Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 297/2022-T
Data da decisão: 2023-05-22  IVA  
Valor do pedido: € 4.997.127,99
Tema: IVA; transmissão intracomunitária de bens, isenção de IVA – artigo 14.º, n.º 1, al. a), do RITI; e prova.
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SUMÁRIO:

 

I – A transmissão intracomunitária da operação afere-se, não só pelo recurso à prova da “expedição ou transporte”, como pela demonstração material, da efetiva transmissão de um ponto para outro ponto do território comunitário, dos bens em causa, nisto se compreendendo, também, a efetiva receção do bem expedido pelo seu destinatário.

 

II – O requisito previsto no artigo 14.º, n.º 1, al. a), do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias - “com destino ao adquirente” – exige que o lugar onde termina o transporte terá de coincidir com a localização do adquirente indicada na fatura.

 

ACÓRDÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formarem o Tribunal Arbitral coletivo, constituído em 12 de julho de 2022, Fernanda Maçãs, (presidente), Francisco Nicolau Domingos, (relator) e Fernando Miranda Ferreira, acordam no seguinte:

 

I - RELATÓRIO

 

  1. A..., unipessoal, lda., doravante designada por  “Requerente”, pessoa coletiva..., com sede na  Rua ..., ..., ..., ...-... ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º e seguintes do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação vigente, na sequência da notificação das seguintes liquidações adicionais de  Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e de juros compensatórios:

 

PERÍODO

NATUREZA DA DÍVIDA

ID DOCUMENTO

VALOR

2018.01T

IVA

2022 ...

84 349,26 €

JC

2022  ...

12 607,13 €

2018.02T

IVA

2022 ...

245 243,07 €

JC

2022 .../...

36 231,64 €

2018.03T

IVA

2022 ...

93 135,42 €

JC

2022 ...

13 503,35 €

2018.04T

IVA

2022 ...

157 931,52 €

JC

2022 .../...

21 782,06 €

2018.05T

IVA

2022 ...

78 248,26 €

JC

2022 ...

10 736,08 €

2018.06T

IVA

2022 ...

147 122,95 €

JC

2022 ...

19 718,50 €

2018.07T

IVA

2022 ...

119 330,67 €

JC

2022 ...

15 457,40 €

2018.08T

IVA

2022 ...

117 236,75 €

JC

2022 ...

14 736,49 €

2018.09T

IVA

2022 ...

75 614,02 €

JC

2022 ...

9 289,13 €

2018.10T

IVA

2022 ...

253 005,58 €

JC

2022 ...

30 055,67 €

2018.11T

IVA

2022 ...

291 840,62 €

JC

2022 ...

34 221,31 €

2018.12T

IVA

2022 ...

117 454,32 €

JC

2022 ...

19 738,75 €

2019.01T

IVA

2022 ...

206 710,70 €

JC

2022 ...

22 539,95 €

2019.02T

IVA

2022 ...

215 510,75 €

JC

2022 ...

23 003,55 €

2019.03T

IVA

2022 ...

187 760,14 €

JC

2022 ...

19 094,94 €

2019.04T

IVA

2022 ...

105 429,29 €

JC

2022 .../...

10 516,16 €

2019.05T

IVA

2022 ...

195 930,02 €

JC

2022 .../...

18 705,48 €

2019.06T

IVA

2022 ...

83 352,95 €

JC

2022 ...

7 736,98 €

2019.07T

IVA

2022 ...

82 618,60 €

JC

2022 ...

7 379,09 €

2019.08T

IVA

2022 ...

262 272,89 €

JC

2022 .../...

22 565,98 €

2019.09T

IVA

2022 ...

129 131,59 €

JC

2022 ...

10 712,61 €

2019.10T

IVA

2022 ...

185 002,48 €

JC

2022 ...

14 759,64 €

2019.11T

IVA

2022 ...

213 773,27 €

JC

2022 .../...

16 179,93 €

2019.12T

IVA

2022 ...

170 236,61 €

JC

2022 .../...

12 331,65 €

2020.01T

IVA

2022 ...

92 103,91 €

JC

2022 ...

6 369,04 €

2020.02T

IVA

2022 ...

167 645,39 €

JC

2022 .../...

10 627,36 €

2020.03T

IVA

2022...

42 954,57 €

JC

2022 ...

2 673,77 €

2020.04T

IVA

...

a)

 

2020.05T

IVA

2022 ...

96 377,73 €

JC

2022...

5 259,84 €

2020.06T

IVA

2022 ...

114 286,53 €

JC

2022 ...

5 836,44 €

2020.07T

IVA

...

a)

2020.08T

IVA

2022 ...

26 627,65 €

2020.09T

IVA

2022 ...

18 408,48 €

JC

2022 ...

804,92 €

2020.10T

IVA

...

a)

2020.11T

IVA

2022 ...

74.783,24 €

JC

2022 .../...

1.118,33 €

2020.12T

IVA

2022...

160 385,74 €

JC

2022 ...

4 921,42 €

2021.01T

IVA

...

a)

2021.02T

IVA

...

a)

2021.03T

IVA

2022...

b)

2021.04T

IVA

2022...

b)

2021.05T

IVA

...

a)

2021.06T

IVA

...

a)

TOTAL =                                                                                                         4 997 127,99 €

 

 

 

 

 

 

[LEGENDA: O contribuinte não foi notificado da nota demonstrativa do acerto de contas; e b) Liquidações de IVA cujo resultado não originou imposto a pagar.]

 

A Requerente pretende a anulação dos suprarreferidos atos, no valor global a pagar de 4 997 127,99 €.

 

  1. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante também designada por “Requerida” ou “AT”.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 2 de maio de 2022 e, de seguida, notificado à AT.

 

  1. Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e no artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, na redação vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo.

 

  1. Em 22 de junho de 2022, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

  1. O Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 12 de julho de 2022, tendo a Requerida sido notificada para apresentar resposta no dia 15 de julho de 2022.

 

  1. A Requerente apresentou, em 19 de julho de 2022, requerimento de ampliação do pedido arbitral, alegando que “[n]os dias 30/05/2022 e 31/05/2022, foi a Requerente notificada, através do Portal Via CTT, das demonstrações das liquidações adicionais de IVA, emitidas na sequência da referida ação de inspeção, e referentes aos seguintes períodos de tributação:  2020.04T; 2020.07T; 2020.10T; 2021.01T; 2021.02T; 2021.05T; 2021.06T; 2021.07T; 2021.08T; 2021.10T; e 2021.11T”.

 

  1. A Requerida apresentou, em 17 de outubro de 2022, Resposta, após despacho de 22 de setembro de 2022 a determinar a prorrogação do prazo, na qual se defendeu por impugnação, concluindo pela improcedência e absolvição de todos os pedidos. Juntou ainda o processo administrativo (“PA”).

 

  1. A reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT realizou-se no dia 7 de novembro de 2022, tendo sido inquiridas as seguintes testemunhas: i) B...; ii) C...; iii) D...; iv) E...; v) F...; vi) G...; vii) H... e, paralelamente, o legal representante da Requerente prestou declarações de parte (I...).  O Tribunal Arbitral notificou, ainda, as partes para querendo apresentarem alegações finais escritas e sucessivas, no prazo de dez dias, contando-se o prazo após o termo final para a Requerida juntar dos documentos que a Requerente solicitou a remessa com o pedido de pronúncia arbitral.

 

 

  1. A Requerida veio, em 22 de novembro de 2022, juntar aos autos Relatório de Inspeção Tributária realizado ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2012... (respeitante a 2010,2011 e 2012).

 

  1. Por despacho de 1 de dezembro de 2022 o Tribunal Arbitral, quanto ao pedido da Requerente formulado em b) e c) do petitório inicial, determinou: “[c]onsiderando que os elementos de prova em causa não dizem diretamente respeito aos atos tributários cuja ilegalidade se discute nos autos, por um lado e, atenta a celeridade do processo, por outro, relega-se para a sentença a análise sobre o valor destas alegadas provas e, consoante a sua eventual relevância para o caso, o Tribunal decidirá de acordo com o respetivo ónus da prova”.

 

  1. A Requerente apresentou alegações finais escritas em 2 de dezembro de 2022, tendo a Requerida entregue as suas alegações finais escritas em 13 de dezembro de 2022 - as partes reiteraram os argumentos esgrimidos nos respetivos articulados iniciais.

 

  1. Por despachos de 09/01/2023, 06/03/2023, e 07/05/2023, foi prorrogado o prazo de prolação da decisão arbitral, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, em virtude da tramitação processual e da interposição de períodos de férias judiciais.

 

Posição da Requerente

 

  1. A Requerente alega, em síntese, que as suprarreferidas liquidações de IVA e de juros compensatórios são ilegais, pois padecem, na sua qualificação, de: i) erro sobre os pressupostos; ii) violação do princípio da verdade material; e iii) vício na fundamentação material legalmente exigida (violação do incumprimento do ónus da prova, por não ter, de modo cabal, demonstrado os pressupostos da tributação).

 

  1. Sustenta, nomeadamente, em defesa do vício de erro sobre os pressupostos o seguinte:

 

  1. A Requerente desconhecia totalmente que os seus clientes eram missing traders, e que com a sua atuação estava a fornecer uma rede de fraude intracomunitária;

 

  1. A AT não reuniu (ou demonstrou) prova suficiente de que a Requerente sabia ou devia saber da prática de uma conduta ilícita pelos seus adquirentes, não foi recolhido qualquer indício suscetível de demonstrar que agiu de má-fé e em conluio com qualquer atuação fraudulenta por parte dos seus clientes;

 

  1. Adotava um procedimento de verificação e validação da idoneidade dos potenciais clientes, consubstanciado, não só pela recolha e análise dos documentos de identificação dos sujeitos passivos, como também através de correspondência enviada para a AT;

 

  1. Obteve respostas que incluíam informação sobre a validação do número de registo no sistema VIES e relativamente à inexistência de operações anómalas conhecidas em território nacional;

 

  1. As liquidações padecem do vício de violação da lei, por erro nos pressupostos de direito, pois cumprem as condições legitimadoras para a aplicação da isenção, que: i) a transmissão seja efetuada por um sujeito passivo dos referidos na alínea a), do artigo 2.º, do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (“RITI”); ii) o adquirente seja uma pessoa singular ou coletiva sujeito passivo de IVA noutro Estado-Membro e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias, utilizando na aquisição o respetivo número de identificação IVA; e iii) os bens sejam expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente  ou por sua conta, a partir do território daquele Estado-Membro para outro (Estado-Membro), com destino ao adquirente;

 

  1. A isenção de IVA só é aplicável quando o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente e o fornecedor prove que esse bem foi expedido ou transportado para Estado-Membro e que, na sequência dessa expedição ou desse transporte, o mesmo saiu fisicamente do território do Estado-Membro de entrega;

 

  1. O artigo 45.º-A do Regulamento de Execução da UE n.º 2018/1912 do Conselho, de 4 de dezembro fixa uma presunção relativa à expedição ou transporte dos bens com destino a outro Estado-Membro. Estabelece-se uma distinção, a primeira, quando os bens são expedidos pelo vendedor ou por um terceiro agindo por sua conta; já na segunda cabem as hipóteses em que os bens são expedidos pelo adquirente ou por terceiro agindo por sua conta;

 

  1. A AT através do Ofício-Circulado n.º 30218/2020, de 3 de fevereiro, veio clarificar a aplicação do referido artigo 45.º-A do Regulamento de Execução do seguinte modo:2. Presume-se efetuada a expedição ou transporte dos bens com destino a um Estado-Membro diferente do Estado-Membro de partida quando se encontrem reunidas as seguintes condições: a) Quando os bens são transportados ou expedidos pelo vendedor ou por um terceiro agindo por sua conta, aquele deve estar na posse de, pelo menos, dois elementos de prova não contraditórios de entre os referidos na alínea a) do n.º 3 do artigo 45.º-A do Regulamento de Execução do IVA ou, um elemento de prova dos referidos nessa alínea e um elemento de prova dos referidos na alínea b) do mesmo n.º 3. b) Quando os bens são transportados ou expedidos pelo adquirente ou por um terceiro agindo por sua conta, o vendedor deve ter na sua posse, além dos elementos de prova mencionados na alínea anterior, uma declaração escrita do adquirente contendo a informação prevista na subalínea i) da alínea b) do n.º 1 do artigo 45.º-A do Regulamento de Execução do IVA”;

 

  1. De todo o modo, o ónus que incumbe à Requerente (para beneficiar da isenção de IVA) foi cumprido – demonstrar que os bens saíram fisicamente do território nacional, com destino ao adquirente, noutro Estado-Membro, pois, repete-se, foram apresentadas as declarações CMR, assinadas pelas duas entidades responsáveis, pelo transporte e receção da mercadoria – os centros de logística;

 

  1.  Foi junta correspondência eletrónica trocada com as diversas empresas de logística, em Espanha, com autorização de libertação da mercadoria a favor dos seus clientes, o que demonstra a inequívoca entrega aos seus clientes;

 

  1. As mercadorias, no caso concreto, foram transportadas por terceiro contratado pela Requerente (de um centro de logística da transportadora para outro centro de logística em Espanha), acompanhadas por guias de transporte e “CMR”, assinados por duas entidades;

 

  • Os referidos documentos são suficientes para demonstrar que a mercadoria saiu de território nacional e foi rececionada noutro Estado-Membro (Espanha), onde foi colocada à disposição dos clientes da Requerente;

 

  1. A prova da receção das mercadorias pelo adquirente é somente exigível para fazer operar a presunção de saída dos bens do território nacional, quando o transporte e expedição das mercadorias fica a cargo do próprio adquirente ou de um terceiro por conta deste, realidade que defende não se verificar em nenhuma das operações efetuadas, pois foi da sua responsabilidade o transporte;

 

  • Concomitantemente, para que opere a isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, al. a), do RITI é apenas exigível que os bens sejam expedidos para outro Estado-Membro, diferente do Estado-Membro de origem, com destino ao adquirente.

