Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 765/2022-T
Data da decisão: 2023-06-21  IRC  
Valor do pedido: € 2.292.551,86
Tema: EBF – Artigo 22.º - IRC – Rendimentos respeitantes a Unidades de Participação em Fundos de Investimento.
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SUMÁRIO:

1.             Os rendimentos distribuídos aos participantes dos OIC a partir de 1 de julho de 2015, mas que tivessem sido gerados até 30 de Junho de 2015, encontram-se sujeitos à disciplina prevista na redação do artigo 22.° do EBF, em vigor até 30 de Junho de 2015, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro  e respetivo regime transitório, ou seja, ao abrigo do anterior regime de tributação dos OIC.

2.             O valor do imposto suportado por um FUNDO antes das alterações do regime fiscal dos OIC, e suscetível de ser deduzido aquando da distribuição de rendimentos por parte daquele, não acresce à matéria coletável do exercício para efeitos de apuramento do imposto devido pelo detentor das respetivas Unidades de Participação.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I.       RELATÓRIO

 

1.             Em 12 de dezembro de 2022 a A... Unipessoal, Lda., na qualidade de única participante do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B... (“FIIF B...”), (adiante designado “FUNDO”), com sede na Avenida ..., ...-... ..., contribuinte n.º ... (adiante designada por Requerente), tendo sido notificada a 13 de Setembro de 2022 da decisão de indeferimento relativamente à reclamação graciosa da liquidação de IRC n.º 2019..., entretanto substituída pela liquidação de IRC n.º 2021..., solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), artigo 5.º, n.º 2, e artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante “RJAT”), bem como dos artigos 95.º, n.os 1 e 2, alíneas a) e d), da Lei Geral Tributária (doravante “LGT”), e art.º 99.º, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante “CPPT”).

 

2.             A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr. ... e a Requerida é representada pelas juristas, Dr.ª ... e Drª. ... .

 

3.             O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Requerida em 13 de dezembro de 2022.

 

4.             Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende submeter à apreciação do Tribunal, a legalidade da decisão de indeferimento relativamente à reclamação graciosa da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) n.º 2019 ..., entretanto substituída pela liquidação de IRC n.º 2021 ..., proferidas pela Direção de Finanças de Lisboa, de onde resultou um valor de IRC a reembolsar de € 9.659.300,28.

 

5.             Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, os signatários que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado. 

 

6.             O Tribunal Arbitral foi constituído no dia 20 de fevereiro de 2022, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme a comunicação da constituição do tribunal arbitral coletivo que foi lavrada e que se encontra junta aos presentes autos.

 

7.             A Requerida, depois de notificada para o efeito, apresentou a sua resposta, no dia 29 de março de 2023, tendo juntado o Processo Administrativo.

 

8.             Em 1 de abril de 2023, o Tribunal lavrou o seguinte Despacho:

Notifique-se a Requerente para se pronunciar, querendo, sobre a matéria de excepção suscitada, na resposta, pela Autoridade Tributária. Prazo: cinco dias.

 

9.             Em 13 de abril, a Requerente juntou aos autos requerimento em que se pronunciava sobre as exceções deduzidas pela Requerida Autoridade Tributária.

 

10.           Em 19 de abril de 2023, o Tribunal lavrou o seguinte Despacho:

“1.O processo não se mostra ser especialmente complexo no plano da tramitação processual, nem há irregularidades a suprir. A Requerente respondeu à matéria de excepção suscitada na resposta pela Autoridade Tributária.

2.Afigura-se ao Tribunal que a matéria de facto relevante para a decisão da causa poderá ser fixada com base na prova documental, tornando-se desnecessária a realização de outras diligências instrutórias.

3.Assim, e em aplicação dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), e não havendo novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar,  dispensa-se a reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º desse Regime, bem como a apresentação de alegações e relega-se para final a apreciação da matéria de excepção.

4.Ao abrigo do princípio da colaboração solicita-se às partes a remessa das peças processuais em formato word.

5.Indica-se o dia 19 de Maio de 2023 como data previsível para a prolação da decisão arbitral, devendo até essa data a Requerente pagar a taxa de arbitragem subsequente.”

 

 

II.     A REQUERENTE SUSTENTA O SEU PEDIDO, EM SÍNTESE, DA SEGUINTE FORMA:

 

1.             A Requerente sustenta o seu pedido de declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento proferida pela Direção de Finanças de Lisboa, que recaiu sobre a reclamação graciosa da liquidação de IRC n.º 2019..., entretanto substituída pela liquidação de IRC n.º 2021... proferidas pela Direção de Finanças de Lisboa, de onde resultou um valor a reembolsar de € 9.659.300,28 do seguinte modo.

 

2.             O presente pedido tem por objeto imediato a liquidação de IRC n.º 2019..., respeitante ao período de tributação de 2018, entretanto substituída pela liquidação de IRC n.º 2021..., de onde resultou um valor a reembolsar de € 9.659.300,28.

 

3.             A Requerente (A... Unipessoal, Lda.) é uma sociedade comercial, residente para efeitos fiscais em Portugal, que tem por objeto a compra e venda de bens imóveis, o desenvolvimento e gestão de projetos imobiliários, gestão de imóveis próprios e de carteiras de títulos próprios, bem como o desenvolvimento de todas as atividades com ela relacionadas, sendo a única participante do FIIF B... (FUNDO) desde a data da sua constituição.

 

4.             A gestão do FUNDO é da responsabilidade da C...- Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA ("C..."), entidade igualmente detida a 100% pela Requerente.

 

5.             Durante a vigência do anterior regime fiscal dos Organismos de Investimento Coletivo (“OIC"), que vigorou até 30 de Junho de 2015, e tal como previsto no artigo 22.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais ("EBF") (na sua redação à data), o FUNDO procedeu ao apuramento e pagamento do IRC devido sobre os rendimentos prediais, rendimentos de capitais e de mais-valias.

 

6.             Entre 2009 e 31 de dezembro de 2015, o FUNDO apresentava um saldo de IRC suportado e efetivamente pago ao longo dos anos, no montante de € 12.034.656,23.

 

7.             Nestes anos o FUNDO não distribuiu quaisquer rendimentos, apresentou resultados negativos e apenas pagou imposto face à natureza cedular dos mesmos.

 

8.             Segundo o n.º 3 do artigo 22.° do EBF, sendo a Requerente um sujeito passivo de IRC residente em Portugal e única titular das UP do FUNDO, qualquer imposto retido ao fundo ou devido por este teria a natureza de imposto por conta, sendo, por isso, passível de ser recuperado pela Requerente aquando da obtenção de rendimentos respeitantes às suas UP, na sua respetiva proporção. 

 

9.             A Requerente refere que se trata de “imposto por conta” e não de “retenção na fonte”.

 

10.          E atribui a esta diferença especial importância já que defende o seguinte entendimento:

a) o imposto por conta não obriga o participante a refazer o rendimento bruto, acrescendo o imposto ao rendimento;

b) a retenção na fonte obrigaria a acrescer o valor do imposto ao rendimento líquido recebido, assim determinando o rendimento bruto a tributar.

 

11.          Invoca a Requerente que, como o Fundo não distribui quaisquer rendimentos ao longo desses anos, o participante não recuperou o imposto pago por conta.

 

12.          A reforma da tributação dos OIC, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro ("DL n.º 7/2015"), que produziu os seus efeitos a partir de 1 de julho de 2015, estabeleceu um novo regime de tributação, sendo a Requerente de opinião que a essa data teria, em princípio, € 12.034.656,23 de imposto por conta para recuperar.

 

13.          Com a introdução daquele novo regime, os principais rendimentos auferidos pelos OIC (i.e., rendimentos prediais, rendimentos de capitais e de mais-valias) passaram a estar excluídos de IRC, adotando-se o método de tributação "à saída" aquando da distribuição dos respetivos lucros aos participantes.

 

14.          Face a esta situação pergunta a Requerente o que aconteceria aos € 12.034.656,23 entretanto pagos por conta entre 2009 e 2025?

 

15.          E foi isso que a sociedade gestora do Fundo perguntou à AT, por intermédio de um Pedido de Informação Vinculativa.

 

16.          Tendo obtido a seguinte resposta:

 

A AT confirmou que os rendimentos distribuídos aos participantes a partir de 1 de julho de 2015, mas que tivessem sido gerados até 30 de Junho de 2015, encontrar-se-iam sujeitos à disciplina prevista na redação do artigo 22.° do EBF, em vigor até 30 de Junho de 2015, i.e., ao abrigo do anterior regime de tributação dos OIC.

 

17.          Até aqui tudo bem para o Fundo e para a Requerente, mas com um pequeno senão:

 

A AT também foi de entendimento que para que tal recuperação fosse possível, o IRC suportado pelo FUNDO deveria ser considerado como componente positiva do lucro tributável da Requerente, como se de retenção na fonte se tratasse.

 

18.          Com o que a Requerente, a sociedade gestora e o Fundo não concordaram.

 

19.          Acontece que no exercício de 2018 o Fundo distribuiu rendimentos à Requerente no montante de € 2.100.179,99, que correspondiam na sua maioria à totalidade dos rendimentos gerados antes de 30 de junho de 2015.

