Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 688/2022-T
Data da decisão: 2023-07-21  ISV  
Valor do pedido: € 126.147,10
Tema: ISV – Despacho n.º 348/2018-XXI, de 01.08.2018 (retificado pelo Despacho n.º 375/2018-XXI, de 31.08.2018) do SEAF
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SUMÁRIO:

 

I – A Comissão Europeia aconselhou os países membros a implementar medidas para que o valor dos impostos sobre veículos não aumentasse abruptamente, em virtude da alteração de método de medição das emissões de CO2 (mudança do ciclo NEDC para o ciclo WLTP), vindo o Despacho n.º 348/2018-XXI, de 01.08.2018 (retificado pelo despacho n.º 375/2018-XXI, de 31.08.2018), emitido pelo SEAF, a ser fruto dessa necessidade.

II – O aludido despacho proferido pelo SEAF veio clarificar a forma de aplicação das normas tributárias existentes, relativamente ao valor de CO2 tributável, no período transitório (último quadrimestre de 2018), até à entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2019, de modo a atenuar ou anular o impacto que o novo método teria no cálculo de ISV, se aplicado no imediato.

III – A não verificação de um dos pressupostos indicados no 2.º parágrafo, do número 3, do referido despacho, inviabiliza, desde logo, a sua aplicação, porquanto, a aludida norma circunscreve-se aos “veículos que já haviam obtido homologação técnica anteriormente a 1 de setembro de 2017”.

IV – Não tendo a Requerente logrado fazer prova de que as homologações CE das viaturas em apreço são anteriores a 1 de setembro de 2017, ficam as mesmas, automaticamente, excluídas do âmbito de aplicação do 2.º parágrafo, do número três, do citado despacho e, consequentemente, não beneficiarão, para efeitos de aplicação da taxa de ISV, do último valor conhecido de emissões de CO2 determinado de acordo com o ciclo combinado de ensaios realizados ao abrigo do NEDC.

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Victor Calvete, Vasco António Branco Guimarães e Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral Coletivo, constituído a 30.01.2023, decidem o seguinte:

 

  1. RELATÓRIO
  1. A..., S.A., com o número de identificação fiscal..., com sede sita na Rua ..., n.º..., ..., ...-... ..., (doravante “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), 10.º, n.º s 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação do Imposto sobre Veículos (doravante “ISV”), e respetivos juros compensatórios, no valor total de €126.147,10 (cento e vinte seis mil e cento e quarenta e sete euros e dez cêntimos), ocorridos no ano de 2022 e respeitantes à introdução no consumo de 119 (cento e dezanove) veículos, no período relativo ao último quadrimestre de 2018.
  2. A Requerente juntou 8 (oito) documentos e requereu a inquirição de 4 (quatro) testemunhas.
  3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à Requerida em 21.11.2022.
  4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 6.º e da alínea a), do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora signatários como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do cargo no prazo aplicável.
  5. Em 11.01.2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação de árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.
  6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1, do artigo 11.º, do RJAT, o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 30.01.2023.
  7. No dia 06.03.2023, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta, na qual se defendeu por impugnação, juntou aos autos o processo administrativo e pugnou pelo indeferimento da produção de prova testemunhal, ou caso a mesma fosse aceite, que a Requerente viesse aos autos indicar sobre que factos incidiria a respetiva inquirição.
  8. Em 15.03.2023, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:  

Não sendo óbvia a utilidade da audição das testemunhas arroladas pela Requerente - audição a que, aliás, a AT se opõe - deverá a Requerente, em 5 dias, indicar os específicos pontos da matéria de facto sobre a qual cada uma deverá depor, de modo a que o Tribunal possa decidir dessa utilidade.

Notifique.

  1. No dia 17.03.2023, a Requerente juntou aos autos o comprovativo de pagamento da taxa de justiça subsequente.
  2. Em 21.03.2023, a Requerente apresentou requerimento, no qual indicou sobre que factos incidiria a inquirição das testemunhas arroladas.
  3. No dia 27.03.2023, o Tribunal Arbitral proferiu despacho, cujo o teor, em parte se transcreve:

(...)

O Tribunal admite, ao abrigo do princípio da livre condução do processo (artigo 19.º, n.º 1, do RJAT), o depoimento das testemunhas, a apresentar pela Requerente nas instalações do CAAD em Lisboa ou no Porto no dia 11 de Abril, pelas 10:30, devendo a Requerente indicar previamente o local onde pretende que sejam inquiridas.

Notifique.

  1. Na sequência do despacho que admitiu a produção de prova testemunhal, a Requerida apresentou, em 29.03.2023, um requerimento, no qual solicitou que fosse arrolada como testemunha a Inspetora Tributária e Aduaneira, Dra. B..., e que a mesma fosse ouvida por vídeo conferência.
  2. Nesse mesmo dia, 29.03.2023, a Requerente juntou aos autos um requerimento, no qual peticionou pelo reagendamento da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, por estar impedida de comparecer, em virtude de sobreposição de diligências, tendo indicado novas datas alternativas para o efeito e requereu, ainda, que o depoimento das testemunhas por si arroladas fossem prestados através da plataforma Ciscowebex, nos termos do artigo 6.º-E, n.º 1 e 2, al. b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, ou, caso fosse indeferido tal pedido, que aquelas fossem ouvidas presencialmente nas instalações do CAAD de Lisboa.
  3. Em 31.03.2023 o Tribunal reagendou a diligência para o dia 17 de Abril, fixando para as instalações do CAAD em Lisboa a audição de todas as testemunhas.
  4. Em 17.04.2023, teve lugar a reunião, a que alude o artigo 18.º, do RJAT, na qual a Requerente prescindiu das testemunhas C... e D..., tendo as restantes sido ouvidas (E... e F... e G...), conforme ata da referida reunião e sua gravação.

 

  1. Ainda na referida reunião foram as partes notificadas para vir aos autos juntar as declarações aduaneiras e os certificados de conformidade, relativos aos veículos que foram objeto de liquidação de ISV, bem como, para apresentarem, querendo, alegações escritas, no prazo simultâneo de 15 (quinze) dias.

 

  1. Em 19.04.2023, a Requerida apresentou uma declaração de substituição de jurista, conforme havia protestado juntar aquando da realização da dita reunião.  

 

  1. Em 24.04.2023 e 27.04.2023, a Requerida procedeu à junção das declarações aduaneiras de todos os veículos aqui sindicados e de cinco certificados de conformidade, dos quais, apenas, três dizem respeito aos veículos em apreço. 

 

  1. A Requerida e a Requerente apresentaram as suas alegações finais, em 02.05.2023 e em 03.05.2023, respetivamente, reiterando a argumentação anteriormente expendida. 

 

 

