos artigos 1º-1, 2º-1/b) e d), 3º/1 e 3/f), 4º-1 e 2/b), 23º-1, 41º e 43º, todos do Código do Imposto do Selo (“CIS”) e da verba 17.1.4 da TGIS (Tabela Geral do Imposto do Selo), a Requerente procedeu à liquidação e entrega do Imposto do Selo devido pelas operações de concessão e utilização de crédito realizadas ao abrigo do citado contrato entre abril de 2020 e 28 de fevereiro de 2022, no montante total de € 212.866,00. (cfr. artigo 15º do pedido de pronúncia arbitral);

10.9. Nos exercícios de 2020 e 20121, a Requerente não era devedora ou mutuária no âmbito de qualquer financiamento contraído junto de instituição de crédito ou sociedade financeira (cfr, artigo 16º do pedido de pronúncia arbitral e documentos, nº 3 e 4 com o mesmo juntos);

10.10. A Requente insurge-se quanto ao facto de a AT não ter considerado, nas operações que subjazem dos presentes autos,  a isenção do imposto do selo prevista na alínea h) do nº 1 do artigo 7º do Código do Imposto do Selo, como infra se densificará.

11. Como referido, a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu em 2023-03-06, à junção da sua resposta, donde se destaca, sinteticamente, e com relevância, o seguinte (que de igual modo se menciona, maioritariamente, por transcrição)

11.1. Sinalizando-se previamente, que os factos que, no entender da Requerida “deverão dar-se como assentes “, não divergem, na sua essência, dos evidenciados supra, em sede de fundamentação da Requerente.

11.2. Mencionando ainda a Requerida no ponto 22 da sua resposta que reproduz “os fundamentos constantes da decisão de indeferimento da reclamação graciosa mais relevantes à boa decisão da causa”:

“26.(…) os fluxos de conta bancária individual da Reclamante [Requerente] para a conta bancária da entidade centralizadora (C...), ou em sentido inverso, constituem operações financeiras que se consubstanciam na utilização de fundos concedidos e, como tal, têm enquadramento no âmbito de incidência objetiva do imposto do selo, por força do nº 1 do artigo 1º do CIS e da verba 17.1.4 da TGIS”

“28.Também não há dúvidas quanto à identificação do sujeito passivo neste tipo de operações financeiras, que é a entidade concedente  do crédito [cf, alínea b) do nº 1 do artigo 2ºdo CIS], ou a entidade mutuária se a operação não for intermediada por uma instituição de crédito ou sociedade financeira [cf, alínea d) do nº1do artigo 2º do CIS: considerando-se as operações realizadas em território nacional [cf,nº 1 e alínea b) do nº 2 do artigo 4º do CIS] mesmo quando a sociedade credora seja uma entidade não residente em território português”

“29.Por conseguinte, caberá à Reclamante a responsabilidade pela liquidação, cobrança e entrega do imposto nos cofres do Estado, quer esteja na posição de concedente de crédito, quer esteja na posição de utilizadora de crédito, conforme estabelecem os artigos 23º, 41º e 43º, do CIS”

“34. Consta do Relatório do Orçamento de Estado de 2020, que foi intenção do legislador como forma de apoio à tesouraria das empresas, isentar de Imposto do Selo as operações financeiras de curto prazo realizadas entre sociedades em relação de domínio ou de grupo no âmbito de contratos de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling)”

“37, Fazendo uma leitura integrada do disposto nos normativos citados [artigo 7º, nºs 1, alínea h) do 2 e 3, do CIS] conclui-se que o benefício da isenção depende do preenchimento cumulativo dos seguintes pressupostos: (i) do prazo da operação financeira, isto é, do prazo de concessão e utilização das sociedades intervenientes nos fluxos financeiros que se estabelecem entre elas. Refere a Requerente que, em relação ao requisito enunciado supra como (ii) a UGC reconhece que “no caso em análise, estamos perante duas entidades que preenchem os requisitos para serem consideradas como estando numa relação de domínio ou de grupo (a C... detém 99,99% do capital social da Reclamante há mais de um ano)”, e que, relativamente à identidade do sujeito passivo e o titular do encargo económico do imposto, a UGC diz que,

“54. Adequando  a informação prestada na IVE nº 18431 ao caso sub judice, mesmo quando se encontrassem preenchidos todos os pressupostos da isenção, o benefício fiscal apenas pode ser concedido, se tais fundos não tiverem sido previamente obtidos pela C... por recurso a financiamentos junto das instituições de crédito ou sociedade financeiras, ou vice-versa, o que compete provar à Reclamante, nos termos do artº 74º da LGT, sendo que

“68 (…) não é possível inferir que as operações aí descritas têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições, disponibilizada através da conta centralizadora, o que inviabiliza o benefício fiscal”

11.3. A Requerida propugna pela não verificação dos pressupostos que conduzem à isenção do imposto do selo, aqui em causa, pugnando pela improcedência do pedido, nos termos que se consignarão infra.

 

Saneamento do processo

 

12. O tribunal arbitral tributário coletivo é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído, nos termos do disposto nos artigos 2º, nº1, alínea a), 5º e 6º do RJAT,

13. As partes têm personalidade e capacidade judiciária e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributária, ex vi artigo 29º, nº 1, alínea a) do RJAT);

14. A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de noventa dias previsto no artigo 10º, nº 1 do RJAT, de acordo com a remissão para o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