 

20.          Contudo, a Requerente entregou a sua Declaração Modelo 22 de acordo com a supra referenciada orientação da AT.

 

21.          Nessa conformidade, a Requerente apurou um valor a receber de IRC no montante de € 9.659.300,29.

 

22.          Sucede que a Requerente considera ilegal o entendimento da AT, segundo a qual o valor do IRC suportado pelo FUNDO, no montante de € 12.034.656,23, deve ser acrescido ao resultado líquido do exercício, para efeitos de apuramento do seu lucro tributável.

 

23.          Sem esse ajustamento, que a Requerente considera ilegal, o valor do IRC a reembolsar à Requerente seria superior em € 2.292.551,86, ascendendo a € 11.951.852,13,

 

24.          Discordando, portanto, da autoliquidação efetuada, a Requerente apresentou reclamação graciosa, em 14 de janeiro de 2021, tendo a AT indeferido a mesma sem qualquer fundamentação legal no entender daquela.

 

25.          A Requerente coloca assim a questão que aqui importa decidir:

 

26.          “… a questão a decidir consiste em aferir qual o tratamento fiscal correto a dar ao imposto suportado pelo FUNDO, o qual incidiu sobre os rendimentos gerados antes da entrada em vigor do novo regime fiscal dos OIC e que foram em 2018 distribuídos à Requerente.”

 

27.          Ou seja, o valor do imposto em causa, acresce ou não ao resultado líquido da empresa para efeitos de apuramento do lucro tributável,

 

a Requerente entende que não e 

 

28.          A AT entende que sim, nos moldes que analisaremos de seguida.

 

29.          O presente pedido arbitral é apresentado na sequência da decisão de indeferimento relativamente à reclamação graciosa da liquidação de IRC n.º 2019..., entretanto substituída pela liquidação de IRC n.º 2021... .

 

30.          Pedido final da Requerente que pede a condenação da AT:

“a) à anulação da liquidação de IRC n.º 2021..., de onde consta o montante de IRC a ser reembolsado, € 9.659.300,29;

 b) à substituição por outra liquidação de IRC, de onde conste o montante de IRC a receber, de € 11.951.852,14;

c) no pagamento de juros indemnizatórios sobre a diferença de € 2.292.551,86 de IRC a reembolsar;

 d) na medida da procedência dos pedidos anteriores, no pagamento das custas do processo e custas de parte.

Valor do Processo: € 2.292.551,86 (dois milhões e duzentos e noventa e dois mil quinhentos e cinquenta e um euros e oitenta e seis cêntimos) referente ao pretendido acréscimo de reembolso.”

 

III. NA SUA RESPOSTA A REQUERIDA, INVOCOU, EM SÍNTESE, O SEGUINTE:

 

1.             A Requerida começa por abordar a questão da incompetência do Tribunal em razão do valor e dos pedidos concretos que foram efetuados pela Requerente, questões que abordaremos mais adiante.

 

2.             Por impugnação refere:

 

3.             A Requerente desenvolve a atividade com o CAE principal 68100 – Compra e Venda de Bens Imobiliários, desde 02-01-2008, e encontra-se para efeitos de IRC no regime geral, e para efeitos de IVA, Isenta art.º 9.º do CIVA e no tipo de operações, Tr. que não conferem direito à dedução, nos termos do art.º 9.º do CIVA,

 

4.             Em 19-06-2019, procedeu à entrega e submissão da Declaração Modelo 22 de IRC (...-2019-... -...) do exercício de 2018, da qual resultou uma matéria coletável de € 13.627.485,32;

 

5.             E em 27-01-2021, submeteu a declaração modelo 22 de IRC de substituição (...-2021-... -...) respeitante ao exercício 2018, da qual resultou uma matéria coletável de € 9.091.955,69;

 

6.             Apresentou, igualmente, reclamação graciosa solicitando a correção da autoliquidação supra referida, com base no disposto dos artigos 22.º e 22.º- A, ambos do EBF, no que diz respeito ao regime transitório, constante do art.º 7 do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro.

 

7.             De referir que a partir do ponto 51 da Resposta começa a clarificar-se a posição da AT quanto a esta matéria, embora a sua argumentação comece pela questão documental:

“No âmbito da referida reclamação graciosa e em sede de audição prévia foi solicitado à requerente esclarecimentos, bem como, a apresentação do Regulamento de Gestão, Relatório de contas, Balanço e Demostração de resultados do primeiro semestre de 2015, com referência a 30 de junho de 2015, bem como o Balanço e Demostração de resultados dos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B... bem como a ata de distribuição de resultados.”

 

“Por outro lado, tendo em conta que a requerente considerou no quadro 07, campo 775 a deduzir o montante de €12.034.656,23, e €14.134.826,22 no Q07 no campo 752 a acrescer, sendo €2.100.179,99 relativos aos rendimentos distribuídos em 2018 e €12.034.656,23 relativos ao imposto suportado, e no Q10 no campo 371 (retenções na fonte) o montante de €12.034.656,23, foi solicitada a apresentação do Balanço e Balancete analítico final do exercício de 2017 após apuramento de resultados e balancetes analíticos do exercício de 2018, antes e depois do apuramento de resultados, bem como todos os extratos de conta. (sublinhado nosso).

 

8.             No texto do indeferimento da Reclamação constam todos os documentos que a aí Reclamante apresentou nesse contexto (Vd. ponto 53 da Resposta)

 

“Tal reclamação graciosa viria a ser indeferida constando da fundamentação do seu indeferimento que:

“Verifica-se que a Reclamante esclareceu as questões suscitadas em projeto de decisão e para valer a sua pretensão apresentou os seguintes documentos:

-                Documento n.º 1 – Cópia do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa;

-                Documento n.º 2 – Declaração Modelo 22 de 2015 submetida pelo Fundo;

-                Documento n.º 3 – Comprovativo de pagamento do IRC autoliquidado pelo Fundo em 2015;

-                Documento n.º 4 – Guias e comprovativos de pagamento efetuados pelo Fundo;

-                Documento n.º 5 – Relatório e Contas do Fundo relativo ao exercício de 2018* (*nota: o 

Relatório apresentado é do ano de 2021);

-                Documento n.º 6 – Detalhe dos rendimentos gerados até 30 de junho de 2015;

-                Documento n.º 7 – Declaração de rendimentos e retenções relativos a valores mobiliários, emitida pelo D..., SA;

-                Documento n.º 8 – Balanço do exercício de 2017 e 2016;

-                Documento n.º 9 – Balancete do exercício de 2017;

-                Documento n.º 10 – Extratos de conta de 2017;

-                Documento n.º 11 – Balanço do exercício de 2018 e 2017;

-                Documento n.º 12 – Balancete do exercício de 2018 antes do apuramento de resultados;

-                Documento n.º 13 – Balancete do exercício de 2018 após apuramento de resultados; 

-                Documento n.º 14 – Extratos de conta corrente de 2018.

19.   Relativamente à contabilização do montante recebido a título de liquidação do FUNDO, no valor de €2.100.180,00, referido na cópia da declaração emitida pela sociedade gestora do fundo, constante na PI (pág. 23 do GPS), existem dúvidas de que estes tenham relevado para efeitos de apuramento do resultado fiscal, conforme evidenciado no extrato da conta 41111 – Fundo Investimento Imobiliário Fechado, ver Doc. n.º 14 (Total do DA, pág. 169 do GPS), lançamento 1722 e 1723, num total de €2.100.179,99 (€2.036.889,00 + €63.290,99), de 27/12/2018.

20.   Por sua vez, verifica-se que o RLP, no valor de €19.604.461,77, apurado em 2018, encontra-se influenciado pelo IRC suportado do Fundo em €12.034.656,23, Doc. n.º 14, (TOTAL do DA, pág. 178 do GPS), a crédito, lançamento 60, de 31/12/2018, descritivo Retenção Fonte s/rendimentos, na conta 8121 – Imposto estimado do período, que resultou num imposto estimado no valor de €8.495.758,10 (€12.034.656,23 - €3.538.898,13).

21.   Verifica-se que a reclamante acresceu no quadro 07 campo752 - €14.134.836,22 e deduziu no campo 775 – €12.034.656,00, resultando uma diferença de €2.100.179,99, ou seja, o rendimento, que não foi reconhecido na contabilidade.

22.   Parece-nos que a Reclamante, fez uma interpretação errada do ponto 43 (PIV) Processo da informação Vinculativa, da qual se transcreve, “A... terá que considerar no seu lucro tributável, não só o rendimento que lhe foi distribuído, mas também o imposto que o Fundo suportou, o qual terá naturalmente a natureza de imposto por conta, tal como decorria do regime fiscal em vigor até ao dia 30 de junho de 2015”, sendo que esta deveria reconhecer na contabilidade o valor €2.100.180,00, rendimento numa conta 79 e o imposto no montante de €12.034.656,23, deveria ter sido considerado como componente positiva do resultado fiscal, nomeadamente a acrescer no quadro 07, campo 752 e deduzida a título de retenção na fonte no Quadro 10 campo 359.