I.1. POSIÇÃO DAS PARTES

  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou, em síntese, com vista à declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação de ISV aqui sindicados, o seguinte:
  1. Em 2017, por imposição de regulamentação Europeia – Regulamento (UE) n.º 2017/1151, da Comissão, de 01.06.2017, Regulamento de Execução (UE) n.º 2017/1152, da Comissão, de 02.06.2017, Regulamento de Execução (UE) n.º 2017/1153, da Comissão, de 02.06.2017 – foi alterada a metodologia utilizada na mediação das emissões de CO2 dos veículos automóveis, tendo sido substituído o sistema NEDC (New European Driving Cycle) pelo sistema WLTP (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure).
  2. Conforme resultava dos estudos publicados pela Comissão Europeia, os valores de emissões de CO2 apurados de acordo com o sistema WLTP seriam significativamente superiores aos valores do sistema NEDC, uma vez que os veículos são testados de acordo com várias caraterísticas específicas que anteriormente não eram tidas em conta – incluindo os equipamentos extra – e em condições reais de circulação.
  3. Nesta sequência foi emitido, pelo Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), o despacho n.º 348/2018-XXI, de 01.08.2018 (retificado pelo despacho n.º 375/2018-XXI, de 31.08.2018), que visou: “(...) atenuar ou anular o impacto que no imediato, antes do OE/2019, o novo método de medições WLTP terá no cálculo de ISV (...)”.
  4. Tal despacho, veio, então, “clarificar a forma de aplicação das normas tributárias existentes”, relativamente ao valor de CO2 “tributável” durante o último quadrimestre de 2018. 
  5. As clarificações constantes do aludido despacho consistem no seguinte:
  1. N.º 2 – “MODELOS NOVOS” – os que obtiveram a primeira homologação técnica posteriormente a 01.09.2017 e que apenas tenham sido testados pelo sistema WLTP –: os valores de CO2 a declarar são os que resultam do Certificado de Conformidade (COC) (NEDC correlacionado);
  2. N.º 3, 1º parágrafo – “MODELOS ANTIGOS, VARIANTES, VERSÕES” (sempre que estejam em causa veículos que já haviam obtido homologação técnica): os valores de CO2 a declarar são os determinados de acordo com o NEDC relativamente ao modelo, variante, versão, cilindrada e tipo de combustível do veículo em causa, em conformidade com a referida homologação (anterior a 01.09.2017);
  3. N.º 3, 2º parágrafo – “NOVA REFERÊNCIA DE VARIANTE/VERSÃO” de modelos antigos, variantes, versões que já haviam obtido homologação técnica e que preencham aquelas condições: desde que a nova referência tenha sido criada exclusivamente em resultado da medição de emissões de CO2 de acordo com o sistema WLTP, e sempre que as restantes características se mantenham inalteradas, os valores de CO2 a declarar são os determinados de acordo com o NEDC.
  1. A expressão “restantes características” constante do 2.º parágrafo do n.º 3, do referido despacho, só pode referir-se às características elencadas no 1.º parágrafo do mesmo preceito, e não a todas as características do veículo indicadas no COC (em especial a tara), como entende a AT.  
  2. Se a real intenção do SEAF fosse uma referência a todas as características que não as elencadas no parágrafo 1.º do n.º 3, do aludido despacho, então teria/deveria, por simplicidade, clareza, certeza e segurança do direito, ter acrescentado à expressão “restantes características” a expressão “constantes do COC”, todas elas ou, ao menos, uma enumeração das que pretendesse relevar para o efeito, mas constantes do COC.
  3. Perante as dúvidas plausíveis e de boa-fé suscitadas pelos operadores económicos e suas associações (em particular a ACAP), e também as da própria AT, mesmo do IMT, ou seja, existindo obscuridade e ambiguidade do despacho que poderia induzir várias interpretações, dúvidas estas já conhecidas antes da emissão do 2.º despacho do SEAF, este poderia/deveria ter sanado tal circunstância, aclarando-a, isto é, proferindo novo despacho retificativo ou interpretativo, tal como procedeu para o caso da característica “variante” pelo despacho de 31.08.2018 (2º despacho).
  4. À revelia do SEAF e em flagrante violação do estipulado no n.º 2 do artigo 68.º-A da LGT, a AT elaborou parecer(es) interpretativo(s) do despacho, com vista, manifestamente, a suportar a sua tese e a mais gravosa para os operadores económicos – insista-se, objetivo contraditório com a letra e o espírito do despacho em causa – pois este visou, em consequência de recomendações comunitárias (cf., designadamente considerandos dos regulamentos de execução (UE 2017/1152 – considerando 4 – e UE 2017/1153 – considerando 3), “(...) atenuar ou anular o impacto que no imediato, antes do OE/2019, o novo método de medições WLTP terá no cálculo de ISV (...)” –, dado que os estudos da UE apontam para um agravamento significativo da carga fiscal, que a informação disponível não permite ainda determinar a exata medida da ocorrência do aumento do valor das emissões por tipo de veículos, que a transição do sistema (NEDC para WLTP) aconselha e exige um ajustamento das atuais tabelas de taxas, a corrigir no OE/2019, com a devida clareza e enquadramento legal.
  5. Sempre será de admitir-se apenas uma interpretação restritiva não compatível com o esforço interpretativo da AT no sentido da extensão/ampliação do significado a dar à expressão “restantes características”, posição que não pode merecer acolhimento.
  6. Em consequência (i) do objetivo expresso nos “considerandos” do despacho (aumento abrupto dos preços de veículos vendidos a partir de 01.09.2018 por acréscimo da carga fiscal decorrente dos novos valores de CO2 determinados pelo sistema WLTP), (ii) da não alteração do despacho relativamente às dúvidas suscitadas pelos operadores económicos e (iii) da justiça do caso concreto, parece sufragar que a interpretação que se faz deste preceito (n.º 3 do aludido despacho), é legítima e corresponderá à real intenção do autor do despacho, que foi, sublinhe-se, a de proceder, transitoriamente e apenas no período do ultimo quadriénio de 2018, a uma clarificação sobre a aplicação do ISV, de modo a possibilitar aos operadores económicos o escoamento de “modelos antigos” e “novas referências” de variantes/versões, ainda sem a sobrecarga fiscal determinada pela nova metodologia WLTP, que iria ocorrer logo no início do ano de 2019 com a entrada em vigor da nova redação do artigo 4.º, n.º 1, al. a), do CISV dada pelo OE/2019 – pretendendo-se manter a certeza e estabilidade da fiscalidade automóvel, remetendo para data posterior, a avaliação das consequências do novo sistema de testes WLTP.
  7. O errado, impreciso e pouco claro entendimento propugnado pela AT sobre a expressão “restantes características” a que alude o 2.º parágrafo do n.º 3 do despacho n.º 348/2018-XXI, de 01.08.2018, do SEAF, revela-se violador da letra, espírito e sentido/objetivo do despacho em causa; não vai de encontro ao princípio geral da boa interpretação da lei; não corresponde às recomendações comunitárias pertinentes (cf., designadamente considerandos dos regulamentos de execução (UE 2017/1152 – considerando 4 – e UE 2017/1153 – considerando 3); e revela-se violador do princípio da segurança jurídica, que tem por corolário o princípio da confiança legítima, e que exige, por um lado, que as normas jurídicas sejam claras e precisas e, por outro, que a sua aplicação seja previsível para os cidadãos.
  8. Circunscrevendo-se as duas situações (1.º e 2.º parágrafo, do n.º 3, do dito despacho) num mesmo preceito, e não em números/preceitos diversos, pressupondo-se evidentemente que o SEAF se expressou de modo adequado e preciso, as “restantes caraterísticas” (e designação comercial) mencionadas neste último parágrafo serão necessariamente as mencionadas no parágrafo anterior, a saber, veículo do mesmo modelo, variante, versão, cilindrada e tipo de combustível.
  9. Por outro lado, um veículo que seja matriculado em Portugal, ainda que seja portador de homologação técnica CE, tem que ter igualmente homologação técnica nacional, a qual corresponde a uma transcrição da homologação técnica CE.
  10. Para emissão da Declaração Aduaneira de Veículo (DAV) pela AT, incumbe ao operador económico, no momento da entrega da DAV no respetivo portal da AT, apenas preencher alguns quadros, inserindo os respetivos dados, a saber, número da homologação técnica, VIN (número de identificação de um veículo especificado ou número de chassis), número de motor, cor do veículo, valor de CO2. Todos os restantes dados relativos a outras caraterísticas técnicas – incluindo a tara – do veículo em causa são carregados automaticamente a partir das homologações técnicas nacionais constantes da base de dados do IMT.
  11. As homologações técnicas europeias mencionam valores mínimos e máximos de tara e pesos bruto de todos os veículos do mesmo modelo.
  12. As homologações técnicas nacionais que transcrevem as homologações técnicas europeias apenas fazem a menção a um valor para a tara e peso bruto do veículo homologado, que é sempre o superior.
  13. Conforme resulta do quadro do ponto III.5. do Relatório Final, para a DAV é automaticamente carregada a tara inscrita na homologação técnica nacional (que corresponde a uma transcrição da homologação técnica CE). Por sua vez, no COC da viatura, verifica-se que a tara se encontra dentro do intervalo inscrito igualmente na homologação técnica CE transcrita pelo IMT.
  14. Na verdade, os valores da tara inscritos nas homologações técnicas europeias a que se recorreu no âmbito da aplicação do n.º 3 do Despacho do SEAF – transcritas para Portugal pelas respetivas homologações técnicas nacionais, são os mesmos: o que acontece é que, na homologação técnica europeia, existem dois valores inscritos (máximo e mínimo) e na homologação técnica nacional, consta apenas o valor da tara máxima. Daqui não resulta, contudo que, efetivamente, as taras variem. 
  15. Se as homologações técnicas europeias contêm os valores mínimos e máximos de tara e pesos bruto e se as DAV são automaticamente carregadas apenas com o valor máximo que é aquele inscrito pelo IMT nas homologações técnicas/FAM nacionais, é natural que os dados constantes do COC possam divergir dos dados carregados para as DAV (aliás, divergem frequentemente, mas como os valores de CO2 “tributáveis” em situações correntes e normais, são os referidos no COC, tais diferenças são sempre irrelevantes).
  16. Todas as viaturas aqui sindicadas têm no COC inscritos valores de tara e peso bruto menores que a “taxa de referência”, i. e., a tara carregada automaticamente para a DAV (provenientes das HT nacionais), pelo que a fundamentação formal e material invocada pela AT é contraditória, pois, as diferenças de tara localizadas não correspondem ao pressuposto da liquidação – maior emissão poluente resultante do maior peso não ocorre –.
  17. É errada a premissa de que as diferenças entre a tara constante do COC e a tara carregada para a DAV implicam novas variantes e versões, como fundamento da exclusão da aplicação do despacho do SEAF relativamente a viaturas em que tal divergência ocorra.
  18. Por sua vez, a tara nunca foi um elemento relevante para efeitos de aferição do valor de CO2 ao abrigo do sistema NEDC; E foi exatamente por esse motivo que aquando da interpretação dos despachos do SEAF, não se incluiu nas caraterísticas inalteráveis a tara.
  19.  Aliás, apesar de não se ter incluído a tara, considerou-se, para além das caraterísticas referidas no n.º 3 do despacho do SEAF (modelo, variante, cilindrada e tipo de combustível), também a potência, o número de portas, lotação, caixa de velocidades, número de velocidades, start&stop e pneus, por entender que estas, sim, devem ser, tecnicamente, levadas em conta como relevantes para efeitos das emissões de CO2, nos termos do sistema NEDC.
  20. Em NEDC, as emissões poluentes são especificadamente medidas através de ensaios que recorrem a diversos parâmetros, no entanto, a tara não é um deles.
  21. A tara nunca aparece ou é referida sequer como elemento ou parâmetro na definição dos conceitos de “variante de um modelo” e “versão de uma variante” na regulamentação europeia. É absolutamente irrelevante como critério identificativo ou característica do tipo, variante ou versão. Daí a existência de valores mínimos e máximos registados nas homologações europeias.
  22. Porque a tara e o peso bruto não são, nem nunca foram autonomamente considerados como parâmetros para determinação de emissões de CO2 em NEDC, temos, pois, como errado mais um dos pressupostos deduzidos pela AT para as correções de ISV impugnados.
  23. Encontrando-se a AT apenas autorizada a controlar as DAV para verificar se o valor de CO2 NEDC introduzido pelos operadores na casa 50 das DAV correspondia a viaturas declaradas ao abrigo do 2.º parágrafo, do n.º 3, do despacho do SEAF, isto é, se correspondiam efetivamente a veículos de “uma nova referência de variante/versão, resultante exclusivamente da medição de emissões de CO2 de acordo com o sistema WLTP”, não o fez; Entendeu que apenas tinha de “averiguar” se a tara e o peso bruto carregadas para as DAV eram diferentes das mencionadas no COC, para a partir desse controlo tomar a decisão de não ser aplicável aquele 2.º parágrafo. A fundamentação é contraditória com o objetivo único do ordenado controlo e, no mínimo, insuficiente para sustentar as liquidações impugnadas.
  24. Aquilo que se pretendeu com a clarificação e instruções do Governo através do SEAF – que é a substituição dos elevados valores de CO2 apurados pela metodologia WLTP, pelos valores correspondentes obtidos pela metodologia NEDC – é totalmente frustrado pela própria AT com a “pseudo” diligência interpretativa da expressão “restantes caraterísticas” que visa, tão e somente, permitir o aumento da carga fiscal que os regulamentos comunitários pretendem atenuar. 
  25. No que concerne à data a considerar em matéria das homologações técnicas para efeitos da aplicação do disposto no 2.º parágrafo do n.º 3 do aludido despacho, releva a data das homologações técnicas europeias, as quais são anteriores a 01.09.2017, conforme documento n.º 8 junto aos autos, e não a das homologações técnicas nacionais. 
  26. A recusa da aceitação das datas e dos valores máximos e mínimos das viaturas constantes da homologação técnica europeia viola o princípio do primado do direito europeu.
  1. Por sua vez a AT contra-argumentou com base nos seguintes argumentos:
  1. A Requerente argumenta que as homologações CE dos modelos em análise são anteriores a 01.09.2017, mas não logra comprovar o que alega. 
  2. Como facilmente se verifica no quadro infra, todas as homologações técnicas CE nele identificadas são do ano de 2018 e, portanto, posteriores a 01.09.2017, conforme consta dos respetivos COC:

HT Nacional Data                         HT CE Data (Informação constante do COC)

20171... 13/09/2018   e4*2007/.../08/2018

2017... 13/09/2018   e4*2007/.../08/2018

2017... 04/09/2018   e4*2007/...*... 28/06/2018

2017... 13/09/2018   e4*2007/... 28/06/2018

  1. A nomenclatura HT CE segue as disposições constantes do anexo VII da Diretiva 2007/46, que no ponto 1 indica a composição: “O número de homologação CE deve ser composto por quatro seções para as homologações de veículos completos e cinco seções para as homologações de sistemas, componentes e unidades técnicas autónomas, conforme especificado a seguir. Em todos os casos, as seções devem ser separadas pelo caracter “*”.
  2. Pela leitura do dispositivo legal aplicável infere-se que a extensão é parte integrante da HT. Conforme coluna “Data”, as HT CE são de 2018.
  3. Para garantir a manutenção da tributação, com base nas emissões antigas de NEDC, é fundamental que se tome em consideração o CO2 de um veículo do mesmo modelo, variante, versão, cilindrada, tipo de combustível, designação comercial e restantes caraterísticas, constantes da homologação técnica do veículo, onde as mesmas figuram de forma detalhada.
  4. A interpretação do ponto 3 do despacho em apreço defendida pela Requerente, que reconduz as “restantes caraterísticas” apenas ao modelo, cilindrada, tipo de combustível e designação comercial, para além de não ter apoio na letra do despacho, conduziria a um resultado contrário ao que se pretendia obter, já que permitiria tomar em consideração as emissões de um veículo com tara, peso bruto, potência, número de lugares, número de eixos motores e outras caraterísticas diferentes do veículo a tributar, conduzindo a um nível de tributação substancialmente diferente do veículo em questão, uma vez que as emissões de CO2 variam em função de tais caraterísticas.
  5. O segundo parágrafo do ponto 3 do despacho em apreço inicia-se com a expressão “No caso dos veículos que preencham estas condições”, sendo que “estas condições” estão referidas no primeiro parágrafo, pelo que, na expressão “restantes caraterísticas” referidas no segundo parágrafo as mesmas só podem corresponder às que não constam do primeiro parágrafo, caso contrário o autor do despacho não teria necessidade de utilizar esta expressão (por ser meramente redundante e sem qualquer efeito útil). 
  6. As restantes caraterísticas só podem ser as que não estão referidas no primeiro parágrafo, como sejam o peso bruto, a tara, a potência, o número de lugares, o número de eixos dos motores, etc., pois só esta interpretação assegura que se tome em consideração o mesmo veículo para efeitos de tributação no período transitório (último quadrimestre de 2018), até à entrada em vigor do OE/2019 que adequou a tributação às novas emissões WLTP.
  7. Ou seja, a possibilidade de indicar o último valor conhecido de emissões de CO2 – NEDC –, no período compreendido entre 1 de setembro de 2018 e de 31 de dezembro de 2018 para veículos que tenham obtido homologação técnica anteriormente a 1 de setembro de 2017 e relativamente aos quais, em resultado exclusivamente da mediação de emissões de CO2 de acordo com o sistema WLTP, tenha sido criada uma nova versão/variante, fica dependente do facto de se manterem inalteradas as caraterísticas e designação comercial do veículo, termos em que a constatação de alteração (por exemplo) do peso bruto ou da tara do veículo na nova versão ou variante, inviabiliza desde logo a adoção do ultimo valor NEDC conhecido para efeitos de tributação.  
  8. Caso vingasse a interpretação da Requerente, de que as restantes caraterísticas são (só e apenas) as referidas no primeiro parágrafo, seria possível tomar em consideração as emissões de CO2 NEDC de um veículo diferente (com outra tara como é o caso do presente processo, outra potência, etc.), o que permitiria liquidar o imposto tendo por base emissões de CO2 substancialmente diferentes das do veículo que se pretende tributar, pondo em causa a correta perceção da prestação tributária e nessa medida, adulterando o sentido e o objetivo do despacho, deixando à livre discricionariedade dos operadores a escolha de um veículo com as caraterísticas que melhor se adequassem à carga fiscal que pretendessem suportar, o que se afigura destituído de qualquer sentido.
  9. Deste modo, só poderá concluir-se que esta é a interpretação suscetível de assegurar que se tome em consideração o mesmo veículo para efeitos de tributação, a fim de manter o imposto da componente ambiental no período transitório (último quadrimestre de 2018), até à entrada em vigor do OE/2019 que adequou a tributação às novas emissões de WLTP, aplicando-lhe a base tributável constante do artigo 4.º, do CISV, que tem subjacente as emissões referentes ao ciclo de testes NEDC.
  10. Deve reconhecer-se que, ao permitir que veículos detentores de caraterísticas diferentes, tenham igualdade de tratamento na aplicação do despacho do Sr. SEAF, seria promover a violação, desde logo, do princípio da igualdade e da própria segurança jurídica, pois tal permissão conduziria à imprecisão/imprevisibilidade na aplicação do supracitado despacho.
  11. Ao deixar ao livre arbítrio dos operadores a possibilidade de escolha de um veículo com caraterísticas mais vantajosas em termos fiscais, iria criar, igualmente, discriminações arbitrárias o que colidiria com o princípio da segurança jurídica, pois não haveria um mínimo de certeza, previsibilidade e estabilidade nas relações jurídicas, violando assim, a confiança que a Administração deve pôr na estabilidade dessas relações jurídicas, promovendo a segurança dos direitos das pessoas e as expetativas juridicamente criadas.
  12. A tara do veículo consta da homologação técnica, e faz parte das caraterísticas técnicas do veículo.
  13. O peso bruto, no qual se inclui a tara, é um elemento estruturante para efeitos de classificação fiscal de veículos e de incidência objetiva, conforme resulta desde logo do disposto no artigo 2.º, do CISV, e sabendo que o mesmo influencia o nível de emissões de CO2 dos veículos, teremos de reconhecer e considerar que de igual modo a tara constitui elemento suscetível de relevar para efeitos de determinação do nível de emissões de CO2 dos veículos (elemento que se encontra inscrito nos documentos técnicos dos veículos).
  14. Qualquer alteração no peso bruto e tara que possam influenciar as emissões de CO2 do veículo e, consequentemente, determinando uma tributação diferente do veículo, tem de ser considerada como caraterística fiscalmente relevante.
  15. O objetivo do referido despacho consistiu em evitar o aumento abrupto da tributação dos veículos, resultante da mudança do sistema de testes de CO2 de NEDC para WLTP, tendo a solução passado por tributar as últimas emissões de CO2 de NEDC conhecidas para o mesmo veículo, permitindo-se uma alteração, apenas, da variante e da versão, e, ainda assim, desde que se comprovasse que tais alterações resultavam exclusivamente do novo sistema de testes WLTP; Remetendo o despacho para a homologação técnica do veículo onde constam as caraterísticas técnicas do veículo, as quais são “descarregadas” na DAV, nos dados referentes ao veículo, quando solicitada a respetiva introdução do veículo no consumo e atribuição de matrícula.
  16. É consabido, que um veículo cujas caraterísticas técnicas ostentem uma tara/peso bruto superior comparativamente a outro veículo da mesma marca, modelo, cilindrada e tipo de combustível, necessariamente que esse veículo, devido ao aumento do peso bruto, gerará emissões de CO2 superiores às de um veículo idêntico com tara e peso bruto inferiores.
  17. Pois que segundo as regras da experiência comum, a relação entre a carga e a velocidade de rotação do motor e o respetivo consumo específico, valores de emissão de poluentes, potência e binário, condução, condições climatéricas e condições topográficas, se a carga aumenta, o consumo e as emissões poluentes também aumentam.
  18.  Logo, a tara e o peso bruto do veículo têm impacto direto nas emissões de CO2, pelo que, no caso dos autos, não se mostra cumprido o 2.º parágrafo do ponto 3, do despacho.
  19. A AT ao considerar a tara e o peso bruto para efeitos fiscais, aplica o valor fixo constante da HT – nacional, que receciona o respetivo COC do veículo, os quais são comunicados à AT pelo IMT, I.P através do número de homologação técnica atribuída ao veículo em apreço pela entidade competente e que é indicada na DAV pelo operador aquando da introdução no consumo dos veículos; Para a AT é irrelevante a existência de intervalos de valores, dado que, são considerados os dados técnicos objetivos constantes da homologação técnica do veículo, sendo estes os valores a considerar para efeitos de tara e peso bruto do veículo.
  20. A interpretação da Requerente viola os princípios estruturais do Estado de Direito, pelo que enfermaria de inconstitucionalidade.
  1. SANEAMENTO
  1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
  2. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
  3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
  4. Não foram suscitadas exceções de que deva conhecer-se.
  5. O processo não enferma de nulidades.
  6. Inexiste, deste modo, quaisquer obstáculos à apreciação do mérito da causa.

 

III. MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade anónima que pertence ao atual Grupo H..., que se dedica, em especial, à importação de veículos fabricados pelas entidades que compõem o Grupo H... .
  2. No âmbito da sua atividade, a Requerente procedeu à introdução no consumo de 122 (cento e vinte e dois) veículos (Cf. Anexo III do Relatório Final da Ação Inspetiva, cujo teor se dá por reproduzido).
  3. A Requerente procedeu à entrega, junto da AT, das declarações aduaneiras de veículo (“DAV’s”), relativas às 122 (cento e vinte e duas) viaturas aqui sindicadas (Cf. Documentos juntos aos autos pela Requerida, em 24.04.2023 e 27.04.2023, cujo teor se dá por reproduzido).
  4. A cada veículo corresponde um certificado de conformidade (“COC”), que inclui informações específicas individualizadas, tais como, o VIN, a identificação do fabricante, o número de aprovação do modelo, as especificações técnicas, as dimensões, as emissões, o número de homologação CE (e respetiva data de emissão), entre outros dados relevantes (Cf. Documentos constantes do PA, cujo teor se dá por reproduzido).
  5. A Alfândega do Jardim do Tabaco instaurou à ora Requerente uma ação de natureza fiscalizadora que consubstanciou o procedimento inspetivo interno, a que foi atribuído o n.º DI 2018..., com vista ao controlo do movimento declarativo dos veículos cujas DAV’s foram liquidadas no último quadrimestre de 2018, de modo a fiscalizar o cumprimento dos pressupostos de aplicação do regime transitório previsto nos despachos números 348/2018-XXI de 1 de agosto de 2018 e 375/2018-XXI de 31 de agosto de 2018, ambos do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (doravante “SEAF).
  6. Por ofício n.º NIF ..., de 01.07.2019, a Alfândega do Jardim do Tabaco notificou a Requerente do Projeto de Conclusões do Relatório da Ação Fiscalizadora, para efeitos do exercício do direito de audição prévia (Cf. Documentos constantes do PA, cujo teor se dá por reproduzido).
  7. A resposta à audição prévia da Requerente, datada de 12.07.2019, foi rececionada pela Alfândega do Jardim do Tabaco, em 30.07.2019 (Cf. Documentos constantes do PA, cujo teor se dá por reproduzido).
  8. Em 31.01.2022, por ofício n.º ..., da Alfândega do Jardim do Tabaco, foi a Requerente notificada do conteúdo do Relatório final da Ação Fiscalizadora, bem como, da decisão final que sobre a mesma recaiu, do mesmo constando, como anexo III, a lista de viaturas identificadas (Cf. Documentos constantes do PA, cujo teor se dá por reproduzido).
  9. O aludido ofício foi pela Requerente, rececionado, em 02.02.2022 (Documentos constantes do PA, cujo teor se dá por reproduzido).
  10. Concluiu a Alfândega do Jardim do Tabaco, no seu Relatório Final da Ação Fiscalizadora, que foram objeto de incorreta declaração das emissões de CO2, cento e vinte e dois veículos – Lista constante do ponto III.5. do aludido Relatório –, o que é suscetível de afigurar a prática de infração fiscal aduaneira por violação do artigo 4.º, n.º 1, al. a), do Código do Imposto sobre Veículos (doravante “CISV”) com a interpretação dada pelos despachos números 348/2018-XXI de 1 de agosto de 2018 e 375/2018-XXI de 31 de agosto de 2018, ambos do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, punível através do disposto no artigo 109.º, n.º 3, alínea e) do Regime Geral das Infrações Tributárias.
  11. De acordo com o proposto no ponto VI.2. do Relatório Final e, por despacho de 31.01.2022, do Diretor da Alfândega do Jardim do Tabaco, procedeu-se à liquidação da dívida, no montante total de €126.147,10 (cento e vinte seis mil e cento e quarenta e sete euros e dez cêntimos), referente a apenas 119 (cento e dezanove) veículos, uma vez que 3 (três) das 122 (cento e vinte e duas) geraram reembolso de imposto – conclusão favorável à Requerente –.
  12. Por ofício n.º NIF ..., de 03.08.2022, da Alfândega do Jardim do Tabaco, de acordo com o disposto n.º 1 do artigo 27.º do CISV, foi a Requerente notificada, em 05.08.2022, para proceder ao pagamento da obrigação tributária devida (Cf. Documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá por reproduzido).
  13. Em 29.09.2022, a Requerente procedeu à garantia do montante devido (Cf. Documentos constantes do PA, cujo teor se dá por reproduzido).  
  14. Em 18.11.2022, a Requerente apresentou o presente pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

III.2 FACTOS NÃO PROVADOS

Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não se considera provado:

  1. Que as homologações CE (homologações técnicas europeias) dos veículos aqui sindicados são anteriores a 01.09.2017.

III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matéria que julga provada e declarar, se for o caso, a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e Processo Tributário (doravante “CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (doravante “CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

O Tribunal arbitral considera provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados e dados como assentes, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e, a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

Já relativamente ao facto elencado no ponto A. dos factos não provados, a Requerente alega que as homologações técnicas europeias (CE) de todos os veículos aqui sindicados são anteriores a 01.09.2017, juntando para o efeito um documento, identificado como documento n.º 8, que consiste na seguinte listagem:

H. CE

DATA

TIPO TESTE

e1*2001/...

19-09-2014

NEDC

e1*2001/...

28-11-2014

NEDC

e1*2001/...

26-02-2015

NEDC

e1*2001/...

08-09-2015

NEDC

e1*2001/...

03-12-2015

NEDC

e1*2001/...

24-02-2016

NEDC

e1*2001/...

21-07-2016

NEDC

e1*2001/...

02-01-2017

NEDC

e1*2001/...

27-04-2017

NEDC

e1*2001/...

30-06-2017

NEDC

e1*2001/...

19-04-2018

* NEDC_2 / * WLTP

e1*2001/...

29-06-2018

WLTP

e4*2007/...

05-01-2015

NEDC

e4*2007/...

09-03-2015

NEDC

e4*2007/...

03-07-2015

NEDC

e4*2007/...

26-11-2015

NEDC

e4*2007/...

05-08-2016

NEDC

e4*2007/...

03-10-2016

NEDC

e4*2007/...

20-10-2016

NEDC

e4*2007/...

05-12-2016

NEDC

e4*2007/...

10-03-2017

NEDC

e4*2007/...

21-04-2017

NEDC

e4*2007/...

30-06-2017

NEDC

e4*2007/...

04-08-2017

NEDC

e4*2007/...

04-09-2017

NEDC

e4*2007/...

12-03-2015

NEDC

e4*2007/...

03-08-2015

NEDC

e4*2007/...

20-11-2015

NEDC

e4*2007/...

18-07-2016

NEDC

e4*2007/...

09-09-2016

NEDC

e4*2007/...

21-04-2017

NEDC

e4*2007/...

30-06-2017

NEDC

e4*2007/...

14-07-2017

NEDC

e4*2007/...

23-03-2018

* NEDC_2 / * WLTP

e4*2007/...

01-06-2018

* NEDC_2 / * WLTP

e4*2007/...

28-04-2015

NEDC

e4*2007/...

15-07-2015

NEDC

e4*2007/...

21-08-2015

NEDC

e4*2007/...

28-12-2015

NEDC

e4*2007/...

07-10-2016

NEDC

e4*2007/...

15-12-2016

NEDC

e4*2007/...

21-04-2017

NEDC

e4*2007/...

26-05-2017

NEDC

e4*2007/...

30-06-2017

NEDC

e4*2007/...

19-01-2018

* NEDC_2 / * WLTP

e4*2007/...

25-05-2018

* NEDC_2 / * WLTP

e4*2007/...

23-07-2015

NEDC

e4*2007/...

04-11-2015

NEDC

e4*2007/...

08-01-2016

NEDC

e4*2007/...

19-02-2016

NEDC

e4*2007/...

05-04-2016

NEDC

e4*2007/...

12-07-2016

NEDC

e4*2007/...

02-09-2016

NEDC

e4*2007/...

09-12-2016

NEDC

e4*2007/...

21-04-2017

NEDC

e4*2007/...

30-06-2017

NEDC

e4*2007/...

14-07-2017

NEDC

e4*2007/...

31-08-2017

NEDC

e4*2007/...

12-04-2018

* NEDC_2 / * WLTP

e4*2007/...

20-06-2018

* NEDC_2 / * WLTP

e4*2007/...

18-04-2017

NEDC

e4*2007/...

31-05-2017

NEDC

e4*2007/...

30-06-2017

NEDC

e4*2007/...

06-10-2017

NEDC

e4*2007/...

02-05-2018

* NEDC_2 / * WLTP

e4*2007/...

15-06-2018

* NEDC_2 / * WLTP

e8*2007/...

27-02-2017

NEDC

e8*2007/...

02-05-2017

NEDC

e8*2007/...

13-06-2017

NEDC

e8*2007/...

25-08-2017

NEDC

e8*2007/...

03-10-2017

* NEDC_2 / * WLTP

e8*2007/...

13-11-2017

?

e8*2007/...

04-05-2018

?

e8*2007/...

18-07-2018

?

Analisado o dito documento, conclui-se que o mesmo, apenas indica, para o que aqui releva, o número de 74 (setenta e quatro) homologações CE (e respetivas datas de emissão), mas, não faz qualquer referência a que veículo ou a que grupo de veículos corresponde cada uma.

Ou seja, o documento junto aos autos pela Requerente não permite fazer a correlação entre cada homologação CE indicada na aludida listagem e cada VIN[1] (número de identificação de um veículo especificado ou número de chassis) constante do relatório de inspeção tributária (nomeadamente no seu ponto III.5.); o que, em bom rigor, impede o Tribunal Arbitral de apurar em que data foram, efetivamente, emitidas as homologações CE das ditas viaturas.

Por outro lado, mesmo que o Tribunal Arbitral se socorra da restante documentação junta aos autos, designadamente, dos diversos certificados de conformidade – dos quais consta, para além do mais, o número da homologação CE (e respetiva data de emissão) de cada veículo –, a verdade é que apenas 4 (quatro) dizem respeito a viaturas indicadas no relatório de inspeção tributária (ponto III.5.), a saber:

  1. veículo com o VIN: W0VZT... – o qual nem sequer se discute nos presentes autos, por ter gerado reembolso –;
  2. veículo com o VIN: W0V7H..., com homologação CE e4*2007/...emitida em 24.08.2018;
  3. veículo com o VIN: W0V7H..., com homologação CE e4*2007/...emitida em 24.08.2018;
  4. veículo com o VIN: W0VBD..., com homologação CE e4*2007/...emitida em 28.06.2018; Note-se, que esta homologação CE consta, efetivamente, da listagem da Requerente; Contudo, a própria Requerente indica como data de emissão, uma data posterior a 01.09.2017.

Do exposto, conclui-se que 3 (três) veículos obtiveram a sua homologação CE após 01.09.2017 e que as restantes 116 (cento e dezasseis) viaturas não têm qualquer documento de suporte junto aos autos que permita aferir a respetiva data de homologação CE.

Ora, nos termos do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (doravante “LGT”), o ónus da prova de que as homologações CE dos veículos aqui sindicados foram emitidas antes de 01.09.2017, impendia sobre a Requerente, pois, recai sobre o sujeito passivo o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação da liquidação, o que aquela não fez.

Aliás, a Requerente teve mais do que uma oportunidade para vir aos autos juntar documentos de suporte no que a esta questão respeita; a primeira com o articulado inicial e a segunda aquando da notificação efetuada na reunião, a que alude o artigo 18.º do RJAT, na qual o Tribunal Arbitral peticionou pela junção aos autos dos certificados de conformidade correspondentes a cada veículo.

Desta feita, como referiu, e bem, a AT, “(...) a requerente não logra comprovar o que alega. (...)”, pelo que se dá como não assente o facto elencado no ponto A. dos factos não provados.

Por fim, refira-se, que o depoimento das testemunhas inquiridas não logrou provar factos suscetíveis de influenciar a decisão da causa.

  1. MATÉRIA DE DIREITO

IV.1 APRECIAÇÃO

Conforme resulta da factualidade exposta, a questão controvertida prende-se, em exclusivo, com a verificação (ou não) dos pressupostos de aplicação do segundo parágrafo, do número três, do Despacho n.º 348/2018-XXI, de 01.08.2018 (retificado pelo despacho n.º 375/2018-XXI, de 31.08.2018), emitido pelo SEAF, aos 119 (cento e dezanove) veículos introduzidos no consumo, pela Requerente, no período relativo ao último quadrimestre de 2018.

Contudo, antes de entrarmos na apreciação do âmbito de aplicação do mencionado despacho – o qual veio clarificar a forma de aplicação das normas tributárias existentes, em sede de ISV, durante o último quadrimestre de 2018, em virtude da alteração da metodologia utilizada na medição de CO2 dos veículos (substituição do sistema NEDC pelo sistema WLTP, que entraria em vigor com a Lei do Orçamento de Estado para 2019[2] – 01.01.2019 –), importa fazer uma breve referência ao enquadramento jurídico do presente imposto.

O ISV é um imposto interno não harmonizado, que se encontra previsto no Código do Imposto Sobre Veículos (doravante “CISV”) – aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 27 de junho, aplicável à data dos factos – e “obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária” (cf. artigo 1.º, do citado diploma).

No que respeita à incidência objetiva, subjetiva e base tributável do aludido imposto, consagram, respetivamente, os artigos 2.º, 3.º e 4.º, todos do CISV, o seguinte:

Artigo 2.º

Incidência Objetiva

1 – Estão sujeitos ao imposto os seguintes veículos:

  1. Automóveis ligeiros de passageiros, considerando-se como tais os automóveis com peso bruto até 3500Kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, que se destinem ao transporte de pessoas;

(...)

Artigo 3.º

Incidência Subjetiva

1 – São sujeitos passivos do imposto os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares, tal como definidos no presente código, que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando-se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos.

(...)

Artigo 4.º[3]

Base Tributável

“(...)

1 – O imposto sobre veículos possui natureza específica, sendo a sua base tributável constituída pelos seguintes elementos, tal como constante do respetivo certificado de conformidade:

  1. Quanto aos automóveis de passageiros, de mercadorias e de utilização mista, tributados pela tabela A, a cilindrada, o nível de emissões de dióxido de carbono (CO2 (índice 2)) relativo ao ciclo combinado de ensaios e o nível de emissões de partículas, quando aplicável;

(...)

(sublinhado e negrito nosso)

Da análise dos citados preceitos normativos, e considerando a factualidade descrita nos presentes autos, resulta, claro, que a Requerente é sujeito passivo de ISV, sendo a base tributável deste imposto constituída, para além do mais, por uma componente ambiental, o nível de emissões de dióxido de carbono (CO2).

Com efeito, desde as últimas décadas que a União Europeia tem vindo a implementar e a aperfeiçoar uma estratégia comunitária de redução das emissões de CO2 dos veículos automóveis, em virtude dos efeitos nefastos que estas causam ao meio ambiente.

Em obediência às preocupações europeias, de carácter ambiental, o Estado Português consagrou um modelo de tributação automóvel, que no estrito respeito pelos princípios comunitários, se encontra em harmonia com o espírito do artigo 191.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”) e demais normativos comunitários, tendo por fim último a proteção do ambiente, na medida em que a tributação das emissões de CO2 nos veículos novos e usados consiste numa ação preventiva, destinada a evitar a deterioração do ambiente, sujeitando os consumidores ao pagamento de um valor de imposto que depende do grau de emissões de CO2, de modo a direcionar as escolhas dos consumidores.

Assim, a filosofia do imposto automóvel português decorre do princípio da equivalência, previsto no artigo 1.º do CISV e já transcrito supra, bem como do princípio do poluidor pagador, uma vez que quanto maior for o nível de emissões de CO2, maior será o montante de imposto a pagar, porquanto, nos termos do artigo 4.º do citado diploma, a base tributável é constituída, para além do mais, pela componente ambiental (emissões de CO2).

Logo, pode-se dizer que a componente ambiental representa o custo do impacto ambiental, ou seja, o montante que os consumidores pagam ao Estado destina-se a compensar os efeitos nocivos que o veículo automóvel causa ao meio ambiente, sendo que esse valor é progressivo em função das emissões de CO2.

Neste quadro, e para serem comercializados, tornou-se indispensável que os veículos automóveis realizassem uma série de testes a fim de verificar a sua conformidade com a regulamentação comunitária, o que veio a acontecer, a partir de 1992, com a implementação do método denominado “Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado” – “New European Driving Cycle” – (doravante “NEDC”) –, e depois substituído pelo método, ora em vigor, o chamado “Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros” – “Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure” – (doravante “WLTP”) –.

No que concerne aos métodos de medição, consistindo embora, ambos os métodos – NEDC e WLTP –, protocolos internacionais que determinam os consumos e emissões de CO2 de um veículo com vista à sua homologação, prosseguem, porém, caminhos diferentes em ordem à obtenção daqueles resultados, pelo que os dados finais são, também, distintos.

Pois, ao contrário do antigo método de medição – NEDC –, o novo método – WLTP –, atualmente em vigor, toma em linha de conta as especificidades de cada veículo, incluindo todos os equipamentos opcionais, ao mesmo tempo que são tidas em consideração as condições reais de circulação, o que influencia o consumo de combustível e emissões de CO2, sendo a mesma significativa, pelo que se obtêm valores de CO2 mais precisos.

O ciclo NEDC tinha a duração de vinte minutos, uma distância de 11 Km, a condução era efetuada em duas fases (66% urbana e 34% extra urbana), a velocidade média era de 34 Km/h, a velocidade máxima era de 120 Km/h, as opções do veículo e o seu impacto nas emissões regulamentadas (CO, HC, Nox, Partículas) e no consumo expresso em CO2 não eram tidas em conta, a passagem de caixa (caixa manual) era pré-determinada e fixa e as medições eram realizadas a temperaturas entre os 20ºC e 30ºC.

Por sua vez, o ciclo WLTP tem uma duração e uma distância superior (30 minutos e 23 Km, respetivamente), as velocidades média e máxima aumentaram (46 Km/h e 131 Km/h, respetivamente), a temperatura foi reduzida, as fases de testes são mais variadas (menos paragens e consequente redução da influência do sistema “Stop&Start”) e os resultados são apresentados para cada veículo em específico, em vez de valores por modelo/versão/motorização.

Assim, tendo-se apurado que o novo método de medição – WLTP – originou um aumento generalizado dos valores de CO2 oficiais até então apresentados pelas marcas, o legislador europeu implementou um regime transitório, de modo a que a aplicação deste novo método fosse introduzida gradualmente, visando garantir a estabilidade e a segurança jurídica no mundo complexo do mercado automóvel.

Para o efeito, destaca-se o Regulamento (UE) n.º 2017/1151, da Comissão, de 01.06.2017 – regulamento que completa o Regulamento (CE) n.º 715/2007 relativo à homologação de veículos a motor no que respeita às emissões de veículos ligeiros de passageiros e comerciais (Euro 5 e Euro 6) e ao acesso à informação relativa à reparação e manutenção de veículos) –, o Regulamento (UE) n.º 2017/1152, da Comissão, de 02.06.2017 e o Regulamento de Execução (UE) n.º 2017/1153, da Comissão, de 02.06.2017, que“(...) de modo a ter em conta a diferença entre os níveis de emissões de CO2 medidos pelo atual procedimento NEDC e pelo novo método WLTP, (...), estabeleceu uma metodologia para determinar os parâmetros de correlação necessários para refletir a mudança no procedimento de ensaio regulamentar.