15.Não foram suscitadas quaisquer exceções de que deva conhecer-se,

16. O  processo não enferma de nulidades,

17. Inexiste, deste modo qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

II.FUNDAMENTAÇÃO

A.MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos provados

Perante os documentos aportados ao processo, da factualidade aceite pelas partes, do processo administrativo anexo, e com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade de direito português que tem por objecto social principal a importação, exportação, venda, exposição, distribuição e, em geral, a difusão, sob qualquer forma de objetos de consumo e serviços que se destinem à cultura, ao lar, ao ensino, à formação, à informação e ao lazer, incluindo os serviços de assistência técnica, de manutenção e outros relacionados com as atividades e produtos mencionados e faz parte do denominado “Grupo B...”;
  2. O capital social da Requerente é detido na totalidade pela  sociedade holding do grupo, a C... SOCIETÉ ANONYME (abreviada e ulteriormente também designada apenas por “C...), sociedade constituída ao abrigo das leis de França e com várias subsidiárias espalhadas pela Europa, sendo que antes disso a C... detinha 99,96% do capital social da Requerente;
  3. A 16 de junho de 2006, a Requerente celebrou com a C... um contrato de gestão centralizada de tesouraria (“Convention de Gestion Centralisé de Trésorerie”) ou cash pooling, com efeitos desde 1 de janeiro de 2006, na modalidade de cash concentration, na qual a C... atua como entidade centralizadora e a Requerente com entidade aderente (Doc 2, com o PPA);
  4. O mencionado contrato prevê, em traços gerais, a implementação da gestão de tesouraria em conta-corrente, centralizando regularmente os excessos (de tesouraria) das contas bancárias locais das diferentes subsidiárias (empresas participantes ou aderentes, como a Requerente) numa conta de pool gerida pela C..., que os redistribui pelas outras empresas que necessitam de liquidez...
  5. ... em termos que se reconduzem tais operações de tesouraria, a “empréstimos ou financiamentos” entre entidades pertencentes ao mesmo Grupo (B...) e...
  6. ... que no período entre 1 de abril de 2020 e 28 de fevereiro de 2022, foram reembolsados num prazo inferior a um ano (cfr processo administrativo instrutor junto pela AT – Doc 3, anexo à reclamação graciosa);
  7. Em cumprimento do disposto nos artigos 1º, nº 1, 2º, nº 1, alíneas b) e d), 3º, nºs 1 e 3, alínea f), 4º, nºs 1 e 2, alínea b), 23º,nº1, 41º e 43º do CIS e da verba 17.1.4 da TGIS, a Requerente procedeu à liquidação e entrega do Imposto do Selo devido pelas operações de concessão e utilização de crédito realizadas ao abrigo do contrato entre abril de 2020 e fevereiro de 2022, no montante total de € 212.866,00 (cfr declarações de retenção na fonte de IRS/IRC e Imposto do Selo identificadas e documentadas);
  8. Nos exercícios de 2020 e 2021, a Requerente não era devedora ou mutuária no âmbito de qualquer financiamento contraído junto de instituição de crédito ou sociedade financeira [Cfr balanços relativos aos exercícios findos em 31-12-2020 e 31-12-2021, certificados por revisor oficia de contas – Docs 3 e 4, juntos com o PPA e não impugnados];
  9. Em 6 de maio de 2022, a Requerente apresentou contra as liquidações aqui em causa e melhor identificadas supra, reclamação graciosa  dirigida ao Diretor do Serviço de Finanças de Lisboa ..., à qual foi atribuído o nº ...2022..., pedindo a anulação integral dos sobreditos atos de autoliquidação e a restituição do imposto do selo pago, no valor de €212.866,00...
  10. ... tendo fundamentado tal pedido em erro na medida em que as operações de financiamento realizadas no âmbito do citado contrato celebrado com a C... estavam abrangidas pela isenção prevista no artigo 7º-1, alínea h), do Código do Imposto do Selo [CIS, na redação conferida pela Lei nº 2/2020, de 31 de de março (Orçamento do Estado para 2020), em vigor desde 1 de abril de 2020];
  11. Por ofício emanado do Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, em regime de subdelegação, datado de 9 de agosto de 2022, foi a Requerente notificada do indeferimento da reclamação graciosa;
  12. A reclamação graciosa referida foi indeferida com os fundamentos constantes do documento nº 2 junto pela Requerente cujo teor se dá por reproduzido, em que se refere, para além do mais, o seguinte:

“V .DA MATÉRIA DE  FACTO E DO PEDIDO”

“22. Para reconhecimento do benefício fiscal, é necessário o preenchimento do pressuposto subjetivo de que depende o mesmo por parte da Reclamante nos termos do disposto nas alíneas g) e h)do nº 1, nº 2 e nº 3 do artigo 7º do CIS.

23. O artº 7º, nº1 als g) e h), nºs 2 e 3 depois da alteração da Lei nº 2/2020,de 31 de março, têm a seguinte redação:

“g) Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinados à  cobertura de carência de tesouraria, e efetuados por sociedades de capital de risco (SCR) a favor de sociedades em que detenham participações, bem como os efetuados por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10% do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a 5 000 000€ de acordo com o ultimo balanço acordado e, bem assim, os efetuados em benefício da sociedade com  a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo (Redação da Lei nº 2/2020,de 31de março)

h) Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não  superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com  a qual estejam em relação de domínio ou de grupo; (Redação da Lei nº 2/2020 de 31 de março.

2-O disposto nas alíneas g)e h) do nº 1 não se aplica quando qualquer dos interveniente não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, com exceção das situações em que o credor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar  a dupla tributação sobre o rendimento  e capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g e h) do nº 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no  território nacional.

3- O disposto nas alíneas g), h) e i) do nº1 não de aplica quando qualquer das sociedades intervenientes ou o sócio, respetivamente, seja entidade domiciliada em território sujeito a regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.(Redação da Lei 2/2020, de 31 de março).

24.O acordo de gestão centralizada de tesouraria - Cash Pooling, tem enquadramento na isenção da alínea h) do nº1 do artigo 7º do CIS, desde que as operações financeiras realizadas pela Reclamante concretizem o preenchimento do pressuposto subjetivo de que depende o direito ao benefício fiscal.

25. Para a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), na medida em que são  como tal qualificadas nos termos do CIS e da respetiva TGIS, estas operações de tesouraria, traduzidas em movimentos de cedência e tomada de fundos, representam verdadeiras operações financeiras, pois a relação estabelecida entre as entidades credoras e devedoras do capital e juros e a entidade centralizadora concretiza-se através de financiamentos concedidos/obtidos que representam efetivas operações de crédito, quaisquer que sejam a sua forma ou prazo.

26. Deste modo os fluxos da conta bancária individual da Requerente para a conta bancária da entidade centralizadora (C...), ou em sentido inverso, constituem operações financeiras que se consubstanciam na utilização de fundos concedidos e, como tal, têm enquadramento no âmbito de incidência objetiva de imposto do selo, por força do nº 1 do artigo1º do artigo 1º do CIS ,e da verba 17.1.4 da TGIS.