 

  1. Paralelamente, relativamente ao vício da violação de lei por ofensa ao princípio da verdade material e do incumprimento do ónus da prova, alega, em resumo, que:
  1. A AT desconsiderou toda a documentação apresentada pela Requerente, como as explicações quanto ao seu modus operandi, fazendo depender a sua argumentação de ilações extraídas de elementos obtidos no âmbito de pedidos de cooperação administrativa;

 

  1. Não diligenciou pela obtenção de elementos acerca dos clientes da Requerente e não interpelou as diversas autoridades fiscais para juntarem todos os elementos que comprovassem o descrito no RIT, pois só assim teria forma de apurar o circuito das mercadorias e a finalidade de aquisição das mesmas, comportamento esse ilegal, por violação do artigo 55.º da Lei Geral Tributária – “LGT”.

 

  1. Alega, por último, quanto ao vício de falta de fundamentação material, o seguinte:
    1. A AT não logrou provar os pressupostos da sua atuação, ou seja, os pressupostos legais da tributação, na medida em que os indícios recolhidos pelo RIT não se revelam suficientes para sustentar as correções promovidas em sede de IVA;

 

  1. O conteúdo do RIT revela-se repetitivo, vazio e absolutamente incongruente, pois não há uma demonstração lógica e clara do comportamento revelador de uma colaboração numa prática ilícita.

 

Posição da Requerida

 

  1. A Requerida defende que não se verificam as ilegalidades invocadas pela Requerente.

 

  1. Observa quanto ao erro sobre os pressupostos o seguinte:

 

  1. Resulta da análise efetuada sobre as aquisições intracomunitárias de bens, e as transmissões intracomunitárias de bens declaradas, que foram encontrados indícios e evidências de irregularidades e de fraude ao sistema do IVA, nos diversos circuitos dos clientes da Requerente, nos anos de 2018, 2019 e 2020, para os seguintes (“clientes”):

 

  1. J... (Bulgária), faturas emitidas até 2018-02: “missing trader”;
  2. K... (Chipre), faturas emitidas entre 2018-02 e 2018-03: “missing trader”;
  3. “L...” (Espanha), faturas emitidas entre 2018-02 e 2018-04: “participa em esquemas fraudulentos”;

 

  1. M... (Hungria), faturas emitidas entre 2018-04 e 2019-06: identificada como envolvida em fraude ao IVA em Espanha – fatura para N...;
  2. O... (Hungria), faturas emitidas entre 2019-06 e 2020-07: empresa de “faturação adicional”, identificada como envolvida em fraude ao IVA em Espanha, fatura para a P...;
  3. Q... (Eslováquia), faturas emitidas a partir de 2020-09: “empresa sem registo de aquisição intracomunitárias efetuadas ao SP”;
  4. R... (Holanda), faturas emitidas a partir de 2020-09, fatura para uma entidade “missing trader” (S...);
  5. T... (Reino Unido), faturas emitidas a partir de 2020-09: fatura apenas para uma entidade missing trader (S...);
  6. U... (Espanha), faturas emitidas a partir de 2020-09: não registou a aquisição de bens que a A... faturou em seu nome.

 

  1. Existem indícios que apontam para a existência de fraude, como a ausência de documentos comprovativos do destino das mercadorias vendidas; a identificação dos adquirentes como “missing traders”, com base nas informações recebidas pelas diferentes administrações tributárias; e a ausência de um comportamento preventivo por parte da Requerente, desde 2013 até 2021;

 

  1. Defende que,  com a alteração do artigo 14.º, n.º 1, al. a), do RITI, que a inclusão, no sistema de intercâmbio de informações sobre o IVA, do número de identificação do adquirente, atribuído por um Estado-Membro diferente daquele a partir do qual os bens são expedidos ou transportados e, bem assim, a sua comunicação ao transmitente dos bens, constituem, a par da expedição ou transporte dos bens com destino ao adquirente noutro Estado-Membro, condições substantivas de aplicação da isenção e não meros requisitos formais. O incumprimento de quaisquer das referidas condições impede a aplicação da isenção.

 

  1. Quando existem indícios fortes, sérios e credíveis da existência de fraude ao IVA no circuito intracomunitário, mais importante ainda se revela aferir da qualidade do sujeito passivo adquirente para efeitos de aplicabilidade da isenção às transmissões intracomunitárias de bens, no sentido da verificação dos requisitos exigidos pela lei, que constitui incumbência do fornecedor;

 

  1. Apesar de a Requerente alegar que efetuou a referida transmissão para cada cliente, a verdade é que, por exemplo, quanto ao documento por si remetido com o número 18 (consulta no sistema VIES em 2015, ao cliente J..., com o número de IVA ...), não constam vendas à J..., a partir de fevereiro de 2018;

 

  1. Da análise efetuada, na qual se inclui a resposta aos pedidos de cooperação administrativa, não foi encontrada nenhuma evidência de que os bens faturados à J... tenham saído das instalações da “V...”, quer seja para o cliente (J...), quer para qualquer outro destino;

 

  1. A conclusão referida na alínea anterior é extensível aos clientes descritos no RIT, pelo que, para além de ser colocada em causa a materialidade das operações (de modo justificado) é de recusar a aplicação da isenção, não estão reunidos os pressupostos do artigo 14.º do RITI, os requisitos de fundo, pois os documentos apenas comprovam a expedição de bens para Espanha, mas não o seu “destino ao adquirente”;

 

  1. A Requerente não tem razão quando invoca ter realizado operações intracomunitárias, não pode dar-se como provada a sua efetiva realização – a prova de expedição para centros logísticos em Espanha, através das declarações CMR, não é suficiente.

 

  1. Defende, por outro lado, no que respeita ao ónus da prova e ao princípio da verdade material, o seguinte:
    1.  Verificados os pressupostos para o não reconhecimento da isenção em que se funda a liquidação, recaiu sobre o sujeito passivo o ónus de apresentar prova bastante da ilegitimidade dos atos tributários, através da demonstração de que estão reunidos todos os requisitos estabelecidos na lei, ou seja, que ocorreram as transmissões intracomunitárias declaradas;
    2.  A comprovação da “receção” do bem expedido constitui um elemento estruturante do conceito de transmissão intracomunitária de bens, pois a lei exige a expedição e a entrega material (efetiva) do bem expedido ou transportado a partir do território nacional para outro Estado-Membro com destino ao adquirente;
    3. Foi a Requerente que não cumpriu com o ónus que sobre si impendia, mormente, a prova da efetiva da receção material dos bens pelo adquirente, pois os seus clientes participavam em esquemas de fraude em IVA, como “missing traders”, facto que era do seu conhecimento pela ação iniciada em 6 de junho de 2012;
    4.  Observa, pelo contrário, que a AT, com base na assistência administrativa mútua, fez prova bastante dos elementos objetivos que permitem concluir que a Requerente sabia ou deveria saber que a operação invocada para fundamentar o direito à isenção fazia parte de uma fraude cometida por outro operador interveniente a montante ou a jusante na cadeia de fornecimento;
    5. Em matéria de luta conta a fraude, não é necessário que (a fraude) tenha sido cometida pelo próprio sujeito passivo, bastava que o vendedor soubesse ou devesse saber que a operação estava implicada numa fraude cometida pelo adquirente e não tomou todas as medidas razoáveis ao seu alcance para evitar a sua participação nessa fraude.

 

SANEAMENTO

 

21. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer o pedido arbitral de anulação dos atos de liquidação supra identificados.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (v. artigo 4.º e artigo 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado em 28 de abril de 2022, no prazo de 90 dias, a contar do termo final do prazo de pagamento voluntário das liquidações de IVA supra identificadas, conforme previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT em conjugação com o disposto no artigo 102.º, n.º 1, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).

 

22. Não existem exceções a apreciar. O processo não enferma de nulidades.

 

22.1 Ampliação da causa de pedir e do pedido

Como salientado, (número 7, supra), foi, pela Requerente - nos termos do n.º 1 do artigo 63.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”) - peticionada, a ampliação da causa de pedir e do pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IVA (2020.04T; 2020.07T; 2020/10T; 2021.01T; 2021.02T; 2021.05T; 2021.06T; 2021.07T; 2021.08T; 2021.10T; e 2021.11T), passando a integrar os correspondentes às liquidações abrangidas pelo RIT, notificadas pela AT, depois da instauração do procedimento arbitral.

Em 24/07/2022 foi notificada a Requerida para, querendo, se pronunciar, nada tendo referido, inclusive, na Resposta.

 

Cumpre, pois, apreciar e  decidir sobre a admissão do requerido e eventuais consequências, em termos de valor da causa.

Vejamos.

Nem o RJAT, nem o CPPT, preveem, de forma clara, a modificação do pedido arbitral inicial, na pendência do processo. Apenas o artigo 20.º do primeiro diploma permite que os atos objeto do pedido de decisão arbitral sejam substituídos, o que, notoriamente, não é o caso.

Assim, constatada esta omissão, há que aplicar o  estatuído no artigo 29.º do RJAT, o qual, especificamente, refere que a aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, de outras normas e princípios de direito, deve ser realizada de acordo com a natureza dos casos omissos.

Ora, nessa razão, afigura-se-nos serem, efetivamente, no caso, as normas sobre a organização e processo nos tribunais administrativos as mais adequadas a resolver a questão da admissão da ampliação do pedido, nos termos em que foi formulada.

 

Vejamos o artigo 63.º do CPTA- Ampliação da instância

 

1 - Até ao encerramento da discussão em primeira instância, o objeto do processo pode ser ampliado à impugnação de atos que venham a surgir no âmbito ou na sequência do procedimento em que o ato impugnado se insere, assim como à formulação de novas pretensões que com aquela possam ser cumuladas.

(…)

4 - A ampliação do objeto é requerida pelo autor em articulado próprio, que é notificado à entidade demandada e aos contrainteressados, para que se pronunciem no prazo de 10 dias.

 

A ampliação do objecto do processo é, pois, configurada em termos que visam  assegurar que o contencioso de impugnação de actos administrativos “[n]ão se circunscreva necessariamente à apreciação da validade de um único acto administrativo, mas passe a disciplinar todo o quadro da relação jurídico-administrativa em que se inscreve o acto impugnado”[1].

Pareceria ser o caso, com efeito:

A Requerente alega que as demonstrações de liquidações adicionais de imposto foram emitidas na sequência da ação de inspeção referente aos períodos de tributação de 2018, 2019, 2020 e 2021.

Atentando na primeira parte da norma citada, nota-se, pois, com suficiente clareza, a previsão da faculdade de impugnação de novos actos administrativos, que, sendo, naturalmente, passíveis de cumulação, (artigo 3.º, n.º 1, do RJAT), tenham sido proferidos, no âmbito do mesmo procedimento, na pendência do processo impugnatório.

Contudo, na presente hipótese, a referência não apenas ao pedido, mas também à causa de pedir implica que estamos perante a emissão de novos atos tributários, respeitantes a períodos de tributação distintos e fundamentos jurídicos distintos daqueles que estão em discussão no processo pendente. Ou seja, estes novos atos, ainda que emitidos na sequência do mesmo procedimento inspetivo, têm por base novos procedimentos de liquidação, os quais, esses sim, lhes dão fundamento formal e material, ficando, por isso, fora da previsão da norma referida.

Acresce que, como bem se refere na decisão proferida no Processo n.º 40/2019-T, de 10 de junho de 2019” [t]ambém não se afigura que o artigo 265.º do CPC possa alicerçar a pretendida ampliação do pedido, pois apenas a admite, nos termos do seu n.º 2, se esta for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo o que não é o caso (…).

