SUMÁRIO:
Apenas são subsumíveis ao disposto no art. 66º-A, n.º 6, do EBF os subsídios concedidos por entidades públicas a cooperativas quando se destinem a financiar o exercício de funções públicas que nelas hajam sido delegadas.
Não são abrangidos por esta isenção os subsídios públicos destinados a financiar a atividade económica corrente de uma cooperativa, não obstante o interesse e utilidade pública de uma tal atividade.
DECISÃO ARBITRAL
A..., com sede na ..., n.º ..., Lisboa, NIPC..., veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
I – RELATÓRIO
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O pedido
No requerimento inicial era peticionada a declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2021..., referente ao período de 2016-09-01 a 2017-08-31, e da liquidação de juros, ambas associadas à demonstração de acerto de contas n.º 2021 ... e à demonstração de compensação n.º 2021 ..., no montante global de € 173.535,12.
Na reunião a que se refere o artº 18º do RJAT, foi constatado um lapso na identificação do pedido, uma vez que tal liquidação decorreu apenas de tributações autónomas, que a Requerente não contestou. Pelo que, como consta da respetiva ata, esta pediu a alteração do pedido, “substituindo-o por um novo pedido conducente à anulação da desconsideração da isenção dos subsídios no valor de euros 228.370,26, valor este que entende ser o valor do pedido”.
Como resulta evidente do articulado inicial, a Requerente insurge-se contra correções desfavoráveis operadas pela Requerida à matéria coletável de IRC, relativas ao período atrás identificado, as quais não deram origem a liquidação de imposto, propriamente dito, uma vez que, mesmo após tais correções, se apurou um resultado tributável negativo.
O Representante da Requerida, na altura, reservou a possibilidade de se pronunciar sobre esta alteração ao pedido em sede de alegações escritas. Porém, no final da sessão, as partes prescindiram de tais alegações.
Tendo em conta que a correção solicitada corresponde exatamente à preconizada pela Requerida na sua resposta e ao facto de estar em causa um lapso manifesto, o tribunal aceita a alteração do pedido.
B) O litígio
Está em causa saber se subsídios recebidos pela B..., de que a Requerente é titular, se devem considerar abrangidos pela isenção prevista pelo art. 66º- A, nº 6, do EFB.
Não está em causa, como resulta da fundamentação das correções impugnadas, uma alegada isenção subjetiva, questão que aparece referida no RIT mas que, como esclarecido pelas partes na sessão a que se refere o art. 18º do RJAT, é objeto de outros processos.
A fundamentação das correções impugnadas circunscreve-se à não verificação de, apenas, um dos requisitos previstos em tal norma.
Transcrevemos da resposta apresentada pela Requerida:
4- Está em causa, especificamente o requisito que exige que os apoios e subsídios financeiros são atribuídos pelo Estado como “compensação pelo exercício de funções de interesse e utilidade públicas delegadas pelo Estado, porquanto, a sua não verificação constitui o fundamento da correcção à matéria colectável, no montante de €230.254,54[1] promovida pelos SIT, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que está na origem da alteração ao montante dos prejuízos fiscais declarados e contestados pela Requerente.
5- Delimita-se, portanto, a questão decidenda aos pressupostos de que depende a isenção de IRC consagrada pelo artigo 66.º-A, n.º 6, alínea a) que abrange: “Os apoios e subsídios financeiros ou de qualquer outra natureza atribuídos pelo Estado, nos termos da lei às cooperativas de primeiro grau, de grau superior ou às régies cooperativas como compensação pelo exercício de funções de interesse e utilidade públicas delegadas pelo Estado;”
Para a Requerida, a questão reconduz-se a uma prova de factos. Transcrevemos o constante dos nº 26, 27 e 28 da “resposta”:
26 - i.e., a Requerente alega factos que servem de fundamento e que substancialmente configuram a alegada posição jurídica de que se arroga, sem que o prove.