27. Alega a Reclamante que o contrato de cash pooling prevê a transferência, numa base diária, de excessos de liquidez da conta bancária da Reclamante, para uma conta bancária centralizadora da C... ou transferência, também numa base diária, de liquidez da conta bancária centralizadora da C... para a conta  saldos negativos descobertos), nesta última conta (zero Balancy)

(…)

28.não há duvidas quanto à identificação do sujeito passivo neste tipo de operações financeiras, que é a entidade concedente do crédito (cf, alínea b) do nº 1 do artigo 2º do CIS), ou a entidade mutuária se a operação não for intermediada por uma instituição de crédito u sociedade financeira (cf, alínea d) do nº 1 do artigo 2º do CIS); considerando-se as operações realizadas em território nacional (cf,nº 1 e alínea b) do nº 2 do artigo 4º do CIS) mesmo quando a sociedade credora seja uma entidade não residente em território português.

“(…)”

33.Determina a alínea h) do nº 1 do artigo 7º do CIS que “[o]s empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades com a qual esteja, em relação de domínio ou de grupo”, ficam isentas do pagamento de imposto  do selo”.

34. Consta do Relatório do Orçamento do Estado de 2020, que foi intenção do legislador como forma de apoio à tesouraria das empresas, isentar de imposto do selo todas as operações financeiras da curto prazo realizadas entre sociedades em relação de domínio ou de grupo no âmbito de contratos de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling).

“(…)

37.7.Fazendo uma leitura integrada nos normativos citados (artigo 7º, nºs 1, alínea  h), 2 e 3 do CIS), conclui-se que o benefício da isenção depende do preenchimento cumulativo dos seguintes pressupostos: (i) do prazo da operação financeira, isto é, do prazo de concessão e utilização dos fundos transferidos, que não deve ser superior a um ano; e (ii) da relação entre as sociedades intervenientes nos fluxos financeiros que se estabelecem entre elas.

“54. Adequando  a informação prestada na IVE nº 18431 ao caso sub judice, mesmo quando se encontrassem preenchidos todos os pressupostos da isenção, o benefício fiscal apenas pode ser concedido, se tais fundos não tiverem sido previamente obtidos pela C... por recurso a financiamentos junto das instituições de crédito ou sociedade financeiras, ou vice-versa, o que compete provar à Reclamante, nos termos do artº 74º da LGT, sendo que

“68 (…) não é possível inferir que as operações aí descritas têm por base excedentes de liquidez do grupo ou se decorrem de linha de crédito junto de instituições, disponibilizada através da conta centralizadora, o que inviabiliza o benefício fiscal”

81. (…) tendo presente o previsto no n.º 2 do artigo 7.º do CIS, as isenções das alíneas g) e h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não são aplicáveis relativamente às situações em apreço, em virtude de um dos intervenientes (o devedor, beneficiário dos financiamentos) não ter sede no território nacional, e de a Reclamante, com sede em Portugal, surgir como credor e, por outro lado, a isenção prevista na alínea i) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS não ser aplicável ao caso em apreço, dado que, não existindo qualquer participação da Reclamante na entidade centralizadora, os fundos não têm caráter de suprimentos efetuados por sócios às sociedades suas participadas

  1. Da informação  prestada sobre o acordo de gestão centralizada de tesouraria (Cash Pooling) - Isenção da alínea h) do nº 1 do artigo 7º,  do CIS, [Processo: 2020000840 - IV n.º 18431, com despacho concordante de 2021.02.18, da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira] consta o seguinte:

“II – INFORMAÇÃO Para melhor compreendermos o enquadramento dos fluxos financeiros estabelecidos entre a Requerente e a “D” no âmbito do “CONTRATO” de gestão de tesouraria em apreço, importa, em primeiro lugar, atender às relações societárias estabelecidas entre as várias sociedades com relevo para o presente pedido. De acordo com o organograma remetido a nosso pedido, no topo do “GRUPO ABCD” encontra-se a sociedade «“A” (U.S.)», que detém a totalidade do capital social da sociedade «“B” (U.S.)» e da sociedade «”C” (SPAIN)». Por sua vez, estas duas sociedades formam dois ramos paralelos dentro do “GRUPO ABCD” detendo cada uma delas, respetivamente, e de forma indireta, a totalidade do capital social da “D” e da Requerente.