Indefere-se, assim, a ampliação do pedido formulada pela Requerente, com a consequente manutenção do valor da causa.

 

 

  1.  Questões a Apreciar

Se as liquidações supra descritas são ilegais por:

  1. padecerem do vício na fundamentação material legalmente exigida (prova dos pressupostos da tributação);
  2.  erro sobre os pressupostos; e
  3.  ofenderem o princípio da verdade material, por via da desconsideração da documentação que a Requerente juntou durante o procedimento inspetivo.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

MATÉRIA DE FACTO

 

Factos com relevância para a apreciação da causa que se consideram provados

 

23.1 A Requerente é uma sociedade comercial que exerce, entre outras, a atividade de design e produção de grafismos em geral, manipulação e tratamento da imagem, comércio por grosso e a retalho de eletrodomésticos, artigos eletrónicos, computadores e periféricos, inscrita com o CAE principal 46430. (Facto aceite pela Requerente e Requerida).

 

23.2 A atividade principal do sujeito passivo consistia, nos exercícios de 2018, 2019, 2020 e 2021, no comércio por grosso de eletrodomésticos, sobretudo televisores para o mercado comunitário, mas também pequenos eletrodomésticos, suportes de informação digital e baterias (pilhas) - (Facto aceite pela Requerente e Requerida).

 

23.3 A Requerente é residente fiscal em Portugal e, em IVA, encontra-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal e procedia com regularidade à entrega das declarações periódicas - (Facto aceite pela Requerente e Requerida).

 

23.4 Pela análise das declarações periódicas (nos períodos de tributação aqui em causa) constata-se que (a Requerente) apura mensalmente IVA a seu favor, em função da dedução do imposto das compras efetuadas em território nacional, à taxa normal, e pelo enquadramento por si efetuado – isenção nas transmissões intracomunitárias de bens - (Relatório de Inspeção Tributária).

 

23.5. O Relatório de Inspeção Tributária quanto à origem do procedimento inspetivo descreve:

O sujeito passivo foi selecionado para análise da sua situação tributária, no sentido de aferir o cumprimento das obrigações fiscais, promover a regularização voluntária das omissões e/ou irregularidades detetadas e/ou descrever, fundamentar, calcular e propor as correções necessárias à regularização da situação declarativa do SP e aferir da legitimidade dos pedidos de reembolso solicitados.

No contacto que mantivemos com as pessoas e com os serviços da empresa, procuramos recolher informação que nos permitisse compreender a realidade da organização e nos fornecesse os elementos necessários e suficientes para o levantamento do sistema de controlo interno implantado.

O SP exerce a sua atividade a partir da sede sita na Rua ..., da freguesia de ..., em Vila Nova de Famalicão. Estas instalações onde o SP exerce a atividade, são partilhadas com a empresa W..., LDA., com o NIF ... e sede na Rua..., ..., n.° ..., ..., Vila Nova de Famalicão, que exerce a atividade de artes gráficas e tem em comum com o SP, para além da sede, o sócio e gerente I..., com o NIF ... .

No final desta ação de inspeção verificou-se que o SP tinha mudado de instalações, para um outro edifício, na mesma rua, mas ainda não comunicou o novo domicílio à AT.

Conforme consta das declarações mensais de remunerações (DMR), o SP tem três funcionários sendo um deles o gerente. Quanto aos outros dois, como referiu o SP em resposta à notificação / pedido de esclarecimentos feita em 2021-10-06:

«a) O Sr. X... é responsável por conferir e manusear toda a mercadoria que chega e deixa as instalações da nossa logística, a Y..., na Maia.

«b) A Sra. Z..., é responsável por todo o trabalho de introdução das guias de remessa, faturas, etc., no nosso sistema informático, conferência de contas correntes e expediente geral.»

Em resultado das diligências efetuadas e da análise aos documentos recolhidos, no sentido de perceber a atividade desenvolvida pelo SP, tendo presente a complexa estrutura refletida no volume de transações realizadas por ano, constatamos que o modus operandi do SP passa, assim, por:

-Adquirir a mercadoria no mercado nacional (86%) e no mercado intracomunitário (14%). Uma vez que não possui instalações apropriadas para a dimensão das transações efetuadas, a mercadoria é transportada diretamente das instalações dos fornecedores para as instalações da empresa de Transportes Y..., na Maia (a coberto do Despacho n.° DI2021... foram visitadas as instalações da Y...);

- Vender a mercadoria, conforme declarações do SP, para o mercado intracomunitário (96%) e para o mercado nacional (4%), sendo a mercadoria transportada a partir da Y..., para o seu destino/clientes.

Quadro 18 - Compras e vendas

(11

Mercado nacional

(2)

Mercado intracomunitário

Í3Í

Compras

86%

14%

Vendas

4%

96%

 

 

É prática do SP que, mesmo sendo mercadoria carregada na Bélgica e cujo destino final é Espanha (como é o caso das baterias), ou de mercadoria carregada em Espanha (Madrid) e cujo destino é Espanha (Madrid) (como é o caso das máquinas de café ...), a mercadoria passe por Portugal, mais concretamente pelas instalações da Y... . Ou seja, independentemente do país de origem e do país de destino a mercadoria passa, em termos documentais, sempre por Portugal.

 

7


Relativamente ao destino/clientes dos bens, pela análise efetuada no decurso desta ação constata-se que existem clientes, (aqueles que se relacionam com o agente comercial AA...), identificados e com informação detalhada nos pontos seguintes do presente relatório, que são clientes sedeados num Estado Membro diferente do local declarado de destino da mercadoria. O destino é sempre Espanha, no centro logístico / armazém da empresa V... SL ou BB... SL (ambas com instalações em Madrid).

 

A BB... começa a ser utilizada a partir de setembro de 2020 como centro logístico, em substituição gradual dos serviços prestados até então em exclusivo pela V... .

III.1.1.1. Da análise aos pedidos de reembolsos

Encetamos por reproduzir o descrito pelo sujeito passivo, aquando da análise ao pedido de reembolso do período de 2020-04 (primeiro pedido em análise no âmbito da presente ação inspetiva):

«1.A A..., dedica-se desde a sua constituição em outubro de 1998, ao design e produção de grafismos em geral, manipulação e tratamento de imagem, comércio por grosso e a retalho de eletrodomésticos, artigos elétricos e eletrónicos, computadores e periféricos. Compra, venda e arrendamento de bens imobiliários. Atividades de mediação Imobiliária.

«A actividade que tem representado quase integralmente o volume de negócios nos últimos anos, tem sido o comercio por grosso de eletrodomésticos, na sua vertente de trading internacional.

«Desde há bastantes anos que a A... atua neste nicho de mercado, que tem por objetivo servir de intermediário entre as grandes marcas de eletrodomésticos e grandes traders /armazenistas na Europa «As grandes marcas de eletrodomésticos que existem no mercado nacional têm necessidade de periodicamente escoar excesso stock, assim como renovar linhas de produto e consequentemente arranjar clientes que estejam dispostos a comprar grandes quantidades. A A... é um desses clientes a quem as grandes marcas recorrem, sendo que, no entanto, as operações são quase sempre efetuadas através de armazenistas nacionais, por razões estratégicas para as marcas, quer para dispersar "turnover" por diversos clientes.

«Este mercado existe apenas por via das grandes quantidades movimentadas, uma vez que a margem de comercialização é muito pequena (1% a 3%), e apenas o volume pode tornar o negócio sustentável. «Também o facto de podermos pagar aos fornecedores nacionais normalmente a 60 dias, e recebermos quase sempre a pronto dos nossos clientes, permite à A... espaço de manobra financeira para obter os melhores negócios, principalmente quando se trata de comprar a pronto.

«Por via da boa situação financeira, a A... adicionou ao seu objeto social o ano passado a compra, venda e arrendamento de bens imobiliários tendo em conta a valorização deste tipo bens, quer na revenda quer para arrendamento.

«2.0 crédito de Iva, deve-se ao montante de iva pago em compras nacionais, e as vendas serem na grande parte transações intracomunitárias.»

A fim de validar os pedidos de reembolso do IVA, o SP foi notificado através de ofícios para apresentar vários elementos. E, em resultado da análise aos documentos apresentados, foi possível gizar algumas conclusões que em seguida damos nota:

III.1.1.2.Da falta de elementos

0 SP diz ter efetuado vendas para um cliente sedeado na Hungria – O... (HU...), no período compreendido entre junho de 2019 e julho de 2020. Dessas vendas apresentou documentos, tais como, faturas, guias de transporte e CMR, onde se declara que as mercadorias são transportadas para Espanha, para a plataforma logística “V...- A... Account", ou seja, para uma empresa espanhola sedeada em Madrid que funciona como armazém das mercadorias, para uma "conta" do SP. '

Anexa-se, a título de exemplo, cópia da fatura n.° FA 2019/379 e respetivos CMR n.° 213049, guia de transporte GST 2019/383, fatura pró-forma n.° 200/2019 e "proforma order" n.° 000001.

Verifica-se que o SP não tem o documento comprovativo de que a mercadoria efetivamente sai da V..., alegando que liberta a mercadoria mediante os pagamentos que vão sendo efetuados pelo cliente. Os pagamentos não têm correspondência direta com o valor das faturas emitidas, uma vez que são pagamentos fracionados.

Foram enviados e-mails tanto do gabinete de contabilidade, como do sócio-gerente no sentido de juntar documentos esclarecedores / justificativos da situação.

Do corpo do email enviado no dia 16 de junho de 2020, pelo gabinete de contabilidade destacamos:

«Sendo a V... um entreposto, e apesar de cumprir com o requisito de base das transmissões intracomunitárias, vou pedir meu cliente que emita uma declaração a dizer que a remessa das mercadorias para os clientes dele, são da responsabilidade dele, reconhecendo em paralelo que as mercadorias adquiridas à A... ficam, por questões logísticas, nas instalações de chegada da V...»

No caso da O..., temos os CMR e guias de transporte assinados pela logística V... que trata diretamente com a O... depois de libertarmos a mercadoria após pagamento.

«Recebi este email do cliente O..., após solicitar informações sobre o destino final da mercadoria.

Assim, nessa declaração o cliente diz que as mercadorias recebidas na V... são depois expedidas para os clientes deles em diversos países.

Mais diz no corpo do email que informações sobre destino das mercadorias e outras informações, são propriedade privada da O... ...

Espero ter esclarecido as dúvidas existentes.»

Este email foi acompanhado com um anexo contendo uma declaração do administrador da O... a reportar o seguinte:

«Declaration

I CC… administrator of the company O…  hereby declare that the goods purchased from A… are, for logistical reasons and in accordance with European regulations on triangulation, deposited with V…, with whom we have a customer account.

The goods are after checks sent to our customers under our responsibility and in different countries, as required.

Done at Budaörs on 2020,06,16 Signature and stamp O…

CC… Général Manager»

Tradução livre:

«Declaração

Eu, CC... administrador da companhia O... aqui declaro que os bens adquiridos à A... são, por razões de logística e de acordo com as normas europeias de operações triangulares, depositadas na V..., onde nós temos uma conta de cliente.

Os bens, depois de verificados, são enviados para os nossos clientes sob a nossa responsabilidade e para diferentes países, conforme solicitado.

Feito em Budaörs, em 2020-06-16. Assinatura e carimbo O...

CC... Diretor geral»

Quando solicitado ao SP contrato com o centro logístico, V... SL, recebemos do sócio-gerente, o email em 19 de junho de 2020, reencaminhado com a menção “assunto: oferta de servicios", trata-se de uma troca de informação entre o sócio-gerente do SP e D... (em representação da V...) com endereço de email “Iogistica...es" com data de 14 e 22 novembro de 2012, consistindo em troca de mensagens, destinado a definir o acordo entre as partes.

A título de exemplo, e para esclarecer como se processa a libertação de mercadoria, que é entregue pela A... na V..., foi enviado pelo SP email com a menção “assunto: liberation mercancia”. Este terá sido enviado pelo sócio-gerente do SP para o endereço de email ...@....es no dia 15 de abril de 2020, com a indicação dos “CMR - Albaran - Truck plate" e relação da mercadoria a libertar neste dia.

Numa primeira análise, em relação à mercadoria libertada a 15 de abril, conforme referência do email, onde são identificados os artigos, e em resultado da análise aos documentos emitidos pelo SP, de suporte aos registos contabilísticos, como faturas e recebimentos, verifica-se que os pagamentos (transferências bancárias), ocorreram nos dias 9, 15 e 23 de abril. Assim, verifica-se que as datas das transferências bancárias, não coincidem apenas com o dia em que é libertada a mercadoria.

