Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 665/2022-T
Data da decisão: 2023-05-31   Outros 
Valor do pedido: € 6.095.044,57
Tema: CSR - Contribuição de Serviço Rodoviário. Pedido de revisão oficiosa. Reembolso do imposto pago.
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SUMÁRIO:

  1. A Contribuição de Serviço Rodoviário, criada pela Lei nº 55/2007, de 31 de agosto é um imposto;
  2. A Contribuição de Serviço Rodoviário não prossegue, na aceção do artigo 1º nº 2 da Diretiva 2008/118, de 16 de dezembro, “motivos específicos”, por se tratar de um imposto cujas receitas ficam genericamente afetas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários;
  3. A Administração Tributária apenas pode recusar o reembolso de um imposto contrário ao direito comunitário se provar que este não foi suportado pelo sujeito passivo, que o repercutiu a pessoa diferente, e que o reembolso desse imposto configuraria um enriquecimento sem causa do sujeito passivo;
  4. A prova da repercussão do imposto em pessoa diferente do sujeito passivo e do enriquecimento sem causa deste não pode ser efetuada através de presunções.

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO:

 

A..., S.A., titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva..., doravante designada por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade do ato de rejeição do pedido de revisão oficiosa proferido pelo Diretor da Alfândega de Braga em 17/10/2022 e dos atos de liquidação que englobam o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP), Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) e outros tributos, referentes ao período entre janeiro e dezembro de 2020, na parte em que liquidaram CSR no montante total de € 6.095.044,57, bem como a condenação da Autoridade Tributária a reembolsar à Requerente o valor de CSR pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, à taxa legal.

 

Para fundamentar o seu pedido alegou, em síntese:

 

  1. A Requerente introduziu no consumo, no ano de 2020, diversos produtos petrolíferos, tendo a AT liquidado ISP, CSR e outros tributos, no valor global de € 30.363.074,12, correspondendo € 6.095.044,57 à CSR;
  2. Em 26/04/2022 a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de CSR;
  3. Em 17/10/2022 foi proferido despacho de rejeição do pedido de revisão oficiosa;
  4. Nos termos do artigo 78º nº 1 2ª parte da LGT, o pedido de revisão oficiosa pode ser apresentado no prazo de 4 anos, quando se trate de erro imputável aos serviços, sendo que tal erro tanto pode ser de facto como de direito, no qual se enquadra a violação de normas de Direito Europeu;
  5. A lei nº 55/2007, de 31 de agosto, que criou a CSR, viola o direito europeu, pelo que as liquidações impugnadas enfermam de erro de direito;
  6. A Diretiva 2008/118, de 16 de dezembro de 2008, que fixa a estrutura comum dos Impostos Especiais de Consumo (IEC), configura a CSR como um imposto não harmonizado incidente sobre produtos sujeitos aos IEC harmonizados;
  7. Para evitar que seja posto em causa o sistema harmonizado dos IEC, a Diretiva subordina a criação destes impostos não harmonizados à dupla condição de (i) respeitarem a estrutura essencial dos IEC e do IVA e de (ii) terem como fundamento um motivo específico;
  8. Não podendo este motivo específico, de acordo com a jurisprudência do TJUE, corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita;
  9. A afetação da receita a despesas determinadas pode constituir um indicador de um motivo específico na criação destes impostos, mas nem toda a afetação comprova um motivo específico, sendo necessária uma ligação direta entre a utilização da receita e a finalidade do imposto;
  10.  Na falta dessa afetação, para que se concluísse existir motivo específico seria necessário, segundo o TJUE, que a estrutura do imposto servisse para desmotivar o consumo que ele queira prevenir;
  11. A Lei nº 55/2007 não faz apelo a qualquer objetivo de política ambiental, energética ou social;
  12. Reconduzindo-se as razões invocadas pelo legislador para a criação da CSR na necessidade de criar receitas próprias para o financiamento da EP - Estradas de Portugal, atualmente Infraestruturas de Portugal, IP, S.A. (Infraestruturas de Portugal);
  13. A CSR serve para financiar despesas suscetíveis de serem custeadas pelo produto de impostos de qualquer natureza;
  14. A CSR, criada pela Lei nº 55/2007, é um imposto desconforme ao artigo 1º nº 2 da Diretiva nº 2008/118;
  15.  De acordo com o TJUE, os Estados-Membros estão obrigados a reembolsar os montantes de imposto cobrado em violação do Direito Europeu;
  16.  Reconhecendo o TJUE o direito de os Estados-Membros recusarem o reembolso quando se comprove que o reembolso leve ao enriquecimento sem causa do contribuinte;
  17. Para o efeito, é necessário que se demonstre a repercussão do imposto, não podendo esta ser presumida pela AT, mesmo quando o imposto seja concebido pelo legislador com o objetivo de ser repercutido ou quando o contribuinte esteja legalmente obrigado a incorporá-lo no preço dos bens;
  18.  Entendendo o TJUE que cabe à AT o ónus de provar, primeiro, a repercussão do imposto, depois, o enriquecimento sem causa do contribuinte;
  19. A AT presumiu, sem o lograr demonstrar, quer a repercussão do imposto por parte da Requerente, quer o enriquecimento sem causa desta.

 

A Requerente juntou 46 documentos e não arrolou testemunhas.

 

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº2 a) do RJAT, foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa os signatários, Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro, Dr. Alberto Amorim Pereira e Dr. António Manuel Melo Gonçalves, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

 

O tribunal arbitral coletivo foi constituído em 16 de janeiro de 2023.

 

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, defendendo-se por exceção e por impugnação.

 

Na defesa por exceção, invocou a Requerida, em síntese:

 

  1. A CSR é uma contribuição financeira e não um imposto, encontrando-se, assim, excluída da arbitragem tributária, já que a vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos qualificados como contribuição;
  2. A CSR representa uma contraprestação pela utilização dos serviços prestados pela IP, S.A. aos utentes das vias rodoviárias, em nome do Estado;
  3. A Requerente não suscita a apreciação da legalidade de normas especificas do regime da CSR mas antes o regime da CSR no seu todo, pretendendo com a presente ação suspender a eficácia de atos legislativos, o que extravasa o âmbito da ação arbitral prevista no RJAT;
  4. Embora o sujeito passivo da CSR seja a Requerente, o encargo desta contribuição é suportado pelo consumidor do combustível, pelo que a Requerente não tem legitimidade para peticionar a restituição do imposto;
  5. A anulação dos atos impugnados consubstanciaria um enriquecimento sem causa da Requerente, que repercutiu a CSR paga ao consumidor final;
  6. O pedido de revisão apresentado é extemporâneo, já que os atos de liquidação sindicados não enfermam de qualquer erro imputável aos serviços, tendo-se a AT limitado a aplicar as nomas vigentes;
  7. A extemporaneidade do pedido de revisão oficiosa tem, necessariamente, como consequência a caducidade do direito de ação por parte da Requerente.

 

Em sede de defesa por impugnação, invocou a Requerida, em síntese:

 

  1. A CSR visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da IP, S.A. e representa uma contraprestação pela utilização dos serviços prestados pela IP aos utentes das vias rodoviárias, em nome do Estado;
  2. Existe um vínculo entre o destino dado às receitas da CSR e o motivo especifico que levou à sua criação;
  3. A CSR tem também objetivos de sustentabilidade ambiental e de redução de sinistralidade, pelo que não se pode defender ter esta uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita;
  4.  A restituição do imposto liquidado pela Requerente, para além de consubstanciar um enriquecimento sem causa desta, constituiria uma clamorosa injustiça, já que a AT se veria obrigada a restituir um valor que não recebeu, por ter entregue à Infraestruturas de Portugal;
  5. Conforme tem vindo a ser defendido pelo TJUE, o Estado não está obrigado a devolver os impostos que tenham sido incluídos no preço das mercadorias vendidas e, assim, repercutidos nos adquirentes;
  6. Tendo em consideração que a procura do gasóleo e da gasolina é altamente inelástica, a carga fiscal é repercutida no consumidor final, sob a forma de preços mais altos, já que o vendedor não terá qualquer razão para absorver o custo do imposto e não aumentar o preço quando confrontado com um aumento da taxa do imposto;
  7. Desde que se demonstre que os impostos indevidamente arrecadados foram efetivamente incluídos no preço das mercadorias vendidas e, assim, repercutidos nos adquirentes, o Estado não está obrigado à devolução dos ditos impostos;
  8. Assim como é incompatível com o direito comunitário a exigência de uma prova impossível ao sujeito passivo, também não se pode exigir ao Estado que, para provar a efetiva repercussão do imposto por parte do sujeito passivo sobre terceiros, faça uma prova impossível;
  9. A repercussão da CSR não é uma repercussão obrigatória ou legal, mas meramente económica, que não se encontra segregada ou registada ao nível contabilístico;
  10. Com vista a fazer a prova da repercussão efetiva da CSR pela Requerente, foi aberta pela AT a ordem de serviço nº OI2021..., que concluiu que a CSR liquidada foi incluída no preço de venda dos combustíveis e, consequentemente, constituiu um encargo, não da Requerente, mas de quem adquiriu os combustíveis;
  11. A restituição à Requerente do valor por esta pago a título de CSR representaria uma violação do princípio da justiça tributária;
  12. O tribunal arbitral não tem competência para se pronunciar sobre a restituição de valores por conta da declaração de ilegalidade ou anulação de atos de liquidação;
  13. Os juros indemnizatórios apenas seriam devidos se a AT tivesse proferido decisão no âmbito do pedido de revisão oficiosa decorrido mais de um ano após a sua apresentação, o que não se verificou.