Ora, do organograma resulta com nitidez que os fluxos financeiros de e para a Requerente, resultantes da execução do “CONTRATO”, são estabelecidos exclusivamente entre duas “sociedades-irmãs” do “GRUPO ABCD”; isto é, são realizados numa lógica “horizontal”, não tendo a entidade centralizadora, in casu, a “D” qualquer participação social, direta ou indireta, no capital da Requerente, nem vice-versa. Sucede que, especificamente para efeitos da aplicação da isenção da alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, o legislador fiscal criou um conceito próprio sobre o que se deve entender por “relações de domínio ou de grupo”, estabelecendo um conjunto de critérios legais, taxativos e cumulativos, que se não forem preenchidos resultam na inexistência de uma “relação de grupo” tal como o legislador a configurou e, por consequência, na inaplicabilidade da isenção. De facto, com a redação dada pela LOE 2020 à alínea h) do nº 1 do artigo 7º, o legislador fiscal autonomizou no CIS as operações de gestão centralizada de tesouraria (vulgo “cash pooling”), construindo em simultâneo, para efeitos de aplicabilidade desta nova isenção, um conceito próprio de “relação de domínio ou de grupo”, expresso no nº 8 daquele artigo, com a seguinte redação: “8 - Sem prejuízo do estabelecido nos nºs  2 e 3, para efeitos do disposto na alínea h) do nº 1, existe relação de domínio ou grupo, quando uma sociedade, dita dominante, detém, há mais de um ano, direta ou indiretamente, pelo menos, 75 % do capital de outra ou outras sociedades ditas dominadas, desde que tal participação lhe confira mais de 50 % dos direitos de voto”. Ora, na medida que a literalidade da norma conduz o destinatário/intérprete para uma aceção formal do conceito em análise, a definição de “relação de grupo” nela contida – tida como verificada entre uma sociedade dita “dominante” e uma ou outras sociedades ditas “dominadas”, na qual aquela detém, há mais de um ano, direta ou indiretamente, pelo menos 75% do capital e mais de 50% dos direitos de voto no capital desta(s) –, aponta para as relações “verticais”, diretas ou indiretas, estabelecidas entre “sociedades-mães” ou “dominantes” e “sociedades-filhas” ou “dominadas”, deixando de fora as relações “horizontais” estabelecidas entre “sociedades irmãs”, ainda que sob domínio e controlo comuns. Contudo, no caso concreto das “relações de grupo”, essa não se nos afigura ser a leitura mais correta. Com efeito, e desde logo, porque o legislador fiscal, para efeitos específicos desta isenção, só considera relevantes os “grupos” cuja direção económica unitária de duas ou mais sociedades, que conservam a sua personalidade jurídica autónoma e respetivas estruturas organizativas, resulte do preenchimento dos critérios legais estabelecidos naquela norma, formando-se, assim, entre as sociedades ditas “dominantes” e “dominadas”, uma “relação de grupo”, o que abre a possibilidade de no seu seio existirem e serem admitidas, para além das relações bilaterais caraterísticas das relações de coligação entre sociedades, relações plurilaterais entre as diversas sociedades que o compõem. Ou seja, só no seio de uma “relação de grupo”, assumem relevância não só as relações existentes entre uma sociedade-mãe e cada uma das suas sociedades-filhas, mas também os vínculos que ligam estas sociedades (sociedades-irmãs) entre si. Esta circunstância, isto é, a existência de relações plurilaterais entre sociedades, impõe-se objetivamente numa “relação de grupo” e surge como uma consequência lógica da existência de um poder legal e unitário de direção que se pode manifestar, designadamente, no direito da sociedade mãe ordenar transferências patrimoniais e de lucros entre quaisquer sociedades integradas no seu perímetro, incluindo entre sociedades-irmãs, desde que tal sirva os interesses do “grupo” e seja feito de forma diligente. Posto que, para efeitos da isenção prevista na alínea h) do n.o 1 do artigo 7.o do CIS, é nosso entendimento que o conceito de “relação de grupo”, constante do nº 8 daquele artigo, deverá ser interpretado no sentido de abranger também as relações “horizontais”, isto é, as relações estabelecidas entre “sociedades-irmãs” sob domínio e controlo comuns relativamente às quais se verifique, direta ou indiretamente, o nível de participação e controlo previsto na norma – ou seja, pelo menos 75% do capital e mais de 50% dos direitos de voto, se mantidos por mais de um ano –, não se limitando essa “relação de grupo” às relações “verticais” estabelecidas entre “sociedades mães” e “sociedades- filhas”, já compreendidas no conceito de “relação de domínio”.

“(...)CONCLUSÃO
Tendo presente o pedido da Requerente e o acima exposto é de concluir que: Os fluxos financeiros resultantes da execução do “CONTRATO” de gestão centralizada de tesouraria que se analisou estão sujeitos a Imposto do Selo, nos termos previstos no CIS para estas operações e no modo referido pela Requerente. Independentemente de se tratar de empréstimos realizados entre “sociedades-irmãs”, nos termos conjugados da alínea h) do nº 1 do artigo 7º,  do CIS com o nº 8 do mesmo preceito, tais operações podem beneficiar da isenção, desde que verificado o outro pressuposto cumulativo aí previsto,  isto é, o prazo de concessão/utilização dos fundos transferidos não deve ser superior a um ano. Contudo, mesmo que, na perspetiva da Requerente, se encontrem preenchidos todos os pressupostos da isenção, atendendo à limitação de âmbito espacial imposta pelo nº 2 daquele normativo, apenas as operações que se traduzam em utilizações de fundos (empréstimos) transferidos da conta bancária centralizadora, titulada pela “D”, para a conta bancária da Requerente, poderão aproveitar da isenção, desde que tais fundos não tenham sido previamente obtidos pela “D” por recurso a financiamentos junto de instituições de crédito ou sociedades financeiras. Deste modo, ficam afastadas do benefício da isenção as operações realizadas em sentido inverso; isto é, as que se traduzam em utilizações de fundos excedentários transferidos da conta bancária da Requerente para a conta bancária centralizadora, titulada pela “D”.

  • Em 2022-11-18 a Requerente apresentou junto do CAAD pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral, que deu origem ao presente processo.

 

A.2. Factos não provados

Com relevo para a decisão, inexistem factos que devam considerar-se não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr., artº123º, nº2, do CPPT e artigo 670º, nº 3, do C. Proc. Civil, aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 2, alíneas a) e e) do RJAT].

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica a qual é estabelecida em atenção às várias soluções da(s) quest(ão) (ões) de direito [cfr, artigo 596º do CPC, ex vi artigo 29º., alínea e) do RJAT].

 

Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal baseia a sua decisão em relação às provas produzidas na sua íntima convicção tomada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova aportados ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr, artº 607º, nº 3 do CPCivil, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 43/2013, de 26 de Junho)

Somente quando a força probatória de certos meios de prova se encontra pré-estabelecida por Lei [v. g.,  força probatória dos documentos autênticos (cfr, artigo 371º, nº 3 do Código Civil] é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

Deste modo, tendo em consideração, as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental carreada para os autos e o processo administrativo anexo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

 

B.  DO DIREITO

Thema decidendum

A questão central que é objecto do presente processo, e que importa apreciar e decidir, consiste em saber se, no caso concreto, é aplicável ou não a isenção do imposto do selo, prevista na alínea h) do nº 1 do artigo 7º do Código do Imposto do Selo, ou dito de outra forma, saber se o imposto do selo que é devido pelas   de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling) constante da verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), pode vir a ser exigido pela AT à Requerente, entidade beneficiária dos financiamentos em que se traduz o cash pooling.

 

Ainda mais concretamente: importa decidir nos presentes autos de arbitragem se as operações de financiamento realizadas pela Requerente por força do citado contrato de cash pooling  ou de gestão de tesouraria, no decurso dos anos de 2020 e de 2021, por um período inferior a um ano, a favor da C... estão sujeitas a Imposto do Selo, e no caso das referidas operações de financiamento caírem no âmbito de incidência do imposto do selo, se as mesmas podem, ou não, beneficiar da isenção de Imposto do Selo prevista na alínea  h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo (CIS).