Em resultado da análise à documentação exibida para apreciação do pedido de reembolso, verifica-se que:

- O sujeito passivo não tem documento comprovativo de que a mercadoria efetivamente é entregue ao destinatário/cliente ou que sai do centro logístico (V...);

-  O SP alega que liberta a mercadoria mediante os pagamentos que vão sendo efetuados pelo cliente;

- Os pagamentos não correspondem ao montante das faturas emitidas, mas sim a pagamentos fracionados;

- Quem indica / escolhe quais os artigos / mercadorias que vão sendo libertados é o gerente do SP;

- Desconhece-se qual a intervenção do destinatário/cliente nesta fase, uma vez que não existe nenhuma informação de que seja o cliente a indicar, que de uma determinada remessa seja entregue um determinado artigo, uma vez que a mercadoria vai sendo libertada em consonância com os pagamentos de forma fracionada. Tudo leva a abonar que para o cliente é indiferente que seja libertada esta ou aquela mercadoria. Ou seja, se por um lado conforme alegado pelo SP, este só liberta a mercadoria sob pagamento, por outro lado, o cliente nem se importa com o que está a pagar, não lhe interessa o que é libertado, isto tendo em atenção o facto de existirem situações em que, no mesmo dia são emitidas mais do que uma fatura e de existirem muitos artigos em cada uma delas. O que seria normal era ser o cliente / destinatário a indicar quais as mercadorias que queria levantar primeiro.

Conforme os documentos apresentados e aquilo que foi alegado pelo SP, constata-se que a mercadoria vai de Portugal para Espanha, mas para um armazém por conta do SP (“A... ACCOUNT"), ou seja, continua propriedade do SP. Os documentos CMR, guias de transporte, têm assinatura de receção da mercadoria, não do destinatário dos bens, mas sim do centro logístico.

(…)

No caso em apreço não temos elementos que nos permitam aferir se o destino dos bens é Espanha ou se, naquele país, é apenas realizado armazenamento desses bens com vista à sua posterior expedição. O fornecedor / SP para além do CMR de expedição do bem para Espanha, não tem comprovativo de que houve transferência de propriedade, não tem comprovativo da posterior expedição / saída dos bens da V..., ao cliente mencionado nas faturas da A..., através de um dos meios de prova referidos no ofício circulado n.° 30218, de 2020-02-03.

Assim, não foram remetidos elementos capazes para justificar o previsto na alínea a) do artigo 14. ° do RITI, a fim de comprovar a respetiva isenção de IVA. Foram acionadas diligências adicionais para verificação / comprovação da saída dos bens da V....”-(Relatório de Inspeção Tributária).

 

23.6. O procedimento de inspeção foi alargado para os anos e períodos compreendidos entre 2018, 2019 e 2020 e da referida análise concluiu-se:

III.1.1.5. Da análise aos anos de 2018,2019 e 2020

(…)

Em resultado da análise a estes anos/períodos verifica-se a alteração de certos clientes para os quais o SP fatura. Dito de outro modo, os clientes vão surgindo sequencialmente ao longo dos tempos, em substituição de anteriores que vão desaparecendo. As transações intracomunitárias com estes clientes são transações que envolvem a presença de um interveniente, um centro logístico/armazém sedeado em Espanha (a V... SL e, a partir de setembro de 2020, também aparece a BB... SL).

Foi notificado o SP das sucessivas suspensões aos pedidos de reembolsos, por se verificar a necessidade de validar as transações intracomunitárias efetuadas pelo SP.

Dos elementos recolhidos junto dos documentos de suporte aos registos contabilísticos postos à disposição pelo SP, não existem evidências da entrega da mercadoria aos adquirentes, quando a mercadoria é faturada para os clientes relacionados com a intermediária / comissionista AA..., que são os clientes que, como já referido, vão surgindo sequencialmente ao longo dos tempos, em substituição de anteriores, que vão desaparecendo. Esta mercadoria é, conforme CMR apresentados, transportada de Portugal (das instalações da Y...), para Madrid, Espanha, para as instalações da V... ou da BB..., destino este diferente do país da morada do cliente mencionado na fatura.

No sentido de aferir a veracidade das operações em causa para as quais foi acionada a isenção de IVA, e legitimidade dos consequentes pedidos de reembolso de IVA, foram efetuados pedidos de cooperação administrativa internacional, junto de vários países, em função da sede dos intervenientes/ clientes/ prestadores serviços/ fornecedores – (Relatório de Inspeção Tributária).

 

23.7 No âmbito do referido procedimento inspetivo foram realizadas as seguintes correções:

São propostas correções em sede de IVA, relativamente à falta de liquidação do IVA nas transmissões onerosas de bens, conforme se descreve, fundamenta e calcula no capítulo III.1 deste relatório.

 

Quadro 1 - Correções propostas ao IVA liquidado

Ano

m

Base tributável

12)

Correção ao IVA

13)

 

 

 

2018

8.144.970,52 €

1,873.343,25 €

2019

8.708.069,75 €

2.002.856,07 €

2020

6.095.281,00 €

1.401.914,61 €

2021

1.575.039,08 €

362.258,98 €

Soma

24.523.360,35 €

5.640.372,91 €

 
 

 

 

 

 

 

São propostas correções em sede de IVA, relativamente à dedução indevida de IVA, conforme se descreve, fundamenta e calcula no capítulo lll.2 deste relatório.

Quadro 2 - Correções propostas ao IVA deduzido

Ano

Í'l)

Correção

(2)

2018

2.033,41 €

Soma

2.033,41 €

 
 

 

(Relatório de Inspeção Tributária).

 

23.8 A fundamentação utilizada, para as referidas correções, foi a seguinte:

 

III.1.3.1.         Da cliente J… LTD (Bulgária)

A J...), com o número de IVA BG..., conforme consta do cadastro do VIES, é uma empresa unipessoal de responsabilidade limitada {“single member limited liability company/sole owner limited liability company”), sociedade com domicílio na Bulgária, em ... ... Encontra-se inscrita para o exercício da atividade tipificada pelo código de atividade "4649 - outro comércio por grosso de bens de consumo”. No VIES constam as datas de início 2015-01-09 e cessação em 2018-05-18, com reinício em 2018-07-30 e nova cessação em 2019-06-05.

Conforme consta das declarações recapitulativas entregues pela A... e consulta às bases de dados do VIES, este SP declarou vendas à J..., nos anos de 2015, 2016 e 2017, nos montantes de 5.230.836,00 EUR, 7.515.774,00 EUR e 10.551.371,00 EUR, respetivamente.

Conforme consta da contabilidade do SP, nos meses de janeiro e fevereiro de 2018 a A... emitiu à J... 40 faturas, no montante de 1.272.703,70 EUR de mercadorias, (inclui despesas de transporte, no valor de 7.035,00 EUR), montante coincidente com o declarado nas declarações recapitulativas entregues pelo SP, das quais consta o montante de 1.272.704,00 EUR, sendo a diferença devida a arredondamentos. Não constam vendas à J... após fevereiro de 2018.

Das mercadorias vendidas, no ano de 2018, 1.240.858,20 EUR correspondem à venda de televisores das marcas LG e Samsung, o que representa 97% do total das vendas para este cliente e que são adquiridos a fornecedores residentes em território nacional.

Em valor, cerca de 55% das mercadorias faturadas à J... foram adquiridas ao fornecedor EE... e cerca de 21% foram adquiridas à FF... .

Nas faturas emitidas pelo SP à sua alegada cliente J..., não está liquidado o IVA, estando mencionado como motivo para a isenção do IVA: «Isento Artigo 14° do CIVA (ou similar)». No artigo 14. ° do Código do IVA estão previstas as isenções nas exportações, operações assimiladas e transportes internacionais.

As transmissões de bens desde o território nacional para outro Estado membro de União Europeia não estão previstas neste artigo, pelo que a norma invocada pelo SP para a não liquidação do IVA nas faturas emitidas à sua alegada cliente J..., relativas aos bens transportados para Espanha, não é válida, pelo que não cumpre o exigido pela alínea e) do n.° 5 do artigo 36. ° do Código do IVA. 

Conforme consta dos documentos apresentados pelo SP, os bens vendidos à J..., foram entregues nas instalações da V..., em Av..., Madrid, Espanha, ficando à ordem da A..., numa conta designada “A... ACCOUNT”.

Anexa-se, a título de exemplo, cópia da fatura n.° FA 2018/4 e respetivos CMR n.° 172605, guia de transporte GST 2018/1 e “proforma order” n.° 180002.

Nas análises efetuadas, no decurso da ação de inspeção, não foi encontrada nenhuma evidência de que os bens faturados à J... tenham saído das instalações da V..., em Madrid, quer seja para a cliente J..., na Bulgária, quer seja para outro qualquer destino.

As mercadorias são expedidas, pelo SP, das instalações do transitário Y..., na Maia, para os armazéns da V..., em Madrid, para uma conta "A...- account", conforme se pode constatar pela análise dos documentos, tais como, as faturas e guias de transporte, emitidas pelo SP e os CMR.

Nas diligências efetuadas não foi fornecida qualquer informação sobre o destino dos bens, após a sua entrada nos armazéns da V... .

Relativamente a este cliente, assim como aos restantes clientes do SP, verificou-se que, nos documentos de suporte à contabilidade, constam comprovativos das transferências bancárias, sendo os pagamentos efetuados em parcelas sem coincidência exata com os valores de cada fatura.

 

Pedido de cooperação administrativa

No âmbito desta inspeção, em fevereiro de 2021, foi feito um pedido de cooperação administrativa, às autoridades fiscais da Bulgária, o qual ficou registado com o n.° 2021... Da resposta recebida consta o seguinte, (tradução livre, feita pelo Eurofisc):

«Gerente / Associado: GG...;

A empresa búlgara não foi encontrada no endereço declarado e é uma missing trader.

A resposta é dada com recurso às nossas bases de dados:

A empresa foi inspecionada para o período de 01.01.2016 - 18.05.2018, mas as faturas e os CMRs foram apresentados apenas para o período de 01.01.2018 - 18.05.2018, referente a transações com a vossa empresa. Remetemos os referidos documentos. Não há provas de que as mercadorias tenham sido recebidas pela empresa búlgara.

De acordo com os CMRs as mercadorias foram entregues no endereço AV... (MADRID) ESPANHA - CONTA A..., V... 

No primeiro e segundo trimestres de 2018 declarou aquisições intracomunitárias de 4.190.438BGN efetuadas à A... Não há informação sobre recebimento e pagamento das transacções. A empresa búlgara não declarou transações no terceiro e quarto trimestre de 2018 com a A... .

Não há informação sobre a quem foram vendidas as mercadorias.»

 

III.1.3.2.         Da cliente K... LTD (Chipre)

A K... LTD, com o número de IVA CY..., é, conforme consta do cadastro do VIES, uma sociedade de responsabilidade limitada (“limited company with operations abroad”), sociedade com domicílio no Chipre, em ... . Encontra-se inscrita para o exercício da atividade tipificada pelo código de atividade “4651 - Comércio por grosso de equipamentos eletrónicos e de telecomunicações e suas partes”, com data de início de atividade em 2015-07-22.

Conforme consta do sítio na internet https://opencorporates.com/companies/cy/HE..., é representada por HH... LIMITED, que também representa dezenas de outras companhias e, naquela morada, estão registadas dezenas de outras companhias.

Conforme consta das declarações recapitulativas entregues pela A... e consulta às bases de dados do VIES, este SP declarou vendas à K..., em abril de 2016, no valor de 4.045,00 EUR.

Conforme consta da contabilidade do SP, nos meses de fevereiro e março de 2018 a A... emitiu à K..., 11 faturas, no montante de 386.621,50 EUR de mercadorias, (inclui despesas de transporte, no valor de 2.415,00 EUR), montante praticamente coincidente com o declarado nas declarações recapitulativas entregues pelo SP, das quais consta o montante de 386.621,00 EUR, sendo a diferença devida a arredondamentos. Não constam vendas à K... após março de 2018.

Das mercadorias vendidas, no ano de 2018, 338.566,00 EUR correspondem à venda de televisores das marcas LG e Samsung, o que representa 88% do total das vendas para este cliente e que são adquiridos a fornecedores residentes em território nacional.

Em valor, cerca de 58% das mercadorias faturadas à K... foram adquiridas ao fornecedor EE... e cerca de 15% foram adquiridas à FF... .

Nas faturas emitidas pelo SP à sua alegada cliente K..., não está liquidado o IVA, estando mencionado como motivo para a isenção do IVA: «Isento Artigo 14. ° do CIVA (ou similar)». No artigo 14. ° do Código do IVA estão previstas as isenções nas exportações, operações assimiladas e transportes internacionais.

