Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 30/2023-T
Data da decisão: 2023-06-07  IRS  
Valor do pedido: € 64.939,88
Tema: IRS - Revogação do ato que é objeto do pedido de pronúncia arbitral. Inutilidade superveniente da lide - Responsabilidade por custas.
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SUMÁRIO

  1. Revogando a Requerida, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT o ato tributário de liquidação, dando satisfação à pretensão que o Requerente formulara nestes autos, a decisão arbitral que normalmente seria proferida, conhecendo do mérito das pretensões deduzidas, afigura-se destituída de qualquer efeito útil, não se justificando a sua prolação, por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
  2. Notificado o Requerente e o Tribunal Arbitral da revogação do ato, após constituição do Tribunal Arbitral, e não prosseguindo o processo por vontade do Requerente, ficam as custas a cargo da Requerida.

 

Os Árbitros Prof. Doutor Victor Calvete (Árbitro Presidente), Dra. Rita Guerra Alves e Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 21-03-2023, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:

 

Decisão Arbitral

  1. Relatório

É Requerente A..., portador do NIF ..., residente em Rua ..., n.º ..., ..., ...-... São Mamede de Infesta, doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.

É Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.

O Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, notificada a Autoridade Tributária em 16-01-2023.

O Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitros, Prof. Doutor Victor Calvete (Árbitro Presidente), Dra. Rita Guerra Alves e Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia (Árbitros Vogais).

Em 03-03-2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

Desta forma, o Tribunal Arbitral Coletivo, foi regularmente constituído em 21-03-2023, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.

Por requerimento de 15-05-2023, a Requerida veio ao processo informar o Tribunal do despacho de revogação do ato de liquidação ora em causa, conforme parcialmente se transcreve:

“A DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, vem comunicar que, a 15-02-2023, a Sub-Diretora Geral da Área da Gestão Tributária -  Impostos Sobre o Rendimento, proferiu Despacho de Revogação do ato de liquidação em dissídio (liquidação de IRS nº 2021..., referente ao período de tributação de 2020), nos termos e com a fundamentação nele vertidos, que se junta como documento 1. 

De tal decisão, será devidamente notificado o Douto Mandatárias do A..”

Nesse seguimento, em 29-05-2023, foi proferido Despacho e dele notificadas as partes para se pronunciarem, querendo, sobre a inutilidade superveniente da lide.

Em resposta, veio o Requerente por requerimento de 30-05-2023, expressar a sua concordância relativamente à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, conforme se transcreve:

“(…) vem o Requerente expressar a sua concordância relativamente à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, requerendo ainda, em resultado de tal facto ser imputável à ATA em virtude da revogação do ato tributário que constitui o objeto do presente litígio após a propositura do pedido de pronúncia arbitral, que seja a ATA, nos termos e para os efeitos conjugados dos artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 536.º n.º 3 do Código do Processo Civil ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, condenada ao pagamento da totalidade das custas do processo arbitral e ao reembolso de parte da taxa de arbitragem já paga pelo Requerente.”

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e é competente.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, a contar da data do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra os atos tributários impugnados.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT e art.ºs 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar e decidir a questão da inutilidade superveniente da lide.

  1. Matéria de Facto

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se dão como assentes e provados:

  1. O Requerente foi notificado dos atos de liquidação n.ºs 2021 ... e 2021 ... nos valores respetivos de € 63.330,30 e € 1.609,58, perfazendo um total de € 64.939,88 (sessenta e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e oito cêntimos).
  2. Em 28-02-2022, o Requerente apresentou a sua reclamação graciosa contra os atos de liquidação suprarreferidos, tendo sido atribuído o n.º ...2022... . Cf. PA.
  3. A AT notificou o Requerente do projeto de decisão do indeferimento da reclamação graciosa através do ofício com o n.º de registo RF...PT, de 06-05-2022, e para exercer o seu direito de Audição. Cf. PA.
  4. O Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa em 17/10/2022. Cf. PA.
  5. Em 13-01-2023, o Requerente apresentou o seu pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, com vista à anulação das referidas liquidações de IRS e juros compensatórios inerentes – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
  6. A Autoridade Tributária e Aduaneira foi notificada da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, por correio eletrónico de 16-01-2023;
  7. Por despacho de 15-02-2023, a Autoridade Tributária e Aduaneira proferiu Despacho de Revogação do ato de liquidação em dissídio, quanto a liquidação de IRS nº 2021..., referente ao período de tributação de 2020; Cf. Doc. 1 junto pela AT.
  8. A AT por meio de requerimento aos autos, informou o Tribunal do seguinte:

“A DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, vem comunicar que, a 15-02-2023, a Sub-Diretora Geral da Área da Gestão Tributária -  Impostos Sobre o Rendimento, proferiu Despacho de Revogação do ato de liquidação em dissídio (liquidação de IRS nº 2021..., referente ao período de tributação de 2020), nos termos e com a fundamentação nele vertidos, que se junta como documento 1.  De tal decisão, será devidamente notificado o Douto Mandatárias do A..”. Cf. SGP do CAAD.

  1. Fundamentação

A questão decidenda resume-se em apreciar e decidir a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, e a respetiva repercussão no pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente processo arbitral.

Perante a factualidade exposta, o pedido arbitral tem por objeto o acto de liquidação de IRS n.º 2021... no valor de € 63.330,30, acrescido de juros de mora n.º 2021... no valor de € 1.609,58.

A AT veio por meio de requerimento apresentado em 15-05-2023 nos Autos, informar que o ato de liquidação foi anulado em 15-02-2023, mas não fora ainda notificado a Requerente.

O Requerente manifestou-se no sentido da concordância pela extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

A revogação do ato ora objeto de apreciação, ocorreu em 15-02-2023, ou seja, em data anterior à data do pedido de constituição do presente tribunal arbitral ocorrida em 21-03-2023, contudo a notificação pela AT ao Requerente do despacho de revogação só ocorreu, em 15-05-2023, isto é, em data posterior à constituição do tribunal.

Deste modo, cabe analisar os efeitos processuais do ato, nomeadamente, se ocorre a inutilidade superveniente da lide.

A inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque essa pretensão encontra-se já salvaguardada por via extra-processual. No entanto, como se decidiu no acórdão do STA de 3 de junho de 2003 (Processo n.º 555/02), os interesses a considerar, para avaliar da utilidade do prosseguimento da lide, são os inerentes à posição substantiva do demandante, não podendo atender-se a quaisquer considerações de conveniência manifestadas pela contraparte, a menos que respeitem a um pedido reconvencional que oportunamente tenha sido deduzido no processo.

Conforme resulta do RJAT, existem duas fases distintas no processo arbitral: a fase do procedimento (Capítulo II, do RJAT) e a fase do processo propriamente dito (Capítulo III, do RJAT), sendo a transição entre as fases marcada pela constituição do Tribunal Arbitral.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral é dirigido ao Presidente do CAAD, dentro dos prazos e com os formalismos previstos no artigo 10.º, do RJAT, devendo ser precedido do pagamento da taxa de arbitragem inicial, cujo comprovativo lhe deve ser anexo (cfr. o artigo 10.º, n.º 2, alínea f), do RJAT).

A aceitação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral marca o início da fase do procedimento, no decurso da qual a entidade Requerida pode, no prazo de trinta dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, “proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo”, devendo, nesse caso, notificar o Presidente do CAAD da sua decisão (cfr. o n.º 1 do artigo 13.º, do RJAT).

Decorrido aquele prazo de trinta dias sobre a data do conhecimento do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, sem que a Requerida tenha adotado qualquer das condutas previstas no n.º 1 do artigo 13.º, do RJAT, e tendo o sujeito passivo optado por não designar árbitro, o CAAD designa o(s) árbitro(s), notifica as partes da designação (artigo 11.º, n.º 1, do RJAT) e, se estas se não opuserem a tal designação, comunica-lhes a constituição do tribunal arbitral, nos dez dias subsequentes (artigo 11.º, n.º 1, alínea c) e n.º 8, do RJAT).