 

Sindicada é assim  a legalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pela Requerente e, consequentemente, a legalidade dos atos de autoliquidação de imposto do selo.

 

Considerações gerais sumárias

Em causa ou em análise sumá estão então operações financeiras concretizadas entre a sociedade portuguesa (abreviadamente, A..., a Requerente) e a sociedade de direito francês, holding do Grupo (abreviadamente C...), detentora de 100% do capital da A... em 2020 e 2021 e que, contratual e regularmente,  centralizava os excessos de tesouraria nas contas bancárias das sociedades subsidiárias, entre elas a Requerente (empresas participantes ou aderentes), centralização que se concretizava numa conta pool por si,  C..., gerida, designadamente para redistribuir aqueles excedentes de tesouraria pelas aderentes ou participantes que necessitassem de liquidez.

 

A todas as operações de centralização da gestão de tesouraria é comum a existência de um ou mais contratos, que envolvem três aspetos fulcrais:

i) as diversas sociedades têm de estar em relação de domínio ou de grupo;

ii) O centro de tesouraria, é representado em uma das sociedades ou na que seja dominante, e por fim,

iii) Exige a intervenção de um banco.

 

O contrato carateriza-se nomeadamente por conter os seguintes requisitos:

i) Cada sociedade do grupo compromete-se a transferir (por transferência real ou virtual) o saldo das suas contas bancárias para uma conta global, a qual é titulada pelo centro de tesouraria;

ii) O banco responsabiliza-se pelo débito ou crédito dos juros resultantes da taxa aplicável sobre o saldo da conta bancária global (titulada pelo centro de tesouraria) e não sobre os saldos das contas bancárias individuais de cada sociedade pertencente ao grupo;

iii) O centro de tesouraria poderá utilizar os fundos disponíveis na conta bancária global para fazer face à necessidade de financiamento de qualquer das empresas do grupo.

 

Estas operações têm um papel essencial na colocação à disposição das entidades intervenientes de meios financeiros em locais e momentos determinados, maximizando os proveitos na disponibilização de excedentes monetários e minimizando os custos financeiros relativos ao eventual encargo com taxas de juro aplicáveis à situação de saldo negativo, e/ou aos relacionados com os riscos cambiais, verificando-se, portanto, que as operações de centralização da gestão de tesouraria não se consubstanciam apenas num acompanhamento de centralização de contas num só saldo global. Sendo de sublinhar que a operação cash pooling se traduz, desta forma, num meio privilegiado de monitorização do desenvolvimento da atividade económica de um grupo de sociedades.

 

Estes instrumentos financeiros, nas definições mais comummente explicitadas nas obras que abordam a questão, visam maximizar as disponibilidades de tesouraria, não através da via do financiamento bancário, mas antes por meio de um mecanismo de compensação entre contas entre os excessos de tesouraria no seio das empresas de um grupo. Deste modo obtém-se uma situação de negociação mais confortável junto das instituições financeiras, diminuem-se os riscos financeiros e cambiais que se verificam muitas vezes nos casos em que não há essa gestão integrada dos recursos existentes dentro dos grupos.

 

Nas palavras de J. Fernando Abreu Rebouta[1], “os centros de gestão de tesouraria ou a gestão centralizada de tesouraria têm como objetivo a gestão consolidada da tesouraria de diversas empresas de um grupo de sociedades através de uma dessas empresas ou através de uma empresa especificamente constituída ou destinada para o efeito, ou seja, de forma sucinta, permitir relacionar saldos devedores e saldos credores junto de uma instituição financeira. Este tipo de operações permite a compensação do saldo devedor de algumas das empresas pelo saldo credor das restantes, além de que o centro de gestão de tesouraria pode recorrer aos fundos gerados para financiar as empresas do grupo”.

 

No nosso ordenamento jurídico, o enquadramento deste tipo de operações deve ser efetuado em face do Regime Geral das Instituições de crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, e à luz do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

 

Assim, a realização de operações de centralização da gestão de tesouraria é permitida entre sociedades que se encontram numa relação de domínio ou de grupo, ainda que não sejam instituições de crédito. Esta peculiaridade resulta da exceção ao princípio da exclusividade das instituições de crédito para o exercício da atividade de receção do público, de depósitos ou outros fundos reembolsáveis, para utilização por conta própria e, bem assim, das instituições de crédito e das sociedades financeiras para realizarem um variado conjunto de operações financeiras entre as quais, operações de crédito - artigo 8.º do RGICSF - que nos termos do artigo 9.º do Regime Geral, afasta este princípio quando estejam em causa operações de tesouraria legalmente permitidas, entre sociedades que se encontrem numa relação de domínio ou de grupo.

 

Nas operações de cash pooling[2] que impliquem uma efetiva movimentação de fundos entre as contas tituladas pelas sociedades do grupo, isto é, operações de zero balance cash pooling (ou cash concentration), verifica-se um maior nível de complexidade jurídico-fiscal, considerando que são efetivas as transferências de montantes entre sociedades do mesmo grupo, podendo originar a equiparação a reais empréstimos.

 

Importa, portanto, reafirmar que o sistema de cash pooling se consubstancia num serviço financeiro que poderá ser utilizado entre contas bancárias de várias sociedades do mesmo grupo, tratando-se de uma gestão conjunta dos capitais que possibilita, não só a diversificação do risco, como permite também otimizar a independência relativamente aos financiamentos de terceiros. Assim sendo, o cash pooling tem por objetivo a gestão conjunta de excedentes de tesouraria que existam de forma dispersa em inúmeras contas e/ou carências de tesouraria noutras contas bancárias.

 

Feita, por ora,  a caraterização sumária deste tipo de instrumento financeiro, importa proceder ao seu enquadramento em sede de imposto do selo, em ordem a decidir sobre a legalidade ou não dos atos de liquidação (autoliquidações) impugnados.

 

Vejamos:

Em face do n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), “(...)o imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, livros papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuita de bens (...)”.

 

Deste modo, à luz da verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), o imposto do selo poderá incidir sobre operações financeiras, nomeadamente sobre utilização de crédito, mas também sobre os juros e comissões cobrados entre as entidades participantes na operação de cash pooling (e desde que operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras), podendo ser aplicáveis algumas isenções em sede deste imposto.