As transmissões de bens desde o território nacional para outro Estado membro de União Europeia não estão previstas neste artigo, pelo que a norma invocada pelo SP para a não liquidação do IVA nas faturas emitidas à sua alegada cliente K..., relativas aos bens transportados para Espanha, não é válida, pelo que não cumpre o exigido pela alínea e) do n.° 5 do artigo 36. ° do Código do IVA.

Conforme consta dos documentos apresentados pelo SP, os bens vendidos à K..., foram entregues nas instalações da V..., em Av..., Madrid, Espanha, ficando à ordem da A..., numa conta designada "A... ACCOUNT”.

Nas análises efetuadas, no decurso da ação de inspeção, não foi encontrada nenhuma evidência que demonstre a qual cliente tenham sido entregues os bens faturados à K... e à guarda da V..., em Madrid, se foram entregues à cliente K..., no Chipre, ou se foram entregues a qualquer outro.

As mercadorias são expedidas, pelo SP, das instalações do transitário Y..., na Maia, para os armazéns da V..., em Madrid, para uma conta "A... - account”, conforme se pode constatar pela análise dos documentos, tais como, as faturas e guias de transporte, emitidas pelo SP e os CMR.

Nas diligências efetuadas não foi fornecida qualquer informação sobre o destino dos bens, após a sua entrada nos armazéns da V... .

É de referir, ainda, que as entidades referidas nos capítulos anteriores, ou seja, a J... e a K..., usam notas de encomenda (“proforma orded”) com o mesmo layout (modo de distribuição e arranjo dos elementos gráficos do documento) e que, inclusive, contêm os mesmos erros ortográficos, apenas diferindo na sua própria identificação.

 

Pedido de cooperação administrativa

No âmbito desta inspeção, em fevereiro de 2021, foi feito um pedido de cooperação administrativa, às autoridades fiscais de Chipre, o qual ficou registado com o n.° 2021... . Da resposta recebida consta o seguinte, (tradução livre):

«Segundo os seus contabilistas, perderam o contato com o cliente e não puderam dar qualquer informação.

A empresa cipriota é uma “missing trader “e estamos agora a analisar a sua cessação do registo em IVA.»

Entretanto, em consulta às bases de dados do VIES, verifica-se que a K... foi cessada, para efeitos de operações intracomunitárias, com efeitos retroativos à data de 2018-03-31.

 

III.1.3.3. Da cliente L... (Espanha)

A L..., SL., com o número de IVA ES..., é, conforme consta do cadastro do VIES, uma sociedade limitada, com domicílio em Espanha, na ... Alicante. Trata-se de um 4.º andar, num prédio de habitação. 

Conforme consta do cadastro do VIES, encontrava-se inscrita para o exercício das seguintes atividades: Código - Designação

4511 comércio de veículos automóveis ligeiros

4531 comércio por grosso de peças e acessórios para veículos automóveis

4540 comércio, manutenção e reparação de motociclos, de suas peças e acessórios

4519 comércio de outros veículos automóveis

4648 comércio por grosso de relógios e de artigos de ourivesaria e joalharia

4616    agentes do comércio por grosso de têxteis, vestuário, calçado e artigos de couro

4619 agentes do comércio por grosso misto sem predominância

4618 agentes especializados do comércio por grosso de outros produtos

4615 agentes do comércio por grosso de mobiliário, artigos para uso doméstico e ferragens

4617    agentes do comércio por grosso de produtos alimentares, bebidas e tabaco

4613    agentes do comércio por grosso de madeira e materiais de construção

4614    agentes do comércio por grosso de máquinas, equipamento industrial, embarcações e aeronaves

4612 agentes do comércio por grosso de combustíveis, minérios, metais e de produtos químicos para a indústria

4611 agentes de comércio por grosso de matérias-primas agrícolas e têxteis, animais vivos, e produtos semiacabados

Conforme consta do cadastro do VJES, tem data de início de atividade em 2014-04-11 e cessação em 2018-4-17.

Conforme resposta dada pela administração fiscal espanhola ao pedido de cooperação administrativa feito pela AT: «O seu administrador único e sócio único, desde 2018-04-13, é II... (...). Antes, o administrador único e sócio único era JJ... (...)».

De acordo com a publicação n.° 163452 no “Boletín Oficial del Registro Mercantil", de 2018-04-13, nessa data a L... declarou a cessação de funções do administrador único JJ... e a nomeação do administrador único II... .

Aquele JJ... também foi administrador único da KK... SL, NIF ES B... desde 2016-01-27 até 2017-01-10; e da L..., deste 2016-10-18 até 2018-04-04.

Conforme consta da contabilidade do SP, nos meses de fevereiro a abril de 2018, a A... emitiu à L..., três faturas, no montante de 296.479,00 EUR de mercadorias, (inclui despesas de transporte, no valor de 350,00 EUR), montante praticamente coincidente com o declarado nas declarações recapitulativas entregues pelo SP, das quais consta o montante de 296,480,00 EUR, sendo a diferença devida a arredondamentos. Não constam vendas à L... após abril de 2018.

Das mercadorias vendidas, no ano de 2018, 284.377,48 EUR correspondem à venda de CD e DVD da marca Verbatin, o que representa 96% do total das vendas para este cliente e que são adquiridos a fornecedores residentes em território nacional.

Consultada a base de dados do VIES, verifica-se que não constam outras transmissões de bens ou prestações de serviços declaradas efetuadas por entidades residentes em PT para a L..., entre 2011 e 2020, além das que foram feitas pela A...:

 

(…)

É de referir que as três cargas faturadas e expedidas pela A.. .para a L..., correspondem exatamente a três cargas faturadas ao SP pela LL..., SL, sociedade espanhola com o n,° de IVA ES ..., com sede em ..., Madrid:

 

(…)

No ano de 2018, não constam outras vendas da LL... à A... . Da análise dos dados acima, verifica-se que a margem financeira da A... foi de: (296,479,00 - 289.248,50) + 289.248,50 = 2,5%.

Junto com as duas últimas faturas da LL... estão os CMR, que indicam como local de carga: ..., n.º ..., ..., Madrid. Verifica-se, por aqueles documentos, que as mercadorias em causa fazem o percurso de Madrid até à Maia (Y...) e voltam - exatamente as mesmas cargas - da Maia para o local de origem: Madrid.

No mapa apresentado abaixo mostra-se o percurso das mercadorias LL... (Madrid) -> Y...-> L... (Madrid), onde se verifica a sobreposição das viagens no sentido LL... (Madrid) -> Y... com as viagens de retorno: Y...-> L... (Madrid).

   (…)

Verifica-se, portanto, que as mercadorias percorreram um total de mais de 1200 kms, quando a distância entre a origem dos bens, na LL... e o destino dos bens é de apenas 22 ou 37 kms, consoante a descarga tenha sido feita no entreposto da MM... (em..., Madrid) ou no da NN... (em ..., Madrid).

Os pagamentos da A... à LL... foram efetuados em cinco parcelas. Já os pagamentos efetuados pela L... à A... foram feitos em 13 parcelas:

i.          Os três primeiros pagamentos, no montante de 119.817,00 EUR, foram efetuados pela L... SL, via Banco de Sabadell;

ii.        Os três pagamentos seguintes, no montante de 58.317,50 EUR, foram efetuados por OO... SL, via Bankinter SA, Madrid, conforme se pode comprovar pelas cópias dos documentos bancários;

iii.       O sétimo pagamento, no valor de 38.863,00 EUR, foi efetuado por L... SL, via Bankia SA, Valência;

iv.        Os restantes seis e últimos pagamentos, no montante de 79.480,80 EUR, foram efetuados por PP... SLU, via Caixabank, Barcelona, conforme se pode comprovar pelas cópias dos documentos bancários.

 

Pedido de cooperação administrativa

No âmbito desta inspeção, em fevereiro de 2021, foi feito um pedido de cooperação administrativa, às autoridades fiscais de Espanha, o qual ficou registado com o n.° 2021... . Da resposta recebida consta o seguinte, (tradução livre):

«O sujeito passivo espanhol não tem qualquer atividade nem entrega declarações desde 2018. Não foi possível localizá-lo nem respondeu às notificações da administração tributária espanhola, ...

«Os dados declarados ou imputados por outros, no ano de 2018, relativos ao sujeito passivo espanhol são os seguintes:

«- Não apresenta imposto sobre as sociedades.

«- Não apresenta a declaração sumária anual nem as autoliquidações de IVA (declarações periódicas)

«- Não apresenta declaração recapitulativa.

«- Não declara trabalhadores.

            «- Não declara nem lhe são imputadas vendas ou compras internas.

«- Não declara nem lhe são imputadas vendas ou compras externas (exportações ou importações).

«- Não paga as dividas fiscais.         '

«Considera-se que a empresa espanhola L... SL participa em esquemas fraudulentos de fraude ao IVA.»

 

III.1.3.4. Da cliente M... (Hungria)

A M..., com o número de IVA HU..., é, conforme consta do cadastro do VIES, uma sociedade de responsabilidade limitada (“korlátolt felelosségu társaság"), sociedade com domicílio na Hungria, em ... . Encontra-se inscrita para o exercício das atividades tipificadas pelos códigos de atividade “4651 - Comércio por grosso de computadores, equipamentos periféricos e programas informáticos", “4643 - Comércio por grosso de eletrodomésticos” e “6202 - Atividades de consultoria em informática”, com data de início de atividade em 2017-08-01 e data de cessação em 2020-08-17.

Da contabilidade do SP só constam vendas à M... a partir de abril de 2018 (inclusive). Conforme consta da mesma contabilidade, no ano de 2018 a A... emitiu à M..., 224 faturas, no montante de 6.189.166,32 EUR de mercadorias, (inclui despesas de transporte, no valor de 39.535,00 EUR).

Conforme consta da contabilidade do SP, no ano de 2019 (janeiro a junho), a A...  emitiu à M..., 282 faturas, no montante de 4.035.225,15 EUR de mercadorias, (inclui despesas de transporte, no valor de 7.875,00 EUR), montante praticamente coincidente com o declarado nas declarações recapitulativas entregues pelo SP, das quais consta o montante de 4.035.226,00 EUR, sendo a diferença devida a arredondamentos. Não constam vendas à M... após junho de 2019.

Das mercadorias vendidas, nos dois anos, 9.080.334,40 EUR correspondem ã venda de televisores, o que representa 89% do total das vendas para este cliente e que são adquiridas a fornecedores residentes em território nacional.

Em valor, cerca de 54% das mercadorias faturadas à M... foram adquiridas ao fornecedor EE... e cerca de 21% foram adquiridas à FF... .

Nas faturas emitidas pelo SP à sua alegada cliente M..., não está liquidado o IVA, estando mencionado como motivo para a isenção do IVA: «isento Artigo 14° do CIVA (ou similar)». No artigo 14. ° do Código do IVA estão previstas as isenções nas exportações, operações assimiladas e transportes internacionais. 

As transmissões de bens desde o território nacional para outro Estado membro de União Europeia não estão previstas neste artigo, pelo que a norma invocada pelo SP para a não liquidação do IVA nas faturas emitidas à sua alegada cliente MM..., relativas aos bens transportados para Espanha, não é válida, pelo que não cumpre o exigido pela alínea e) do n.° 5 do artigo 36. ° do Código do IVA.

Conforme consta dos documentos apresentados pelo SP, os bens vendidos à MM..., foram entregues nas instalações da V..., em Av. ..., Madrid, Espanha, ficando à ordem da A..., numa conta designada “A... ACCOUNT".

Nas análises efetuadas, no decurso da ação de inspeção, não foi encontrada nenhuma evidência que demonstre a qual cliente tenham sido entregues os bens faturados à M... e à guarda da V..., em Madrid, se foram entregues à cliente M..., na Hungria, ou se foram entregues a qualquer outro.

É de referir, ainda, que há entidades referidas em capítulos anteriores, nomeadamente a J..., a K...e a M..., que usam notas de encomenda (*proforma order”) com o mesmo layout e que, inclusive, contêm os mesmos erros ortográficos, apenas diferindo na sua própria identificação.

 

Pedido de cooperação administrativa

 

No âmbito desta inspeção, em agosto de 2020, foi feito um pedido de cooperação administrativa, às autoridades fiscais da Hungria, o qual ficou registado com o n.° 2020.... Da resposta recebida consta o seguinte, (tradução livre):

«Durante o procedimento inspetivo, o nosso sujeito passivo não cooperou com a administração fiscal e não entregou quaisquer documentos, o diretor não prestou declarações e os documentos enviados para a sede da empresa não foram levantados.