 

A Requerida juntou o processo administrativo, não tendo junto qualquer documento nem arrolado testemunhas.

 

Por despacho de 22/02/2023, foi dispensada a realização da reunião arbitral, tendo as partes sido notificadas para, querendo, apresentar alegações escritas simultâneas.

 

A Requerente apresentou alegações, nas quais, para além de responder à matéria de exceção invocada pela Requerida na sua resposta, reiterou o já defendido em sede de pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária, não ocorrendo vícios de patrocínio.

Em sede de resposta, a Requerida invocou diversas exceções que importa desde já conhecer, já que a procedência de alguma destas exceções prejudica o conhecimento do mérito do pedido.

Assim:

 

  1. Da incompetência material do tribunal arbitral, atenta a natureza jurídica da CSR:

 

Na resposta apresentada, defende a Requerida a incompetência do tribunal arbitral para conhecimento do pedido formulado, para tanto defendendo, em síntese, que a jurisdição arbitral se encontra limitada à apreciação da legalidade de atos de liquidação de impostos e a CSR não constitui um imposto, mas antes uma contribuição financeira. Invoca ainda a Requerida que a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição.

 

A Requerente, por seu turno, defende que a CSR constitui, na substância, um imposto, apesar de o nomen juris sugerir que está em causa uma contribuição financeira.

 

Apreciando a questão, desde já adiantamos acolher a tese defendida pela Requerente.

 

A questão, segundo entendemos, coloca-se, não do ponto de vista da competência do tribunal arbitral - já que a sua competência abrange, conforme decorre do artigo 2º do RJAT, todos os tributos - mas no âmbito da vinculação da Autoridade Tributária.

 

O artigo 4º do RJAT determina que a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

 

Por seu turno, de acordo com a AT, o artigo 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março restringe a vinculação da Autoridade Tributária à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo todos e quaisquer tributos, designadamente a CSR.

 

Tal entendimento não nos parece ter, no entanto, qualquer suporte na letra da lei, sendo que, como é sabido, não pode ser considerada pelo intérprete qualquer interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, devendo o intérprete presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

 

Ora, da análise do artigo 2º da referida Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, não se verifica qualquer restrição da vinculação da Autoridade Tributária à apreciação de pretensões relativas a impostos.

 

Com efeito, dispõe o citado preceito:

 

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes:

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo.”

 

Pese embora a referida norma se refira a “apreciação das pretensões relativas a impostos”, a verdade é que remete para o artigo 2º nº 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT).

 

Sendo que o número 1 do artigo 2º do RJAT não restringe a competência dos tribunais arbitrais à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de impostos, abrangendo antes a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos no geral, entre os quais, como está bom de ver, se incluem as contribuições financeiras.

 

Ademais, a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março previu de forma taxativa as pretensões excluídas da vinculação da Autoridade Tributária, entre as quais não se encontra a análise de pretensões relativas a liquidações de contribuições financeiras.

 

E, onde a lei não distinguiu, não pode nem deve o intérprete fazê-lo.

De onde resulta que, ao contrário do defendido pela AT, a vinculação desta aos tribunais arbitrais não se restringe a impostos, abrangendo todos e quaisquer tributos.

 

Mas, ainda que se aceitasse a posição defendida pela AT, ainda assim não se verificaria qualquer incompetência do tribunal arbitral.

 

Isto porque, ao contrário do defendido pela AT, a CSR constitui um verdadeiro imposto administrado pela AT, ainda que de receita consignada, e não uma mera contribuição financeira, não sendo a sua denominação, para efeito de apreciação da competência deste tribunal arbitral, determinante.

 

Ao invés, para determinar a qualificação de um tributo como imposto ou como contribuição impõe-se ao intérprete analisar o conteúdo específico de tal tributo e não apenas a sua denominação.

 

Ora, como é sabido, o sistema tributário português compreende três categorias de tributos: impostos, taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas - cfr. artigo 165º nº 1 i) da CRP.

 

Conforme ensina SOARES MARTINÉZ [1], a relação jurídica de imposto tem carácter obrigacional, tem por fim a realização de uma receita pública e não depende de outros vínculos jurídicos, nem determina para o sujeito ativo respetivo qualquer dever de prestar específico, o que significa que tem carácter unilateral, não bilateral ou sinalagmático.

 

O imposto consiste ainda numa prestação pecuniária sem carácter sancionatório.

 

Por seu turno, a taxa tem origem sinalagmática, correspondendo, por parte do sujeito ativo, a um dever de prestar específico. Nas palavras do indicado autor, a taxa “tem por causa a prestação por uma entidade pública de utilidades individualizadas”.

 

Já quanto à contribuição, explica o autor a que se vem de fazer referência, que as respetivas relações são obrigacionais, o seu fim é a criação de receitas públicas e não dependem de outros vínculos jurídicos nem determinam para o sujeito ativo qualquer dever de prestar específico.

 

Para ALBERTO XAVIER [2], os tributos dividem-se em duas grandes categorias: os impostos e as taxas.

 

O tributo, segundo ensina este Autor, “é a prestação patrimonial estabelecida por lei a favor de uma entidade que tem a seu cargo o exercício de funções públicas, com o fim imediato de obter meios destinados ao seu financiamento.”

 

São, pois, elementos caracterizadores do tributo (i) a patrimonialidade; (ii) o carácter obrigacional e (iii) a origem legal.

 

Nas palavras do indicado Autor, “a prestação patrimonial em que o imposto consiste é uma prestação unilateral, no sentido de não sinalagmática, pois a obrigação de que resulta não se encontra entrelaçada com qualquer outra obrigação recíproca com o mesmo fundamento a cargo do titular do imposto, que seja a contrapartida da atribuição patrimonial que através dela se obtém.”

 

Isto porque, como explica, “a situação que dá origem ao imposto não gera para o credor qualquer dever específico de efetuar uma contraprestação.”

 

O imposto diferencia-se da taxa por aquele ser o modo de funcionamento próprio dos serviços públicos indivisíveis e a taxa dos serviços divisíveis, isto é, que proporcionam vantagens ou satisfações individualizadas a quem os utiliza.

 

A taxa reveste carácter sinalagmático, não unilateral. Aqui, o fundamento do tributo é a prestação da atividade pública, a utilização do domínio e a remoção do limite jurídico e por isso estas realidades e a taxa que lhes corresponde encontram-se entre si ligadas por um nexo sinalagmático, em termos de uma se apresentar como contraprestação da outra.

 

Já quanto à contribuição financeira, figura afim do imposto e da taxa, defende este Autor que esta se verifica em dois casos distintos: naqueles em que é devida uma prestação, em virtude de uma vantagem económica particular resultante do exercício de uma atividade administrativa, por parte de todos aqueles que tal atividade indistintamente beneficia e naqueles em que é devida uma prestação em virtude das coisas possuídas ou da atividade exercida pelos particulares darem origem a uma maior despesa da entidade pública.

 

Para este Autor, a contribuição financeira não tem seguramente a natureza de taxa, mas “nada leva a separá-las da categoria dos impostos”.

 

Também para NUNO DE SÁ GOMES [3], a distinção entre imposto e contribuição financeira não tem relevância do ponto de vista jurídico. Na verdade, segundo ensina, as contribuições financeiras, “de um ponto de vista jurídico, são verdadeiros impostos”.

 

Sobre a noção de imposto e sua distinção de figuras próximas, podem ver-se ainda, entre outros, ANTÓNIO BRAZ TEIXEIRA, “Princípios de Direito Fiscal”, 1979, nºs 5 e 6; ALBERTO AMORIM PEREIRA, “Noções de Direito Fiscal”, 1981, parte I, Capítulo II, nºs 1 e 2; SOUSA FRANCO, “Direito Financeiro e Finanças Públicas”, Volume II, 1982, capítulo XVI.

 

O Tribunal Constitucional [4] também se pronunciou sobre o tema, defendendo que a contribuição financeira tem uma estrutura paracomutativa, dirigida à compensação de prestações de que os sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários.

 

Assim, o que determina a qualificação de um tributo como contribuição financeira é o facto de esse tributo ter por finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário ou a elas tenha dado causa. Por outras palavras, para que se possa defender estar perante uma contribuição financeira e não um imposto, é necessário que a prestação pública beneficie ou seja causada pelo respetivo sujeito passivo do tributo.

 

Não é este, claramente, o caso da CSR.

 

Por um lado, a CSR é estabelecida a favor da Infraestruturas de Portugal, sendo esta a entidade titular da correspondente receita. No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da Infraestruturas de Portugal.

 

Por outro lado, a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa (conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas - artigo 3º nº 2 da Lei nº 55/2007, de 31 de agosto) não é dos sujeitos passivos da CSR (empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários), mas antes dos utilizadores da rede rodoviária nacional concessionada à Infraestruturas de Portugal.

Assim, os beneficiários e os responsáveis pelo financiamento da tarefa da Infraestruturas de Portugal não são os sujeitos passivos da CSR mas antes a população em geral, aqui se incluindo tanto os utilizadores da rede rodoviária nacional concessionada à Infraestruturas de Portugal como os utilizadores de vias rodoviárias não incluídas da rede concessionada.

 

De onde resulta não existir qualquer nexo de comutatividade coletiva entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da atividade ou entre aqueles e os benefícios retirados de tal atividade.