23.   Analisada à primeira vista parece que o efetuado pela Reclamante iria dar o mesmo resultado, contudo, tal não se verifica, uma vez que a reclamante na conta 8121 – Imposto estimado do período apresenta imposto estimado a débito, o valor €3.538.898,13, sendo que do imposto suportado pelo Fundo só foi considerado €4.956.859,97, tendo resultado assim, imposto estimado de €8.495.758,10 (€3.538.898,13 + €4.956.859,97), o que levaria a que a AT procedesse à devida correção acrescendo no Q07 da modelo 22 de IRC de 2018, o total em falta de €7.077.796,26 (€12.034.656,23 - €4.956.859,97). Deste modo, resultaria uma correção desfavorável à Reclamante, o que iria contrariar o que é pretendido nos processos de reclamação graciosa.

24.  Acresce ao facto de, encontra-se em falta a apresentação Regulamento de Gestão, Relatório de contas, Balanço e Demostração de resultados do primeiro semestre de 2015, com referência a 30 de junho de 2015, bem como o Balanço e Demostração de resultados, dos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B..., bem como a ata de distribuição de resultados.

25.  Encontra-se também em falta a apresentação do documento original ou cópia autenticada, ou ainda cópia simples acompanhada do respetivo original, nos termos do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro, da declaração emitida pela C..., declaração de rendimentos.”

 

9.             Contudo, apesar da junção desse suporte documental, a AT suscita dúvidas quanto à sua idoneidade para fazer prova do alegado em sede de reclamação graciosa, nomeadamente:

 

Primeiro ponto de discórdia:

“19. Relativamente à contabilização do montante recebido a título de liquidação do FUNDO, no valor de €2.100.180,00, referido na cópia da declaração emitida pela sociedade gestora do fundo, constante na PI (pág. 23 do GPS), existem dúvidas de que estes tenham relevado para efeitos de apuramento do resultado fiscal, conforme evidenciado no extrato da conta 41111 – Fundo Investimento Imobiliário Fechado, ver Doc. n.º 14 (Total do DA, pág. 169 do GPS), lançamento 1722 e 1723, num total de €2.100.179,99 (€2.036.889,00 + €63.290,99), de 27/12/2018.”

 

Segundo ponto de discórdia:

“20. Por sua vez, verifica-se que o RLP, no valor de €19.604.461,77, apurado em 2018, encontra-se influenciado pelo IRC suportado do Fundo em €12.034.656,23, Doc. n.º 14, (TOTAL do DA, pág. 178 do GPS), a crédito, lançamento 60, de 31/12/2018, descritivo Retenção Fonte s/rendimentos, na conta 8121 – Imposto estimado do período, que resultou num imposto estimado no valor de €8.495.758,10 (€12.034.656,23 - €3.538.898,13).”

 

10.           Para de seguida a Requerida constatar na sua Resposta que:

“21. Verifica-se que a reclamante acresceu no quadro 07 campo752 - €14.134.836,22 e deduziu no campo 775 – €12.034.656,00, resultando uma diferença de €2.100.179,99, ou seja, o rendimento, que não foi reconhecido na contabilidade.”

 

11.           Daqui resultando que a AT entende que tal rendimento deveria ter sido reconhecido na contabilidade, o que, na sua opinião, não aconteceu.

 

12.           Aliás, a Requerida prossegue, afirmando que a Requerente não terá percebido o que consta do ponto 43 do Pedido de Informação Vinculativa (PIV), por si apresentado, quando ali se escreve:

“A... terá que considerar no seu lucro tributável, não só o rendimento que lhe foi distribuído, mas também o imposto que o Fundo suportou, o qual terá naturalmente a natureza de imposto por conta, tal como decorria do regime fiscal em vigor até ao dia 30 de junho de 2015”

 

13.            Afirmando de seguida, que assim sendo:

“…esta deveria reconhecer na contabilidade o valor €2.100.180,00, rendimento numa conta 79 e o imposto no montante de €12.034.656,23, deveria ter sido considerado como componente positiva do resultado fiscal, nomeadamente a acrescer no quadro 07, campo 752 e deduzida a título de retenção na fonte no Quadro 10 campo 359.”

 

14.           Ora, entende o Tribunal que aqui é que está um dos pomos de discórdia da posição das partes.

 

15.           Por isso, na sua Resposta a Requerida depois de afirmar que aparentemente o comportamento da Requerente daria o mesmo resultado final, vem concluir que não, alegando inclusivamente que dali resultaria uma correção desfavorável à Requerente, que seria contrário ao por si pretendido.

 

16.           A Requerida, tomando por base o que consta do indeferimento da Reclamação apresentada pela agora Requerente refere novamente a falta da seguinte documentação:

“24. Acresce ao facto de, encontra-se em falta a apresentação Regulamento de Gestão, Relatório de contas, Balanço e Demostração de resultados do primeiro semestre de 2015, com referência a 30 de junho de 2015, bem como o Balanço e Demostração de resultados, dos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B..., bem como a ata de distribuição de resultados. 

25. Encontra-se também em falta a apresentação do documento original ou cópia autenticada, ou ainda cópia simples acompanhada do respetivo original, nos termos do artigo 32.º do Decreto Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro, da declaração emitida pela C..., declaração de rendimentos.”

 

17.           Sem contudo esclarecer em que medida esses elementos serviriam para dar à então reclamação um destino diferente ou até que ponto poderiam demonstrar a razão da Reclamante, que só não lhe terá sido reconhecida por falta de apresentação desta documentação.

 

18.           Fica a dúvida. Questão sobre a qual o Tribunal terá que se pronunciar.

 

 

III.   SANEAMENTO

 

1.             O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.

 

2.             As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

3.             A Requerida Autoridade Tributária levantou as exceções de incompetência do Tribunal Arbitral em razão do valor do pedido e para conhecer e decidir os pedidos formulados pela Requerente nas alíneas b) a d) do PPA, as quais o Tribunal apreciará após a fixação da matéria de facto, o que se fará já de seguida.

 

V. Matéria de Facto

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram as posições expostas pelas partes e os documentos juntos aos autos.

 

a.      Factos dados como provados 

1.      Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. 

 

2.      Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC).

 

3.      Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e alegações da Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

A.            A Requerente é uma sociedade comercial, residente para efeitos fiscais em Portugal, que tem por objeto a compra e venda de bens imóveis, o desenvolvimento e gestão de projetos imobiliários, gestão de imóveis próprios e de carteiras de títulos próprios, bem como o desenvolvimento de todas as atividades com ele relacionadas, sendo a única participante do FUNDO desde a data da sua constituição.

 

B.            O FUNDO foi autorizado pela Portaria n.° 74/93, de 11 de Março, do Ministério das Finanças, tendo sido constituído a 17 de outubro de 1994 por um período inicial de 10 anos, com a sua duração a ser sucessivamente prorrogada.

 

C.             O capital do FUNDO é actualmente de € 50.090.736,00, representado por 10.042.287 unidades de participação (“UP”), integralmente subscritas pela Requerente.

 

D.             A gestão do FUNDO é da responsabilidade da C...- Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA ("C..."), entidade detida a 100% pela Requerente. 

 

E.            Durante a vigência do anterior regime fiscal dos Organismos de Investimento Coletivo (“OIC"), que vigorou até 30 de Junho de 2015, e tal como previsto no artigo 22.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais ("EBF") (na sua redação à data), o FUNDO procedeu ao apuramento e pagamento do IRC devido sobre os rendimentos prediais, rendimentos de capitais e de mais-valias.

 

F.             A 31 de Dezembro de 2015, o FUNDO apresentava um saldo de IRC suportado e efetivamente pago ao longo dos anos, no montante de € 12.034.656,23, discriminado como segue:

 

Data

Imposto suportado pelo FIIF B... (em Euros)

31-12-2009

535.147.47

31-12-2010

2.107.273,99

31-12-2011

1.834.070,98

31-12-2012

2.038.936,75

31-12-2013

2.093.816,46

31-12-2014

2.421.808,97

30-06-2015

837.547,38

31-12-2015

166.054,23

Total

12.034.656,23

 

G.            O FUNDO apenas apurou imposto a pagar devido ao carácter cedular do imposto, pois nos anos referidos apresentou resultados negativos, considerando a sua atividade em termos globais, pelo que não distribuiu quaisquer rendimentos nesses anos.

 

H.            Como o FUNDO não procedeu à distribuição de quaisquer resultados durante os anos em apreço (por inexistência de resultados passíveis de distribuição), não foi recuperado pela Requerente, qualquer montante de IRC retido ou devido (e efetivamente pago) pelo FUNDO.

 

I.              Uma vez que era expectativa do FUNDO distribuir rendimentos à Requerente, a C..., enquanto sociedade gestora daquele, submeteu a 2 de Fevereiro de 2016, um Pedido de Informação Vinculativa ("PIV") à AT, onde solicitou o enquadramento jurídico-tributário da Requerente, enquanto detentora única das UP do FUNDO. 

 

J.             Pretendia-se a confirmação de que o IRC suportado e pago pelo FUNDO, no montante de € 12.034.656,23 e que havia incidido sobre os rendimentos obtidos pelo FUNDO entre 2009 e 2015, i.e., antes da entrada em vigor do novo regime fiscal dos OIC, seria recuperável na esfera da Requerente como imposto por conta.

