SUMÁRIO
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Revogando a Requerida, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT o ato tributário de liquidação, dando satisfação à pretensão que o Requerente formulara nestes autos, a decisão arbitral que normalmente seria proferida, conhecendo do mérito das pretensões deduzidas, afigura-se destituída de qualquer efeito útil, não se justificando a sua prolação, por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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Notificado o Requerente e o Tribunal Arbitral da revogação do ato, após constituição do Tribunal Arbitral, e não prosseguindo o processo por vontade do Requerente, ficam as custas a cargo da Requerida.
Os Árbitros Prof. Doutor Victor Calvete (Árbitro Presidente), Dra. Rita Guerra Alves e Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia (Árbitros Vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 21-03-2023, com respeito ao processo acima identificado, decidiram o seguinte:
Decisão Arbitral
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Relatório
É Requerente A..., portador do NIF ..., residente em Rua ..., n.º ..., ..., ...-... São Mamede de Infesta, doravante designado de Requerente ou Sujeito Passivo.
É Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada de Requerida ou AT.
O Requerente, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro, notificada a Autoridade Tributária em 16-01-2023.
O Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitros, Prof. Doutor Victor Calvete (Árbitro Presidente), Dra. Rita Guerra Alves e Prof. Doutor Jorge Bacelar Gouveia (Árbitros Vogais).
Em 03-03-2023, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.
Desta forma, o Tribunal Arbitral Coletivo, foi regularmente constituído em 21-03-2023, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, para querendo se pronunciar, conforme consta da respetiva ata.
Por requerimento de 15-05-2023, a Requerida veio ao processo informar o Tribunal do despacho de revogação do ato de liquidação ora em causa, conforme parcialmente se transcreve:
“A DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, vem comunicar que, a 15-02-2023, a Sub-Diretora Geral da Área da Gestão Tributária - Impostos Sobre o Rendimento, proferiu Despacho de Revogação do ato de liquidação em dissídio (liquidação de IRS nº 2021..., referente ao período de tributação de 2020), nos termos e com a fundamentação nele vertidos, que se junta como documento 1.
De tal decisão, será devidamente notificado o Douto Mandatárias do A..”
Nesse seguimento, em 29-05-2023, foi proferido Despacho e dele notificadas as partes para se pronunciarem, querendo, sobre a inutilidade superveniente da lide.
Em resposta, veio o Requerente por requerimento de 30-05-2023, expressar a sua concordância relativamente à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, conforme se transcreve:
“(…) vem o Requerente expressar a sua concordância relativamente à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, requerendo ainda, em resultado de tal facto ser imputável à ATA em virtude da revogação do ato tributário que constitui o objeto do presente litígio após a propositura do pedido de pronúncia arbitral, que seja a ATA, nos termos e para os efeitos conjugados dos artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 536.º n.º 3 do Código do Processo Civil ex vi artigo 29.º n.º 1 alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, condenada ao pagamento da totalidade das custas do processo arbitral e ao reembolso de parte da taxa de arbitragem já paga pelo Requerente.”
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e é competente.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do CPPT, a contar da data do indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra os atos tributários impugnados.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT e art.ºs 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Importa apreciar e decidir a questão da inutilidade superveniente da lide.
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Matéria de Facto
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se dão como assentes e provados:
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O Requerente foi notificado dos atos de liquidação n.ºs 2021 ... e 2021 ... nos valores respetivos de € 63.330,30 e € 1.609,58, perfazendo um total de € 64.939,88 (sessenta e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitenta e oito cêntimos).
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Em 28-02-2022, o Requerente apresentou a sua reclamação graciosa contra os atos de liquidação suprarreferidos, tendo sido atribuído o n.º ...2022... . Cf. PA.
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A AT notificou o Requerente do projeto de decisão do indeferimento da reclamação graciosa através do ofício com o n.º de registo RF...PT, de 06-05-2022, e para exercer o seu direito de Audição. Cf. PA.
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O Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa em 17/10/2022. Cf. PA.