 

A qualificação da CSR como um verdadeiro imposto, ainda que de receita consignada, resulta ainda da análise da sua génese. Com efeito, a Lei nº 55/2007, de 31 de agosto criou a CSR por desdobramento do ISP, em relação ao qual é indiscutível a sua qualificação como imposto.

 

Sendo que tal desdobramento não tem a virtualidade de transformar aquilo que era imposto em mera contribuição financeira. Ao invés, e independentemente da sua nomenclatura, a CSR mantém-se como verdadeiro imposto, como sempre foi, antes do dito desdobramento.

 

Improcede, assim, a exceção de incompetência material do tribunal arbitral, tendo por base a natureza da CSR, sendo este tribunal competente para apreciação do litígio e encontrando-se a AT vinculada à decisão que vier a ser proferida.

 

  1. Da incompetência do tribunal, atenta a natureza do pedido:

 

Invoca a AT que o pedido da Requerente não se dirige a normas especificas do regime da CSR mas antes à legalidade do regime da CSR no seu todo, pretendendo assim a suspensão da eficácia de atos legislativos, o que extravasa o âmbito da ação arbitral prevista no RJAT.

O que a Requerente expressamente refuta, defendendo não restarem quaisquer dúvidas sobre a pretensão por si formulada, que é delimitada pelo respetivo pedido, de onde resulta de forma clara que o pedido arbitral deduzido respeita à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (objeto imediato) e dos atos tributários de liquidação objeto daquele pedido na concreta parte que respeita à CSR (objeto mediato).

 

Analisado o pedido de pronúncia arbitral, verifica-se, sem qualquer margem para dúvidas, que a Requerente, apesar de sindicar a conformidade com o direito comunitário do regime jurídico da CSR, não peticiona a declaração de ilegalidade da Lei nº 55/2007, de 31 de agosto nem a sua declaração de ineficácia. Ao invés, a Requerente peticiona:

  1. A declaração de ilegalidade do ato de rejeição do pedido de revisão oficiosa referente aos atos de liquidação impugnados;
  2. A declaração de ilegalidade dos atos de liquidação que englobam o ISP, CSR e outros tributos, referentes ao período entre janeiro e dezembro de 2020, na parte em que liquidaram CSR no montante total de € 6.095.044,57.

 

Verifica-se, pois, que o pedido formulado pela Requerente se insere dentro da competência material do tribunal arbitral, tal como definida no RJAT, pelo que improcede a exceção de incompetência material invocada pela Requerida.

 

c. Da ilegitimidade processual da Requerente:

 

Defende a Requerida a ilegitimidade da Requerente, para tanto defendendo que, embora o sujeito passivo da CSR seja o que se encontra definido para efeitos de ISP, o encargo desta contribuição é suportado pelo consumidor do combustível, sendo, portanto, este o contribuinte da CSR e, como tal, parte legítima para peticionar a declaração de ilegalidade dos respetivos atos de liquidação.

 

De acordo com a Requerida, a CSR paga pela Requerente foi incluída no preço de venda dos combustíveis e, portanto, repercutida nos respetivos adquirentes, pelo que seriam estes e não a Requerente parte legítima nos presentes autos, carecendo, assim, a Requerente, de interesse em agir.

 

Em sua defesa, invoca a Requerente que a legitimidade ativa no processo arbitral tributário é atribuída aos sujeitos passivos - designadamente contribuintes diretos, demais obrigados tributários e outras pessoas que provem um interesse legalmente protegido -, nos termos do artigo 9.º, n.ºs 1 e 4, do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT.

 

Mais defendendo que a eventual falta de interesse em agir estaria dependente da demonstração da repercussão da CSR paga pela Requerente aos adquirentes dos combustíveis, prova essa que a Requerida não logrou fazer.

 

Apreciando, a legitimidade e o interesse em agir da Requerente, resultam evidentes.

 

Com efeito,

 

Nos termos do disposto no artigo 9º nº 1 do CPPT, têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido, prescrevendo o número 4 do mesmo preceito que, no processo judicial tributário, têm legitimidade, além das entidades referidas nos números anteriores, o Ministério Público e o representante da Fazenda Pública.

 

O termo “contribuintes”, utilizado pela referida norma tem o significado de “sujeitos passivos”, utilizado pelo artigo 18º nº 3 da LGT - a pessoa singular ou coletiva, património ou organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.

Ora, os contribuintes diretos da CSR são, conforme resulta do artigo 5º nº 1 do respetivo regime jurídico, os sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, os quais, de acordo com o artigo 4º do CIEC são, ademais, os depositários autorizados, os destinatários registados e os destinatários certificados, como é o caso da Requerente.

 

Assim, dúvidas não restam de que a Requerente é o sujeito passivo da CSR em causa nos presentes autos e, como tal, parte legítima.

 

O interesse em agir da Requerente é evidente: se é esta o sujeito passivo da CSR, é esta que retira utilidade da demanda.

 

Improcede, pois, a invocada exceção de ilegitimidade passiva e de falta de interesse em agir da Requerente.

 

d. Da caducidade do direito de ação:

 

Por último, invoca a Requerida a exceção de caducidade do direito de ação, para tanto sustentando que o pedido de revisão oficiosa apresentado e cuja declaração de ilegalidade da decisão foi peticionada é intempestivo.

 

Isto porque, segundo defende, o pedido de revisão oficiosa por iniciativa do sujeito passivo apenas pode ser apresentado dentro do prazo de 120 dias contado do termo do prazo do pagamento voluntário do tributo.

 

Sendo que, à data da apresentação do pedido de revisão oficiosa - 26/04/2022 - já há muito havia sido ultrapassado tal prazo, já que o termo do prazo do pagamento voluntário relativo à ultima das liquidações efetuadas ocorreu em 29/01/2021.

O prazo de 4 anos previsto no artigo 78º nº 1 2ª parte da LGT, prossegue a Requerida, só é aplicável se o fundamento da revisão consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços.

 

Erro esse que in casu não se verifica já que, de acordo com a Requerida, os atos de liquidação impugnados foram praticados ao abrigo dos artigos 4º e 5º da Lei 55/2007, não podendo a Requerida, que se encontra sujeita ao princípio da legalidade, deixar de aplicar quaisquer normas com base num julgamento de não conformidade com o direito comunitário.

 

Respondendo a esta exceção, defende a Requerente que o erro imputável aos serviços, ao abrigo do qual o artigo 78º da LGT permite a apresentação de pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos, comporta não apenas o erro de facto como também o erro de direito, quer este resulte da má interpretação das normas legais em vigor ou da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o Direito Europeu.

 

Em causa nos autos está a interpretação da norma contida no número 1 do artigo 78º da LGT, que dispõe o seguinte:

 

“A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços”.

 

O dissenso entre a Requerente e a Requerida reside na interpretação da 2ª parte deste preceito, concretamente, em saber se a revisão oficiosa do ato pode ter lugar a pedido do sujeito passivo, ultrapassado o prazo da reclamação administrativa, por um lado, e, por outro lado, na interpretação da locução “erro imputável aos serviços”.

 

Vamos por partes.

 

No que diz respeito à possibilidade de, ultrapassado o prazo da reclamação administrativa, o sujeito passivo pedir a revisão oficiosa do ato tributário, parece-nos que tal questão se encontra há muito ultrapassada, já que, tendo a AT o dever legal de decidir os pedidos que lhe sejam formulados pelos interessados, não pode escusar-se a tomar a iniciativa de revisão oficiosa do ato tributário quando tal lhe seja pedido pelos interessados - neste sentido vejam-se, entre outros, acórdãos do STA de 04MAIO2016, processo nº 0407/15 e de 29MAIO2013, processo nº 0140/13, ambos in www.dgsi.pt.

 

O mesmo se diga em relação à definição de “erro imputável aos serviços”, a qual, como defende a Requerida, se encontra há mais de 20 anos estabelecida na jurisprudência, no sentido de que tal erro comporta quer o erro de facto, quer o erro de direito.

 

Como bem se sumaria no recente acórdão do TCA Sul de 05NOV2020, disponível in www.dgsi.pt, “I. Existindo uma obrigação genérica de a Administração Tributária atuar em plena conformidade com a lei, legalmente preceituada, desde logo, no artigo 266.°, nº2, da CRP e bem assim no artigo 55.° da LGT, qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração. II- Para a questão se subsumir no “erro imputável aos serviços”, constante no artigo 78.º, nº 1, da LGT importa, desde logo, que o contribuinte não tenha contribuído, por qualquer forma, para a emissão do ato de liquidação, ou seja, não pode existir uma conduta, seja ela ativa ou omissiva, que tenha determinado a emissão do ato de liquidação, nos moldes em que o foi.” (realce nosso).

 

Sendo certo que tal ilegalidade poderá reconduzir-se à ilegalidade da liquidação (ilegalidade em concreto) ou à ilegalidade do tributo, isto é, à ilegalidade absoluta da liquidação (ilegalidade abstrata), comportando esta última a ilegalidade de normas nacionais violadoras do direito comunitário [5].

 

No caso dos autos, o fundamento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente e do subsequente pedido de pronúncia arbitral é a ilegalidade abstrata da CSR e não propriamente das liquidações efetuadas, as quais, como bem defende a Requerida, o foram em cumprimento do princípio da legalidade.

