SUMÁRIO:
Proferido pela Requerida despacho de revogação/anulação do ato tributário impugnado nos autos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º do RJAT, deu-se a satisfação integral da pretensão material da Requerente o que torna inútil o prosseguimento dos autos e acarreta inutilidade superveniente da lide aplicável por força do artigo 277.º do CPC alínea e) ex vi do artigo 29.º do RJAT.
DECISÃO ARBITRAL
O Tribunal Arbitral coletivo constituído por Fernanda Maçãs, Doutor Vasco António Branco Guimarães (relator) e Dra. Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho, Árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 16-02-2023, decidem o seguinte:
1. Relatório
A...– Fundo de investimento imobiliário Fechado, NIPC..., e com sede na Rua ... n.º..., ..., ...-... Lisboa, (doravante designada por “Requerente”), apresentou, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”) pedido de pronúncia arbitral com vista a:
a) Pronunciar-se sobre a ilegalidade da presunção do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa (cf. Documento 1), feito em 11 de maio de 2022 e, consequentemente, do acto tributário de liquidação de Adicional ao Imposto Municipal sobre os Imóveis (“AIMI”), no montante global de € 106.520,00 (cento e seis mil quinhentos e vinte Euro), que aqui se junta (cf. Documento 3) e se dá por reproduzido.
b) Declarar ilegal o indeferimento tácito formado em 11 de setembro de 2022 ao abrigo dos artigos 78.º e 57.º da LGT;
c) Anular o acto tributário que constitui o seu objecto, relativo à liquidação n.º 2019 ... de AIMI identificada, porque contrária à lei, por padecer de erro nos pressupostos de facto e de direito com as seguintes consequências;
d) Condenar a AT a reembolsar a Requerente do valor do AIMI pago em excesso, no montante global de € 106.520,00 (cento e seis mil quinhentos e vinte Euro) e, bem assim, condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao reembolso integral do montante referido.
A título subsidiário, e sem prescindir, requer que:
e) Seja desaplicada, no caso concreto, a norma pretensamente extraída do artigo 45.º do Código do IMI, na redação vigente à data da verificação do facto tributário, no sentido de que os coeficientes de avaliação consagrados no artigo 38.º do mesmo compêndio legal deveriam ter aplicação na determinação do VPT de terrenos para construção, por manifesta inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade tributária, no sentido de reserva de lei formal, ínsito na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º e no n.º 2 do artigo 103.º, ambos da CRP e, consequentemente, seja declarada a ilegalidade do acto tributário de liquidação de AIMI sub judice, porque assentes em normas inconstitucionais, sendo os mesmos prontamente anulados, com todas as consequências legais.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 07-12-2022.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 25-01-2023 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação de qualquer dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 16-02-2023.
A AT, em 09.01.2023, emitiu despacho de revogação (anulação) da liquidação em causa nos presentes autos, que foi comunicado ao CAAD, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13.º do RJAT, a 18.01.2023.
Na mesma data foi a Requerente notificada do despacho do Presidente do CAAD para nos termos do artigo 13.º, nº2, do RJAT, informar o CAAD, querendo, sobre o não prosseguimento do procedimento, não tendo emitido qualquer pronúncia.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em 22-03-2023 em que requer a declaração da extinção do processo arbitral por inutilidade superveniente da lide em conformidade com o previsto no disposto na alínea c) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, uma vez que a Entidade Requerida proferiu despacho de revogação do ato tributário impugnado e isso mesmo comunicou ao CAAD em 18.01.2023, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13.º do RJAT.
Por despacho de 18-04-2023, foi decidido dispensar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e Alegações das Partes.
Foi cumprido o contraditório.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciária e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados:
Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
a. A Requerente foi notificada do acto tributário de liquidação de AIMI (cf. Documentos 2 e 3) liquidação n.º 2019... de AIMI:
b.A AT liquidou um montante de tributo superior ao montante legalmente devido face aos valores patrimoniais tributários que deveriam ter sido considerados para efeitos de cálculo da colecta de AIMI referente a estes anos.
d.A Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, da respectiva liquidação de AIMI supra identificada.
e.A Requerente não se conformando com a posição da AT quanto ao acto tributário de liquidação do AIMI sub judice, apresentou ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, Pedido de Revisão Oficiosa deste acto tributário.
f. A Requerente solicitou a devolução do valor de montante global de € 106.520,00 (cento e seis mil quinhentos e vinte Euro) indevidamente cobrados e juros indemnizatórios.
g.O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 07-12-2022.
h. A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu despacho de revogação/ anulação do acto tributário impugnado, em 9 de Janeiro de 2023.
i. O Despacho de revogação (anulação) da liquidação em causa nos presentes autos foi comunicada ao CAAD, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13.º do RJAT, a 18.01.2023.
i. Na mesma data a Requerente foi notificada do seguinte despacho do Presidente do CAAD: “Com referência ao Processo em epígrafe e na sequência da comunicação da Autoridade Tributária e Aduaneira prevista no artigo 13.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), solicita-se a V. Exa. que, face ao circunstancialismo previsto no artigo 13.º n.º 2 do RJAT, se digne informar o CAAD, querendo, sobre o não prosseguimento do procedimento.
Mais se informa que, na ausência de pronúncia do Requerente, o procedimento seguirá os trâmites normais.