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Em 13-01-2023, o Requerente apresentou o seu pedido de constituição do Tribunal Arbitral e de pronúncia arbitral, com vista à anulação das referidas liquidações de IRS e juros compensatórios inerentes – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
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A Autoridade Tributária e Aduaneira foi notificada da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, por correio eletrónico de 16-01-2023;
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Por despacho de 15-02-2023, a Autoridade Tributária e Aduaneira proferiu Despacho de Revogação do ato de liquidação em dissídio, quanto a liquidação de IRS nº 2021..., referente ao período de tributação de 2020; Cf. Doc. 1 junto pela AT.
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A AT por meio de requerimento aos autos, informou o Tribunal do seguinte:
“A DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, vem comunicar que, a 15-02-2023, a Sub-Diretora Geral da Área da Gestão Tributária - Impostos Sobre o Rendimento, proferiu Despacho de Revogação do ato de liquidação em dissídio (liquidação de IRS nº 2021..., referente ao período de tributação de 2020), nos termos e com a fundamentação nele vertidos, que se junta como documento 1. De tal decisão, será devidamente notificado o Douto Mandatárias do A..”. Cf. SGP do CAAD.
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Fundamentação
A questão decidenda resume-se em apreciar e decidir a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, e a respetiva repercussão no pagamento das custas arbitrais decorrentes do presente processo arbitral.
Perante a factualidade exposta, o pedido arbitral tem por objeto o acto de liquidação de IRS n.º 2021... no valor de € 63.330,30, acrescido de juros de mora n.º 2021... no valor de € 1.609,58.
A AT veio por meio de requerimento apresentado em 15-05-2023 nos Autos, informar que o ato de liquidação foi anulado em 15-02-2023, mas não fora ainda notificado a Requerente.
O Requerente manifestou-se no sentido da concordância pela extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
A revogação do ato ora objeto de apreciação, ocorreu em 15-02-2023, ou seja, em data anterior à data do pedido de constituição do presente tribunal arbitral ocorrida em 21-03-2023, contudo a notificação pela AT ao Requerente do despacho de revogação só ocorreu, em 15-05-2023, isto é, em data posterior à constituição do tribunal.
Deste modo, cabe analisar os efeitos processuais do ato, nomeadamente, se ocorre a inutilidade superveniente da lide.
A inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque essa pretensão encontra-se já salvaguardada por via extra-processual. No entanto, como se decidiu no acórdão do STA de 3 de junho de 2003 (Processo n.º 555/02), os interesses a considerar, para avaliar da utilidade do prosseguimento da lide, são os inerentes à posição substantiva do demandante, não podendo atender-se a quaisquer considerações de conveniência manifestadas pela contraparte, a menos que respeitem a um pedido reconvencional que oportunamente tenha sido deduzido no processo.
Conforme resulta do RJAT, existem duas fases distintas no processo arbitral: a fase do procedimento (Capítulo II, do RJAT) e a fase do processo propriamente dito (Capítulo III, do RJAT), sendo a transição entre as fases marcada pela constituição do Tribunal Arbitral.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral é dirigido ao Presidente do CAAD, dentro dos prazos e com os formalismos previstos no artigo 10.º, do RJAT, devendo ser precedido do pagamento da taxa de arbitragem inicial, cujo comprovativo lhe deve ser anexo (cfr. o artigo 10.º, n.º 2, alínea f), do RJAT).
A aceitação do pedido de constituição do Tribunal Arbitral marca o início da fase do procedimento, no decurso da qual a entidade Requerida pode, no prazo de trinta dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, “proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo”, devendo, nesse caso, notificar o Presidente do CAAD da sua decisão (cfr. o n.º 1 do artigo 13.º, do RJAT).