 

K.             A AT confirmou que os rendimentos distribuídos aos participantes a partir de 1 de Julho de 2015, mas que tivessem sido gerados até 30 de Junho de 2015, encontrar-se-iam sujeitos à disciplina prevista na redação do artigo 22.° do EBF, em vigor até 30 de Junho de 2015, i.e., ao abrigo do anterior regime de tributação dos OIC. 

 

L.            Contudo, defende a AT, para que tal recuperação fosse possível, o IRC suportado pelo FUNDO deveria ser considerado como componente positiva do lucro tributável da Requerente, como se de retenção na fonte se tratasse.

 

M.           No exercício de 2018, o FUNDO distribuiu rendimentos à Requerente no montante total de € 2.100.179,99, que correspondiam à totalidade dos resultados gerados antes de 30 de Junho de 2015, na vigência do anterior regime de tributação, e a uma pequena parcela gerada após essa data, como segue: 

 

Período a respeitam os resultados

Valores em Euros

Antes de 30/06/2015

2.036.889,78

Após 30/06/2015

63.290,21

Total

2.100.179,99

 

N.            A Requerente entregou a sua declaração Modelo 22, relativa a 2018, em conformidade com o entendimento da AT, apesar de discordar do mesmo.

 

O.            Nesse sentido, a Requerente procedeu aos seguintes ajustamentos na declaração Modelo 22: 

Quadro 07 – Apuramento do lucro tributável Campo 752 (a acrescer): 14.134.826,22 Euros, os quais podem ser decompostos como segue:

a) 2.100.179,99 Euros - rendimento distribuído pelo FIIF B...;

b) 12.034.656,23 Euros - IRC suportado pelo FIIF B... durante o período de 2009 a 2015, respeitando à quase totalidade do rendimento distribuído (de acordo com a indicação da AT na resposta ao PIV).

Campo 775 (a deduzir): 12.034.656,23 Euros - IRC suportado pelo FIIF B..., contabilizado a crédito da conta #81 – IRC, uma vez que o IRC deve ser desconsiderado para efeitos de apuramento do lucro tributável.

Quadro 10 – Cálculo do imposto

Campo 359 (retenções na fonte): 12.034.656,23 Euros - imposto por conta - IRC suportado pelo FIIF B... .

P.             Com base nos ajustamentos efetuados, a Requerente apurou um montante de IRC a receber de € 9.659.300,29 Euros (conforme liquidação que junta).

 

Q.            A Requerente considera ilegal o entendimento da AT, segundo a qual o valor do IRC suportado pelo FUNDO, no montante de € 12.034.656,23, deve ser acrescido ao resultado líquido do exercício, para efeitos de apuramento do seu lucro tributável.

 

R.            Sem esse ajustamento ilegal, o valor do IRC a reembolsar à Requerente seria superior em € 2.292.551,86 Euros, ascendendo a € 11.951.852,13, conforme consta no quadro seguinte:

(valores em Euros)

 

AT

Requerente

Lucro tributável 

      13.627.485,32  

       1.592.829,09  

Prejuízos fiscais deduzidos *

-             4.535.529,63  

-              1.114.980,36  

Matéria colectável

       9.091.955,69  

               477.848,73  

IRC 21%

-             1.909.310,69  

-                 100.348,23  

Derrama estadual

-                 486.374,27  

-                     2.784,87  

Colecta total

-             2.395.684,96  

-                 103.133,10  

PEC

              4.506,26  

              4.506,26  

Retenções na fonte

      12.050.478,98  

      12.050.478,98  

IRC a recuperar

       9.659.300,28  

      11.951.852,14  

Diferença a recuperar

 

       2.292.551,86  

* limitados a 70% do lucro tributável

 

S.             O Fundo procedeu ao pagamento integral da liquidação de IRC supra identificada. 

 

T.            A Requerente apresentou em 10 de maio de 2021 e em representação do Fundo o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

b.    Factos dados como não provados

 

Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.

 

VI.      APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE EXCEÇÕES

 

a). Da incompetência do Tribunal Arbitral em razão do valor do pedido

 

1.             A Requerida, constatando que a Requerente atribui ao processo o valor de € 2.292.551,86, conclui que não é esse o valor que a Requerente contesta, mas antes a inscrição do valor de € 12.034.656,23 inserido no campo 752 do quadro 07 da DM22, com o consequente reembolso do imposto no montante de € 3.010.867,21, como consta do pedido formulado em sede de reclamação graciosa.

 

2.             Quanto a esta matéria a Requerente defende-se do seguinte modo:

“A AT começa por invocar a incompetência desse Tribunal Arbitral em razão do valor do pedido.

 2. Argumenta a AT que o valor da causa corresponde à quantia contestada de 12.034.656,23€, sendo portanto superior à quantia de 10.000.000€, sendo esta o limite da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais.

3. Vejamos se assim é.

4. Conforme exposto no PPA, está em causa uma correção à autoliquidação do IRC de 2018, por aplicação do artigo 22.º, n.º 3, do EBF.

 5. Entende a Requerente ter pago IRC em excesso no valor de 2.292.551,86€, em consequência de ter efectuado, incorrectamente, um acréscimo à matéria colectável de 12.034.656€.

 6. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 97º-A do CCPT, por remissão do n.º 2 do Regulamento de custas nos processos de arbitragem tributária, o valor da causa, quando seja impugnada a liquidação, é o da importância cuja anulação se pretende.

 7. Na situação sub judice, peticiona-se a anulação parcial do acto de liquidação do IRC de 2018, correspondendo assim a efectiva utilidade económica do pedido ao valor do IRC indevidamente liquidado, que deverá ser reembolsado à Requerente, ou seja, 2.292.551,86€.”

 

3.             O Tribunal entende que não assiste razão à entidade Requerida.

 

4.             Efetivamente, nos moldes em que foi apresentada pela Requerente resposta à matéria de exceção, afigura-se que se não verifica a alegada incompetência do tribunal arbitral em razão do valor da causa e da matéria.

 

5.             Como consta da matéria assente como provada, a Requerente solicita a anulação da liquidação de IRC n.º 2021... no montante de € 9.659.300,29 tendo em vista o reembolso da importância de € 2.292.551,86, que entende ter sido paga em excesso.

 

6.             Ora, nesse caso, o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende, atento o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, que se cifra na diferença de € 2.292.551,86, tudo se passando como se tratasse de um pedido de anulação parcial.

 

Tudo apesar de se tratar na realidade de substituir um reembolso de menor dimensão, por um reembolso de valor superior.

 

b). Da incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer e decidir dos pedidos formulados para requerente nas alíneas b) a d), do PPA.

 

7.             Recorde-se, que, no final, a Requerente solicita ao Tribunal:

“Nos termos do que acima ficou exposto, requer-se a esse Douto Tribunal que julgue a presente acção procedente, por provada, condenando a AT:

 a) à anulação da liquidação de IRC n.º 2021 ..., de onde consta o montante de IRC a ser reembolsado, 9.659.300,29 Euros;

 b) à substituição por outra liquidação de IRC, de onde conste o montante de IRC a receber, de 11.951.852,14 Euros;

c) no pagamento de juros indemnizatórios sobre a diferença de 2.292.551,86 Euros de IRC a reembolsar;

 d) na medida da procedência dos pedidos anteriores, no pagamento das custas do processo e custas de parte.”

 

8.             Quanto a esta matéria a Requerida entende que: 

“Inexiste, pois, no âmbito do RJAT, qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas pelos tribunais arbitrais condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no mesmo RJAT: poderes declaratórios com fundamento em ilegalidade. 

26. Assim, também não pode ser proferida decisão que, na prática, reconheça o direito da requerente a obter a condenação da AT ao pagamento de uma quantia certa que apenas resulta dos cálculos por si efetuados e apresentados no art. 29º do p.p.a. que resultariam da ausência dos ajustamentos por si efetuados no preenchimento da Mod. 22.s de parte.”

 

9.             O que a Requerente pretende é obter o reconhecimento de um direito, o reconhecimento do pagamento de uma determinada quantia, que no entender da Requerida resultam de cálculos por si efetuados.

 

10.           A Requerente chamada a pronunciar-se sobre as exceções em causa, defendeu a competência do Tribunal para o efeito, trazendo à colação em seu auxílio jurisprudência, nomeadamente do TCAS, que transcrevemos.

 “A este respeito, atente-se à boa doutrina vertida no acórdão do TCA Sul no processo n.º 44/18.6BCLSB, de 25/09/2019: “… por força da consagração do princípio constitucional da tutela judicial efectiva (cf.artº.268.º, nº.4, da Constituição da República), o processo judicial tributário tem vindo a perder a sua natureza estrita de um contencioso de mera anulação e a conferir tutela a pretensões características de um contencioso de plena jurisdição. É que, como se diz no Acórdão deste tribunal de 06/08/2017, tirado no proc.º 06112/12, aquele princípio constitucional ‘somente é alcançado se as sentenças puderem ter todos os efeitos necessários e aptos a proteger o direito ou interesse apreciado pelo Tribunal, assim não podendo limitar-se à mera anulação do acto tributário e podendo o processo de impugnação revestir uma natureza condenatória, caso o contribuinte solicite não só a anulação do acto tributário, mas também a devolução do montante pago acrescido dos respectivos juros’.

E para sustentar a natureza tendencial da impugnação como processo de plena jurisdição, aponta-se também no aresto em citação, ‘o princípio da economia processual que exige que se ponha fim ao litígio utilizando do processo judicial tudo o que puder ser aproveitado para basear uma decisão do Tribunal de onde sai logo uma definição da situação tributária concreta sob análise que não careça de qualquer nova pronúncia da Administração Tributária’ (…).”.

 

11.           Pretendendo a Requerente ser reembolsada da referida importância, nada obsta que o tribunal possa emitir a condenação da AT no reembolso, em caso de procedência do pedido arbitral, em aplicação do disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, visando assegurar o restabelecimento da situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.

 

12.           Improcede assim mais esta exceção colocada pela Entidade Requerida, devendo de seguida ser analisada a matéria de fundo que separa a posição das partes em confronto. 

 

VII.                            FUNDAMENTOS DE DIREITO

 

Vejamos agora o Direito.

 

1.             A Requerente invoca a seu favor o disposto no n.º 3 do art.º22.º do EBF, na sua redação anterior, que determinava que:

 

2.             “Relativamente a rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos referidos no n.º 1, de que sejam titulares sujeitos passivos de IRC ou sujeitos passivos de IRS, que os obtenham no âmbito de uma actividade comercial, industrial ou agrícola, residentes em território português ou que sejam imputáveis a estabelecimento estável de entidade não residente situado neste território, os mesmos não estão sujeitos a retenção na fonte e são pelos seus titulares considerados como proveitos ou ganhos, e o montante do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1 a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no artigo 83.º do Código do IRC e do artigo 78.º do Código do IRS.”(sublinhado da Requerente).

 

3.             A Requerente entende que o procedimento que a AT defende aplica-se única e exclusivamente a situações em que haja lugar a retenção na fonte, pois somente nesse caso, o n.º 2 do art. 68.º do Código do IRC prevê que seja adicionado ao rendimento líquido recebido, o montante do IRC retido na fonte, o que não é o caso.

 

4.             Entende também que a retenção na fonte, como antecipação do imposto devido, não pode ser utilizada por um sujeito passivo diferente.

 

5.             A Requerente cita diversa jurisprudência a seu favor, do STA e do CAAD, nomeadamente neste último caso a tirada nos seguintes processos:

i). Proc. nº. 261/2020-T, de 14 de outubro de 2021 (José Pedro Carvalho, Rita Guerra Alves, Rui Miguel Marrana);

ii). Proc. nº. 309/2018-T, de 27 de junho de 2019 (Fernanda Maçãs, Nuno Oliveira Garcia, Manuel Pires);

iii). Proc. nº. 371/2017-T, de 14 de outubro de 2021 (Manuel Macaísta Malheiros, Luís Menezes Leitão, Américo Brás Carlos).

 

6.             Todas as decisões no mesmo sentido:

 

O valor do imposto em causa, não acresce ao resultado líquido da empresa para efeitos de apuramento do lucro tributável.

 

7.             A Requerida, depois de discorrer sobre a natureza dos Fundos, concluindo que são desprovidos de personalidade jurídica, confirma a sua personalidade tributária e a natureza de sujeitos passivos de IRC, cabendo às respetivas sociedades gestoras o cumprimento das obrigações tributárias.

 

8.             Recorde-se que a aqui Requerente é a acionista única do FUNDO.

 

9.             A Requerida procede ao enquadramento do regime fiscal dos Fundos, enquadrado no contexto dos Benefícios Fiscais e norteado pela necessidade de se respeitar o princípio da neutralidade, “…os participantes são tributados de forma semelhante àquela a que estariam sujeitos se o investimento fosse realizado diretamente.”

 

10.           Assim, os rendimentos obtidos pelos Fundos eram tributados na esfera do próprio, quer por retenção na fonte, como se de pessoas singulares se tratassem, ou autonomamente à taxa de 25%, de acordo com o disposto no n.º 6 do art.º 22.º do EBF.

 

“Por seu turno, determinava o n.º 3 do artigo 22.º do EFB, aplicável aos rendimentos oriundos da detenção de unidades de participação em fundos de investimento imobiliários por força do n.º 7 do mesmo artigo, a não aplicação de retenção na fonte na distribuição de rendimentos aos seus participantes.”

 

11.           Para de seguida a Requerida concluir:

“Em todo o caso, caso se tratassem de participantes pessoas coletivas sujeitas a IRC e não isentas, tais rendimentos teriam que ser considerados como proveitos ou ganhos (pelo montante ilíquido), passando o imposto retido ou devido pelos fundos, nos termos do n.º 1 do artigo 22.º do EBF, a ter a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no artigo 90.º do CIRC.”

 

12.           A Requerida entende, por isso, que as pessoas coletivas participantes dos Fundos teriam que incluir no seu lucro tributável os rendimentos decorrentes da detenção dessas unidades de participação e o acerto de contas final seria sempre feito no Declaração Modelo 22 de IRC.

 

13.           Ou seja, quer por via de distribuição, resgaste ou liquidação ou partilha, os rendimentos assim obtidos pelos participantes teriam que ser englobadas nos restantes rendimentos dos participantes.

 

14.           Ora, admite o Tribunal que até aqui a posição das partes não diverge.

 

15.           A Requerida continua a exploração da sua posição do seguinte modo:

“Quando os rendimentos eram obtidos por sujeitos passivos de IRS que detivessem os títulos no âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola ou por sujeitos passivos de IRC residentes ou fossem imputáveis a estabelecimento estável em território português de entidade não residente,

(1) não estavam sujeitos a retenção na fonte à saída do património do Fundo,

(2) devendo ser considerados como proveitos ou ganhos dos participantes, e

(3) tendo o imposto retido ao Fundo ou por este devido tinha a natureza de imposto por conta do imposto final, mediante dedução à colecta do IRS ou do IRC, nos termos dos artigos 78.º do Código do IRS e art.º 83.º (actual 90.º) do Código do IRC (cfr., art.º 22.º, números 3 e 7, do EBF)1 “

 

16.           A Requerida qualifica este regime de tributação quase como se de uma transparência fiscal se tratasse, tendo em vista assegurar ”… que a tributação final dos rendimentos que afluíam aos Fundos, seria a que ocorreria na esfera jurídico-tributária dos participantes, funcionando o imposto retido ao fundo ou por este devido como pagamento antecipado por conta do imposto devido a final pelos titulares das unidades de participação.”

 

17.           Ou seja, o imposto retido ao Fundo era alvo de uma ficção que levaria a entender que tal imposto era transferido para os participantes como se lhes pertencesse.

 

18.           Invocando o disposto art.º 22.º do EBF, a Requerida refere a situação que ocorreria no caso de participantes isentos de IRC, o qual “deveria ser compensado, mediante restituição, pelo imposto pago na esfera do Fundo, de modo a que os rendimentos obtidos ficassem desonerados de tributação, como sucederia se os mesmos tivessem sido obtidos diretamente.”

 

19.           Admite o Tribunal que a partir daqui a posição das partes, quando à interpretação a dar às disposições legais aplicáveis já não seja coincidente.

 

20.           Escreve a Requerida:

“Nas situações em que os titulares das unidades de participação não beneficiam de isenção, o art.º 22.º, n.º 3 do EBF estabelecia que o “montante do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1 a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no artigo 83.º [atual art.º 90.º] do Código do IRC e do artigo 78.º do Código do IRS.”, o que vale por dizer que se subsumia nas deduções previstas no n.º 2, em concreto, na alínea e) “A relativa a retenções na fonte não susceptíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável”.”

 

21.           E de seguida:

“Ora, justamente, as retenções na fonte a que alude o art.º 90.º, n.º 2, alínea e), do Código do IRC têm a natureza de imposto por conta e respeitam a rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos que tenham sido incluídos no lucro tributável/matéria colectável, pelo montante ilíquido do imposto retido na fonte.”

 

22.           Para concluir:

“Por isso, não se pode dissociar a norma do art.º 90, n.º 2 do Código do IRC da correção prevista no art.º 68.º, n.º 2 do mesmo Código, que impõe o chamado “gross-up” dos rendimentos, nos casos em que são contabilizados pela importância efetivamente recebida, havendo então que proceder ao acréscimo do imposto suportado a título de retenção na fonte no âmbito da determinação do lucro tributável.”

“Pois bem, se o legislador equiparou o “montante do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1” a “retenção na fonte de IRC” com a natureza de imposto por conta, associou-lhe a consequência legal que tal assimilação implica, que se traduz na inclusão no lucro tributável dos rendimentos ilíquidos, o que, aliás, está em consonância com o modus operandi e objectivos da técnica da transparência fiscal projetada no art.º 22.º, n.º 3 do EBF.”

 

23.           Tudo isto que até aqui é analisado tem por base o regime de tributação dos OIC em vigor até junho de 2015, porquanto em 1 de julho desse ano entrou em vigor o novo regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de fevereiro.

 

24.           Regime esse assim caracterizado pela Requerida do seguinte modo:

“…em larga medida, a tributação sobre o rendimento passou a ocorrer na esfera dos seus participantes, quer se tratem de pessoas singulares ou coletivas, residentes ou não residentes, ficando aqueles sujeitos a tributação pelos seus rendimentos excluindo os que sejam classificados de capitais, prediais e mais valias, tal como eles se encontram definidos para efeitos de IRS, nos artigos 5.º, 8.º e 10.º.”

 

25.           Questão diferente daquela que temos vindo a tratar até agora tem a ver com o facto de terem coexistido no ano de 2015 dois regimes diferentes e, por outro lado, o que fazer nas distribuições de rendimentos obtidos pelos FUNDOS em anos anteriores e apenas distribuídos após a entrada em vigor da Lei nova.

 

26.           Quanto ao primeiro aspeto a Requerida refere que no mesmo ano civil coexistiram dois regimes de tributação completamente distintos:

“…um, que se iniciou a 1 de janeiro e terminou a 30 de junho, em que o apuramento do imposto seguiu as regras do antigo regime; e outro, que se iniciou a 1 de julho e terminou a 31 de dezembro (se o OIC não for liquidado antes dessa data), em que o apuramento do valor do imposto a pagar obedeceu às regras do atual regime.” (sublinhado nosso)

 

27.           É notória diferença entre os dois regimes:

 

28.           Assim, “…Antes da entrada em vigor daquele diploma (1 de julho de 2015), a tributação incidia exclusivamente sobre os rendimentos gerados pelos Fundos, ficando os participantes, quer fossem pessoas singulares ou coletivas, dispensados de retenção na fonte.”

 

“Após a publicação do novo regime de tributação dos OIC, feita através do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, que, entre outras situações, alterou o artigo 22.º do EBF, no qual se passou a contemplar apenas o regime fiscal aplicável aos próprios OIC, tendo ao mesmo tempo sido aditado ao Estatuto dos Benefícios Fiscais o artigo 22.º-A, que passou a contemplar o regime de tributação aplicável aos participantes”

 

29.           Foi, igualmente, necessário criar um regime transitório que garantisse que não haveria um agravamento fiscal para os contribuintes, nomeadamente por verificação de uma eventual situação de dupla tributação.

 

30.           Em que consistiu esse regime transitório:

“Foi estabelecido, pois, que as novas regras, previstas no artigo 22.º do EBF, eram apenas aplicáveis aos rendimentos gerados após o dia 1 de julho de 2015, data em que entrou em vigor a nova lei, ficando os rendimentos gerados pelos OIC e os seus participantes, antes daquela data, sujeitos ao regime de tributação antigo.”

 

31.           Consequência:

“Se, até ao dia 1 de julho de 2015, não tiverem sido distribuídos ou resgatados os rendimentos gerados pelo OIC até essa data, consideram-se distribuídos estes rendimentos, em primeiro lugar e até à sua concorrência, sendo-lhes aplicável o disposto no regime antigo.”

 

32.           A Requerida esclarece que a Circular n.º 6/205 de 17 de junho, que trata deste assunto refere que:

“…no caso de rendimentos distribuídos por um OIC, ou que derivem do resgate das respetivas unidades de participação o imposto retido ou devido, nos termos da redação anterior do artigo 22.º do EBF, é imputado aos titulares daqueles rendimentos, tendo o dito imposto a natureza de imposto por conta.”

 

33.           De seguida, a Requerida na sua Resposta vai analisar a aplicação destas regras ao caso concreto.

 

34.           E começando por referir o que está em causa, fá-lo do seguinte modo:

“Donde, o que está em causa é um pedido de correção da modelo 22 de IRC de 2018, com base no disposto dos artigos 22.º e 22.º- A, ambos do EBF, no que diz respeito ao regime transitório, constante do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, e da qual a requerente pretende a desconsideração do montante de €12.034.656,23, quanto a si inseridos incorretamente no campo 752 do Q07.”

 

35.           E aqui quando aborda a matéria de direito a Requerida, recordando o que terá sido pedido no contexto do processo administrativo/reclamação graciosa, volta a referir a falta de suporte documental para as pretensões em causa, matéria a que voltaremos. 

 

36.          Importa salientar que existe consenso entre a posição da Requerente e da Requerida, aliás confirmada pela própria AT em Pedido de Informação Vinculativa de que:

 

Os rendimentos distribuídos aos participantes a partir de 1 de julho de 2015, mas que tivessem sido gerados até 30 de Junho de 2015, encontrar-se-iam sujeitos à disciplina prevista na redação do artigo 22.°do EBF, em vigor até 30 de Junho de 2015, i.e., ao abrigo do anterior regime de tributação dos OIC.

 

37.          Consequentemente, o imposto assim suportado pelo Fundo, seria suscetível de recuperação por parte do detentor das respetivas unidades de participação, a partir do momento em que se procedesse à distribuição de tais rendimentos obtidos antes da sinalizada alteração legislativa.

 

38.          Nisso não pode haver dúvidas.

 

39.          Consequências concretas para o caso dos autos.

 

40.          Provado que o valor do imposto suportado pelo FUNDO antes da alteração legislativa, correspondente aos rendimentos distribuídos depois, no montante de € 12.034.656,23, o mesmo é suscetível de recuperação pelo detentor das Unidades de Participação.

 

41.          Mas agora importa responder à seguinte questão:

 

42.          O valor do imposto suportado pelo FUNDO antes das alterações do regime fiscal dos OIC, e suscetível de ser deduzido aquando da distribuição de rendimentos por parte do FUNDO deve acrescer à matéria coletável do exercício para efeitos de apuramento do imposto devido?

 

43.          A AT entende que sim e a Requerente entende que não.

 

44.          Sobre tal matéria já o CAAD se pronunciou, nas decisões atrás referenciadas, que propugna uma orientação à qual este Tribunal adere, e de entre as quais seguimos a mais recente tirada no Proc. n.º 261/2020-T, de 14 de outubro de 2021.

 

45.          Aí se lê no respetivo sumário o seguinte:

“O imposto pago por um fundo de investimento, dedutível nos termos do art.º 22.º, n.º 3, do EBF vigente em 2014, não concorre para a formação do lucro tributável do titular de unidades de participação daquele, beneficiário de rendimentos respeitantes a tais unidades.”

 

46.          Nesta Decisão a questão a apreciar pelo Tribunal e a respetiva posição das Partes é colocada do seguinte modo:

“Entende a Requerida que resulta da interpretação articulada do disposto nos números 1, 3, 4 e 7 do art.º 22.º do EBF, da alínea d) do n.º 2 do art.º 90.º e n.º 2 do art.º 68.º do CIRC, que quando os rendimentos respeitantes a unidades de participação em fundo de investimento (mobiliário ou imobiliário) afluem à esfera dos participantes (sujeitos passivos de IRC), os rendimentos devem ser considerados como proveitos ou ganhos e reflectidos no lucro tributável pelo valor ilíquido do imposto retido ou devido, a fim de que a tributação definitiva dos rendimentos obtidos por intermédio do Fundo seja efectuada de acordo com o regime aplicável a cada titular das unidades de participação, tendo, por isso, este imposto a natureza de pagamento por conta ou de pagamento antecipado por parte do Fundo. Para a Requerida, a dedução à colecta do IRC do imposto retido ou devido pelo Fundo, nos termos previstos na alínea d) do n.º 2 do art.º 90.º – actual alínea e) – do CIRC assimila esse imposto a “retenção na fonte” com a natureza de pagamento por conta e, consequentemente, em linha com a regra geral ínsita no n.º 2 do art.º 68.º do CIRC, os rendimentos a que o imposto está associado devem ser incorporados na matéria colectável pelos respectivos valores ilíquidos, i.e., acrescidos do imposto suportado pelo fundo. Como a Requerente aponta, sem que a Requerida contradite qualquer dos seus fundamentos essenciais, tal matéria foi já objecto de apreciação em várias decisões arbitrais, tendo-se escrito, por exemplo, no processo arbitral n.º 758/2019 do CAAD.”