Com os melhores cumprimentos,
O Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).”
j. A Requerente nada disse.
l. O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 16-02-2023.
m. Notificada da Resposta para exercer contraditório quanto à excepção invocada pela Requerida veio a Requerente ao processo confirmar a aceitação da extinção da instância.
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto:
Os factos provados baseiam-se nos articulados e documentos juntos pela Requerente e Requerida.
Não se retiram outros factos relevantes dos articulados por serem citações de textos legais, acórdãos ou posições de parte sem conteúdo fáctico.
3. Matéria de direito
A questão objeto deste processo gira em torno de averiguar se existe extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide.
3.1. Posições das Partes
A Requerente defende em resumo:
a. Que os imóveis considerados como «terrenos para construção» foram objeto de avaliação pela AT no ano de 2019 onde constaram os critérios previstos no artigo 38.º do CIMI tendo as liquidações sido feitas em erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
b. A aplicação do artigo 38.º do CIMI feita pela AT é ilegal, foi feita em erro sobre os pressupostos de direito e de facto e deve ser anulada.
A AT na resposta veio requerer a extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide porque:
c. i) Já procedeu à revisão oficiosa dos valores patrimoniais e anulou a liquidação respetiva identificada no processo com efeito retroativo.
ii) Praticou os actos ao abrigo do artigo 13.º do RJAT e no período aí previsto pelo que nada há a fazer sendo de declarar a extinção da instância e a condenação em custas da Requerente.
d. A Requerente notificada da resposta veio confirmar a aceitação quanto à extinção da instância, uma vez que o acto tributário de liquidação Adicional Relativo ao Imposto Municipal sobre Imóveis impugnado foi já revogado.
3.2. Quanto à exceção invocada pela Requerida: da inutilidade superveniente da lide.
O artigo 13.º n.º 1 do RJAT prevê um mecanismo de revisão oficioso dos actos ilegais praticados pela AT permitindo - no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral - a revogação, ratificação, reforma ou conversão do acto tributário cuja legalidade foi suscitada, praticando, quando necessário acto tributário substitutivo.
A utilização desta possibilidade de rever a posição e cumprir o seu poder/dever de repor a legalidade deverá ser comunicada ao presidente do CAAD.
O dirigente máximo do serviço da administração tributária tem o dever de notificar o sujeito passivo – artigo 13.º n.º 2 do RJAT.
A Autoridade Tributária cumpriu os seus deveres de comunicação, mas a Requerente notificada desse despacho nada disse. Somente depois de notificada da Resposta e em exercício do contraditório à matéria de excepção disse “ (…) vem confirmar a sua aceitação quanto à extinção do processo arbitral, uma vez que o ato tributário de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre os Imóveis impugnado nos presentes autos foi já revogado pela Requerida, verificando-se, assim, uma inutilidade superveniente da lide (…)”.
Ora, feita pela Autoridade Tributária a reapreciação dos actos praticados e tendo a mesma procedido à revogação/anulação com efeitos retroativos da liquidação de 2019 deixou de ter objeto o pedido arbitral.
Assim sendo, não oferece dúvida que a decisão arbitral que, normalmente seria proferida, conhecendo do mérito das pretensões deduzidas, se afigura destituída de qualquer efeito útil, pelo que não se justifica a sua prolação.
Termos em que, com as devidas adaptações, se julga verificada a inutilidade superveniente da lide.
4. Responsabilidade por custas
Nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (excetuados os previstos nos números anteriores), a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas; o n.º 4 do mesmo artigo estatui, no que aqui importa atentar, que se considera, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente.
No caso em apreço, como ficou demonstrado, a pretensão do Requerente foi satisfeita voluntariamente pela AT, por esta ter revogado/anulado o ato tributário impugnado.
No entanto, como ficou igualmente demonstrado, a AT procedeu à aludida revogação ainda antes da constituição deste Tribunal Arbitral, sendo que o prosseguimento do processo (rectius, do procedimento arbitral), apesar da satisfação integral e voluntária dos pedidos formulados, por parte da AT, só ao Requerente pode ser imputável.
Com efeito, como vimos, notificado para se pronunciar quanto ao requerimento apresentado pela AT, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, o Sujeito Passivo nada veio dizer/requerer aos autos, pelo que, atenta essa postura silente apenas por causa dela houve lugar à constituição deste Tribunal Arbitral; efetivamente, a constituição do Tribunal Arbitral não teria ocorrido se o Requerente tivesse, na referida ocasião, vindo aos autos pronunciar-se no sentido da inutilidade superveniente da lide e consequente extinção do processo, uma vez que é apodítico que essa inutilidade superveniente da lide verificou-se em momento anterior ao da constituição do Tribunal Arbitral.
As custas deste processo devem, por isso, ser totalmente imputáveis à Requerente .
5. Decisão
Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:
-
Declarar extinta a presente instância arbitral, por inutilidade superveniente da lide;
-
Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
6. Valor do processo
Em conformidade com o disposto nos arts. 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 106.520,00 (cento e seis mil quinhentos e vinte Euros).
7. Custas
Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas no valor de € 3060,00 (três mil e sessenta Euros), a cargo da Requerente.
Registe e Notifique.
Lisboa, 20 de julho de 2023
Os Árbitros
( Fernanda Maçãs – Presidente),
(Doutor Vasco António Branco Guimarães - relator)
(Dra. Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho)