Sumário:
I - Os conceitos de domicílio fiscal e de residente para efeitos de IRS não são sinónimos;
II - É] ponto assente que o conceito de residência não se confunde com o conceito de domicílio fiscal, definido no artigo 19º da LGT como local da residência habitual, pois que o conceito de domicílio fiscal não tem em vista determinar a lei tributária aplicável a certa situação, mas tão só fixar territorialmente os serviços (locais e regionais) da administração tributária competentes para lidar com o contribuinte no que se refere à sua situação tributária. - Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo: 00546/10.2BEVIS, de 17.09.2015.
III - Não se verificando, no ano a que os rendimentos respeitam, qualquer dos requisitos de que o artigo 16.º do Código do IRS faz depender a qualificação de Residente das pessoas singulares, não pode a pessoa em causa qualificar como Residente fiscal em Portugal.
IV – Não se encontra qualquer base legal que permita fundar a interpretação de que a residência fiscal só pode ser provada através de certificado de residência fiscal.
Decisão Arbitral
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RELATÓRIO
A..., contribuinte fiscal ..., com morada na rua ..., n.º ..., ..., ...-..., em ..., apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com o objectivo de obter a anulação do acto de liquidação de IRS n.º 2021/..., no montante total de €4.838,83 (quatro mil, oitocentos e trinta e oito Euros e oitenta e três cêntimos).
A 14 de Junho de 2023, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante AT, respondeu defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado.
Foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT).
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.
O processo não enferma de nulidades.
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MATÉRIA DE FACTO
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Factos provados
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O Requerente não apresentou declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS relativamente ao ano de 2017 dentro do prazo legal;
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De acordo com o Sistema de Gestão e Registo do contribuinte, o Requerente foi residente no Reino Unido desde 16.01.2013 até 6.07.2017;
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Em 7.07.2017, o Requerente alterou a sua morada para a casa dos pais, em Portugal, via cartão do cidadão.
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Em 15.11.2021, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2021 ... e correspondente liquidação de Juros Compensatórios n.º 2021..., que originou a Nota de Cobrança n.º 2021 ..., de valor a pagar no montante de €4.838,83, referente ao período de tributação de 2017.
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Por requerimento de 16.02.2022, o Requerente reclamou graciosamente da liquidação oficiosa emitida pela AT, à qual foi atribuído o número ...2022... .
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Por despacho da Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar ..., de 21.03.2022, o Requerente foi notificado, por ofício n.º ... de 21.03.2022, do projecto de indeferimento da reclamação graciosa;
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Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar ..., de 18.04.2022, o Requerente foi notificado por ofício n.º ... de 18.04.2022, do indeferimento da reclamação graciosa;
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Em 30.05.2022, o Requerente apresentou nova reclamação graciosa (número ...2022...), com o mesmo fundamento, a qual após a respectiva análise foi arquivada, a coberto do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar ..., de 08.06.2022, notificado pelo ofício n.º ..., de 08.06.2022.
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Em 14.06.2022, o Requerente interpôs recurso hierárquico (número ...2022...) da decisão de arquivamento da reclamação graciosa, registada sob o número ...2022... .
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Por despacho da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças do Porto, foi determinado a devolução do processo ao Serviço de Finanças de Gondomar ... para reapreciação das decisões proferidas nas reclamações ...2022... e ...2022..., por preterição de formalidade essencial, em virtude de não ter sido proferida qualquer decisão sobre o pedido de prorrogação de prazo para o exercício do direito de audição ao abrigo do artigo 60.º da LGT, deduzido no âmbito da aludida reclamação graciosa n.º ...2022... .
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Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar ..., de 04.11.2022, foi revogado o despacho de arquivamento da reclamação graciosa n.º ...2022..., com vista à reapreciação da pretensão do Requerente.
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Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar ..., de 07.11.2022, o Requerente foi notificado, por ofício n.º ... de 07.11.2022, nos termos do artigo 60.º da LGT, do projecto de indeferimento da reclamação graciosa;
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O Requerente exerceu o direito de audição prévia rebatendo os argumentos anteriormente expostos e juntando novos documentos.