 

Em defesa da sua tese, defende ainda a Requerida que o erro imputável aos serviços, para efeito do disposto no artigo 78º nº 1 da LGT, no que à alegada violação do direito comunitário respeita, abrange apenas o erro na aplicação do direito comunitário que vincula diretamente todos os poderes públicos e os particulares, sem necessidade de qualquer lei nacional que o determine.

 

Entendemos ser esta questão perfeitamente inócua para o litígio em causa, já que, como é sabido, às diretivas comunitárias é reconhecido o efeito direto vertical, podendo, em consequência, as respetivas normas ser invocadas diretamente pelos particulares junto dos tribunais, independentemente da sua aplicação direta, isto é, independentemente de esta vincular diretamente todos os poderes públicos e os particulares, sem necessidade de qualquer lei nacional que o determine.

 

Em suma, temos, assim, por assente, que (i) o pedido de revisão oficiosa pode ter lugar por iniciativa do sujeito passivo, quer dentro do prazo de reclamação administrativa, com base em qualquer fundamento, quer dentro do prazo de 4 anos, com fundamento em erro imputável aos serviços; (ii) o erro imputável aos serviços comporta quer o erro de facto, quer o erro de direito; e (iii) o erro de direito engloba o erro derivado da violação de qualquer norma de direito comunitário, independentemente de este vincular ou não diretamente os poderes públicos e os particulares.

 

Improcede, pois, a exceção de caducidade do direito de ação invocada pela Requerida.

 

 

  1. QUESTÕES DE DIREITO A DECIDIR:

 

Conhecidas as exceções invocadas pela Requerida, importa agora determinar as questões de direito a decidir, que, atentas as posições das partes, são as seguintes:

 

  1. Determinar se a CSR viola a Diretiva 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008;
  2. Possibilidade de afastar o direito ao reembolso da Requerente.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO:

 

a.      Factos provados:

 

Com relevo para a decisão consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial que tem como objeto social, ademais, a exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos;
  2. No período de janeiro a dezembro de 2020, a Requerente introduziu no consumo produtos petrolíferos que deram origem aos atos de liquidação de ISP, CSR e outros tributos cujos períodos, números, valores e datas limite de pagamento a seguir se identificam:

Período

Número

Valor

Valor CSR

Data limite de pagamento

Janeiro 2020

...

€ 3.115.259,74

653.462,81

28/02/2020

Fevereiro 2020

...

€ 3.051.644,33

€ 633.513,01

31/03/2020

Março 2020

...

€ 3.075.665,94

€ 621.194,02

30/04/2020

Abril 2020

...

€ 1.669.578,94

€ 337.626,54

29/05/2020

Maio 2020

...

€ 1.682.598,89

€ 333.717,44

30/06/2020

Junho 2020

...

€ 1.780.757,07

€ 351.868,30

31/07/2020

Julho 2020

...

€ 1.623.260,31

€ 316.643,87

31/08/2020

Agosto 2020

...

€ 1.341.179,62

€ 258.497,28

30/09/2020

Setembro 2020

...

€ 3.333.418,97

€ 662.121,16

30/10/2020

Outubro 2020

...

€3.595.066,55

€ 719.255,22

30/11/2020

Novembro 2020

...

€ 3.198.352,84

€ 642.064,22

31/12/2020

Dezembro 2020

...

€ 2.896.290,92

€ 565.080,70

29/01/2021

TOTAL:

 

€ 30.363.074,12

€ 6.095.044,57

 

 

  1. A Requerente pagou as liquidações de ISP, CSR e outros tributos identificadas na alínea b) anterior;
  2. Em 26/04/2022 a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação a que se alude em b);
  3. Em 31/08/2022 e 28/09/2022 a Requerente foi notificada para exercer, querendo, o direito de audição prévia;
  4. Por despacho proferido pelo Diretor da Alfândega de Braga em 17/10/2022, notificado à Requerente por ofício da mesma data, foi o pedido de revisão oficiosa apresentado rejeitado, por intempestividade e ilegitimidade;
  5. O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral foi apresentado em 03/11/2022.

 

b.      Factos não provados:

 

Com relevo para a decisão, não se provou que a Requerente tenha repercutido nos adquirentes das mercadorias vendidas a CSR paga.

 

c.       Fundamentação da matéria de facto:

 

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental, incluindo o processo administrativo, junta pelas partes, indicada relativamente a cada um dos pontos, e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.

Quanto à matéria de facto não provada, a convicção do tribunal formou-se com base na total ausência de prova efetuada.

Com efeito, a AT limitou-se a alegar, sem contudo o demonstrar, que a Requerente repercutiu a CSR paga no custo das mercadorias vendidas.

Para a prova de tal facto não basta, como parece defender a AT, ser presumível que o vendedor de produtos petrolíferos não tenha razões para absorver o custo do imposto e não aumentar o preço quando confrontado com um aumento da taxa do imposto, atenta a invocada inelasticidade da procura do gasóleo e da gasolina.

Da mesma forma, o facto de a CSR paga se incluir no custo das mercadorias vendidas e de, ao vender combustível, a Requerente estar a “desreconhecer do seu ativo os inventários detidos tendo como contrapartida o direito a receber do seu cliente” não permite, de forma alguma, concluir que a CSR faz parte do preço de venda do combustível e que, como tal, a Requerente está a cobrar ao seu cliente o encargo que teve com a CSR.

Nem se diga que tal repercussão resulta demonstrado na Informação nº 05-CMCN/2022, de 09 de maio, constante do processo administrativo, já que de tal informação apenas se retiram conclusões sem qualquer suporte factual.

Com efeito, resulta daquela Informação, ademais:

“Em suma, a CSR está a ser incluída no preço de venda dos combustíveis e consequentemente constitui encargo não da A... mas de quem adquire os combustíveis, tal como se constata da análise aos procedimentos contabilísticos adotados pelo sujeito passivo, os quais se encontram em conformidade com o tratamento consagrado no normativo contabilístico aplicável. Acresce que, atendendo à margem bruta apurada pela A... e ao respetivo peso da CSR no preço de venda dos combustíveis não é admissível argumentar-se que esta contribuição não foi incluída no preço de venda dos combustíveis pois tal conduziria à prática de preços de venda inferiores ao respetivo custo, o que seria comercial e financeiramente insuportável.” (sublinhado nosso)

O que parece, segundo cremos, manifestamente conclusivo.

Na verdade, a Requerida não fez qualquer esforço por fundamentar a conclusão que retira, designadamente com base em factos que tivesse recolhido, limitando-se a sentenciar que é assim porque não é admissível que fosse de outra forma. O que é manifestamente insuficiente para demonstrar o facto pretendido pela Requerida.

À AT impunha-se a prova cabal de tal repercussão, enquanto facto constitutivo do seu direito.

Nem se diga que tal será uma prova impossível. Poderá ser uma prova difícil, trabalhosa e demorada, mas em todo o caso possível. Mas que a AT não fez, o que motivou a inclusão deste ponto na matéria de facto não provada.

 

  1. DIREITO:

 

Decididas as exceções invocadas pela Requerida, importa agora conhecer do mérito do pedido, atentas as questões a decidir supra elencadas.

 

Atenta, por um lado, a interligação existente entre ambas as questões a decidir e, por outro lado, o facto de o TJUE já se ter pronunciado sobre as mesmas, em sede de reenvio prejudicial suscitado no âmbito do processo arbitral nº 564/2020-T, serão as mesmas analisadas em conjunto.

 

Assim,

 

No que diz respeito à alegada violação do direito comunitário, em concreto, da Diretiva 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, sustenta a Requerente que, nos termos desta Diretiva, a criação de impostos não harmonizados sobre IEC harmonizados, como é o caso da CSR, está dependente de estes (a) respeitarem a estrutura essencial dos IEC e do IVA e de (b) terem como fundamento um “motivo específico”.

 

Defende a Requerente que a CSR foi criada por um motivo meramente orçamental de obtenção de receita - em concreto, para o financiamento da Infraestruturas de Portugal -, o que não constitui um motivo específico para efeito do disposto na indicada Diretiva.

 

De acordo com a Requerente, a afetação da receita a despesas determinadas pode constituir um indicador de um motivo específico; no entanto, nem toda a afetação comprova um motivo específico, exigindo-se a existência de uma ligação direta entre a utilização da receita e a finalidade do imposto.

 

Sendo que, nos casos em que a receita gerada pelo imposto esteja afeta a despesas suscetíveis de serem financiadas pelo produto de impostos de qualquer natureza, não se verifica aquela ligação direta. Nestes casos, a existência do motivo específico apenas se poderia presumir se a estrutura do imposto servisse para desmotivar o consumo que ele pretende prevenir, o que não sucede no caso da CSR, já que as razões invocadas pelo legislador para a sua criação se reconduzem unicamente ao financiamento da Infraestruturas de Portugal, que pode ser obtido pelo produto de impostos de qualquer natureza.

 

De onde conclui que a CSR é ilegal, por violação da Diretiva n.º 2008/118, sendo, em consequência, ilegais as liquidações impugnadas.

 

A Requerida, por seu turno, defende que a criação da CSR obedeceu a um motivo específico de sustentabilidade ambiental e de redução da sinistralidade, o que desde logo resulta do contrato de concessão celebrado entre o Estado Português e a Infraestruturas de Portugal, não se reconduzindo o motivo específico da sua criação a uma finalidade puramente orçamental.