 

47.          E é a transcrição desta Decisão que aqui também reproduzimos:

“Alega, em sentido diverso, a Requerida que o objetivo do regime previsto no n.º 3 do artigo 22.º era assegurar que a tributação definitiva dos rendimentos obtidos através dos fundos se aproximasse à que se verificaria se os ativos fossem fruto de investimento direto dos titulares das unidades de participação, criando uma “técnica de quase transparência fiscal”. Ora, quando o legislador determina que o imposto retido assume a natureza de pagamento por conta e remete para as deduções previstas no artigo 83.º [atual artigo 90.º], teremos que atender ao disposto no n.º 2 do artigo 68.º, nomeadamente a obrigação de incluir os rendimentos ilíquidos. Atentos à letra da lei e sentido do regime, é para nós claro que o artigo 22.º estabelece um regime de tributação autónomo na esfera do fundo, tendo em vista isentar “à saída” a generalidade dos respetivos titulares. De forma diferenciada, o n.º 3, pela sua natureza de entidades que exerce uma atividade comercial, industrial ou agrícola, estabelece que os rendimentos respeitantes às unidades de participação nos fundos são considerados como “proveitos ou ganhos” na esfera dos seus titulares. Atendendo a que a tributação foi feita exclusivamente na esfera do fundo, os rendimentos a declarar nunca poderão incluir o imposto suportado autonomamente por uma terceira entidade. Se tal fosse a intenção do legislador, tê-lo-ia expresso de forma categórica (“rendimentos ilíquidos gerados pelo fundo de investimento”). Não podemos, por isso, atender, in casu, a uma interpretação "que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso" (artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil, ex vi artigo 11.º da Lei Geral Tributária). Por outro lado, a interpretação conforme à letra da lei não é, sublinhamos, contrária ao espírito e sistematização da norma que, na sua essência, consagra um sistema de tributação autónoma dos rendimentos dos fundos e reconhecimento de um tratamento mais favorável - daí a sua inclusão no Estatuto dos Benefícios Fiscais - aos titulares das unidades, de participação, seja pela isenção tout court, seja pela possibilidade de dedução na sua esfera do imposto pago pelo Fundo. No mesmo sentido, refere-se na decisão do CAAD de 27 de junho de 2019, proferida no processo n.º 309/2018-T que: “A nosso ver, é isso mesmo que o texto legal – o disposto no n.º 3 do art.º 22.º do EBF – pretende, ou seja, que o proveito a reconhecer pelo titular das UPs deverá corresponder ao montante pago pelo Fundo, sem que haja lugar ao acréscimo do valor respeitante ao imposto pago por este relativamente àquele rendimento. Mesmo que se entenda que esse regime seja mais benéfico do que o regime geral (o que não sucede em todos os casos, note-se), a verdade é que é nesse sentido que milita a letra da lei, não cabendo ao intérprete fazer conclusões interpretativas que se afastem da letra e espírito da lei. Acresce que a lei em causa regula precisamente os denominados benefícios fiscais, ou seja, medidas de carácter excepcional instituídas para a tutela de interesses extra-fiscais relevantes.”

 

48.          Também assim se conclui na decisão do CAAD de 6 de junho de 2018, proferida no Proc. n.º 371/2017-T: “Ora, o que o sujeito passivo fez, e que não é desmentido pela AT, foi considerar o montante dos rendimentos recebidos como proveito, incluindo-o na sua declaração de IRC, sendo isso o que determina aquela disposição, uma vez que, como se referiu, não há lugar a retenção na fonte. Assim sendo, não é aplicável o art.º 68º, nº2 do CIRC, não podendo, consequentemente, a AT ter feito a correção a que procedeu. A Requerida deveria ter considerado a importância líquida dos valores recebidos para efeitos de tributação, que é o que determina o art.º 22º, nº3, do EBF.”

 

49.          E prossegue o Acórdão tirado no Proc. n.º 261/2020-T de 14 de outubro de 2021:

 “Com efeito, a letra da lei é totalmente clara, no sentido de que: 

- os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos em causa não estão sujeitos a retenção na fonte; 

- tais rendimentos são claramente distinguidos do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1 do mesmo art.º 22.º, que é relativo aos rendimentos dos fundos de investimento mobiliário;

 - são aqueles primeiros rendimentos que são pelos seus titulares considerados como proveitos ou ganhos;

e que

 - o montante do imposto retido ou devido nos termos do n.º 1 tem a natureza de imposto por conta, para efeitos do disposto no actual artigo 90.º (anterior 83.º) do Código do IRC, e não para qualquer outro. 

Assim sendo, como não se tem dúvidas que é, por muito razoável e coerente que seja a construção jurídica apresentada pela Requerida – que também o é –, apenas poderá a mesma ser considerada de iure condendo, já que não tem qualquer correspondência no direito constituído, a aplicar.

Se o legislador, por descuido ou por qualquer outro motivo, optou por formular a norma ora em causa da maneira que o fez, não poderá o intérprete e aplicador, substituí-la por outra, ainda que objectivamente melhor, sem que tenha um mínimo de amparo nos elementos relevantes da interpretação jurídica. Com efeito, ao intérprete e ao aplicador da lei está impedido alargar o âmbito da norma aos casos não previstos. Daí que a alegação ora em apreço não seja susceptível de obstar à procedência da pretensão da Requerente.“

 

50.          Face a tudo o exposto e tratando-se de jurisprudência uniforme do CAAD, não se encontrando motivos para a contraditar, este Tribunal também entende que deve proceder o pedido arbitral, anulando-se a autoliquidação na parte contestada na presente ação arbitral.

 

51.          Vejamos, contudo se a questão da ausência de o suporte documental do peticionado, será de molde, como pretende a entidade Requerida, a reverter o sentido da Decisão.

 

 

52.          Na lógica da AT esses elementos em falta pretenderiam:

“…aferir a existência ou não de rendimentos gerados na vigência do anterior regime de tributação dos OIC que não foram distribuídos até 30 de junho de 2015, aos quais poderia ser aplicável o regime transitório previsto no Decreto-lei n.º 7/2015, de 13 de fevereiro, quando o Fundo decidir distribuir rendimentos aos seus participantes.”(sublinhado nosso)

 

53.           Ou seja, a AT pôs e continua a pôr em causa a própria existência dos rendimentos no período anterior à entrada em vigor da lei nova, por forma a legitimar a aplicação do regime transitório.

 

54.           Recordemos a documentação considerada em falta:

“Foi-lhe, pois, solicitado a apresentação do Regulamento de Gestão, Relatório de contas, Balanço e Demostração de resultados do primeiro semestre de 2015, com referência a 30 de junho de 2015, bem como o Balanço e Demostração de resultados dos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B..., bem como a ata de distribuição de resultados.”

“…foi solicitada a apresentação do Balanço e Balancete analítico final do exercício de 2017 após apuramento de resultados e balancetes analíticos do exercício de 2018, antes e depois do apuramento de resultados, bem como todos os extratos de conta.”

 

55.           Refere a Requerida que as sociedades gestoras de fundos estavam obrigadas à publicação de um conjunto de informações que permitia aos participantes a comprovação dos rendimentos declarados e o valor do imposto retido ou devido pelo Fundo nos termos legais.

 

56.           Contudo, consta da Resposta que a então reclamante entregou os seguintes documentos:

“…uma cópia de documento, emitida pela C...– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA. – NIF..., datada de 31-01-2019, cujo assunto é “Declaração de Rendimentos” de onde se retira o seguinte, “(…)” na qualidade de sociedade gestora do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B...,(…)”, NIF..., “(…) vem declarar para os devidos efeitos previstos nos n.º 3 e n.º 7 do art.º 22 (Lei 66/B/2012-31/12) do EBF e n.º 1 do art.º 7 do DecretoLei 7/2015 de 13 de Janeiro que distribuiu à Sociedade A... Unipessoal, Lda, (…), NIF..., “(…) o valor de 2.100.180 (dois milhões, cem mil, cento e oitenta) Euros referente a rendimentos de 8 502 753 unidades de participação. E “Mais se declara que do montante de rendimentos distribuído, 2.036.889 (dois milhões trinta e seis mil, oitocentos e oitenta e nove) Euros correspondem a resultados gerados com a venda de Imóveis adquiridos em período anterior e 30 de junho de 2015, ascendendo o correspondente imposto retido ou devido a 12.034.656 (doze milhões, trinta e quatro mil, seiscentos e cinquenta e seis) Euros”.

 

Um “…TELEFAX de 20-12-2018 efetuada pela C... – S.G.F.I.I., SA, para D..., S.A., com ordem de pagamento dos resultados através de conta bancária para a Requerente, com anexo I –Distribuição de Resultados Fundo B... – Dezembro de 2018.”

 

57.           E, quanto a esta questão do suporte documental das operações, a Requerida faz saber que a Requerente deveria ter procedido “…à apresentação discriminada, por período de tributação, do valor do imposto suportado pelo Fundo antes da entrada em vigor do novo regime fiscal dos OIC e que não foram imputados ao participante.”

 

58.           Refere ainda que a Requerente deveria “…atestar a qualidade de participante do beneficiário dos rendimentos distribuídos pelo Fundo e a quantidade de unidades de participação nele detidas.”

 

59.           E, para além de tudo isso, “…tinha que resultar claro dos elementos contabilísticos exatamente quais os rendimentos que foram gerados até ao dia 30 de junho de 2015, considerando-se distribuídos estes em primeiro lugar e até à sua concorrência, face ao estipulado pelo n.º 10 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de fevereiro, o imposto retido e devido pelo Fundo até essa data e os rendimentos que foram gerados a partir de 1 de julho de 2015.”

 

60.           Exigindo-se ainda a evidência de que os rendimentos gerados até 31 de junho de 2015 tivessem sido incluídos na base tributável, mas ilíquidos do imposto suportado pelo Fundo, que sabemos ser a leitura com a qual a Requerente não concorda.