27. E é à parte que alega determinados factos que compete fornecer a demonstração da realidade dos factos alegados, necessários à procedência do pedido por si deduzido em juízo. Com efeito, repristinando o disposto do art.º 74.º, n.º 1 da LGT, impendia sobre a Requerente o ónus de comprovar que os apoios financeiros concedidos se destinaram a financiar actividades de interesse público cometidas pelo Estado, o que não logrou fazer de forma cabal e com o necessário detalhe, como afirmado no RIT.
28. O que a ora Requerente não logrou fazer.
Adiante se analisará qual o concreto “objeto” deste ónus da prova.
C) Tramitação processual
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 12-12-2022.
Os árbitros que constituem este Tribunal foram designados, nos termos legais, pelo CAAD, aceitaram tempestivamente as nomeações, as quais não foram objeto de impugnação.
O tribunal arbitral ficou constituído em 20-02-2023.
A Requerida apresentou resposta e juntou o PA.
As testemunhas foram ouvidas em sessão de 29-05-2023, conforme conta da respetiva ata, tendo sido gravados os seus depoimentos.
Com acordo das partes foi dispensada a produção de alegações.
II – SANEAMENTO
O processo não enferma de nulidades ou de irregularidades.
Não foram alegadas exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
III – PROVA
III.1 - Factos Provados
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Consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é titular da B..., instituição de natureza universitária, legalmente autorizada para exercer tal atividade, com reconhecimento de interesse público publicado pelo Decreto-Lei n.º 92/98, de 14 de abril.
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Por ter decidido alterar o seu período de tributação, a Requerente por referência ao ano de 2016, entregou duas Declarações Modelo 22 de IRC (“DM22”): (i) a primeira para o período compreendido entre de 1 de janeiro de 2016 e 31 de agosto de 2016; (ii) a segunda para o período compreendido entre 1 de setembro de 2016 e 31 de agosto de 2017.
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Em sede inspetiva foram feitas as correções à matéria coletável resumidas no quadro seguinte, do que resultou uma diminuição do prejuízo fiscal declarado, no montante total de € 228.370,26.
e) Tomando como referência os códigos identificativos dos protocolos em causa, constantes deste mapa na coluna “centro”, temos:
- PJ0004: subsídio concedido pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual destinado a apoio à formação de estudantes que frequentem estabelecimentos de ensino que ministrem cursos especializados na área do cinema e audiovisual, titulado pelo contrato junto como doc. 10[2].
- 002092: subsídio concedido pela Fundação para a Ciência e Tecnologia ("FCT") para financiamento a unidades de Investigação e Desenvolvimento ("I&D"), titulado pelo “termo de aceitação junto como doc. 11.
- 002431: subsídio concedido pela FCT para financiamento a unidades de I&D - Laboratório de Arquitetura - Centros de Estudo, titulado pelo “termo de aceitação” junto como doc. 12.
- 002437: subsídio concedido pela FCT para financiamento relativo a projetos de Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico, titulado pelo “termo de aceitação” junto como doc. 13.
- 002477: subsídio concedido pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, com um montante máximo de 128.212 euros, para financiamento referente a ações de formação no âmbito do projeto Vida Ativa, titulado pelo acordo de cooperação junto como doc. 14.
- 002520: trata-se de um subsídio concedido pela FCT para financiamento a unidades de I&D. - Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento, titulado pelo “termo de aceitação” junto como doc. 16.
- 002525: subsídio concedido pela FCT para financiamento a unidades de I&D - Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento, titulado pelo “termo de aceitação” junto como doc. 17.
- 002526: subsídio concedido pela FCT para financiamento a unidades de I&D - Centro de Pesquisa e Estudos Sociais, titulado pelo “termo de aceitação” junto como doc. 18.
- 002527: subsídio concedido pela FCT para financiamento a unidades de I&D - Centro de Investigação em Biociências e Tecnologias da Saúde, titulado pelo “termo de aceitação” junto como doc. 19.
- 002528: subsídio concedido pela FCT para financiamento a unidades de I&D - Centro de Investigação Ciência Política, Relações Internacionais e Segurança, titulado pelo “termo de aceitação” junto como doc. 20.
- 002529: subsídio concedido pela FCT para financiamento a unidades de I&D - Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Investigação em Ambiente, Gestão Aplicada e Espaço, titulado pelo “termo de aceitação” junto como doc. 21.