 

Pois bem e como já se referiu, as operações de cash pooling caraterizam-se por serem operações de transferência efetiva de saldos bancários entre sociedades de um grupo e a entidade centralizadora, correspondendo à realização de operações de tesouraria que poderão configurar concessões de crédito da entidade centralizadora titular de conta bancária às sociedades do grupo. Assim, quando estas operações de transferência de saldos entre as contas bancárias tituladas pelas sociedades do grupo, participantes na operação de cash pooling, residentes em Portugal, e a conta titulada pela entidade centralizadora, consubstanciam financiamentos obtidos ou concedidos através da realização de operações de tesouraria, verificando-se, assim, a chamada utilização de crédito, serão aplicáveis as normas gerais do Código do Imposto do Selo, incluindo as isenções estabelecidas nos artigos 6.º e 7.º do CIS.

 

À luz das normas do artigo 2.º do CIS, em matéria de incidência subjetiva, resulta que, relativamente às operações financeiras, maxime, às operações de tesouraria que envolvam financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, é sujeito passivo do imposto, o mutuário ou quem beneficia do crédito – cfr al. d) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS.

 

Todavia, atento o disposto no artigo 4.º do CIS, só estão sujeitas a imposto do selo os atos e factos previstos na Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) ocorridos em território nacional, ressalvadas as situações assinaladas pelo CIS e pela TGIS, sendo que do disposto em 17.1 e 17.4 da TGIS, na redação introduzida pela Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, extrai-se que “(...) pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título exceto nos casos referidos na verba 17.2, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato (...)”, se aplica, “(...)sobre o respetivo valor, em função do prazo (...), pelo crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 (...)”, a taxa de 0,04%.”

 

Ora do normativo da alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, na redação vigente à data dos factos (cfr Lei nº 2/2020) [não invocado pela Requerente na sua reclamação graciosa], estão isentas de imposto do selo “(...) os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria e efetuadas por sociedades de capital de risco (SCR) a favor da sociedade em que tenham participações, bem como as efetuadas por outras sociedades a favor de sociedades por elas dominadas ou a sociedades em que detenham uma participação de, pelo menos, 10% do capital com direito de voto ou cujo valor de aquisição não seja inferior a € 5 000 000, de acordo com o último balanço acordado e, bem assim, efetuadas em benefício de sociedade com a qual se encontre em relação de domínio ou de grupo (...)”.

 

Por sua vez, ao tempo dos factos, a norma da alínea h) do ao n.º 1 do artigo do CIS [em que se funda a reclamação objeto do ato de indeferimento sob impugnação] estabelecia que são isentos de imposto do selo “ (...) os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano,  quando concedidos por sociedades no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo (...)”

 

Assinale-se, por não ser totalmente  despiciendo para a análise da questão sub juditio, que uma gestão de tesouraria eficiente depende de uma estratégica eficaz de afetação de recursos disponíveis que permita a redução de custos operacionais. E o cash pooling torna-se um instrumento de suma importância para os grupos de sociedades que cada vez mais otimizam os recursos financeiros de que dispõem.

 

Um sistema de “cash pooling”[3]  não implica, per se, que as transferências efetuadas o sejam com o objetivo de suprir carências de tesouraria. É, sim, um sistema que visa uma otimização de gestão da tesouraria de um grupo, independentemente de existirem ou não tais carências, designadamente por parte do cash pool leader (ou seja, a empresa que centraliza, dentro do grupo, as transferências que são efetuadas).

 

Como referem Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins (Imposto do Selo, Almedina, Coimbra, 2020, pp. 210 e 211), ″não poderá considerar-se, simplesmente, que os financiamentos ocorridos neste âmbito, só por si, evidenciam a existência de uma ‘carência de tesouraria’, pois a sua forma de funcionamento pode gerar, efetivamente, disponibilizações de fundos sem que tal carência exista″. (Cfr Acórdão do TCAS n.º 124/10.6BELRS, de 10 de fevereiro de 2022).

 

Em termos tributários a autonomização legal da isenção dos empréstimos concedidos no quadro de um cash pooling em 2020 deixou de estar submetida aos condicionalismos da alínea g) para passar a estar especificamente prevista e regulada na alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS, na redação introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2020, em vigor a partir de 1 de abril de 2020. O que necessariamente implica uma não dependência (da isenção) da demonstração de qualquer espécie de nexo de causalidade entre esses empréstimos  e uma determinada finalidade, designadamente a cobertura de carências de tesouraria. 

 

Daí que a eventual e putativa ausência de prova do “nexo de causalidade” entre os empréstimos e um determinado fim – no caso dos autos,  suscitado ex novo pela Requerida na sua resposta -  será destituído sempre de sentido legal.

 

Note-se, insiste-se, que a decisão da reclamação graciosa é que é o objeto imediato do processo de impugnação arbitral, cabendo ao Tribunal avaliar apenas a bondade ou legalidade dos fundamentos esgrimidos pelo contribuinte e impugnante nessa sede, tornando assim inadmissíveis as tentativas de fundamentação a posteriori, com introdução de argumentos novos no litígio – Cfr., v. g., Ac. do STA nº 02887/13.8BEPRT, de 28 de outubro de 2020.

 

Analisando com maior detalhe o caso concreto:

Como é assinalado pela Requerente, surpreendem-se, no ato de indeferimento da reclamação graciosa e consequente manutenção das liquidações identificadas pela Requerente, dois argumentos que sustentam a fundamentação dos atos e que, singelamente, são os seguintes: (i)  a isenção prevista na alínea h), do nº 1, do artigo 7º, do CIS, na redação em vigor desde 1 de abril de 2020, não é aplicável pelo facto de o devedor/mutuário  dos financiamentos intragrupo (C...), não ter sede em território nacional, ao contrário da mutuante e credora (a ora Requerente) e (ii) ausência de prova pela Requerente de que os fluxos financeiros entre si e a C... provêm de excedentes de liquidez gerados pelo próprio Grupo B... e não de financiamentos externos.