Este último Regulamento estipulou, ainda, “uma introdução progressiva do WLTP, começando com os novos modelos de veículo a partir de 1 de setembro de 2017 e passando a todos os veículos a partir de 1 de setembro de 2018. A partir de 1 de setembro de 2019, quando também os veículos de fim de série tiverem sido progressivamente retirados do mercado, todos os veículos novos colocados no mercado da União serão ensaiados pelo método WLTP. Durante esse período, justifica-se continuar a verificar o cumprimento dos objetivos de emissões específicas utilizando os valores das emissões de CO2 baseados no NEDC.

Nesta senda, foi, assim, aconselhado pela Comissão Europeia que todos os países membros implementassem medidas para que o valor dos impostos não aumentasse abruptamente, em virtude da mudança de método de medição das emissões de CO2, vindo o Despacho n.º 348/2018-XXI, de 01.08.2018 (retificado pelo despacho n.º 375/2018-XXI, de 31.08.2018), emitido pelo SEAF, a ser fruto dessa necessidade.

Em Portugal, o método de medição foi alterado em 2017, tendo-se tornado obrigatório o sistema WLTP para as homologações[4] técnicas de novos modelos a partir de 1 de setembro de 2017 e, ainda, para os veículos matriculados a partir de 1 de setembro de 2018, ainda que estes últimos já tivessem sido previamente homologados de acordo com o anterior sistema – NEDC –.

A partir de 1 de setembro de 2018 passaram a figurar obrigatoriamente nos certificados de conformidade[5] emitidos pelos fabricantes, os valores de CO2 apurados de acordo com o novo sistema de emissões WLTP, sendo estes significativamente superiores aos valores que resultavam do anterior regime de medição NEDC.

E, a par do valor de emissões de WLTP passou a figurar no certificado de conformidade o valor apurado de acordo com o procedimento de correlação.

Neste sentido, veio o ordenamento jurídico nacional, através do aludido despacho proferido pelo SEAF, clarificar a forma de aplicação das normas tributárias existentes, relativamente ao valor de CO2 tributável, no período transitório (último quadrimestre de 2018), até à entrada em vigor do Orçamento de Estado para 2019 – 01.01.2019 –, de modo a atenuar ou anular o impacto que o novo método teria no cálculo de ISV, se aplicado no imediato.

O dito despacho evidenciou, assim, a complexidade criada pelo novo sistema WLTP, porquanto tal sistema causaria um aumento abruto do preço da generalidade dos modelos automóveis, vendidos a partir de 1 de setembro de 2018, em virtude do acréscimo da carga fiscal, e implicaria, sempre, um ajustamento das atuais tabelas de ISV e de IUC.

Neste contexto, foi, ainda, necessário proceder à revisão do enquadramento legal, face à regulamentação Europeia, o que o Governo concretizou na redação dada aos artigos 284.º e 285.º da Lei do Orçamento de Estado para 2019, com vista à alteração do artigo 4.º do CISV, que passou a vigor na ordem jurídica a partir de 2019.

Vejamos, então, o teor do Despacho n.º 248/2018-XXI, do SEAF, de 01.08.2018 (proferido por delegação do S. Exº Ministro das Finanças, constante do Despacho n.º 9005/2017, DR II Série, n.º 197, de 12 de outubro de 2017), cujo teor se transcreve:

(...)

Tributação e Isenções Fiscais associadas ao nível de emissões de CO2 dos veículos automóveis – Nova Metodologia de Medição de emissões WLTP (WORLDWIDE HARMONISED LIGHT VEHICLE TEST PROCEDURE)

Considerando que a tributação automóvel, quer em sede de Imposto Sobre Veículos (ISV), quer em sede de IMPOSTO ÚNICO DE CIRCULAÇÃO (IUC), tem uma componente ambiental associada às emissões de CO2 dos veículos automóveis, e que várias isenções fiscais previstas no âmbito destes impostos são igualmente condicionadas a limites de emissões de CO2 de veículos;

Considerando que a fixação das taxas de ISV e de IUC, bem como dos limites para efeitos das isenções fiscais previstas nos respetivos Códigos, foram determinados pelo legislador em conformidade com os níveis de emissões de CO2 resultantes do sistema de medição de emissões então vigente: “Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado” (New European Driving Cycle – NEDC);

Tendo em conta que em 2017 foi alterada, através da regulamentação europeia, a metodologia utilizada na medição das emissões de CO2 dos veículos automóveis, tendo sido substituído o regime de ensaios NEDC pelo novo sistema Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure (WLTP), sendo o novo sistema de medições obrigatório para as homologações técnicas de novos modelos a partir de 1 de setembro de 2017, e para todos os veículos matriculados a partir de 1 de setembro de 2018, ainda que estes últimos já tivessem sido previamente homologados de acordo com o anterior sistema NEDC (“modelos antigos”);

Tendo, ainda, em conta que, desde 1 de setembro de 2017 e até à presente data, a tributação de veículos homologados na vigência do regime de medição de emissões NEDC continuou a ser efetuada com base nos valores de CO2 que resultavam dessas homologações e eram indicados nos respetivos Certificados de Conformidade, a coberto do Despacho n.º 305/2017-XXI, de 12 de julho, do então Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais;

Considerando, igualmente, que, a partir de 1 de setembro de 2018 passarão a figurar obrigatoriamente nos Certificados de Conformidade emitidos pelos fabricantes os valores de CO2 apurados de acordo com o novo sistema de medição de emissões WLTP (“Valores de CO2 WLTP), que serão significativamente superiores aos valores que resultavam do anterior regime de medição (NEDC), conforme resulta de estudos publicados pela Comissão Europeia, já que os veículos são testados de acordo com várias caraterísticas específicas que anteriormente não eram tidas em conta (incluindo os equipamentos extras) e em condições reais de circulação.

Considerando, igualmente, que a par do valor de emissões WLTP, figurará no Certificado de Conformidade o valor apurado de acordo com o procedimento de “correlação”, definido nos Regulamentos de Execução (UE) 2017/1152 da Comissão, de 2 de junho de 2017, e (UE) 2017/1153 da Comissão, de 2 de junho de 2017 (“Valores de CO2 NEDC”, também designado como “NEDC correlacionado”), ressalvando estes regulamentos que possam existir situações relativamente às quais a ferramenta de correlação não seja capaz de fornecer valores de emissões de CO2 suficientemente exatos e apresente desvios face aos valores declarados pelos fabricantes, permitindo-se, nesses casos, que estes solicitem a realização de ensaio físico do veículo, se tais desvios forem superiores a 4%;

No entanto, verifica-se que tanto para o WLTP, como para o NEDC correlacionado, ainda não existe informação sobre um universo alargado de veículos que permita determinar a exata medida em que o aumento do valor das emissões ocorrerá, por tipo de veículos (passageiros ou mercadorias, tipo de combustível, cilindrada);

Tendo, ainda, presente que a transição do sistema de medição de emissões NEDC para o sistema WLTP deve ser acompanhada de ajustamento das atuais tabelas do CISV e do CIUC, as quais foram aprovadas com o pressuposto do sistema de medição de emissões então existente (NEDC);

Mostrando-se necessária a clarificação da forma de aplicação das normas tributárias existentes no ordenamento jurídico interno em função do contexto acima descrito, bem como proceder à revisão do enquadramento legal em função da regulamentação europeia,

Determino o seguinte:

  1. A AT deve apresentar, nos âmbitos dos trabalhos de preparação do Orçamento de Estado para 2019, uma proposta de revisão das atuais tabelas de ISV e IUC e das normas que consagram isenções fiscais condicionadas aos limites de emissões de CO2, ajustando-se aos níveis de emissões decorrentes do novo sistema WLTP;
  2. No período compreendido entre 1 de setembro de 2018 e 31 de dezembro de 2018, e no que respeita aos veículos que tenham obtido a primeira homologação técnica posteriormente a 1 de setembro de 2017 (modelos novos), e apenas tenham sido testados de acordo com o novo sistema de medição de emissões WLTP, não existindo valores medidos de acordo com o anterior sistema NEDC para esses mesmos veículos, deverá ter-se em consideração, para efeitos de aplicação das taxas de ISV e IUC e das isenções no âmbito destes impostos que estejam condicionadas pelo nível de emissões de CO2, o valor apurado de acordo com o procedimento de “correlação” definido nos Regulamentos de Execução (UE) 2017/1152 da Comissão, de 2 de junho de 2017, e (UE) 2017/1153 da Comissão, de 2 de junho de 2017 (“Valores de CO2 NEDC”, também designado como “NEDC CORRELACIONADO”), que figurará no Certificado de Conformidade, a par do valor de emissões WLTP;
  3. No período compreendido entre 1 de setembro de 2018 e 31 de dezembro de 2018, sempre que estejam em causa veículos que já haviam obtido homologação técnica anteriormente a 1 de setembro de 2017, deverá ter-se em conta, para efeitos de aplicação das taxas de ISV e IUC e das isenções no âmbito destes impostos que estejam condicionadas pelo nível de emissões de CO2, o último valor conhecido de emissões de CO2 determinado de acordo com o ciclo combinado de ensaios realizados ao abrigo do “Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado” (New European Driving Cycle – NEDC”), relativo ao modelo, variante, versão, cilindrada e tipo de combustível do veículo em causa, em conformidade com a referida homologação;

No caso dos veículos que preencham estas condições mas relativamente aos quais tenha sido criada uma nova referência de “versão”, resultante exclusivamente da medição de emissões CO2 de acordo com o sistema WLTP, aplica-se o disposto no parágrafo anterior, desde que as restantes características e a designação comercial dos veículos se mantenham inalteradas.