- 002530: subsídio concedido pela FCT para financiamento a unidades de I&D - Centro de Investigação em Comunicação Informação e Cultura Digital, titulado pelo “termo de aceitação” junto como doc. 22.
- 002540: subsídio concedido pela FCT para financiamento a unidades de I&D, titulado pelo “termo de aceitação” junto como doc. 23.
- 002543: subsídio concedido pela FCT para financiamento relativo a projetos de Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico, titulado pelo “termo de aceitação” junto como doc. 23.
- 002539: subsídio concedido pela Câmara Municipal de Oeiras para financiamento da realização de cursos de formação por parte da área de Ciência das Religiões, titulado pelo protocolo junto como doc. 24.
- 002544, 002545 e 002546: subsídios concedidos pelo Instituto Português do Desporto e Juventude no quadro de um Contrato-Programa de desenvolvimento Desportivo - Formação de Recursos Humanos, titulado pelos doc. 25, 26 e 27.
- 002554: subsídio concedido pela FCT para financiamento relativo a projetos de Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico, titulado pelo “termo de aceitação” junto como doc. 28.
- 002563: subsídio concedido pelo Alto Comissariado para as Migrações para Financiamento referente à promoção do empreendedorismo de estudantes internacionais, na área dos recursos humanos, titulado pelo doc. 29.
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A Requerente reclamou graciosamente de tais correções, reclamação que foi expressamente indeferida.
Os factos acima resultam da documentação junta aos autos, nomeadamente dos documentos que aparecem discriminados em e).
O depoimento das testemunhas – que, no entender deste tribunal, depuseram com verdade e conhecimento dos factos – foi esclarecedor, incidindo essencialmente sobre factos instrumentais relativos à orgânica da B..., às suas atividades principais (ensino e educação) e às atividades acessórias que realiza (prestações de serviços) e ao “enquadramento” de alguns dos subsídios em causa, nomeadamente os não concedidos pela FCT.
III.2 - Factos não provados
Não foi alegado nem feita prova da existência de uma qualquer delegação de funções e/ou poderes públicos a favor da Requerente.
IV - O DIREITO
1 - Está em causa, como já referido, a aplicabilidade do nº 6 do art. 66-A do EBF, o qual dispõe:
São isentos de IRC:
a) Os apoios e subsídios financeiros ou de qualquer outra natureza atribuídos pelo Estado, nos termos da lei às cooperativas de primeiro grau, de grau superior ou às régies cooperativas como compensação pelo exercício de funções de interesse e utilidade públicas delegados pelo Estado;
Mais concretamente, está em causa a parte final da norma.
A Requerente entendeu a fundamentação das correções efetuadas como referida à ausência de prova da origem e destino dos subsídios em causa. Daí ter junto numerosa documentação, nomeadamente a expressamente referida em e), destinada a provar serem as entidades concedentes entes públicos (Estado em sentido amplo) e destinarem-se tais subsídios a financiar as suas atividades essenciais (ensino universitário e investigação científica e tecnológica), prova que logrou totalmente.
Porém:
O raciocínio da Requerente é, sumariamente, o seguinte: os subsídios em causa foram atribuídos pelo Estado; destinam-se a financiar atividades de interesse e utilidade públicas (ensino universitário e investigação científica realizada no quadro universitário) que a lei permite que sejam levadas a cabo por particulares (universidades privadas); é uma cooperativa; logo, tais subsídios estão abrangidos pela isenção prevista no nº 6 do art. 66º-A do EBF.
Como já referido, a Requerente provou a origem pública dos subsídios e a sua afetação.
Este tribunal também não tem dúvidas em afirmar que o ensino e a investigação científica, mormente num quadro universitário, são atividades de interesse e utilidade públicas. Mas, por tal não estar aqui em causa (tal ser reconhecido na fundamentação do ato impugnada), é despicienda a fundamentação de tal entendimento.
Só que o raciocínio da Requerente como que dá por pressuposto (e não como um facto autónomo) aquilo que a Requerida entende que não ficou provado: que o ensino e investigação científica realizados pela B... (ou por uma qualquer outra universidade não pública) resultam de uma delegação por parte do Estado.