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Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Gondomar ..., de 05.12.2022, foi o Requerente notificado, por ofício n.º ... de 05.12.2022, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa nos seguintes termos:
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De acordo com a HM Revenue&Customs, o Requerente foi residente fiscal, no Reino Unido, de 1.01.2017 a 31.12.2017;
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No ano 2017, o Requerente dispunha de contrato de arrendamento habitacional, em ..., ..., ...7RB;
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No ano 2017, o Requerente pagou o imposto municipal devido pelos residentes no Reino Unido;
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No ano 2017, o Requerente trabalhou como engenheiro para a empresa B..., de forma permanente no Reino Unido;
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A filha do Requerente, C... frequentou, no ano 2017, o estabelecimento de ensino “... School”, no Reino Unido;
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No ano 2017, o Requerente declarou os seus rendimentos no Reino Unido;
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O Consulado Geral de Portugal, em Londres, atestou que o Requerente residiu, com carácter permanente e contínuo, desde Janeiro de 2014 até Janeiro de 2018, no Reino Unido.
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O Requerente procedeu ao pagamento do acto de liquidação impugnado.
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A 2 de Março de 2023, o Requerente apresentou petição arbitral.
2. Fundamentação da fixação da matéria de facto
A matéria de facto foi selecionada de acordo com o disposto no artigo 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e artigo 607.º, n.º 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC).
Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.
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MATÉRIA DE DIREITO
Tendo em conta o pedido formulado, pretende-se neste processo esclarecer se o acto de liquidação adicional de IRS sub judice, deve ser anulado, por erro imputável à AT, considerando que o Requerente não foi residente fiscal, em Portugal, em 2017.
A este propósito, o Requerente alega no seu pedido de constituição do Tribunal Arbitral que, no ano 2017, foi residente fiscal no Reino Unido, aí tendo uma casa, uma filha a estudar e o seu trabalho. Para provar tais factos, o Requerente juntou um documento com o registo do seu trabalho, no Reino Unido (RU), de 2016 a 2018, contrato de arrendamento vigente em 2017, declaração de confirmação de morada no RU, notificação para pagamento de imposto municipal no RU, em 2017, declaração da entidade patronal sobre a sua prestação do seu trabalho no RU, em 2017, declaração de frequência da filha em escola no RU, no ano 2017, declaração de rendimentos apresentada no RU, em 2017 e, por fim, certificado de residência emitido pelo Consulado Geral de Portugal, em Londres, que atesta a sua residência no RU, de Janeiro de 2014 até Janeiro de 2018.
Por sua vez, a Requerida defende que, tendo o Requerente alterado a morada, via cartão do cidadão, para Portugal, em 7.07.2017, a partir dessa data presume-se que é residente fiscal, em Portugal, uma vez que indicou uma morada em Portugal, encontrando-se obrigado a declarar, em Portugal, todos os seus rendimentos.
Admitindo que a alegada presunção de residência fiscal, por via do cartão do cidadão, é ilidível, entende, contudo, a Requerida que só através da exibição de um certificado de residência fiscal, emitido pelo RU, nos termos do artigo 4.º da Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Reino Unido (CDT), poderia o Requerente ilidir tal presunção. Não tendo o Requerente apresentado o certificado de residência fiscal requerido, considera a AT que o acto de liquidação adicional de IRS é legal.
Vejamos:
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Da “Presunção” de Residência Fiscal
Nos termos do artigo 13.º, n.º 1, do Código do IRS: “[f]icam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos”.
Nesse seguimento, determina o artigo 15.º do mesmo código que:
“1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.
2 - Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português”.
Deste modo, estabelece-se o princípio da tributação pelo rendimento mundial para os residentes em território português, sem prejuízo dos mecanismos de eliminação de dupla tributação jurídica, decorrentes quer das CDT, quer da própria legislação interna.
O conceito de residência, para efeitos de IRS, consta, no direito interno, do artigo 16.º do Código do IRS, nos seguintes termos:
“1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:
a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados;
b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, em 31 de Dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual;
c) Em 31 de Dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.
2 - São sempre havidas como residentes em território português as pessoas que constituem o agregado familiar, desde que naquele resida qualquer das pessoas a quem incumbe a direção do mesmo.
3 - São ainda havidas como residentes em território português as pessoas de nacionalidade portuguesa que deslocalizem a sua residência fiscal para país, território ou região, sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, no ano em que se verifique aquela mudança e nos quatro anos subsequentes, salvo se o interessado provar que a mudança se deve a razões atendíveis, designadamente exercício naquele território de atividade temporária por conta de entidade patronal domiciliada em território português”.
Assim, a residência configura-se como um conceito basilar em termos de determinação da sujeição pessoal ao IRS.
Por seu turno, a Lei Geral Tributária (LGT) consagra um conceito de domicílio fiscal, no seu artigo 19.º, que, na sua redação em vigor em 2017, prescrevia o seguinte:
“1 - O domicílio fiscal do sujeito passivo é, salvo disposição em contrário:
a) Para as pessoas singulares, o local da residência habitual;
b) Para as pessoas colectivas, o local da sede ou direcção efectiva ou, na falta destas, do seu estabelecimento estável em Portugal.
2 - O domicílio fiscal integra ainda a caixa postal electrónica, nos termos previstos no serviço público de caixa postal electrónica. (Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
3 - É obrigatória, nos termos da lei, a comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária. (Anterior n.º 2 - Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
4 - É ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária. (Anterior n.º 3 - Redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)
5 - Sempre que se altere o estatuto de residência de um sujeito passivo, este deve comunicar, no prazo de 60 dias, tal alteração à administração tributária. (Redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 dezembro)
6 - Os sujeitos passivos residentes no estrangeiro, bem como os que, embora residentes no território nacional, se ausentem deste por período superior a seis meses, bem como as pessoas colectivas e outras entidades legalmente equiparadas que cessem a actividade, devem, para efeitos tributários, designar um representante com residência em território nacional. (Anterior n.º 5 - Redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 dezembro)
7 - Independentemente das sanções aplicáveis, depende da designação de representante nos termos do número anterior o exercício dos direitos dos sujeitos passivos nele referidos perante a administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação. (Anterior n.º 6 - Redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 dezembro)
8 - O disposto no número anterior não é aplicável, sendo a designação de representante meramente facultativa, em relação a não residentes de, ou a residentes que se ausentem para, Estados membros da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que esse Estado membro esteja vinculado a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade equivalente à estabelecida no âmbito da União Europeia. (Anterior n.º 7 - Redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 dezembro)
9 - A administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor. (Anterior n.º 8 - Redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 dezembro)
10 - Os sujeitos passivos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas com sede ou direção efetiva em território português e os estabelecimentos estáveis de sociedades e outras entidades não residentes, bem como os sujeitos passivos residentes enquadrados no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, são obrigados a possuir caixa postal eletrónica, nos termos do n.º 2, e a comunicá-la à administração tributária no prazo de 30 dias a contar da data do início de atividade ou da data do início do enquadramento no regime normal do imposto sobre o valor acrescentado, quando o mesmo ocorra por alteração. (Anterior n.º 9 - Redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 dezembro)
11 - O Ministro das Finanças regula, por portaria, o regime de obrigatoriedade do domicílio fiscal electrónico dos sujeitos passivos não referidos no n.º 9. (Anterior n.º 10 - Redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 dezembro)”
Resulta assim da Lei que os conceitos de domicílio fiscal e de residente para efeitos de IRS não são sinónimos.
Como ensina Alberto Xavier (Direito Tributário Internacional, 2.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2009, p. 281): “[A] noção de residência ou domicílio para efeitos de delimitação da esfera de incidência das normas tributárias de cada Estado é também distinta da noção de domicílio tributário de direito interno e que é um domicilio especial pelo qual a lei refere a um lugar bem determinado, o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres estabelecidos pelas normas tributárias, localizando o sujeito passivo com vista a fixar a circunscrição territorial em cuja área se situem os serviços de administração competentes para a prática de actos relativos à situação fiscal do contribuinte”.
Assim, a relevância do conceito de domicílio fiscal previsto no art.º 19.º da LGT situa-se ao nível dos contactos entre o contribuinte e a AT.
Por isso, se prevê no artigo 43.º, n.º 2, do CPPT, que a “falta de recebimento de qualquer aviso ou comunicação expedidos nos termos dos artigos anteriores, devido ao não cumprimento do disposto no n.º 1 [comunicação da alteração do domicílio], não é oponível à administração tributária, sem prejuízo do que a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efetuadas”.
Refira-se, aliás, que este dever de comunicação, previsto quer no n.º 1 do artigo 43.º do CPPT quer no artigo 19.º, n.º 3, da LGT, não se trata de formalidade ad substanciam, o que significa que a sua preterição não tem necessária e definitivamente impacto em termos de tributação - (Cfr., entre outros, Acórdão do TCA Sul, Proc. 2369/09.7 BELRS, de 11.11.2021).
Já o conceito de residência fiscal tem subjacente outros pressupostos, como decorre do artigo 16.º do Código do IRS, a saber, designadamente:
a) Permanência em território português mais de 183 dias seguidos ou interpolados – “corpus”;
b) Permanência por menos tempo, se aí se dispuser, em 31 de dezembro desse ano, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residência habitual – “animus”
Como se refere no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 17.09.2015 (Processo: 00546/10.2BEVIS):
“[É] ponto assente que o conceito de residência não se confunde com o conceito de domicílio fiscal, definido no artigo 19º da LGT como local da residência habitual, pois que o conceito de domicílio fiscal não tem em vista determinar a lei tributária aplicável a certa situação, mas tão só fixar territorialmente os serviços (locais e regionais) da administração tributária competentes para lidar com o contribuinte no que se refere à sua situação tributária.
Tal significa que a residência assume a posição de elemento de conexão de maior relevo no âmbito do direito fiscal internacional, e bem assim no direito fiscal interno, além de que é o factor “residência” que determina quais as normas tributárias aplicáveis - de entre as normas de vários Estados (concorrentes) - e que delimita definitivamente o âmbito da incidência do imposto, demarcando também a extensão das obrigações tributárias dos contribuintes.
Assim, para determinar a residência fiscal do Requerente, importa antes de mais analisar se à luz do disposto no artigo 16.º do Código do IRS, aquele pode ser considerado residente fiscal, em Portugal, em 2017.
Constitui facto assente (não contestado pela AT) que o Requerente apenas alterou a sua morada para Portugal, em 7.07.2017, encontrando-se, portanto, com morada em Portugal 177 dias, no ano 2017. Em consequência, não se pode presumir a residência fiscal do Requerente, em Portugal, a luz do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS.
Também constitui um facto assente (não contestado pela AT) que o Requerente não dispunha em 2017 de casa própria em Portugal, tendo por isso, alterado a morada para a casa dos pais, conforme alegado e não contraditado pela AT com qualquer prova quanto ao direito de propriedade ou de arrendamento do Requerente quanto à casa da morada fiscal. Também não foram especificamente impugnados os documentos juntos pelo Consulado de Portugal, em Londres, que atesta que o Requerente RESIDIU no RU de 2014 a 2018. Deste modo, também quanto ao “animus” não se pode entender que a morada do Requerente na casa dos pais constitua a sua residência, em 2017. Donde decorre que, também, com base no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, não é possível qualificar o Requerente como residente fiscal, em Portugal.
Não sendo o Requerente nem tripulante, nem exercendo funções de carácter público, também não é o Requerente residente fiscal, em Portugal, com base na Lei, isto é, com base nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS.
Assim, a qualificação do Requerente como residente fiscal, em Portugal, realizada pela AT não tem suporte na Lei.
Na verdade, o entendimento desenvolvido e confirmado pela AT, que implicou dois procedimentos de reclamação graciosa e 1«um procedimento de recurso hierárquico não tem qualquer base legal, na medida em que qualifica o Requerente como residente fiscal, em Portugal, com base na presunção de residência no domicílio fiscal que não constitui base legal para tal qualificação.
Como tem sido entendido, “Retirar porém daí, como consequência, que o contribuinte que não actualizou ou comunicou a alteração do seu domicílio fica por essa razão preso a essa morada inicialmente comunicada para o efeito - como é o caso - de qualificar como Residente fiscal, é ultrapassar o previsto na lei, seja na sua letra, seja no seu espírito. “ - Decisão arbitral de 11-08-2020, proferida no Processo n.º 434/2019-T.
É, portanto, a esta luz o acto impugnado totalmente ilegal.
Não obstante, considerou, também, a AT que o Requerente deveria ser considerado residente fiscal, em Portugal, por não ter apresentado certificado de residência fiscal emitido pelo RU, nos termos previstos no artigo 4.º da CDT Portugal-Reino Unido. Vejamos:
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Da Prova da Residência Fiscal
Estabelece artigo 4.º, n.º 1 da CDT Portugal-Reino Unido, sobre o conceito de residência, o seguinte:
Donde resulta que o conceito de residente fiscal é determinado de acordo com a Lei interna de cada Estado.
Como transcrevemos em a., a lei interna portuguesa determina que é residente fiscal, em Portugal, quem reunir as condições previstas no artigo 16.º do Código do IRS, sendo certo que a AT não qualificou o Requerente como residente fiscal, nos termos do artigo 16.º do Código do IRS, mas sim com base no domicílio fiscal e por não ter sido apresentado certificado de residência fiscal no RU.
Não resulta, por isso, da CDT que o Requerente só através de um certificado de residência fiscal poderia provar a sua residência fiscal no RU, dada a remissão para a Lei interna quanto à definição de residente prévia à aplicação da CDT.
No fundo, não se encontra qualquer base legal que permita fundar a interpretação de que a residência fiscal só pode ser provada através de certificado de residência fiscal, desde logo porque existem países que não emitem certificados de residência fiscal.
Acresce que o Requerente juntou, logo em sede de audição-prévia, vários documentos que atestam a sua residência fiscal, no RU, em 2017 - FACTOS 0 a U.
Em face dos documentos juntos aos autos, que não foram nem directa, nem especificamente contestados pela AT, resulta que o Requerente vivia no RU desde 2014, e em 2017, o Requerente tinha uma casa no RU, trabalhou no RU, tinha uma filha na escola no RU e declarou e pagou impostos no RU.
Parece, assim bastante seguro deduzir que o Requerente foi residente fiscal, no RU, em 2017, apesar de não ter sido junto o modelo do certificado de residência fiscal pelo Requerente.
Sendo o Requerente no período de 2017 residente no Reino Unido ter-se-á de concluir que a competência de tributação é exclusiva do Estado da residência, não sendo esse Estado Portugal, ao contrário do que defende a AT. (Cfr., entre outros, CAAD, Proc. 803/2021, de 31.08.2022).
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Juros indemnizatórios
Nos termos do artigo 100.º da LGT, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a AT está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução da decisão.
Em face de tal postulado, a anulação judicial do acto tributário implica o desaparecimento de todos os seus efeitos “ex tunc”, tudo se passando como se o acto anulado não tivesse sido praticado, mais devendo a reintegração completa da ordem jurídica violada ser efectuada de acordo com a teoria da reconstituição da situação actual hipotética.
A reconstituição da situação hipotética actual justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo, nos termos da lei, não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido.
Os juros indemnizatórios vencem-se a favor do contribuinte, destinando-se a compensá-lo do prejuízo provocado por um pagamento indevido de uma prestação tributária.
De acordo com o artigo 43.º, n.º 1 da LGT são os seguintes os requisitos do direito a juros indemnizatórios:
a) Que haja um erro num acto de liquidação de um tributo;
b) Que o erro seja imputável aos serviços;
c) Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;
d) Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
Ora, conforme resulta da fundamentação expressa em III. da presente Decisão, o acto de liquidação sub judice resultou de erro de facto e de direito imputável à AT, que emitiu o acto de liquidação e as decisões de indeferimento posteriores, de onde resultou que o Requerente pagou imposto superior ao devido.
Em face do exposto, impõe-se a anulação da decisão impugnada e do acto de liquidação de IRS sub judice, e o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios do Requerente, uma vez que a ilegalidade do acto de liquidação é imputável a erro do acto tributário emitido pela Requerida, nos termos previstos no artigo 43.º da LGT.
IV. DECISÃO
Termos em que este Tribunal Arbitral decide julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação identificado nos autos, no valor de €4.838,83 (quatro mil, oitocentos e trinta e oito Euros e oitenta e três cêntimos).
V. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €4.838,83 (quatro mil, oitocentos e trinta e oito Euros e oitenta e três cêntimos).
VI. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €612, conforme a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Lisboa, 30 de Junho de 2023
A Árbitro,
Magda Feliciano
(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)