 

61.           A Requerida recorda os documentos que a Requerente entregou no âmbito do processo de reclamação graciosa, que ela entende não serem ainda os suficientes e que foram os seguintes:

- Documento n.º 1 – Cópia do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa;

- Documento n.º 2 – Declaração Modelo 22 de 2015 submetida pelo Fundo; 

- Documento n.º 3 – Comprovativo de pagamento do IRC autoliquidado pelo Fundo em 2015; 

- Documento n.º 4 – Guias e comprovativos de pagamento efetuados pelo Fundo;

 - Documento n.º 5 – Relatório e Contas do Fundo relativo ao exercício de 2018* (*nota: o Relatório apresentado é do ano de 2021);

- Documento n.º 6 – Detalhe dos rendimentos gerados até 30 de junho de 2015;

- Documento n.º 7 – Declaração de rendimentos e retenções relativos a valores mobiliários, emitida pelo D..., SA;

- Documento n.º 8 – Balanço do exercício de 2017 e 2016;

- Documento n.º 9 – Balancete do exercício de 2017;

- Documento n.º 10 – Extratos de conta de 2017;

- Documento n.º 11 – Balanço do exercício de 2018 e 2017; 

- Documento n.º 12 – Balancete do exercício de 2018 antes do apuramento de resultados;

 - Documento n.º 13 – Balancete do exercício de 2018 após apuramento de resultados;

 - Documento n.º 14 – Extratos de conta corrente de 2018.

 

62.          Tendo ainda a Requerente, no mesmo contexto processual, esclarecido o seguinte:

a) Os rendimentos distribuídos que foram gerados até ao dia 30 de junho de 2015, ascendem a €2.036.889, cfr. Declaração de rendimentos emitida pela C...– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A. e que foi anexa à Reclamação Graciosa, e detalhe na tabela que junta, (Doc. n.º 6).

b) Imposto suportado pelo Fundo até essa data, ascendeu a €12.034.656, cfr. já detalhado no ponto 9 do presente direito de audição.

c) Rendimentos gerados a partir de 1 de julho de 2015 - este montante ascendeu a €63.290, cfr. Declaração de rendimentos e retenções relativos a valores mobiliários emitidos pelo D... .

 

63.          E a Requerida continua a dizer o mesmo que já se disse em sede reclamação e aponta para a falta dos mesmos documentos:

“Não apresentou a requerente o Regulamento de Gestão, Relatório de contas, Balanço e Demostração de resultados do primeiro semestre de 2015, com referência a 30 de junho de 2015, bem como o Balanço e Demostração de resultados, dos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B..., bem como a ata de distribuição de resultados.”

“Igualmente, não apresentou o documento original ou cópia autenticada, ou ainda cópia simples acompanhada do respetivo original, nos termos do artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro, da declaração emitida pela C..., declaração de rendimentos.”

 

64.          E procede à seguinte apreciação da prova produzida:

“Analisados os documentos apresentados pela requerente, os mesmos não foram considerados pela AT como aptos a acolher a pretensão da requerente, designadamente consta da decisão final de indeferimento que: “ Relativamente à contabilização do montante recebido a título de liquidação do FUNDO, no valor de €2.100.180,00, referido na cópia da declaração emitida pela sociedade gestora do fundo, constante na PI (pág. 23 do GPS) existem dúvidas de que estes tenham relevado para efeitos de apuramento do resultado fiscal, conforme evidenciado no extrato da conta 41111 – Fundo Investimento Imobiliário Fechado, ver Doc. n.º 14 (Total do DA, pág. 169 do GPS), lançamento 1722 e 1723, num total de €2.100.179,99 (€2.036.889,00 + €63.290,99), de 27/12/2018.

 (…) Por sua vez, verifica-se que o RLP, no valor de €19.604.461,77, apurado em 2018, encontra-se influenciado pelo IRC suportado do Fundo em €12.034.656,23, Doc. n.º 14, (TOTAL do DA, pág. 178 do GPS), a crédito, lançamento 60, de 31/12/2018, descritivo Retenção Fonte s/rendimentos, na conta 8121 – Imposto estimado do período, que resultou num imposto estimado no valor de €8.495.758,10 (€12.034.656,23 - €3.538.898,13). (…) verifica-se que a reclamante acresceu no quadro 07 campo752 - €14.134.836,22 e deduziu no campo 775 – €12.034.656,00, resultando uma diferença de €2.100.179,99, ou seja, o rendimento, que não foi reconhecido na contabilidade.”

 

65.          Para concluir do seguinte modo:

“Donde, com base nos elementos documentais apresentados pela requerente concluiu a AT que dos mesmos até resultaria uma correção desfavorável à Requerente, uma vez que, a mesma na conta 8121 – Imposto estimado do período apresenta imposto estimado a débito, o valor de €3.538.898,13, sendo que do imposto suportado pelo Fundo só foi considerado €4.956.859,97, tendo resultado assim, imposto estimado de €8.495.758,10 (€3.538.898,13 + €4.956.859,97), o que levaria a que a AT procedesse à devida correção acrescendo no Q07 da modelo 22 de IRC de 2018, o total em falta de €7.077.796,26 (€12.034.656,23 - €4.956.859,97).”

 

66.          Relativamente a esta questão o Tribunal entende, tal como resulta do probatório, que os elementos essenciais a serem dados como provados são:

a)     o valor do imposto suportado pelo FUNDO antes das alterações do regime legal de tributação e nesse aspeto parece indiscutível que o mesmo se cifou nos € 12.034.656,23 e por outro lado, 

b)    que houve lugar, após a entrada em vigor da lei nova, ao pagamento de rendimentos aos participantes, neste caso, único do FUNDO, o que se cifrou no montante de € 2.292.551,86.

 

67.          Havendo imposto pago e rendimentos distribuídos nas condições impostas por lei, determinando a jurisprudência que o valor do imposto pago não deve acrescer à matéria coletável da Requerente, para efeitos do apuramento do imposto devido, nada mais restaria provar à Requerente, para que razão lhe fosse reconhecida.

 

68.          Motivo pelo qual nada impõe que se reverta o sentido da decisão para a qual inicialmente se apontou e que agora se renova, no sentido de considerar o pedido de pronúncia arbitral procedente por provada e em consequência anular a liquidação efetuada, revogar a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e impor à Autoridade Tributária a reposição da situação que existia anteriormente, quer ao nível de liquidação de imposto, quer ao nível da obrigatoriedade de pagamento de juros indemnizatórios.

 

69.          A Requerente teria direito a um reembolso de € 11.951.852,13, como apenas foi liquidado um valor equivalente a um reembolso de € 9.659.300,28, a Requerente terá direito à restituição de € 2.292.551,86, em sede de execução de sentença.

 

VIII.   JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

1.             A Requerente peticiona ainda que seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 

2.             Dispõe o n.º 1 do artigo 43.º da LGT e o artigo 61.º do CPPT, que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. 

 

 

 

3.             Considera-se erro imputável à administração quando o erro não for imputável ao contribuinte e assentar em errados pressupostos de facto que não sejam da responsabilidade do contribuinte. 

 

4.             Ora, resultando dos atos tributários impugnados a obrigação de pagamento de imposto superior ao que seria devido, são devidos juros indemnizatórios nos termos legalmente previstos, presumindo o legislador, nestes casos, em que se verifica a anulação da liquidação, que ocorreu na esfera do contribuinte um prejuízo em virtude de ter sido privado da quantia patrimonial que teve que entregar ao Estado em virtude de uma liquidação ilegal. Em consequência, tem o contribuinte direito a essa indemnização, independentemente de qualquer alegação ou prova do prejuízo sofrido.

 

5.             No caso presente, será inquestionável que, na sequência da consagração da ilegalidade dos atos de liquidação, haverá lugar a reembolso do imposto por força do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, e do artigo 100.º da LGT passando, necessariamente por aí o restabelecimento da “situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

6.             Do mesmo modo, entende-se que será isento de dúvidas que a ilegalidade do ato é imputável à Autoridade Tributária.

 

7.             Quanto ao conceito de “erro”, tem sido entendido que só em casos de anulações fundadas em vícios respeitantes à relação jurídica tributária haverá lugar a pagamento de juros indemnizatórios, não sendo reconhecido tal direito no caso de anulações por vícios procedimentais ou de forma.

 

8.             Assim sendo, estando-se perante um vício de violação de lei substantiva, que se consubstancia em erro nos pressupostos de direito, imputável à Autoridade Tributária, tem a Requerente direito a juros indemnizatórios, de acordo com os artigos 43.º, n.º 1 da LGT, e 61.º do CPPT, contados desde o pagamento do imposto até ao integral reembolso do referido montante.

 

 

 

 

 

IX.      DECISÃO

 

1.             Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim, julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular a decisão de indeferimento relativamente à reclamação graciosa da liquidação de IRC n.º 2019..., entretanto substituída pela liquidação de IRC n.º 2021..., proferidas pela Direção de Finanças de Lisboa, e anular a liquidação de onde resultou um valor a reembolsar de € 9.659.300,28, determinando que o valor do IRC a reembolsar à Requerente seja superior em € 2.292.551,86, ascendendo a € 11.951.852,13.

 

X.        VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 2.292.551,86 (dois milhões duzentos e noventa e dois mil quinhentos e cinquenta e um euros e oitenta e seis cêntimos), nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, c), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

XI.      CUSTAS

Custas a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 29.682,00 (vinte e nove mil seiscentos e oitenta e dois euros).

  

Notifique-se.

 

Lisboa, 21 de junho de 2023

***

Os Árbitros

 

 

 

Carlos Alberto Fernandes Cadilha

 

 

 

Jorge Carita

 

 

 

João Pedro Rodrigues