 

Vejamos cada um destes argumentos de per si:

(i)  A isenção prevista na alínea h), do nº 1, do artigo 7º, do CIS, na redação em vigor desde 1 de abril de 2020, não é aplicável pelo facto de o devedor/mutuário  dos financiamentos intragrupo (C...), não ter sede em território nacional, ao contrário da mutuante e credora (a ora Requerente)

 

Ao contrário do que propugna a Requerida na decisão de indeferimento da reclamação graciosa, o facto de o devedor do crédito no âmbito do cash pooling –C...– ser não residente em território nacional não pode servir de obstáculo à isenção consagrada na alínea h), do n.º 1, do artigo 7.º do CIS, na redação dada pela Lei do Orçamento do Estado para 2020 e aplicável ao caso concreto onde se dispõe (nºs 1 e 2):

Artigo 7.º 
Outras isenções 

1 - São também isentos do imposto: 

(...)

h) Os empréstimos, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, quando concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedades com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo;

(...)

 

2 - O disposto nas alíneas g) e h) do n.º 1 não se aplica quando qualquer dos intervenientes não tenha sede ou direção efetiva no território nacional, com exceção das situações em que o credor ou o devedor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado-Membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o capital acordada com Portugal, caso em que subsiste o direito à isenção, salvo se o credor tiver previamente realizado os financiamentos previstos nas alíneas g) e h) do n.º 1 através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no território nacional.

 

A alínea h) do nº 1, do artigo 7º, do CIS na redação transcrita e aplicável ao caso, torna manifestamente insustentável a posição defendida pela AT no ato de indeferimento da reclamação graciosa  quando estabelece relevância no facto da mutuária/devedora C... não ter sede em território nacional mas, no caso, em França – que é país membro da União Europeia e, como tal, torna desde logo e no mínimo questionável a conformidade da discriminação com as liberdades fundamentais consagradas nos Tratados constitutivos da União Europeia.

 

Diga-se, aliás, que foi certamente por estar ciente dessa desconformidade que o legislador alterou a redação do nº 2, do artigo 7º, do CIS na Lei do Orçamento do Estado para 2022 (cfr artigo 292º, da Lei nº 12/2022), estendendo a sobredita isenção às situações em que “(...) o credor ou o devedor tenha sede ou direção efetiva noutro Estado-Membro da União Europeia ou num Estado em relação ao qual vigore uma convenção para evitar a dupla tributação sobre rendimento e o capital acordada com Portugal (...)”, considerando ou reconhecendo ser incompreensível a não aplicação da isenção quando o devedor fosse residente na União Europeia, em violação do princípio da liberdade de estabelecimento previsto no Tratado da UE[4] e da proibição da livre circulação de capitais.[5]

 

Ou seja:  a isenção prevista na alínea h), do nº 1, do artigo 7º, do CIS, na redação em vigor desde 1 de abril de 2020, não é aplicável pelo facto de o devedor/mutuário  dos financiamentos “intragrupo” ( no caso, a C...), não ter sede em território nacional, ao contrário da mutuante e credora (a ora Requerente).

 

Esta norma, parece, visou prevenir eventuais operações triangulares em que a intervenção do credor não residente surgiria apenas para “evitar” o pagamento do imposto do selo devido no caso de o beneficiário residente ter obtido o crédito junto de uma instituição não residente.[6]

 

Assim é que, “(...)com a Lei do Orçamento do Estado para 2020, foi consagrada uma isenção de Imposto de Selo para os empréstimos concedidos por sociedades, no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria, a favor de sociedade com a qual estejam em relação de domínio ou de grupo [cfr. o atual art.º 7.º, n.º 1, al. h) do CIS]. Até tal momento, esta situação não estava salvaguardada pelo legislador, pelo que estes contratos eram sujeitos a Imposto de Selo, podendo ou não, no seu âmbito, surgir situação de isenção, atento o disposto na al. g) do n.º 1 do art.º 7.º do CIS (sobre o caráter inovador, e não meramente interpretativo, desta disposição legal, cfr os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 2338/11.2BELRS, de 24 de março de 2022, n.ºs 2615/10.0BELRS, de 12 de maio de 2022,  n.º 124/10.6BELRS, de 10 de fevereiro de 2022 e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 352/10.4BELRS, de 12 de maio de 2022)

 

Ora, por um lado, os autos e a  matéria de facto provada, não revelam manifestamente  a inclusão da situação descrita no elenco das operações triangulares a que se fez referência supra e, por outro, esta  questão não elencou a  fundamentação do ato de indeferimento da reclamação graciosa sub juditio.  O que desde logo afasta a apreciação de tal argumento por este Tribunal na medida em que, se tal acontecesse, haveria manifesta violação do princípio da proibição da fundamentação a posteriori do ato tributário objeto da impugnação. Conforme anteriormente se assinalou.

 

 

ii) Ausência de prova pela Requerente de que os fluxos financeiros entre si e a C... provêm de excedentes de liquidez gerados pelo próprio Grupo B... e não de financiamentos externos.

 

À data dos factos, a isenção prevista na alínea h), do nº 1, do artigo 7º, do CIS, não se aplicava se o credor tivesse previamente realizado o financiamento através de operações realizadas com instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas no estrangeiro ou com filiais ou sucursais no estrangeiro de instituições de crédito ou sociedades financeiras sediadas em território nacional.

 

Pois bem, este Tribunal deu como provado ou assente que a Requerente não era devedora ou mutuária no âmbito de qualquer financiamento contraído junto de instituição de crédito ou sociedade financeira [Cfr supra, factos provados,  alínea h)]

 

Donde resulta óbvia a conclusão de que, não sendo então devedora de quaisquer empréstimos concedidos por terceiros, os fundos que transferiu para a C... no sistema de cash pooling contratado entre ambas as entidades, não poderiam provir de financiamentos externos, mas antes constituíriam excedentes de liquidez gerados pelas transferências intragrupo.

 

Assim é que, no caso sub juditio os atos de autoliquidação de Imposto do Selo controvertidos e o ato de indeferimento da reclamação graciosa,  são inválidos por vícios de violação de lei e erro nos pressupostos de direito, geradores de anulabilidade sendo tal pressuposto extensivo às liquidações de juros compensatórios controvertidas que igualmente enfermam de idêntico vício invalidante e, por consequência, deverão ser também ser anuladas [artigo 163.º, n.º 1, do CPA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT].

 

Juros indemnizatórios

Juntamente com a anulação das  autoliquidações e respetivos juros compensatórios referentes aos mencionados  períodos de tributação, a Requerente pede para lhe ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.

 

Vejamos se lhe assiste tal direito.

 

 Nos termos da norma do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, serão devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido."

 

 Há que assinalar que , em face da norma do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, o direito aos mencionados juros indemnizatórios pode ser reconhecido no processo arbitral e que tal direito pressupõe que haja sido pago imposto por montante superior ao devido e que tal pagamento indevido derive de erro, de facto ou de direito, imputável aos serviços da AT.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT], o qual estabelece que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.

 

Embora as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT utilizem a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

 

O processo de impugnação judicial, incluindo pela via arbitral, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário” deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

In casu, os atos de autoliquidação do imposto do selo e de juros compensatórios foram da iniciativa do sujeito passivo, a ora Requerente, pelo que, neste caso, não é obviamente possível imputar qualquer tipo de erro aos serviços da AT na efetivação dos atos de liquidação do imposto do selo alvo do presente pedido arbitral.

 

Acontece porém que,  na sequência da dedução da reclamação graciosa contra os atos de autoliquidação de imposto do selo e respetivos juros compensatórios supra identificados e agora objeto do presente processo arbitral, em face dos fundamentos invocados nessa sede, ou seja, no procedimento de reclamação graciosa, a Autoridade Tributária e Aduaneira teve a oportunidade de proceder à análise e avaliação da matéria controvertida e podia ter efetuado o correto enquadramento jurídico-tributário dos factos e, consequentemente, ter efetuado a plena reconstituição da legalidade dos atos ou da situação objeto do litígio.

 

Não tendo feito nessa fase administrativa a reapreciação da (i)legalidade dos atos de autoliquidação, a partir da data da decisão de indeferimento da reclamação graciosa é legal e legítimo o juízo de imputação de erro aos serviços da AT.

 

Deste modo, e na linha da jurisprudência constante do Supremo Tribunal Administrativo (STA)  [v. g., Acórdãos proferidos no processo n.º 0926/17, de 06.12.2017 e no processo n.º 0250/17, de 03.05.2018], deve, nos termos do artigo 43.º da LGT e artigo 61.º do CPPT, a Autoridade Tributária Aduaneira proceder ao pagamento à Requerente de juros indemnizatórios à taxa legal , em relação a cada um dos atos de autoliquidação de imposto do selo e respetivos juros compensatórios, desde a data do despacho de indeferimento da reclamação graciosa até à data do processamento da respetiva nota de crédito (n.º 5 do art.º 61.º do CPPT).

 

III. Decisão

Pelas razões e fundamentos expostos, decide este Tribunal Coletivo:

a) Julgar, nos termos expostos,  procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b) Anular, por ilegalidade e erro nos pressupostos:

-   os atos de liquidação consubstanciados nas autoliquidações de imposto do selo e de juros compensatórios supra identificadas e referentes a períodos de tributação compreendidos entre abril e dezembro de 2020 e de janeiro de 2021 a fevereiro de 2022, no valor global de € 212.866,00 e

-  o despacho acima identificado datado de de 5 de agosto de 2022 que indeferiu a reclamação graciosa nº ...2022...;

d) Condenar a Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira, na restituição daquele valor de € 212.866,00  à Requerente, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos desde 5 de agosto de 2022,  calculados à taxa legal até à emissão, pela AT,  da respetiva nota de crédito onde serão incluídos e

e) Condenar a Requerida nas custas deste processo.

 

Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 212.866,00 (duzentos e doze mil oitocentos e sessenta e seis euros), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e  306.º do Código de Processo Civil (CPC).

 

Valor das custas

É fixado na importância de €4.284,00 (quatro mil duzentos e oitenta e quatro euros) o valor das custas – Cfr Tabela I, do Regul de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e artigos 12º-2 e 22º-4, do RJAT e 4´-4, do citado Regulamento.

 

  • Notifique-se.

 

Lisboa,   2 de agosto de 2023

 

 

O Árbitro Presidente,

 

José Poças Falcão

 

O Árbitro Vogal

 

 

José Coutinho Pires

 

 

 

O Árbitro Vogal

 

 

 

José Nunes Barata

 

 



[1] In “Contextualização Fiscal da Gestão Centralizada de Tesouraria (cash pooling) Em Ambiente Empresarial”, Faculdade de Direito da Universidade do Porto (2005)

[2] A natureza e âmbito deste tipo de operações serão melhor caraterizadas ao longo deste acórdão.

[3] Cash pooling é definido como  um serviço de apoio à tesouraria que consiste essencialmente na transferência automática de fundos entre contas de depósitos à ordem de uma ou várias empresas, de modo a provisionar contas com saldos insuficientes para suprir compromissos de curto prazo e centralizar saldos excedentes numa conta principal. Na adesão é definido o conjunto de contas à ordem em euros que compõem o grupo de conta Principal e Contas Subsidiárias, entre as quais se processarão as transferências em função dos parâmetros definidos para o montante de saldo mínimo e saldo máximo em cada uma das contas.

Em final de dia são verificadas as contas e os respetivos parâmetros de cada uma, para que automaticamente se processem as transferências em função dos saldos mínimos e máximos definidos para cada conta subsidiária. 

Uma forma automática e altamente eficiente de gerir a tesouraria, nomeadamente os saldos de conta, com a flexibilidade e simplicidade facilitadoras da adesão e manutenção do serviço de Cash Pooling. [cfr, internet,  site da Caixa Geral de Depósitos, CGD.pt)

 

[4] Cfr Jorge Belchior Laires, Obra citada, pp. 218 e 219

[5] Sobre a fronteira entre estas duas liberdades (estabelecimento e livre circulação de capitais), cfr v. g. §§ 90-92 do Acórdão do TJUE de 13-11-2012 – Proc nº C-35/11 (Test Claimants in the FII Group Ligation) e §§ 47-48 do Acórdão de 21-102010, do TJUE,  no Proc nº C-81/09 (Idryma Typou) publicados em https://eur-lex.europa.eu/legal

[6] Cfr Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins, Imposto do Selo: Operações Finaceiras e de Garantia, Almedina, 2019, p. 218, notas de rodapé 393 e 394.