Decorrido aquele prazo de trinta dias sobre a data do conhecimento do pedido de constituição do Tribunal Arbitral, sem que a Requerida tenha adotado qualquer das condutas previstas no n.º 1 do artigo 13.º, do RJAT, e tendo o sujeito passivo optado por não designar árbitro, o CAAD designa o(s) árbitro(s), notifica as partes da designação (artigo 11.º, n.º 1, do RJAT) e, se estas se não opuserem a tal designação, comunica-lhes a constituição do tribunal arbitral, nos dez dias subsequentes (artigo 11.º, n.º 1, alínea c) e n.º 8, do RJAT).
Constituído o Tribunal Arbitral, inicia-se o processo arbitral tributário (artigo 15.º, do RJAT), seguindo-se a tramitação que culminará com a decisão final.
Perante o exposto, retomando os autos, embora a revogação pela AT do ato de liquidação impugnado tenha data anterior à constituição do Tribunal Arbitral, a notificação do despacho de revogação foi efetuada posteriormente ao prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 13.º, do RJAT, designadamente em 15.05.2023. Aliás nem na Resposta apresentada pela AT aos autos, foi referido o despacho de revogação do Ato.
Coloca-se em primeiro lugar a questão de saber se o ato de revogação é tempestivo, se a AT procedeu em tempo na pendência de processo arbitral, à anulação administrativa do ato tributário (vis-à-vis o artigo 13.º, n.º 1, do RJAT).
Os Tribunais Arbitrais constituídos junto do CAAD têm-se pronunciado no sentido afirmativo (cfr. Decisão Arbitral de 16.11.2018, no processo n.º 215/2018-T; Decisão Arbitral de 17.6.2019, no processo n.º 60/2019-T; Decisão Arbitral de 7.10.2019, no processo n.º 268/2019-T).
Sendo certo que não está vedada à AT a anulação administrativa de ato de liquidação já na pendência de processo arbitral, tal anulação “só pode ter lugar até ao encerramento da discussão” (cfr. 168.º, n.º 3, do CPA), o que se entende, no processo arbitral, ser até ao momento em que as partes produzam alegações orais, ou ao termo do prazo para alegações escritas, ou o termo da fase dos articulados quando as partes tenham dispensado as alegações finais (cfr. Decisão Arbitral de 17.6.2019, no processo n.º 60/2019-T).
Retomando os autos, não pode deixar de se reconhecer que a anulação administrativa é tempestiva porque teve lugar antes da produção das alegações escritas, sendo de atribuir à referida anulação os correspondentes efeitos de direito.
Ora, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi o artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT), a anulação do ato contestado que satisfaça integralmente o pedido formulado no PPA conduz à inutilidade superveniente da lide, que constitui causa de extinção da instância, tal como também doutamente decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo:
“A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”. (cfr. Acórdão de 30.7.2014, proferido no processo n.º 0875/14).
Pelo anteriormente exposto, julga-se, assim, a instância extinta por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi o artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).
Quanto à responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC, nos casos de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, “a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas”.
Dado que a Requerida apenas comunicou aos autos a revogação do ato de liquidação objeto do presente processo arbitral, após a data de constituição do Tribunal Arbitral (i.e., para além do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT), e ter sido dada satisfação por parte da Requerida à pretensão que o Requerente deduziu em juízo, conclui-se que é sobre a Requerida que recai a responsabilidade pelas custas.
Ficam, assim, as custas decorrentes do presente processo arbitral a cargo da Requerida, nos termos do artigo 536.º, n.º 3, do CPC (aplicável ex vi o artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).
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Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide por perda de objeto, já que a liquidação antes referida não existe na ordem jurídica.
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Condenar, por consequência, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira, ao pagamento integral das custas processuais devidas.
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Valor do Processo
Fixa-se o valor do processo em € 64.939,88 (sessenta e quatro mil e novecentos e trinta e nove euros e oitenta e oito cêntimos), correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada.
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Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2 448.00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifiquem-se as Partes.
Lisboa, 7 de Junho de 2023
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Prof. Doutor Victor Calvete – Árbitro Presidente
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Rita Guerra Alves – Árbitro Relator
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Doutor Jorge Bacelar Gouveia – Árbitro Adjunto