A empresa tinha sido inspecionada anteriormente para o período janeiro - junho de 2018 e nessa inspeção, o sujeito passivo apresentou parte dos documentos e a declaração do diretor GG..., feita em setembro de 2018. Vamos responder com base nesses documentos e informação:

Segundo a declaração de GG..., a M... entrou em contacto com a empresa portuguesa através da empresa J... LTD (BG...). A empresa búlgara deu os contactos da empresa portuguesa. A pessoa de contacto por parte da empresa portuguesa era I..., que apresentou o contrato de sociedade para comprovar o seu direito de representação, no qual estava incluído como proprietário e diretor.

Após conversa por mail, as empresas concluíram um acordo em 12-03-2017 (o acordo não foi apresentado). As partes falavam em espanhol. 

GG... era a pessoa de contacto por parte da M..., fazia as encomendas à empresa portuguesa e encomendava também o transporte. (Esta declaração do diretor está em contradição com o indicado nas faturas. O nosso sujeito passivo também não apresentou as encomendas do transporte na inspeção anterior).

Na inspeção anterior, GG... declarou, em 20/09/2018, que os bens adquiridos à empresa portuguesa estavam no armazém da V... SL (ES...) na morada Avenida ... (Madrid). '

Ele estava a fechar um acordo para venda dos bens às empresas polacas N... (PL...) e P... (PL...); «O sujeito passivo declarou transmissões às empresas polacas acima mencionadas e para a empresa estoniana QQ... (EE..) em outubro de 2018.

Nas declarações recapitulativas de janeiro a abril de 2019 a nossa empresa declarou transmissões para a P... . Nas declarações recapitulativas de janeiro a março de 2019 a nossa empresa declarou transmissões para a N... . Não há documentos relativos à revenda.

GG... tomou parte nas transações por conta do nosso sujeito passivo. Segundo o diretor-geral, as mercadorias adquiridas foram descarregadas na V... SL Avenida de ... (Madrid), onde GG... esteve presente no momento da primeira entrega. Desde então apenas a V... SL ou D..., certificava que a mercadoria tinha chegado e estava em perfeitas condições.

Não existe recibo nem declaração de que os bens recebidos em Madrid se tornaram propriedade do nosso contribuinte nem que foram entregues pelo nosso contribuinte ao transportador para a revenda. Não há documentos que provem a revenda e o seu transporte.

O         nosso sujeito passivo não tem na Hungria qualquer armazém, escritório ou outros imóveis. A sede da empresa era num endereço de domiciliação e a empresa responsável desse endereço não apresentou nenhum documento, por isso suspeitamos que o contrato entre as partes esteja findo. A nossa empresa não tinha quaisquer funcionários.»

 

III.1.3.5.         De GG... responsável na J... e na M...

 

Das respostas dadas pelas autoridades fiscais da Bulgária e da Hungria, verifica-se que as entidades J... e M... tinham / têm um sócio-gerente / representante comum: GG... .

Conforme já foi referido neste relatório, a J..., da Bulgária, foi cessada para efeitos de aquisições intracomunitárias, em 2018-05-18, pelo que desde essa data estava impedida de fazer aquisições intracomunitárias isentas de IVA. 

O seu sócio e gerente criou uma nova entidade, a M..., desta vez com sede na Hungria, para a qual a A... passou a emitir as faturas das mercadorias que continuou a enviar para a V..., em Espanha.            '

Através de consulta à internet , constata-se que um GG... aparece como administrador, representante ou liquidatário de várias empresas em Espanha, desde 2011: TT... SL, UU... SL, VV... SL, WW... SL, XX... SL, YY... SL, ZZ... SL, AAA... SL, BBB... SL; desde 2013: CCC... SL, DDD... SL; desde 2014: EEE... SL, FFF... SL; desde 2015: GGG... SL, HHH... SL; desde 2016: III... SL, JJJ... SL; desde 2017: KKK... SL, LLL... SL, MMM... SL, NNN... SL, OOO... SL, PPP... SL, QQQ...... SL, RRR...... SL; desde 2018: SSS... SL, TTT... SL, UUU… SL, VVV… SL, WWW… SL, XXX… SL, YYY… SL.

Fora de Espanha, verificou-se que GG... é ou foi sócio e responsável, pelo menos, da J..., na Bulgária, da M..., na Hungria, da P..., na Polónia, da RR... (liquidada judicialmente) e SS..., em França.

 

III.1.3.6.         Da cliente O... (Hungria)

 

A O..., com o número de IVA HU..., é, conforme consta do cadastro do VIES, uma sociedade de responsabilidade limitada (“korlátolt felelosségu társaság”), sociedade com domicílio na Hungria, em ..., a mesma morada da M... . Encontra-se inscrita para o exercício das atividades tipificadas pelos códigos de atividade “4651 - Comércio por grosso de computadores, equipamentos periféricos e programas informáticos”, “4643 - Comércio por grosso de eletrodomésticos”, “4652 - Comércio por grosso de equipamentos eletrónicos e de telecomunicações e suas partes” e “4741 - Comércio a retalho de computadores, unidades periféricas e programas informáticos, em estabelecimentos especializados”, com data de início de atividade em 2019-05-21.

Da contabilidade do SP só constam vendas à O... a partir de junho de 2019 (precisamente, o mesmo mês em que deixa de haver faturação emitida à M...). Conforme consta da mesma contabilidade, no ano de 2019 a A... emitiu à O..., 162 faturas, no montante de 4.672.844,60 EUR de mercadorias, valor praticamente coincidente com o que consta declarado nas declarações recapitulativas entregues pelo SP, das quais consta o valor de 4.672.845,00 EUR sendo a diferença devida a arredondamentos.

Conforme consta da contabilidade do SP, no ano de 2020 (janeiro a julho), a A... emitiu à O..., 107 faturas, no montante de 3.415.652,20 EUR de mercadorias, montante coincidente com o declarado nas declarações recapitulativas entregues pelo SP, das quais consta o montante de 3.415.653,00 EUR, sendo a diferença devida a arredondamentos. Não constam vendas à O... após julho de 2020.

Os pagamentos da O... à A... são efetuados por transferência bancária com origem em entidades financeiras de diferentes países, nomeadamente RAIFFEISEN BANK ZRT. (Hungria), AS LHV PANK / TRANSFERWISE LTD. (Reino Unido) e UNICREDIT BANK HUNGARY ZRT (Milão, Itália).

Das mercadorias vendidas, nos dois anos, 5.826.781,00 EUR correspondem à venda de televisores, o que representa 72% do total das vendas para este cliente e que são adquiridas a fornecedores residentes em território nacional.

Em valor, cerca de 53% das mercadorias faturadas à O... foram adquiridas ao fornecedor EE... e cerca de 15% foram adquiridas à FF... .

Nas faturas emitidas pelo SP à sua alegada cliente O..., não está liquidado o IVA, estando mencionado como motivo para a isenção do IVA: «Isento Artigo 14.° do CIVA (ou similar)». No artigo 14.° do Código do IVA estão previstas as isenções nas exportações, operações assimiladas e transportes internacionais.

As transmissões de bens desde o território nacional para outro Estado membro de União Europeia não estão previstas neste artigo, pelo que a norma invocada pelo SP para a não liquidação do IVA nas faturas emitidas à sua alegada cliente O..., relativas aos bens transportados para Espanha, não é válida, pelo que não cumpre o exigido peia alínea e) do n.° 5 do artigo 36.° do Código do IVA.

Conforme consta dos documentos apresentados pelo SP, os bens vendidos à O..., foram entregues nas instalações da V..., em ..., Madrid, Espanha, ficando à ordem da A..., numa conta designada "A... ACCOUNT".

Nas análises efetuadas, no decurso da ação de inspeção, não foi encontrada nenhuma evidência que demonstre a qual cliente tenham sido entregues os bens faturados à O... e à guarda da V..., em Madrid, se foram entregues à cliente O..., na Hungria, ou se foram entregues a qualquer outro.

As mercadorias são expedidas, pelo SP, das instalações do transitário Y..., na Maia, para os armazéns da V..., em Madrid, para uma conta “A...- account”, conforme se pode constatar pela análise dos documentos, tais como, as faturas e guias de transporte, emitidas pelo SP e os CMR. 

Nas diligências efetuadas não foi fornecida qualquer informação sobre o destino dos bens, após a sua entrada nos armazéns da V... .

É de referir, ainda, que há entidades referidas em capítulos anteriores, nomeadamente a J..., a K..., a M... e a O..., que usam notas de encomenda (“proforma order) com o mesmo layout e que, inclusive, contêm os mesmos erros ortográficos, apenas diferindo na sua própria identificação.

 

Cooperação administrativa

 

Em 2020, foi recebida uma informação das autoridades fiscais da Hungria, a qual ficou registada com o n.º 2020... e da qual consta o seguinte (tradução livre):

«Com base na notificação do Eurofisc, realizámos uma auditoria à empresa O... Kft. A empresa foi fundada em 20.05.2019, o único sócio-gerente da empresa com direito exclusivo de representação, é CC... (...), ele é um cidadão espanhol e não tem qualquer endereço declarado na Hungria. A empresa O... Kft. cumpriu com as suas obrigações fiscais mensais para efeitos de IVA.

A empresa está registada na sede da empresa fornecedora de serviços, não possui qualquer estabelecimento ou funcionário permanente declarado na Hungria. A empresa O... Kft. declarou apenas a aquisição IC de mercadorias e a transmissão IC de mercadorias nas declarações de IVA enviadas relativamente aos períodos investigados.

O         representante do sujeito passivo apresentou eletronicamente os documentos da empresa para o período investigado. Com base nos documentos enviados, a empresa O... Kft. adquiriu diferentes artigos técnicos e produtos de café da empresa PT A... LDA (PT...), que foram fornecidos posteriormente à empresa P... . (PL ...) e a empresa N... . (PL...).

Com base nos documentos CMR apresentados, o local de destino das mercadorias adquiridas à empresa PT A... LDA. é a Espanha, o destinatário é a empresa V... SL (ES ...).

Com base nos documentos CMR apresentados, as mercadorias adquiridas da empresa A... Unipessoal LDA não foram transportadas para a Hungria ou Polónia. De acordo com os extratos bancários disponíveis, a empresa O... Kft. transfere entradas de crédito recebidas dos parceiros PL para a empresa PT.

A empresa O... Kft. não realiza atividade comercial real na Hungria, provavelmente trata-se de uma empresa de "faturação adicional" participante na cadeia de faturação.» 

 

III.1.3.7.         Circuito A...→ O...→ P...

 

A P..., com o número de IVA PL..., é, conforme consta do cadastro do VIES, uma sociedade de responsabilidade limitada (“limited liability company), sociedade com domicílio na Polónia, em ... Radom. Encontra-se inscrita para o exercício da atividade tipificada pelo código de atividade “6920 - Atividades de contabilidade e auditoria: consultoria fiscal”, com data de início de atividade em 2018-12-31 e cessada em 2020-04-28.

 

Cooperação administrativa

Dada a resposta das autoridades fiscais da Hungria, referida no capítulo anterior, foi feito um pedido de cooperação administrativa, às autoridades fiscais da Polónia, o qual ficou registado com o n.° 2021.... Da resposta recebida consta o seguinte (tradução livre):

«Sem dados. Em todas as declarações apresentadas para efeitos de IVA, para o período 201901-201910, o nosso sujeito passivo declarou a venda de bens e serviços no valor total de 300 PLN e declarou a compra de bens no valor total de 100 PLN. A última declaração de IVA enviada pelo nosso sujeito passivo foi para 201910. No período de 2019-2020, o contribuinte polaco não declarou transmissões intracomunitárias de bens ou aquisições intracomunitárias de bens - a empresa não apresentou qualquer declaração recapitulativa. Endereço de registo declarado - ul. ... Radom, endereço da empresa ZZZ... Sp. Zoo. z o.o., que disponibiliza os endereços de domiciliação e ao mesmo tempo trata da sua contabilidade. Com base nas informações obtidas, foi estabelecido que P... SP. z o.o. não contrata funcionários. O capitai social da empresa é de 5.000 PLN, o único acionista e membro da direção é GG... . Em 28.04.2020 a P... Sp. z o.o. foi cessada em IVA e no VIES devido à falta de contacto com o contribuinte.»

É de assinalar que, conforme já foi referido anteriormente, a P..., alegado cliente da O..., também é gerida por GG..., sócio/gerente/responsável também pelos alegados clientes do SP: a J..., na Bulgária e a M..., na Hungria.

 

III.1.3.8.         Circuito A... -> O...-> N...

 

A N..., com o número de IVA PL..., é, conforme consta do cadastro do VIES, uma sociedade de responsabilidade limitada (“limited liability company”), sociedade com domicílio na Polónia, em 1905 Roku 21 M101, 26-600 Radom, a mesma morada da P..., referida no capítulo anterior. Encontra-se inscrita para o exercício das atividades tipificadas pelos códigos de atividade “6920 - Atividades de contabilidade e auditoria; consultoria fiscal e “9609 - Outras atividades de serviços pessoais, não especificadas’’, com data de início de atividade em 2019-12-31 e cessada em 2020-04-24.