Ora, a falta de prova deste facto é o fundamento essencial das correções realizadas pela AT. Citamos de pág. 57 do RIT: por outro lado, quanto ao carácter de isenção dos subsídios em questão, o sujeito passivo apresenta um conjunto de contratos com diversas entidades, não demonstrando factualmente que a atribuição dos subsídios decorre do exercício de funções de interesse e utilidade públicas delegados pelo Estado, fator este preponderante para cumprimento de todos os requisitos essenciais à respetiva isenção. Fica apenas demonstrado que tais contratos decorrem antes de concursos públicos a que a A... se apresenta, predominantemente na área da investigação.
2- O que cumpre apurar é, pois, se o ensino e investigação universitários realizados por particulares, nomeadamente por uma cooperativa, correspondem a uma delegação de funções por parte do Estado.
A lei emprega a palavra funções (e não poderes) porquanto, rigorosamente, a delegação de poderes envolve dois diferentes órgãos da administração[3].
Estaremos, mais corretamente, perante a uma delegação de serviços públicos, figura que “tem em vista transferir para entidades particulares, embora aqui sem fins lucrativos, a gestão global de um serviço público de carácter social ou cultural”[4].
Mas, como também assinala a melhor doutrina[5], trata-se de uma figura em tudo semelhante à da delegação de poderes, apenas com a diferença de o delegado ser uma entidade particular. Substancialmente, estamos perante uma transferência de funções (a qual, normalmente, envolve também uma transferência de poderes) que, originariamente, seriam públicas.
Ora, a Requerente não alega a existência de uma qualquer delegação, a seu favor, de funções e/ou poderes públicos, mas tão só que exerce atividades de interesse público, o que – desde já adiantamos – é bem diferente.
3- Para existir uma delegação a particulares das tarefas de ensino (e investigação) universitário seria necessário que tais tarefas fossem, por princípio, um exclusivo do Estado (que o Estado reservasse para si o monopólio de tal ensino e investigação). E então, rigorosamente, estaríamos perante a figura da concessão e não da delegação.
É a própria CRP que, no seu artigo 75º, nº 2, expressamente reconhece o direito (“originário”) de os particulares realizarem ensino, serem titulares de estabelecimentos de ensino, de todos os níveis: O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei.
O Estado reconhece o ensino particular pela simples razão que aceita, como princípio fundamental do nosso sistema económico, a coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção;
e a liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista (art. 80 al. a) e b) da CRP.
Não pode pois haver uma delegação a particulares das tarefas (funções) de ensinar ou investigar pela simples razão que tais funções não são um monopólio estadual, o seu exercício é um direito que, “originariamente”, a CRP atribui aos particulares.
Como reza o preâmbulo do Estatuto do Ensino Superior Particular e Cooperativo (apesar de este diploma ter sido revogado, as considerações seguintes mantêm toda a atualidade): A Constituição da República reconhece a liberdade de aprender e a liberdade de ensinar como direitos fundamentais do cidadão. Em consequência, o texto constitucional atribui ao Estado a tarefa de garantir a liberdade de acesso dos cidadãos a todos os graus de ensino e, em especial, à universidade e demais instituições de ensino superior. Ora, o pleno exercício das liberdades fundamentais de aprender e de ensinar postula e exige, como condição instrumental, o direito a fundar escolas e de aí ministrar ensino. A garantia da liberdade de criação de escolas particulares e cooperativas, como conteúdo indispensável da liberdade de aprender e ensinar, não é, porém, dissociável da responsabilidade de fiscalização estatal em relação ao ensino particular e cooperativo. Esta incumbência do Estado de fiscalizar as escolas particulares e cooperativas pressupõe a fixação dos respectivos critérios de apreciação e concorre com a tarefa, também constitucionalmente prevista, de reconhecimento deste sector de ensino.
Diferentes do exercício do ensino e da investigação são, pois, os poderes implicados na existência de tais atividades (independentemente de serem prosseguidas por entes públicos ou privado). Tais poderes são, essencialmente, de acreditação, regulação, disciplina e fiscalização.