 

No âmbito da questão relativa à possibilidade de afastar o direito ao reembolso da Requerente, defende esta que o direito ao reembolso apenas pode ser afastado quando a administração tributária prove que o imposto ilegalmente cobrado foi efetivamente repercutido e suportado na íntegra por terceiros e quando, além disso, prove que o reembolso aos contribuintes gera o seu enriquecimento sem causa, incumbindo à AT o ónus da prova destes dois pressupostos, os quais não podem, em caso algum, ser presumidos.

Prova esta que, segundo advoga, a AT não logrou fazer, pelo que, de acordo com a Requerente, não se verificam os pressupostos de que a lei faz depender a possibilidade de recusar o reembolso da CSR paga.

 

A Requerida, por seu turno, defende ter resultado provado que a CSR liquidada relativamente às introduções no consumo efetuadas em 2020 foi incluída no preço de venda dos combustíveis e, consequentemente, constituiu encargo, não da Requerente, mas de quem adquiriu os combustíveis.

 

De onde conclui que o reembolso dos montantes pagos a título de CSR a quem paga o imposto ao Estado mas não o suporta configuraria uma situação de enriquecimento sem causa e uma violação do princípio da justiça tributária.

 

Sinteticamente expostas as posições das partes quanto à matéria de direito, importa agora proceder à sua análise.

 

Antes de mais se dirá que, conforme resulta da matéria de facto não provada, não resultou demonstrado que a Requerente tenha repercutido o imposto nos adquirentes das mercadorias vendidas.

 

Não tendo resultado demonstrado tal facto, sempre careceria de fundamento o enriquecimento sem causa defendido pela Requerida.

Como quer que seja, as questões de direito em causa nos presentes autos já foram objeto de pronúncia por parte do TJUE, em sede de reenvio prejudicial suscitado no âmbito de processo arbitral idêntico ao presente, quer quanto aos sujeitos, quer quanto ao pedido e à causa de pedir.

 

Com efeito, no âmbito do processo arbitral 564/2020-T, em que é Requerente a A..., S.A., o tribunal arbitral desencadeou o mecanismo de reenvio prejudicial, tendo formulado as seguintes questões ao TJUE:

 

“1. O artigo 1.º, n.º 2, da Directiva n.º 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro de 2008, e designadamente a exigência de “motivos específicos”, deve ser interpretado no sentido de que a finalidade de um imposto é meramente orçamental quando a sua criação é feita com o objectivo de financiar empresa pública concessionária da rede nacional de estradas, por ocasião da renovação da sua concessão, e à qual a receita do imposto fica genericamente afectada, e a sua estrutura não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo?

2. O Direito da União e os princípios da legalidade e segurança jurídica permitem que o reembolso de impostos indirectos contrários à Directiva n.º 2008/118/CE, de 16 de Dezembro de 2008, seja recusado pelas autoridades nacionais com fundamento no enriquecimento sem causa do sujeito passivo quando não haja disposições legais específicas de Direito interno que o prevejam?

3. O Direito da União permite que, ao fundamentar a recusa do reembolso de impostos indirectos contrários à Directiva n.º 2008/118/CE, de 16 de Dezembro de 2008, as autoridades nacionais presumam a repercussão do imposto e o enriquecimento sem causa do sujeito passivo, obrigando-o a demonstrar que estes não se verificam?”

 

O TJUE pronunciou-se por decisão de 07 de fevereiro de 2022 (processo nº C-460/21).

 

Sobre a primeira questão, consta da referida decisão do TJUE (pontos 29 a 34):

 

“29. No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.º 26 do presente despacho, que, embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.

 

30. Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar‑se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa.

 

31. Em terceiro lugar, como resulta do n.º 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto‑lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.

 

32. No entanto, como foi salientado no n.º 15 do presente despacho, resulta da decisão de reenvio que o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam‑se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional.

 

33. Em quarto lugar, os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel.

 

34. Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes.”

 

Tendo, em consequência, em relação à primeira questão formulada, declarado o seguinte:

 

“O artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários.”

 

Quanto à segunda e terceira questão formulada, consta da referida decisão do TJUE (pontos 38, 39 e 42 a 47):

 

 

“38. Como resulta de jurisprudência constante, o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares por estas disposições, conforme foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Assim, um Estado‑Membro está, em princípio, obrigado a reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União, ao abrigo das regras processuais nacionais aplicáveis e no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade.

 

39. A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas.

 

42. Por conseguinte, um Estado‑Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido.

 

43. Constituindo esta exceção ao princípio do reembolso dos impostos incompatíveis com o direito da União uma restrição a um direito subjetivo resultante da ordem jurídica da União, há que interpretá‑la de forma restritiva, atendendo nomeadamente ao facto de que a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo.

 

44. Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos.

 

45. Não se pode no entanto admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve lugar e que cabe ao contribuinte provar negativamente o contrário. Sucede o mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa. Com efeito, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida, mesmo no caso de a violação de essa obrigação conduzir a uma sanção.

 

46. O direito da União exclui assim que se aplique toda e qualquer presunção ou regra em matéria de prova destinada a fazer recair sobre o operador em causa o ónus de provar que os impostos indevidamente pagos não foram repercutidos noutras pessoas e que visem impedir a apresentação de elementos de prova destinados a contestar uma pretensa repercussão.

 

47. Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas.”

 

 

Tendo o TJUE, em consequência, declarado, em relação à segunda e terceira questão formulada:

 

“O direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades nacionais possam fundamentar a sua recusa de reembolsar um imposto indireto contrário à Diretiva 2008/118 na presunção de que esse imposto foi repercutido sobre terceiros e, consequentemente, no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.”

 

 A título prévio, sempre se dirá que, como corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267º do TFUE, a jurisprudência do TJUE, quando tem por objeto questões de Direito da União Europeia, tem carácter vinculativo para os tribunais nacionais, o que, aliás, é pacificamente defendido e aceite pela jurisprudência nacional.

 

Tal carácter vinculativo resulta ainda do princípio do primado do direito da união europeia, previsto no artigo 8º nº 4 da Constituição da República Portuguesa.

 

Pelo que, face à posição assumida pelo TJUE, terá necessariamente este tribunal de concluir pela inexistência de motivos específicos na criação da CSR, o que conduz à sua ilegalidade, por violação do disposto na Diretiva 2008/118/CE do Conselho, a qual, como se viu, submete a possibilidade de o Estado criar impostos não harmonizados sobre IEC harmonizados à dupla condição de estes respeitarem a estrutura essencial dos IEC e do IVA e de terem como fundamento um motivo específico.

 

Sobre esta questão, subscrevemos na íntegra o expendido na decisão arbitral 304/2022-T, que se transcreve:

 

“parece-nos clara a inconsistência na definição dos alegados “motivos específicos” da CSR, na medida em que a Lei 55/2007, no seu art.º 3.º, n.º 2 estipula que a CSR tem como finalidade específica o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal E.P.E. e mais concretamente a respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento; enquanto o ponto 4 da Base 2 do Decreto-Lei n.º 380/2007, que atribui às EP - Estradas de Portugal, S. A., a concessão do financiamento, conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional e aprova as bases da concessão, estipula que é dever da concessionária (al. b) “prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro ii anexo às presentes bases.”

 

Não que exista, evidentemente, qualquer incompatibilidade entre estas duas missões cometidas à atual Infraestruturas de Portugal, S.A.. O que existe, sim, é inconsistência quando se sustenta que as duas finalidades constituem o motivo específico da CSR.

 

Inconsistência que se vê ainda mais nítida quando se considera que a finalidade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional a cargo da entidade é a finalidade que a Lei  55/2007 atribui à CSR, e é uma finalidade de âmbito geral, que incumbe necessariamente ao Estado e que poderia ser financiada por quaisquer receitas fiscais; enquanto prosseguir os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental referidos no quadro ii anexo às presentes bases é uma missão atribuída através de um contrato de concessão, e não consta da lei que cria e regula a CSR, não se encontrando na lei tributária nenhuma norma que assegure que a CSR é afetada na sua totalidade a essa finalidade específica, pelo contrário, resulta da lei tributária (Lei  55/2007) que o não pode ser.

 

Há, assim, que concluir, que a CSR não tem um “motivo específico”, antes se destina ao financiamento de despesas de caráter geral que incumbem obrigatoriamente ao Estado e são suscetíveis de ser financiadas por quaisquer receitas fiscais, violando a lei que cria o tributo, com essa ausência de “motivo específico” o artigo 1., n.º 2, da Diretiva 2008/118.”

 

A ilegalidade da lei que cria a CSR, por violação da Diretiva 2008/118, determina necessariamente a ilegalidade abstrata das liquidações impugnadas, que a final se declarará, bem como a ilegalidade do ato de rejeição do pedido de revisão oficiosa apresentado. 

 

Pese embora a ilegalidade das liquidações, poderia ser recusado pela Requerida o reembolso da CSR paga, com base no enriquecimento sem causa do sujeito passivo.

Sobre esta questão, o TJUE pronunciou-se nos termos expostos, concluindo não ser possível o Estado recusar o reembolso de um imposto contrário à Diretiva 2008/118/CE do Conselho com fundamento na presunção de repercussão a terceiros e no consequente enriquecimento sem causa no sujeito passivo.

 

Assim, para recusar o reembolso da CSR paga, teria a Requerida que demonstrar - porque tal prova não pode ser presumida -, por um lado, que a Requerente, pese embora tenha pago a CSR, a repercutiu a terceiros, em concreto aos adquirentes das mercadorias por si vendidas e, por outro lado, que o reembolso da CSR paga constituiria um enriquecimento sem causa da Requerente.

No caso dos autos, como se viu, não resultou provada a repercussão da CSR paga, pelo que, não podendo tal repercussão ser presumida, não poderá este tribunal acolher a tese defendida pela Requerida.

 

Não tendo resultado provada a repercussão, é evidente não se verificarem os pressupostos de que a lei faz depender o enriquecimento sem causa, que a Requerida também não logrou demonstrar.

 

Não constituindo a impossibilidade de recusa do reembolso qualquer violação do princípio da justiça tributária, que apenas se verificaria caso se demonstrasse que a CSR paga pela Requerente não foi por si efetivamente suportada, por ter sido repercutida aos terceiros adquirentes das mercadorias por si vendidas. O que, como vimos, não sucedeu in casu.

 

Em face de tudo quanto ficou exposto, resulta manifesta a procedência do pedido de pronúncia arbitral no que diz respeito ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações, bem como do despacho de rejeição do pedido de revisão oficiosa apresentado.

 

No que diz respeito ao pedido de condenação da Requerida a reembolsar a Requerente pelo valor total de CSR indevidamente pago, insurge-se a Requerida, para tanto sustentando que a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, com competência para a apreciação da legalidade de atos de liquidação de impostos, mas já não para a pronúncia sobre a restituição de valores por conta da declaração de ilegalidade ou anulação dos atos de liquidação impugnados.

 

Pese embora a Requerida não se tenha pronunciado sobre esta questão, parece evidente a sua falta de fundamento.

 

Com efeito, a competência do tribunal arbitral não se restringe à simples anulação do ato, comportando, necessariamente, a sua competência para determinar as consequências dessa anulação.

 

E, de entre as consequências da anulação de um ato, encontra-se, como está bom de ver, a condenação do sujeito que o praticou a repor a situação que existiria caso o ato anulado não tivesse sido praticado - cfr. artigo 100º nº 1 da LGT.

 

No caso dos autos, caso o ato anulado não tivesse sido praticado, a Requerente não teria pago o imposto que se veio a revelar ser indevido, por ilegal, pelo que, em face da anulação do ato, terá necessariamente a Requerida de ser condenada a reembolsar os valores correspondentes ao imposto indevidamente pago, assim repondo a situação existente se o ato anulado não tivesse sido praticado.

 

Por último, peticiona a Requerente a condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, à taxa legal.

 

A Requerida opõe-se a tal pedido, sustentando que os juros indemnizatórios apenas são devidos quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, o que in casu não sucedeu.

Sobre os juros indemnizatórios, dispõe o artigo 43º nº 1 da LGT:

 

“São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

Dispondo, por seu turno, a alínea c) do número 3 do mesmo preceito serem também devidos juros indemnizatórios:

 

“Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”

 

Conforme tem vindo a ser entendido pela jurisprudência [6], nos casos em que, na sequência de pedido de revisão oficiosa apresentado pelo sujeito passivo, o ato de liquidação venha a ser anulado, ainda que em processo arbitral instaurado na sequência do indeferimento do pedido de revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da data da apresentação do pedido.

 

Sobre esta questão, pronunciou-se o STA, em acórdão uniformizador de jurisprudência [7], tendo sido decidido:

 

“Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (cfr.artº.78, nº.1, da L.G.T.) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, al.c), da L.G.T.”

 

No caso dos autos, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 26/04/2022 - cfr. ponto 2 da matéria de facto provada.

 

À data da prolação da presente decisão, já decorreu um ano sobre a data da apresentação do pedido de revisão oficiosa, pelo que teria a Requerente direito ao pagamento dos juros indemnizatórios, desde 27/04/2023 até ao processamento da respetiva nota de crédito.

 

No entanto, pese embora a Requerida, à data da apresentação do pedido de revisão oficiosa, já estivesse na posse de todos os elementos carreados para os presentes autos e que determinaram o sentido da decisão arbitral, a verdade é que, em rigor, não foi por facto a si imputável que a decisão do pedido arbitral veio a ocorrer decorrido mais de um ano desde o pedido de revisão oficiosa apresentado.

 

Aliás, no caso dos autos, a Autoridade Tributária até foi bastante diligente na decisão do pedido de revisão oficiosa apresentado, pelo menos no que diz respeito ao prazo da sua decisão, já que proferiu decisão final antes de decorridos 6 meses desde a data da sua apresentação.

 

Assim, uma vez que não foi por facto imputável à Autoridade Tributária que a anulação dos atos impugnados veio a ocorrer decorrido mais de um ano após a data da apresentação do pedido de revisão oficiosa, entendemos não se encontrarem preenchidos os requisitos de que a lei faz depender a atribuição do direito a juros indemnizatórios à Requerente, pelo que, nesta parte, terá necessariamente de improceder o correspondente pedido.

 

 

  1. DISPOSITIVO:

 

Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado e em consequência:

  1. Declarar a ilegalidade do ato de rejeição do pedido de revisão oficiosa proferido pelo Diretor da Alfândega de Braga em 17/10/2022;
  2. Declarar a ilegalidade dos atos de liquidação que englobam o Imposto sobre Produtos Petrolíferos, Contribuição de Serviço Rodoviário e outros tributos, referentes ao período entre janeiro e dezembro de 2020, na parte em que liquidaram Contribuição de Serviço Rodoviário no montante total de € 6.095.044,57;
  3. Condenar a Requerida a reembolsar a Requerente do montante das prestações tributárias indevidamente pagas, resultantes das liquidações impugnadas e declaradas ilegais;
  4. Absolver a Requerida do pedido de pagamento dos juros indemnizatórios.

 

***

Fixa-se o valor do processo em € 6.095.044,57, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

***

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 76.194,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 1 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida, por ser a parte vencida.

 

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Registe e notifique.

 

 

Lisboa, 31 de maio de 2023.

***

 

 

_________________________

(Regina de Almeida Monteiro- Árbitro Presidente)

 

 

______________

Alberto Amorim Pereira (relator)

 

 

____________

António Manuel Melo Gonçalves

 

 

 

Voto de vencido

Não acompanho o sentido decisório que fez vencimento, pelas razões que passo a expor:

1. Como Ponto Prévio, a Requerente entendeu útil deixar registado que tinha impugnado junto do CAAD, pedidos e causas de pedir semelhantes às do presente processo, que visam os atos de liquidação que englobam o Imposto sobre Produtos Petrolíferos, (ISP), a CSR e outros tributos, apenas no que toca à CSR, respeitantes aos anos de 2016 a 2019, tendo identificado os referidos processos, factos não contraditados pela Requerida. A informação acessível indica que o somatório dos montantes dos pedidos dos anos de 2016 a 2020, ascende a 27 116 400,45 €.

2. Desde a apresentação do pedido de revisão oficiosa do ano de 2016, que a Requerente estribou os pedidos e a causa de pedir num Parecer elaborado por Professor de Direito, sustentado na inexistência de «motivo específico» na aceção do n.º 2 do artigo 1.º da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16.12.2008, à luz de um entendimento jurisprudencial comunitário, o mais sublinhado, o proferido no âmbito do processo C-553/13, em 05.03.2015, mas também o Acórdão Messer France, proferido no âmbito do Processo C-103/17, de 25.07.2018, mais tarde reforçado pelo entendimento tomado no Despacho A... no âmbito do Processo n.º 564/2020-T.

3. A via arbitral é uma via alternativa aos tribunais, tendo consagração constitucional, conforme resulta do artigo 209.º n.º 2 da CRP.

A Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril, autorizou o Governo a instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de litígios em matéria tributária, o que foi concretizado através do RJAT em que, conforme o respetivo artigo 4.º. se preceituou que a vinculação da administração tributária depende de portaria que estabeleça, designadamente o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Neste sentido, foi publicada a Portaria n.º 112-A/2011, em que a vinculação da Requerida, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, ficou limitada a litígios de valor não superior a 10 000 000 de euros.

4.  O artigo 37.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26.08, que aprovou a organização do sistema judiciário na ordem jurídica interna, preceitua que a competência se reparte pelos tribunais judiciais, segundo a matéria, o valor, a hierarquia e o território.

De acordo com o artigo 38.º, a competência é fixada quando a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei, sendo igualmente irrelevantes as modificações de direito.

O artigo 39.º estabelece, por seu turno, uma proibição de desaforamento, no sentido de que nenhuma causa pode ser deslocada do tribunal ou juízo competente para outro, a não ser nos casos especialmente previstos na lei. Relativamente à competência em razão da matéria, os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, conforme o n.º 1 do artigo 40.º.

Estas normas vigoram no âmbito do regime da arbitragem, por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, que estabelece o regime subsidiariamente aplicável.

O artigo 66.º do Código de Processo Civil (CPC), aqui subsidiariamente aplicável, em matéria de competência em razão do valor preceitua que são as leis de organização judiciária que determinam as causas que devem ser afetas a um ou outro serviço judicial.

5. A sucessão de pedidos de revisão oficiosa repartida por anos, permitiu à Requerente o recurso ao regime da arbitragem tributária, quando tinha conhecimento que os fundamentos e a causa de pedir do ano de 2016 eram exatamente as mesmas em que iria fundar os pedidos dos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020 subtraindo, deste modo, ao conhecimento dos tribunais, em primeira instância, a questão de saber se haveria um motivo específico para justificar a existência da CSR. As fundadas conclusões da Requerente quanto à ilegalidade da CSR não foram adquiridas por efeito da publicação do Despacho A..., uma vez que, quando o mesmo foi prolatado, em 07.02.2022, já estava em curso o pedido de revisão oficiosa cujo indeferimento agora se impugna.

6. Encontrando-se identificados os quadros fáticos tributários e definida uma interpretação uniforme dos mesmos, entendo que, à luz do artigo 39.º da LOSJ, não está na disponibilidade da Parte efetuar a cumulação dos pedidos de revisão segundo a sua conveniência, ou seja, fracionar a pretensão, ano a ano (a situação seria idêntica se, em vez dos anos, fossem considerados tantos os meses necessários a que, em cada pedido, os respetivos montantes de CSR nunca ultrapassassem os dez milhões de euros).

O procedimento adotado pela Requerente criou objetivamente condições para se eximir à regra da vinculação em função do valor e permitiu o desaforamento das causas, excedendo os limites impostos pela boa-fé e pelo fim económico da CSR, numa situação que, conforme decorre do artigo 334.º do CC, revela abuso do direito de recorrer, uma vez que às relações jurídico-tributárias aplicam-se sucessivamente, também as normas do Código Civil (CC), - artigo 2.º, alínea d) da LGT.

7. Independentemente das razões que tenham motivado essa escolha, a mais provável talvez a celeridade, a organização judiciária e a legislação avulsa publicada no respetivo âmbito estabelecem regras muito precisas para a competência das jurisdições, devendo a instância de apreciação conhecer oficiosamente dessa incompetência, como decorre do artigo 95.º do CPC, a título de exceção em razão dos limites financeiros da vinculação inerente à jurisdição arbitral.

8. A revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT é um procedimento típico da relação jurídico-tributária e corresponde à necessidade de os serviços tributários disporem de um mecanismo que lhes permita, de «motu proprio» ou por impulso dos próprios sujeitos passivos, corrigir situações que enfermem de alguma ilegalidade, sejam erros de direito ou materiais. Não corresponde a um regime declarativo disponível para os Requerentes procederem a consecutivas correções das declarações de introdução no consumo e das liquidações que determinaram pagamentos gerados pela atividade dos sujeitos passivos, é antes um regime complementar e supletivo de correção de erros, uma válvula de segurança da legalidade, através da reparação de erros que possam ter sido cometidos no âmbito do funcionamento da administração tributária, facto reconhecido pela própria Requerente no n.º 54 do Pedido de Pronúncia. 

9. Há uma presunção legal de que as liquidações de impostos dos serviços tributários são realizadas dentro dos quadros legais aplicáveis, assim como há uma presunção geral da boa-fé nas declarações apresentadas pelos Requerentes, bem como nos dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas, conforme o artigo 75.º da LGT, estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.

Por isso, a revisão oficiosa tem de ser entendida sempre como um regime excecional de intervenção na atividade tributária normal e não como um regime alternativo ao que é facultado pelas reclamações graciosas ou pelas impugnações judiciais, sob pena de o regime recursivo e os prazos que o integram, ficarem desprovidos de qualquer efeito útil e passarem a ser letra morta.

10. Os meios postos à disposição pelo legislador para apreciar a legalidade dos atos de liquidação praticados pela Requerida constam do CPPT, sendo fundamento da impugnação, conforme o artigo 99.º, qualquer ilegalidade, nos quais, não pode deixar de se incluir a desconformidade com direito superior.

A Requerente apresentou na alfândega de Leixões, em 10.02.2020, um pedido de revisão oficiosa da CSR para o ano de 2016, com fundamento em liquidação ilegal semelhante às praticadas para os meses subsequentes a fevereiro de 2020, o que prova que para o ano de 2020 teve ao seu dispor o exercício do direito de reclamação graciosa ou de impugnação judicial com o mesmo fundamento.

A impugnabilidade contenciosa dos direitos e atos que lesem os interesses legítimos dos administrados, conforme o artigo 268.º, n.º 4 da CRP, nunca esteve em causa, pois a Requerente dispunha dos elementos de facto e de uma interpretação do direito consentânea com as suas pretensões, já identificada e utilizada em diversos processos que tinha em curso tendo em vista a apreciação de legalidade.

Tendo a Requerente a forte convicção de que a norma aplicada nas liquidações era desconforme com o direito comunitário deveria tê-la submetido de imediato a uma apreciação judicial, no sentido de a invalidar, e não vir a invocar mais tarde a prática de um erro imputável aos serviços tributários.

A responsabilidade por essa não tutela efetiva da apreciação do direito aplicado é de lhe imputar pois não a exerceu nos prazos legalmente fixados. Com efeito, apesar da norma aplicada poder estar em desconformidade com direito superior, isso não impede que a lei nacional em matéria recursiva não deixe de ser aplicável, pois, se o não fosse também seria de questionar a razão por que, estando em causa direito superior, o prazo para apresentação do pedido de revisão não pode ultrapassar os quatro anos, in casu a desconformidade da CSR com o ordenamento comunitário nasceu com a entrada em vigor da diretiva no ano de 2010.

A pretendida substituição do mecanismo legal impugnatório normal das liquidações pelo mecanismo legal da revisão oficiosa «a posteriori» das mesmas, apenas deve ou pode ter lugar, quando o primeiro, em função da sua temporalidade, se mostre insuficiente para apreciar a conformidade com o direito europeu.

11. Por outro lado, a par do mecanismo recursivo, a Requerente teve ao seu alcance, para as liquidações que ocorreram no ano de 2020 a possibilidade de solicitar aos serviços fiscais uma informação vinculativa sobre a sua situação tributária, descrevendo os factos e a qualificação jurídico tributária que pretendia, socorrendo-se, para o efeito do artigo 68.º da Lei Geral Tributária, o que não terá sucedido.

12. Assim, entende-se que a Requerente, tendo perfeito conhecimento do ato lesivo de interesse legalmente protegido em razão de um direito superior, ao não ter apresentado impugnação judicial das liquidações efetuadas no ano de 2020 no prazo legalmente fixado, perdeu o direito de reagir judicialmente e abriu caminho para a invocação da exceção da caducidade do direito de ação, não sendo o pedido de revisão previsto no artigo 78.º da LGT o meio idóneo para superar essa falha processual da sua exclusiva responsabilidade.

13. Uma terceira questão respeita à competência da jurisdição arbitral para a apreciação da CSR.

A Lei Orgânica da AT, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro, estabelece que uma das suas missões é administrar os impostos, direitos aduaneiros e demais tributos que lhe sejam atribuídos, ... », - artigo 1.º, n.º 1.

De entre as suas atribuições, cabe à AT «Assegurar a liquidação e cobrança dos impostos sobre o rendimento, sobre o património e sobre o consumo, dos direitos aduaneiros e demais tributos que lhe incumbe administrar, bem como arrecadar e cobrar outras receitas do Estado ou de pessoas coletivas de direito público» - alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo.

14. O legislador estabelece uma distinção entre a administração de impostos e a mera arrecadação e cobrança de outras receitas do Estado ou de pessoas coletivas de direito público. No caso presente, a Requerida recebe uma remuneração/compensação pelo facto de disponibilizar «know how», sistemas informáticos e recursos humanos para que, em paralelo com a cobrança do ISP e do adicionamento, igualmente proceda à cobrança da CSR, e disponibilize essa receita em favor da Infraestruturas de Portugal. S.A, uma vez que o conjunto de direitos e obrigações atribuído à concessionária por intermédio do quadro de concessão, confere-lhe, no quadro dos direitos, ter como receita o produto da CSR, (alínea b) da Base 3, do anexo ao Decreto-Lei n.º 380/2007, de 13.11.2007). 

Nos termos do artigo 5.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007, «os encargos de liquidação e cobrança incorridos pela Direção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo», atual AT, ora Requerida, «são compensados através da retenção de uma percentagem de 1% do produto da contribuição de serviço rodoviário.».

15. Constata-se que não está na competência da AT a iniciativa de desenvolver estudos e propor ações legislativas ou regulamentares para uma melhor cobrança da CSR, elaborar estudos técnicos e estatísticos de utilização das vias, fazer um acompanhamento da evolução da cobrança da sua receita e fazer o seu reporte superiormente, apreciar pedidos de isenção e redução da contribuição que consubstanciem um poder de administração, típico dos demais impostos cobrados pela AT. Apenas quando atua em intervenções corretivas resultantes da administração do ISP, designadamente em matéria de ações de repressão da fraude e de outras formas de evasão da cobrança deste imposto, a Requerida está a contribuir, ainda que de forma indireta, para a concretização dos objetivos da CSR. 

A Requerida apresenta-se «strito sensu», como uma mera prestadora de serviços na coleta de receita, pelo que, em meu entender, a jurisdição arbitral não é a adequada, ocorrendo a exceção da incompetência da jurisdição em razão da não verificação de uma condição.

16. No plano do direito interno, o Tribunal Constitucional, através do acórdão n.º 539/2015, debruçou-se sobre a questão da distinção entre imposto e taxa, na qual intrometeu uma terceira figura jurídica suscetível de ser aplicada à caracterização da CSR.

Já no acórdão do TC n.º 365/2008, se afirmara que a «CRP não indica qualquer critério distintivo, sendo necessário recorrer aos conceitos constantes da LGT...», para identificar qual a figura tributária que é suscetível de corresponder aos quadros legais estabelecidos.