 

Cooperação administrativa

 

Dada a resposta das autoridades fiscais da Hungria, referida no capítulo anterior, foi feito um pedido de cooperação administrativa, às autoridades fiscais da Polónia, o qual ficou registado com o n.° 2021... . Da resposta recebida consta o seguinte, (tradução livre):

«Sem dados. De acordo com o VIES, no período de 2019-2020 o nosso sujeito passivo apresentou declaração recapitulativa apenas para 201909 e declarou a aquisição intracomunitária de bens à O... HU... no valor de 2134546 PLN. Na correção da declaração de IVA de 201909, declarou aquisições intracomunitárias de bens à Polónia. Em todas as declarações de IVA apresentadas para o período 201901-201910, o nosso sujeito passivo declarou a venda de bens a um sujeito passivo polaco no valor total de 300 PLN. A empresa apresentou a última declaração de IVA de 201910. O endereço comunicado para registo (... Radom) é o endereço da empresa ZZZ... Sp. Zoo. z o.o. que fornece endereços para fins de registo de empresas e ao mesmo tempo trata da sua contabilidade. Com base nas informações obtidas, apurou-se que a N... Sp. z o.o. não emprega funcionários. O capital social da empresa ascende a 5000 PLN. O único acionista e membro do conselho é CC... . A N... Sp. zo.o. foi cancelada no registo de contribuintes IVA e VIES em 24.04.2020 devido à falta de contacto com a mesma.»

É de assinalar que a N..., (Polónia), alegado cliente da O... (Hungria), são geridas pela mesma pessoa: CC... .

 

III.1.3.9.         De CC... responsável na O... e na N...

 

Das respostas dadas pelas autoridades fiscais da Hungria e da Polónia, verifica-se que as entidades O... e N... tinham/têm um sócio-gerente / representante comum: CC...

       

Através de consulta à internet, constata-se que um CC... aparece como administrador, representante ou liquidatário de várias empresas em Espanha: desde 2016: AAAA... SL; desde 2017: BBBB... SL, CCCC... SL; desde 2018: OOO… SL, EEEE… SL; desde 2019: FFFF… SL, GGGG… SL e HHHH… SL.

É de referir que o já nomeado GG..., responsável pela J..., pela M... e pela P... e o ora referido CC..., responsável pela O... e pela N..., entidades todas relacionadas, também são representantes/responsáveis na entidade espanhola OOO... SL.

Fora de Espanha, verificou-se que CC... é, ou foi, sócio e responsável, pelo menos: da O..., na Hungria, e da N..., na Polónia.

 

III.1.3.10. Do cliente R... (Holanda)

 

A R... B.V., com o número de IVA NL..., conforme consta do cadastro do VIES, é uma empresa privada (“besloten vennootschap'), sociedade com domicílio na Holanda, em ... Utrecht. No VIES consta a data de início em 2019-03-26.

Conforme consta da contabilidade do SP, nos meses de setembro a dezembro de 2020 a A... emitiu à R... IT, nove faturas, no montante de 654.713,00 EUR de mercadorias, montante coincidente com o declarado nas declarações recapitulativas entregues pelo SP, das quais consta o montante de 654.713,00 EUR.

Nas faturas emitidas para este cliente, até setembro de 2020, é mencionada a morada..., The Netherlands. Nas faturas emitidas para este cliente após setembro de 2020 consta a morada ..., The Netherlands.

No mês de janeiro de 2021, o SP A... emitiu à R..., uma única fatura n.° FA 2021/10, no valor de 17.430,00 EUR. Nos meses (até junho de 2020), não constam mais vendas da A... à R... .

Das mercadorias vendidas, no ano de 2020, 614.203,00 EUR correspondem à venda de televisores das marcas LG e Samsung, o que representa 94% do total das vendas para este cliente e 40.510,00 EUR correspondem à venda de sistemas e barras de som da marca LG e que são adquiridos a fornecedores residentes em território nacional.

Em valor, cerca de 48% das mercadorias faturadas à R... IT foram adquiridas ao fornecedor FF... e cerca de 46% foram adquiridas à EE....

Nas faturas emitidas pelo SP à sua alegada cliente R... IT, não está liquidado o IVA, estando mencionado como motivo para a isenção do IVA: «Isento Artigo 14° do CIVA (ou similar)». No artigo 14.º do Código do IVA estão previstas as isenções nas exportações, operações assimiladas e transportes internacionais.

As transmissões de bens desde o território nacional para outro Estado membro de União Europeia não estão previstas neste artigo, pelo que a norma invocada pelo SP para a não liquidação do IVA nas faturas emitidas à sua alegada cliente R... IT, relativas aos bens transportados para Espanha, não é válida, pelo que não cumpre o exigido pela alínea e) do n.° 5 do artigo 36. ° do Código do IVA.

Conforme consta dos documentos apresentados pelo SP, os bens vendidos à R... IT no mês de setembro de 2020, foram entregues nas instalações da V..., em Av. ..., Madrid, Espanha, ficando à ordem da A..., numa conta designada “A... ACCOUNT”.

Os bens vendidos pela A... à R... IT, nos meses de outubro e seguintes de 2020, foram entregues nas instalações da BB..., em Av...., Madrid, Espanha, ficando à ordem da A..., numa conta designada “A... ACCOUNT”.

 

Pedido de cooperação administrativa

 

No âmbito desta inspeção, em fevereiro de 2021, foi feito um pedido de cooperação administrativa, às autoridades fiscais de Países Baixos, o qual ficou registado com o n.° 2021... . Da resposta recebida consta o seguinte, (tradução livre):

«(...) As mercadorias foram entregues:

BB... S.L. Madrid ou V... Madrid (...).

A R... não viu /inspecionou as mercadorias, a V... e a BB... fazem isso.

As mercadorias foram vendidas pelo sujeito passivo holandês pelo montante de € 668.445 à S...».

 

III.1.3.11.       Circuito A...   →R... (Holanda) →S... (Espanha)

 

Na resposta ao pedido de cooperação administrativa, a administração fiscal holandesa enviou, entre outros elementos, documentação relativa ao destino das mercadorias faturadas pela A... à R... e enviadas para os armazéns da V... e da BB... .

Nos parágrafos seguintes vamos analisar alguns desses movimentos das mercadorias, relativamente a mercadorias enviadas pelo SP A... para os armazéns da V... e da BB...: '

 

Circuitos das mercadorias - exemplo 1

Pelas faturas n.° FA 2020/209 e n.° FA 2020/210, de 2020-09-18, a A... faturou à R..., com domicílio em ..., Holanda: 407 televisores da marca Samsung + 2 televisores da marca LG + 280 sistemas de som LG, pelo preço global de 160.841,00 EUR, não tendo liquidado IVA com a justificação mencionada na fatura: «Isento Artigo 14° do CIVA (ou similar)».

Das faturas consta como local de entrega, não a morada do cliente, mas: V... (A... Account), Av ..., Madrid, Espanha.

Os bens foram enviados desde o centro logístico da Y..., com os CMR n.° 246017 e n.° 246022, sendo recebidos na V..., em 2020-09-14 e 2020-09-15, conforme consta dos referidos CMR.

Pela fatura n.° 2020180, de 2020-09-15, a R... faturou à S..., SL., com domicílio em Barcelona, Espanha e número de IVA ES..., aquelas 689 unidades, pelo preço de 164.178,25 EUR, sem liquidação do IVA, com a anotação: «VAT Reverse Charge Mechanism Regeling Wet OB 1968 Art. 138 Lid 1 Richtiijn 2006/112».

É de realçar que, como é referido em capítulo próprio (adiante em III.1.3.13), a administração fiscal espanhola, em resposta ao nosso pedido de cooperação administrativa, relativamente à S..., informou que: «O nosso contribuinte é um Missing Trader».

 

Circuitos das mercadorias - exemplo 2

Pelas faturas n.º FA 2020/230, de 2020-10-22 e n.° FA 2020/234, de 2020-10-23, a A... faturou à R..., com domicílio em ..., Holanda: 434 televisores da marca LG + 345 televisores da marca Samsung, pelo preço global de 202.947,00 EUR, não tendo liquidado IVA com a justificação mencionada na fatura: «Isento Artigo 14° do CIVA (ou similar)».

Das faturas consta como local de entrega, não a morada do cliente, mas: BB... (A... Account), Av ..., Madrid, Espanha.

Os bens foram enviados desde o centro logístico da Y..., com os CMR n.° 249012 e n.° 249082, sendo recebidos na BB..., em 2020-10-21 e 2020-10-23, conforme consta dos referidos CMR.

Pela fatura n.° 2020183, de 2020-10-26, a R... IT faturou à S... aquelas 379 unidades, pelo preço de 207.086,50 EUR, sem liquidação do IVA, com a anotação: «VAT Reverse Charge Mechanism Regeling Wet OB 1968 Art. 138 Lid 1 Richtlijn 2006/112».

É de realçar que, como é referido em capítulo próprio, a administração fiscal espanhola, em resposta ao nosso pedido de cooperação administrativa, relativamente à S..., informou que: «O nosso contribuinte é um Missing Trader».

 

Circuitos das mercadorias - exemplo 3

Pela fatura n.° FA 2020/257, de 2020-11-13, a A... faturou à R..., com domicílio em Utrecht, Holanda: 270 televisores da marca LG, pelo preço global de 138.142,00 EUR, não tendo liquidado IVA com a justificação mencionada na fatura: «Isento Artigo 14° do CIVA (ou similar)».

Da fatura consta como locai de entrega, não a morada do cliente, mas: BB... (A... Account), Av ..., Madrid, Espanha.

Os bens foram enviados desde o centro logístico da Y..., com o CMR n.° 250829, sendo recebidos na BB..., em 2020-11-13, conforme consta do referido CMR.

Pela fatura n.° 2020188, de 2020-11-12, a R... IT faturou à S... aquelas 270 unidades, pelo preço de 141.181,12 EUR, sem liquidação do IVA, com a anotação: «VAT Reverse Charge Mechanism Regeling Wet OB 1968 Art. 138 Lid 1 Richtlijn 2006/112».

É de realçar que, como é referido em capítulo próprio (adiante em III. 1.3.13), a administração fiscal espanhola, em resposta ao nosso pedido de cooperação administrativa, relativamente à S..., informou que: «O nosso contribuinte é um Missing Trader».    

 

III.1.3.12.       Do cliente T... (Reino Unido)

 

A T..., LTD., com o número de IVA GB..., “private limited company” (sociedade de responsabilidade limitada), com data de constituição 2018-08-07. Conforme consta do VIES tem código de atividade: 4652 - Comércio por grosso de equipamentos eletrónicos e de telecomunicações e suas partes", com data de início em 2018-09-15 e cessação em 2020-12-31 (“Brexit”).

Conforme consta do sítio “companieshouse.gov.uk", tem como diretor, desde 2018-08-07:DDDD..., de nacionalidade austríaca. Este também foi dirigente da entidade britânica IIII... LTD., com a atividade de "Comércio por grosso de computadores, equipamentos periféricos e software", dissolvida em 2018 e da JJJJ... LTD., com a atividade de “Comércio por grosso de produtos domésticos, (exceto instrumentos musicais), não classificados em outra parte”, criada em novembro de 2020.

Do VIES, relativamente a aquisições feitas pela T... a entidades nacionais, apenas constam aquisições feitas à A... e no período de setembro a dezembro de 2020: 2020-09: 189.895 €; 202010: 162.207 €; 2020-11: 242.006 €; e 2020-12: 46.288 €, no montante global de 640.396 €.

Do sistema de faturação do SP A..., referente ao ano de 2020, constam 13 faturas, referentes à venda de 1647 televisores e outros aparelhos de som LG e Samsung e 360.447 pilhas Panasonic, no montante global de 640.395,80 EUR, o que é coincidente com o VIES.

No mês de janeiro de 2021, o SP A... emitiu à T..., três faturas, no montante de 197.956,40 EUR. Nos meses seguintes (até junho de 2020), não constam mais vendas da A... à T... .

Conforme os documentos anexos às cópias das faturas, com “delivery terms: DAP (delivered at place)”, os bens foram entregues na V... (fatura n.° 211, de 2020-09-21) e todos os restantes foram entregues na BB...(faturas n.° 218, de 2020-09-30 a n.° 265, de 2020-11-19). Não foi fornecida mais informação sobre as faturas n.°s 282, 288 e 293 (de dezembro de 2020).

Nas faturas emitidas pelo SP à sua alegada cliente T..., não está liquidado o IVA, estando mencionado como motivo para a isenção do IVA: «Isento Artigo 14° do CIVA (ou similar)». No artigo 14. °do Código do IVA estão previstas as isenções nas exportações, operações assimiladas e transportes internacionais.