O exercício de tais poderes, no âmbito do ensino universitário, público e não público, continuam a ser monopólio estadual.
Hoje, é a Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro, Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, que regula o essencial do funcionamento do ensino superior, público e não público. Assim, nomeadamente, temos que as instituições de ensino superior e as suas unidades orgânicas, bem como as respetivas atividades pedagógicas e científicas, estão sujeitas ao sistema nacional de acreditação e de avaliação, nos termos da lei, devendo cumprir as obrigações legais e colaborar com as instâncias competentes (art. 147º); estão sujeitas aos poderes de fiscalização do Estado, (art. 148º); estão sujeitas à inspeção do ministério da tutela (art. 149º).
Quanto à delegação de poderes (competências), o artº 151º é expresso: o ministro da tutela pode delegar ou subdelegar competências no reitor ou presidente das instituições de ensino superior públicas (ou seja, não em entidades detidas por particulares).
Em resumo, a Requerente não logrou identificar quais as competências, poderes ou funções que lhe foram delegadas pelo Estado, reativas à sua atividade enquanto titular de estabelecimentos de ensino superior particular, pela simples razão que tal delegação não existe (não existe sequer lei habilitante).
Embora algo desnecessariamente, diremos que delegações de funções, envolvendo poderes públicos, existem relativamente a cooperativas inseridas noutros sectores. Exemplo paradigmático é a Cooperativa António Sérgio (uma cooperativa da qual o Estado é o principal cooperante) à qual os estatutos, legalmente aprovados, atribuem poderes públicos[6].
Relativamente a esta cooperativa, o Estado, à semelhança do que fez relativamente a associações de Direito Público com base corporativa como sejam as Ordens profissionais, delegou poderes públicos de regulamentação, fiscalização e disciplina, optando por como que uma auto-regulamentação do setor. Porque tais atividades implicam custos que não correspondem ao exercício de atividades económicas compreende-se que os financiamentos públicos ao exercício de tais funções (que, intrinsecamente, estão abrangidas pela noção de poderes públicos) aproveitem da isenção prevista no n.º 6 do art. 66º-A do EBF. Mas só este tipo de subvenções públicas.
Em resumo, a Requerente não alegou, nem foi feita prova, que a sua situação factual corresponde à previsão normativa, pelo que o seu pedido terá necessariamente que improceder.
4- Por último, agora em termos estritamente fiscais, salientar o irrazoável da pretensão da Requerente.
Os subsídios em causa revestem a natureza de subsídios à exploração, comparticipações públicas no financiamento da atividade corrente da Requerente (da B...), justificados pelo interesse público das atividades a que se destinam e pelo facto de tais atividades não gerarem proveitos suficientes para permitir a um particular prossegui-las (é o caso patente da investigação científica não aplicada).
Sendo subsídios à exploração constituem rendimentos fiscais (art.20º, n.º 1, al. j) do CIRC).
Por outro lado, as atividades em causa (os “projetos” subsidiados) implicam gastos, nomeadamente com pessoal, instalações, equipamentos e aquisições de bens e serviços.
Daí que, como explicitado pela primeira testemunha, a Requerente, na observância das regras contabilísticas e fiscais aplicáveis, contabilize como rendimento, em “centros de custos” individualizados com referência a cada “projeto” assim financiado ou co-financiado, o subsídio ou parte dele no mesmo exercício em que contabiliza os gastos associados. Havendo um financiamento total, o resultado será, em princípio, zero: o valor do proveito corresponderá ao dos custos. Estando em causa um co-financiamento, o resultado fiscal de tais “projetos” resultará num prejuízo, ou seja, na diminuição do lucro tributável da Requerente (referido à totalidade das atividades que exerce).
Entender que tais subsídios não são proveitos fiscais, por estarem isentos – como pretende a Requerente – implicaria aceitar fiscalmente os gastos (aceitação que não foi questionada no presente processo) e não aceitar, fiscalmente, os correspondentes proveitos, assim se empolando artificialmente, para menos, o lucro tributável (ou empolando artificialmente, para mais, o prejuízo fiscal), o que seria de todo incoerente com o nosso sistema de determinação do lucro tributável.