  1. A AT, em articulação com o IMT, deve promover todas as diligências que se mostrem necessárias ao controlo do correto cumprimento deste despacho designadamente no que se refere ao ponto anterior, podendo esse controlo ser concomitante ou sucessivo.

(...)”

O segundo parágrafo do ponto três foi retificado, através do Despacho, também do SEAF, n.º 375/2018-XXI, de 31.08.2018, passando a sua redação a ser a seguinte:

(...) No caso dos veículos que preencham estas condições, mas relativamente aos quais tenha sido criada uma nova referência de “variante/versão”, resultante exclusivamente da medição de emissões de CO2 de acordo com o sistema WLTP, aplica-se o disposto no parágrafo anterior, desde que as restantes características e a designação comercial dos veículos se mantenham inalteradas.

Ora, o motivo de dissenso entre as partes prende-se, única e exclusivamente, com a aplicação do segundo parágrafo, do ponto três, à factualidade descrita nos autos; pois, enquanto à AT entende que os pressupostos exigidos em tal normativo não se encontram cumpridos na situação em apreço, a Requerente pugna pela sua aplicação, por considerar que os mesmos se encontram verificados.

Diz-nos o ponto três do despacho, no seu parágrafo segundo, que: “No caso dos veículos que preencham estas condições, mas relativamente aos quais tenha sido criada uma nova referência de “variante/versão”, resultante exclusivamente da medição de emissões de CO2 de acordo com o sistema WLTP, aplica-se o disposto no parágrafo anterior, desde que as restantes características e a designação comercial dos veículos se mantenham inalteradas.

Assim, para que se tenha em conta, para efeitos de aplicação das taxas de ISV, o último valor conhecido de emissões de CO2 determinado de acordo com o ciclo combinado de ensaios realizados ao abrigo do NEDC, exige-se, para além do mais, que estejam em causa veículos que tenham obtido homologação técnica anteriormente a 1 de setembro de 2017.

No que tange a este pressuposto, importa salientar, num primeiro momento, que tanto a Requerida (cf. ponto 6. da página 10 do relatório final de inspeção), como a Requerente estão de acordo que, para efeitos de aplicação do disposto no segundo parágrafo do ponto três do despacho, a data da homologação a ter em consideração é a data da homologação CE (homologação técnica europeia, válida em toda a União Europeia, aplicada a um modelo de veículo) e não a data da homologação nacional (trata-se de uma transcrição da homologação CE, sendo válida apenas para o território nacional e aplicada a um modelo de veículo), entendimento este que o Tribunal Arbitral também sufraga.

No entanto, e no sentido contrário à posição defendida pela Requerente, considera a AT que as homologações CE dos veículos aqui sindicados são posteriores a 2018. 

Na verdade, a Requerente, para fazer prova do que alega, limita-se a juntar aos autos um documento, identificado como documento n.º 8, que consiste numa listagem, listagem essa que nada acrescenta ao apuramento da efetiva data das homologações CE das viaturas em apreço.

Este documento apenas indica o número de 74 (setenta e quatro) homologações CE (e respetivas datas de emissão), mas, não faz qualquer referência a que veículo ou a que grupo de veículos corresponde cada uma, o que impede, naturalmente, o Tribunal Arbitral de aferir em que data foram, efetivamente, emitidas as homologações CE das ditas viaturas.

Mais, de toda a documentação junta aos autos, designadamente, dos diversos certificados de conformidade, resulta que apenas 4 (quatro) dizem respeito a viaturas indicadas no relatório de inspeção tributária (ponto III.5.), todas com data de homologação CE do ano de 2018, portanto, posteriores a 01.09.2017.

Quanto às restantes 116 (cento e dezasseis) viaturas, não foi possível apurar as datas das homologações CE, pois, inexistem quaisquer documentos nos autos que indiquem aquelas datas.

Nos termos do artigo 74.º da Lei Geral Tributária (doravante “LGT”), o ónus da prova de que as homologações CE dos veículos aqui sindicados foram emitidas antes de 01.09.2017, impendia sobre a Requerente, pois recai sobre o sujeito passivo o ónus de provar os factos constitutivos do direito à anulação da liquidação, o que aquela não fez, nem por prova documental, nem por prova testemunhal.

Assim, não tendo a Requerente logrado fazer prova de que as homologações CE das viaturas em apreço são anteriores a 1 de setembro de 2017, ficam as mesmas, automaticamente, excluídas do âmbito de aplicação do 2.º parágrafo, do número três, do Despacho n.º 248/2018-XXI, do SEAF, de 01.08.2018, e, consequentemente, não beneficiarão, para efeitos de aplicação da taxa de ISV, do último valor conhecido de emissões de CO2 determinado de acordo com o ciclo combinado de ensaios realizados ao abrigo do NEDC.

Pois, a não verificação de um dos pressupostos indicados no 2.º parágrafo, do número 3, do Despacho n.º 248/2018-XXI, do SEAF, de 01.08.2018 – inviabiliza, desde logo, a sua aplicação, porquanto, a aludida norma circunscreve-se aos “veículos que já haviam obtido homologação técnica anteriormente a 1 de setembro de 2017”.

Desta feita, torna-se desnecessário avançar para a averiguação dos demais pressupostos contemplados no citado preceito, pelo que, ao abrigo da proibição da prática de atos no processo inúteis e desnecessários, prevista no artigo 130.º, do CPC, subsidiariamente aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões submetidas à apreciação deste Tribunal, designadamente, a de saber se a expressão “restantes características” constante do 2.º parágrafo do n.º 3, do referido despacho, se refere apenas às características elencadas no 1.º parágrafo do mesmo preceito ou a todas as características do veículo indicadas no COC (em especial a tara).

Por todo o exposto, falece a pretensão anulatória da Requerente o que acarreta, também, necessariamente, a improcedência do pedido de juros indemnizatórios.

V. DECISÃO

Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, absolver a Requerida do pedido.

VI. VALOR DA CAUSA

Fixa-se ao processo o valor de €126.147,10 (cento e vinte seis mil e cento e quarenta e sete euros e dez cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

VII. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €3.060,00 (três mil e sessenta euros), nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de julho de 2023

 

(Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT)

 

O Árbitro Presidente,

 

 

 

Victor Calvete

 

 

O Árbitro Adjunto,

 

                                                          

 

Vasco António Branco Guimarães

 

 

A Árbitra Relatora,

 

 

 

Susana Cristina Nascimento das Mercês de Carvalho

 

 



[1] Sigla da expressão inglesa “Vehicle Identification Number

[2] Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro.

[3] Na redação em vigor à data dos factos, 2018.

[4] É o procedimento através do qual uma entidade homologadora certifica que um modelo de veículo (ou um tipo de sistema, de componente ou unidade técnica), cumpre as disposições administrativas e os requisitos técnicos aplicáveis.

[5] O certificado de conformidade é uma declaração do fabricante em como determinado carro cumpre toda a legislação e todos os regulamentos em vigor na União Europeia, por exemplo, em matéria de emissões, de segurança, de reciclabilidade, entre outros. Neste documento estão registados todos os valores da homologação de um veículo ou chassis (pesos, massas, dimensões, consumos, emissões, potência do motor, etc.…).