Os conceitos constantes da distinção entre impostos e taxas constam do artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 da LGT, e no referido acórdão, as contribuições financeiras são identificadas como figuras hibridas ou tertium genius entre as taxas e os impostos «que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não tem necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de uma atividade administrativa (Gomes Canotilho/Vital Moreira em CRP, Anotada, I Volume, página 1095, 4.ª Edição Coimbra Editora)».

Refere o mesmo acórdão que, «As contribuições distinguem-se especialmente das taxas porque não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondem a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa atividade se pretendem atingir.» 

17. O legislador não chega a qualificar a CSR como contribuição financeira, mas apenas como contribuição, que na modalidade de afetação até pode ser considerada de financeira, uma vez que representa montantes a encaminhar para uma empresa pública.

Do exposto, no plano exclusivamente do direito interno, à luz da distinção efetuada pelo Tribunal Constitucional, atenta a sua incidência e sobretudo as suas finalidades, a CSR é suscetível de ser classificada como uma contribuição e, como tal, face aos termos de vinculação da Requerida à arbitragem, encontra-se fora do seu âmbito.  

18. A procedência das exceções impediria o desenvolvimento processual na jurisdição arbitral. ainda assim o signatário, sinteticamente, anota as seguintes pronúncias parciais:

19. Não se põe em causa a natureza de imposto da CSR para efeitos da qualificação comunitária, tanto mais que resultou de uma ablação do próprio ISP, mas no que respeita à sua estrutura, a fundamentação do Despacho A..., de que um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária e não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários não prossegue «motivos específicos», a nosso ver, é frágil.

A invocação da desmotivação do consumo faz sentido relativamente a outros produtos sujeitos a impostos especiais sobre o consumo, caso do tabaco e das bebidas alcoólicas ou açucaradas, dados os danos sociais e de saúde pública que ocasionam os seus consumos excessivos, mas não relativamente aos combustíveis fósseis que, quer se queira ou não, não podem ser proscritos por meras medidas legislativas ou referências jurisprudenciais, uma vez que dependem dos progressos da ciência. A mobilidade rodoviária é um dos mais importantes fatores de desenvolvimento dos países e de satisfação subjetiva pelo qualquer iniciativa tomada de desmotivação dos consumos dos principais combustíveis rodoviários significa, no estado atual, induzir graves consequências em termos económicos e sociais, que no território português não podem ser compensados por outras soluções de transporte, designadamente a rede ferroviária.          

Não depende nem cabe a qualquer empresa concessionária da exploração de vias rodoviárias, seja ela de natureza pública ou privada, promover essa redução, enquanto os fabricantes de automóveis não oferecerem soluções tecnológicas alternativas, equiparáveis em termos de utilização às proporcionadas pelos veículos a combustão e economicamente acessíveis à generalidade dos consumidores. A via alternativa representada pelos veículos elétricos, atentas as limitações na utilização dos veículos, seja a nível da quilometragem admissível por carregamento, seja a nível das redes de abastecimento e dos tempos de carregamento encontra-se ainda numa fase embrionária em termos de representatividade do mercado global, pelo que o tribunal ao alhear-se do estado atual da ciência e ao fazer depender uma apreciação jurídica de validade do «motivo específico» de uma determinada imposição, de desmotivação do consumo dos combustíveis, regride e paralisa o crescimento económico dos países europeus face aos demais países de economia de mercado.

Em nosso entender, a fundamentação usada no Despacho A... para afastar a conformidade da CSR com o direito comunitário, afigura-se não ser a adequada. 

20. No Processo 199/82 (Estado Italiano contra San Giorgio), refere-se que não poderão ser considerados como contrários ao direito comunitário as disposições legislativas nacionais que excluam o reembolso de impostos, direitos e taxas recebidas em violação do direito comunitário, quando é estabelecido que a pessoa adstrita ao pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente sobre outros sujeitos.

O CIEC não contém uma norma legal que implique o dever de as empresas comercializadoras de produtos sujeitos a impostos especiais repercutirem o imposto, em termos semelhantes aos que vigoram no âmbito do CIVA, se bem que o quadro legal de criação da CSR revele que visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal (artigo 1.º da Lei n.º 55/2007) e que esse financiamento é assegurado pelos respetivos utilizadores (artigo 2.º), ou seja pelos automobilistas, 

O Regulamento n.º 141/2020, sobre o dever de informação obrigatória ao consumidor de produtos petrolíferos, publicado em 20.02.2020, com entrada limite em vigor em 19.08.2020, não tem a virtualidade de implicar a repercussão obrigatória, uma vez que a Requerente terá assumido o custo da CSR e na obrigação de fatura terá indicado simplesmente zero. A jurisprudência do Tribunal de Justiça não permite fazer recair no sujeito passivo o ónus de provar que o imposto não foi repercutido no revendedor ou no consumidor final (neste caso, de prova bastante difícil). Todavia, o endosso desse ónus para a Requerida, passou a ser facilitado pela possibilidade de conhecer as exatas condições de comercialização dos produtos petrolíferos, através das competentes ações inspetivas às faturações dos parceiros comerciais e da própria Requerente.

O seu interesse é suscetível de relevar ou para efeitos da execução de sentença ou decisão arbitral, ou a provar-se atribuição patrimonial indevida, fundamentar ação penal a coberto da prática dos crimes de burla tributária ou de fraude, previstos e punidos, respetivamente, pelos artigos 87.º, e 103.º, n.º 1 e alínea a), n.º 2 do artigo 104.º do RGIT.

21. Ainda assim, a comprovação da mera repercussão do imposto não basta para presumir o enriquecimento sem causa de um sujeito passivo por conta de um reembolso de um imposto ilegalmente cobrado à luz do direito comunitário, pelo que apenas uma análise económica poderá revelar em que medida a apropriação desse imposto é suscetível de constituir um fator de enriquecimento injustificado. Com esse propósito, a Requerida juntou uma informação de serviço da Unidade dos Grandes Contribuintes, relativa ao período de 2020, em que se refere que o sistema contabilístico da A... está de acordo com a regulamentação contabilística aplicável, facto não contestado pela Requerente, pelo que a informação se considera verdadeira e de boa-fé uma vez que resulta do apuramento inscrito na contabilidade, (artigo 75.º, n.º 1 da LGT).

Nos termos da referida informação, é mencionado que no ano de 2020, os impostos representaram 58,8% do custo das mercadorias vendidas e, do total de impostos, a CSR representa 11,8 % desse custo e 20% do total dos impostos. A diferença entre o custo das mercadorias vendidas e as vendas propriamente ditas determinaram uma margem de comercialização em termos médios, no período de 3,4%, em que a CSR terá representado cerca de dez a quinze cêntimos por litro.

22. Em face de um montante de valor tão significativo era expetável que a A... tivesse apresentado um crescimento exponencial de vendas, uma vez que é um facto público e notório, que singelas variações do preço dos combustíveis no sentido da redução, ocasionam filas de automobilistas nas bombas de combustível, procurando atestar os depósitos de combustível. Todavia, a faturação da A... não revela quaisquer movimentos de procura que se insiram na referida lógica, pois, da informação disponível constata-se que, entre os anos de 2016 e 2017 houve uma redução da CSR, e consequentemente da faturação, e do ano de 2019 para 2020, registou-se um crescimento de apenas 3% no montante de CSR pago. 

23. Estes elementos apontam para uma inserção regular da Requerente no mercado, e tornam remota a probabilidade da A... ter praticado preços chamariz, por via do sacrifício da sua margem de comercialização e de suportar ela própria, enquanto sujeito passivo, o custo fiscal da CSR e não o repercutir aos seus clientes. Caso os tivesse praticado, seria pouco compreensível que uma tal prática não tivesse como consequência um muito significativo aumento de vendas ou de publicidade positiva, pois, a lógica empresarial é aumentar a faturação e gerar lucros.  

Considerando a fiabilidade da informação revelada pelo sistema contabilístico da Requerente, por ela própria alimentado, de que, a título exemplificativo, a Requerida   destacou uma fatura demonstrativa de que a CSR foi imputada e paga por um terceiro adquirente do combustível, a racionalidade do funcionamento do mercado e a necessidade de defesa da sã concorrência, e tendo em conta o grau de compreensão de experiência de vida e do fenómeno económico por parte de um cidadão médio, não parece impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária no acesso ao reembolso, desde que a Requerente contradite os referidos factos e não se limite a invocar a volatibilidade das transações e do comércio internacional. Doutro modo, uma interpretação que exclua essa contradita, abre caminho a um Auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.º n.º 1 do Tratado de Funcionamento da União Europeia.    

Neste sentido, a meu ver, o pedido de reembolso seria de recusar com o fundamento do enriquecimento sem causa, com o consequente improceder do pedido de pronúncia.

António Manuel Melo Gonçalves

 

 

 



[1] “Direito Fiscal”, Almedina, 10ª Edição, pp. 27 e ss.

[2] “Manual de Direito Fiscal”, Volume I, Lisboa 1974, pp. 35 e ss.

[3] “Manual de Direito Fiscal”, Volume I, 1998, Editora Rei dos Livros, página 79.

[4] Acórdão nº 7/2019, de 13MAIO2021, in www.dgsi.pt.

[5] Neste sentido, entre outros, acórdão do STA de 22MARÇO2011, processo nº 01009/10, in www.dgsi.pt.

[6] Neste sentido veja-se, entre outros, acórdão do STA de 11DEZ2019, processo nº 058/19.9BALSB, in www.dgsi.pt.

 

[7] Acórdão de 29JUN2022, processo nº 093/21.7BALSB, in www.dgsi.pt.