Ora, o julgador, ao interpretar a lei (no caso, ao interpretar a norma em causa no sentido de circunscrever o seu campo de aplicabilidade), tem que partir do princípio de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, n.º 3, do CC). O que, certamente, não aconteceria se fosse de sufragar o entendimento da Requerente.
Por último, temos que a aceitação do entendimento da Requerente colocaria, mesmo, questões de índole constitucional: podendo, legalmente, as entidades titulares de estabelecimentos de ensino superior particular que revistam outras formas jurídicas que não a de cooperativa, alegar que a isenção reclamada apenas seria aplicável às entidades com essa forma jurídica (estamos a tratar de um benefício previsto no EBF no capítulo XI intitulado “benefícios às cooperativas”) e não às demais. Haveria, então, que averiguar se a diferença na forma jurídica seria elemento diferenciador suficiente para legitimar um tratamento diferenciado, ao nível tributário, entre instituições de ensino superior particular. O que, pelo menos numa primeira abordagem, não nos pareceria ser constitucionalmente aceitável.
Em resumo: a proteção fiscal ao ensino, mormente ao ensino superior, acontece, entre nós, ao nível das taxas de IRC aplicáveis e não ao nível da desconsideração fiscal de rendimentos (subsídios) com a natureza de subvenções à exploração, o que representaria uma grave incoerência na determinação do lucro tributável. Desconsideração (isenção) que, para mais, apenas aconteceria relativamente às instituições de ensino superior tituladas por cooperativas.
V – DECISÃO ARBITRAL
Termos em que se conclui pela total improcedência do pedido formulado pela Requerente.
Valor: euros 228.370,25, tal como consta da ata da reunião a que se refere o art. 18º do RJAT,
Custas arbitrais, no montante de euros 4.284,00, a cargo da Requerente por ter sido total o seu decaimento.
23 de junho de 2023
Os árbitros,
Rui Duarte Morais (relator)
Jorge Belchior de Campos Laires
João Marques Pinto
[1] Algumas correções não foram impugnadas neste processo. Daí a divergência entre este montante e o valor do processo.
[2] A Requerente, em 29-05-2023, juntou aos autos a totalidade da documentação que havia apresentado aquando do exercício do direito de audição prévia, documentação que, por lapso, não integrou o PPA enviado a este tribunal arbitral. A numeração dos documentos a seguir referida é a que consta de tal “junção”.
Naturalmente que o tribunal apenas considerou, para a sua decisão, os documentos tidos por relevantes atento o tema a decidir.
[3] Por todos, Mário Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, 1980, pág. 268.
[4] Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo I, 2006, pág. 841.
[5] Marcelo Rebelo de Sousa, Lições de Direito Administrativo, I, 1999, pág. 196.
[6] Art. 4º, nº 4, de tais estatutos:
São, ainda, atribuições da Cooperativa António Sérgio:
a) Fiscalizar a utilização da forma cooperativa, com respeito pelos princípios e normas relativos à sua constituição e funcionamento;
b) Emitir, anualmente, credencial comprovativa da legal constituição e regular funcionamento das cooperativas;
c) Requerer, através do Ministério Público, junto do tribunal competente, a dissolução das cooperativas que não respeitem, na sua constituição ou no seu funcionamento, os princípios cooperativos, que utilizem sistematicamente meios ilícitos para a prossecução do seu objeto e que recorram à forma de cooperativa para alcançar indevidamente benefícios fiscais ou outros atribuídos por entidades públicas;
d) Requerer, junto do serviço do registo competente, o procedimento administrativo de dissolução das cooperativas cuja atividade não coincida com o objeto expresso nos estatutos;
e) Recolher os elementos referentes às cooperativas ou organizações do setor cooperativo que permitam manter atualizados todos os elementos que se lhes referem, designadamente, os relativos à sua constituição, à alteração de estatutos, às atividades desenvolvidas, aos relatórios anuais de gestão e de prestação de contas;
f) Assegurar, nos termos do Código Cooperativo, o procedimento de contraordenação e a aplicação de coimas.