Constituído o Tribunal Arbitral, inicia-se o processo arbitral tributário (artigo 15.º, do RJAT), seguindo-se a tramitação que culminará com a decisão final.

Perante o exposto, retomando os autos, embora a revogação pela AT do ato de liquidação impugnado tenha data anterior à constituição do Tribunal Arbitral, a notificação do despacho de revogação foi efetuada posteriormente ao prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 13.º, do RJAT, designadamente em 15.05.2023. Aliás nem na Resposta apresentada pela AT aos autos, foi referido o despacho de revogação do Ato.

Coloca-se em primeiro lugar a questão de saber se o ato de revogação é tempestivo, se a AT procedeu em tempo na pendência de processo arbitral, à anulação administrativa do ato  tributário (vis-à-vis o artigo 13.º, n.º 1, do RJAT).

Os Tribunais Arbitrais constituídos junto do CAAD têm-se pronunciado no sentido afirmativo (cfr. Decisão Arbitral de 16.11.2018, no processo n.º 215/2018-T; Decisão Arbitral de 17.6.2019, no processo n.º 60/2019-T; Decisão Arbitral de 7.10.2019, no processo n.º 268/2019-T).

Sendo certo que não está vedada à AT a anulação administrativa de ato de liquidação já na pendência de processo arbitral, tal anulação “só pode ter lugar até ao encerramento da discussão” (cfr. 168.º, n.º 3, do CPA), o que se entende, no processo arbitral, ser até ao momento em que as partes produzam alegações orais, ou ao termo do prazo para alegações escritas, ou o termo da fase dos articulados quando as partes tenham dispensado as alegações finais (cfr. Decisão Arbitral de 17.6.2019, no processo n.º 60/2019-T).

Retomando os autos, não pode deixar de se reconhecer que a anulação administrativa é tempestiva porque teve lugar antes da produção das alegações escritas, sendo de atribuir à referida anulação os correspondentes efeitos de direito.

Ora, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi o artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT), a anulação do ato contestado que satisfaça integralmente o pedido formulado no PPA conduz à inutilidade superveniente da lide, que constitui causa de extinção da instância, tal como também doutamente decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo:

“A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”. (cfr. Acórdão de 30.7.2014, proferido no processo n.º 0875/14).

Pelo anteriormente exposto, julga-se, assim, a instância extinta por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi o artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).

Quanto à responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC, nos casos de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, “a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”.

Dado que a Requerida apenas comunicou aos autos a revogação do ato de liquidação objeto do presente processo arbitral, após a data de constituição do Tribunal Arbitral (i.e., para além do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT), e ter sido dada satisfação por parte da Requerida à pretensão que o Requerente deduziu em juízo, conclui-se que é sobre a Requerida que recai a responsabilidade pelas custas.

Ficam, assim, as custas decorrentes do presente processo arbitral a cargo da Requerida, nos termos do artigo 536.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi o artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).

  1. Decisão

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide por perda de objeto, já que a liquidação antes referida não existe na ordem jurídica.
  2. Condenar, por consequência, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira, ao pagamento integral das custas processuais devidas.

 

  1. Valor do Processo

Fixa-se o valor do processo em € 64.939,88 (sessenta e quatro mil e novecentos e trinta e nove euros e oitenta e oito cêntimos), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada.

  1. Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2 448.00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifiquem-se as Partes.

 

Lisboa, 7 de Junho de 2023

 

 

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Prof. Doutor Victor Calvete – Árbitro Presidente

 

 

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Rita Guerra Alves – Árbitro Relator

 

                                                                      

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Doutor Jorge Bacelar Gouveia – Árbitro Adjunto