As transmissões de bens desde o território nacional para outro Estado membro de União Europeia não estão previstas neste artigo, pelo que a norma invocada pelo SP para a não liquidação do IVA nas faturas emitidas à sua alegada cliente T..., relativas aos bens transportados para Espanha, não é válida, pelo que não cumpre o exigido pela alínea e) do n.° 5 do artigo 36. ° do Código do IVA.

Conforme consta dos documentos apresentados pelo SP, os bens vendidos à T... no mês de setembro de 2020, (primeira fatura, de 2020-09-21), foram entregues nas instalações da V..., em Av..., Madrid, Espanha, ficando à ordem da A..., numa conta designada “A... ACCOUNT”.

Os bens vendidos pela A... à T..., pelas faturas seguintes, foram entregues nas instalações da BB..., em Av..., Madrid, Espanha, ficando à ordem da A..., numa conta designada "A... ACCOUNT".

 

Pedido de cooperação administrativa

 

No âmbito desta inspeção, em fevereiro de 2021, foi feito um pedido de cooperação administrativa, às autoridades fiscais do Reino Unido, o qual ficou registado com o n.° 2021... .

Da resposta dada pelas autoridades fiscais do Reino Unido ao nosso pedido de cooperação administrativa, verifica-se que os bens faturados pelo SP A... à T... foram faturados por esta última à S... SL, entidade espanhola com o número de IVA ES B... .

 

III.1.3.13.       Circuitos R... → S... e T... → S...

 

A S... SL, com o número de IVA ES..., conforme consta do “Boletín Oficial del registo Mercantil", de Espanha, declarou início de operações em 2020-01-14, com o objeto social tipificado pelo código: “4619 - Intermediários del comercio de produtos”, com domicílio na ..., em Barcelona, com sócia e administradora única KKKK... .

Em 2020-07-03 consta a entrada do sócio e administrador único LLLL... e alteração do domicílio social para: ... . Em 2020-09-16 consta a alteração do domicílio social para: ..., Barcelona, (num 7. ° piso).

Conforme consta do cadastro do VI ES, é uma sociedade de responsabilidade limitada (“limited liability company"), sociedade com domicílio em Espanha, naquela última morada. Também conforme o cadastro do VIES, a S... encontrava-se inscrita para o exercício das seguintes atividades:

Código Designação

4616    Agentes do comércio por grosso de têxteis, vestuário, calçado e artigos de couro

4619    Agentes do comércio por grosso misto sem predominância

4618 Agentes especializados do comércio por grosso de outros produtos

4615    Agentes do comércio por grosso de mobiliário, artigos para uso doméstico e ferragens

4617    Agentes do comércio por grosso de produtos alimentares, bebidas e tabaco

4613    Agentes do comércio por grosso de madeira e materiais de construção

4614    Agentes do comércio por grosso de máquinas, equipamento industrial, embarcações e aeronaves

4612    Agentes do comércio por grosso de combustíveis, minérios, metais e de produtos químicos para a indústria

4611 Agentes de comércio por grosso de matérias-primas agrícolas e têxteis, animais vivos, e produtos semiacabados

Por fim, do cadastro do VIES consta a data de início em 2020-01-14 e a data de cessação em 2021-01-25.

 

Cooperação administrativa

 

Dadas as respostas das autoridades fiscais da Holanda, a propósito da R... e do Reino Unido, a propósito da T..., referidas nos capítulos anteriores, foi feito um pedido de cooperação administrativa, às autoridades fiscais de Espanha, solicitando informações relativamente à S..., o qual ficou registado com o n.° 2021... . Da resposta recebida consta o seguinte, (tradução livre):

«0 nosso contribuinte não responde aos pedidos de informação efetuados pela administração fiscal espanhola, pelo que foi cancelado no VIES em 25 de janeiro de 2021. Além disso, há que ter em consideração a qualificação dos clientes do contribuinte espanhol como suspeitos de participação em esquemas de fraude fiscal.

«O nosso contribuinte é um Missing Trader.

«A Agência Tributária Espanhola emitiu dois pedidos de informação às empresas de transporte V..., SL B... e BB... SLB... .

«A Agência Tributária Espanhola identificou que a S..., SL B... vende as mercadorias principalmente às seguintes empresas espanholas: MMMM..., S.L.- B..., NNNN... SL – B... e OOOO... SL -B... .»

Os circuitos da transação das mercadorias: A...-> [R... /T...] S... clientes subsequentes, processa-se também no espaço das instalações da BB..., pelo que são melhor descritos no capítulo referente a essa entidade, mais à frente neste relatório (em III.1.3.17).

 

III.1.3.14.       Do cliente Q...  (Eslováquia)

 

A Q... S.R.O., com o número de IVA SK..., conforme consta do cadastro do VIES, é uma sociedade de responsabilidade limitada (“limited liability company"), sociedade com domicílio na Eslováquia, em ... Bratislava. Conforme consta do VIES tem código de atividade: 4719 - Comércio a retalho de outros produtos em estabelecimentos não especializados”, com data de início em 2020-05-11 e cessação em 2021-07-01.

Conforme consta da contabilidade do SP, nos meses de setembro a dezembro de 2020 a A... emitiu à Q..., oito faturas, no montante de 748.250,00 EUR de mercadorias, montante coincidente com o declarado nas declarações recapitulativas entregues pelo SP. As mercadorias vendidas são televisores das marcas LG e Samsung.

No período de janeiro a junho de 2021, o SP A... emitiu à Q..., 36 faturas, deduzidas de uma nota de crédito, que perfazem o montante de 1.115.743,48 EUR.

Nas faturas emitidas pelo SP à sua alegada cliente Q..., não está liquidado o IVA, estando mencionado como motivo para a isenção do IVA: «Isento Artigo 14° do CIVA (ou similar)». No artigo 14. ° do Código do IVA estão previstas as isenções nas exportações, operações assimiladas e transportes internacionais.

As transmissões de bens desde o território nacional para outro Estado membro de União Europeia não estão previstas neste artigo, pelo que a norma invocada pelo SP para a não liquidação do IVA nas faturas emitidas à sua alegada cliente Q..., relativas aos bens transportados para Espanha, não é válida, pelo que não cumpre o exigido pela alínea e) do n.° 5 do artigo 36. ° do Código do IVA.

Conforme consta dos documentos apresentados pelo SP, os bens vendidos à Q..., foram entregues nas instalações da BB..., em Av. ..., Madrid, Espanha, ficando à ordem da A..., numa conta designada “A... ACCOUNT”.

 

Pedido de cooperação administrativa

 

No âmbito desta inspeção, em fevereiro de 2021, foi feito um pedido de cooperação administrativa, às autoridades fiscais da Eslováquia, o qual ficou registado com o n.º 2021... . Da resposta recebida consta o seguinte, (tradução livre):

«A Q... s. r. o. não é contactável, não colabora com o inspetor tributário, não recebe notificações. Não reside nem nunca residiu no endereço da sede - é apenas um chamado “escritório virtual”, onde mais de 200 empresas têm as suas sedes.

«A empresa apresentou declarações de IVA apenas para os períodos 05-08/2020. Todas as linhas das declarações de impostos de 05. 07. 08/2020 estão a zero. A empresa declarou uma aquisição de bens / serviços a outro Estado-Membro no valor total de 3.500€ na declaração apresentada para 06/2020.

«A empresa não registou nenhum funcionário.».

 

III.1.3.15.       Do cliente U... (Espanha)

A U..., SL, com o número de IVA ES..., conforme consta do cadastro do VIES, é uma sociedade limitada, sociedade com domicílio na Espanha,  ..., Madrid. No VIES consta a data de início em 2020-01-08 e a data de cessação em 2021-03-05.

Conforme consta do cadastro do VIES, a U... encontrava-se inscrita para o exercício das seguintes atividades:

Código Designação

4639 Comércio por grosso não especializado de produtos alimentares, bebidas e tabaco

4511 Comércio de veículos automóveis ligeiros 

4531 Comércio por grosso de peças e acessórios para veículos automóveis

4540 Comércio, manutenção e reparação de motociclos, de suas peças e acessórios

4519 Comércio de outros veículos automóveis

Conforme consta da contabilidade do SP, nos meses de outubro a dezembro de 2020 a A... emitiu à U..., 21 faturas, no montante de 636.270,00 EUR de mercadorias, montante coincidente com o declarado nas declarações recapitulativas entregues pelo SP.

Das mercadorias vendidas, 605.801,00 EUR correspondem à venda de televisores das marcas Samsung e LG, o que representa 95% do total das vendas para este cliente e 30.253,00 EUR correspondem à venda de sistemas de som e monitores da marga LG e que são adquiridos a fornecedores residentes em território nacional.

No período de janeiro a março de 2021, o SP A... emitiu à U..., 17 faturas, que perfazem o montante de 243.909,20 EUR. Não constam vendas da A... à U..., após aquele período (até junho de 2021).

Nas faturas emitidas pelo SP à sua alegada cliente U..., não está liquidado o IVA, estando mencionado como motivo para a isenção do IVA: «Isento Artigo 14° do CIVA (ou similar)». No artigo 14. ° do Código do IVA estão previstas as isenções nas exportações, operações assimiladas e transportes internacionais.

As transmissões de bens desde o território nacional para outro Estado membro de União Europeia não estão previstas neste artigo, pelo que a norma invocada pelo SP para a não liquidação do IVA nas faturas emitidas à sua alegada cliente U..., relativas aos bens transportados para Espanha, não é válida, pelo que não cumpre o exigido pela alínea e) do n.° 5 do artigo 36. ° do Código do IVA.

Conforme consta dos documentos apresentados pelo SP, os bens vendidos à U..., foram entregues nas instalações da V..., em Av..., Madrid, Espanha, ficando à ordem da A..., numa conta designada "A... ACCOUNT".

 

Pedido de cooperação administrativa

 

No âmbito desta inspeção, em fevereiro de 2021, foi feito um pedido de cooperação administrativa, às autoridades fiscais da Espanha, o qual ficou registado com o n.º 2021... . Da resposta recebida consta o seguinte (tradução livre):

«Em 05/03/2021. A U... SL foi cancelada do Cadastro de Operadores Intracomunitários (ROI) como medida cautelar, porque, com base em procedimento dos inspetores à referida empresa, verificou-se a possibilidade de intervenção do sujeito passivo em operações de comércio externo ou intracomunitário, das quais podia decorrer o incumprimento da obrigação tributária ou a obtenção indevida de benefícios ou reembolsos relativos ao IVA.

«Considera-se que existem indícios suficientes na conduta do sujeito passivo e do seu administrador, Sr. PPPP... (...), em relação a outras suas sociedades que levam a pensar que não está a fazer um uso correto do número de operador comunitário.

«De acordo com as informações da base de dados, o administrador e sócio, Sr. PPPP..., não recebe rendimentos de qualquer categoria ou montante, não se encontra registado para qualquer atividade económica e aparece como administrador e sócio de mais de dez empresas.

«Destas empresas, algumas constam como inativas e outras apresentam o seguinte perfil: declaram praticamente os mesmos montantes de IVA dedutível que liquidado e os seus fornecedores não lhes imputam as compras alegadamente realizadas por elas.

«A inspeção exigiu que o contribuinte fornecesse registos contabilísticos do IVA para o ano fiscal de 2020.

«Analisados os registos das faturas recebidas, verifica-se que de um volume de compras (IVA incluído) de € 1.126.964, 94, 67% (€ 1.066.891.85) corresponde a um fornecedor cujo administrador é o Sr. PPPP... e apresenta o perfil descrito no parágrafo anterior».

 

III.1.3.16. Da empresa de logística V... S. L.

 

A VVVV..., SL, com o número de IVA ES ..., conforme consta do cadastro do VIES, é uma "sociedad limitada", com domicílio em Espanha, em ..., Madrid. Encontra-se inscrita para o exercício da atividade tipificada pelo código de atividade “5229 - Outras atividades auxiliares dos transportes”. No VIES consta a data de início em 2010-05-23.

Da análise dos documentos relativos aos transportes das mercadorias faturadas a um conjunto de clientes, (como se verifica nos capítulos próprios), constata-se que os bens são entregues, não no domicílio da cliente a quem são faturados, mas em Espanha, nas instalações da empresa V..., S.L., na Av. ..., n.°..., em Madrid, ficando à ordem da A..., numa conta designada 'A... ACCOUNT", não tendo sido apresentado qualquer elemento comprovativo da entrega dos bens ao cliente mencionado nas faturas emitidas pela A... .

O sujeito passivo A... iniciou contato com esta fornecedora de serviços de logística em 2012. De uma carta enviada pelo SP A..., em 2012-11-19, para esta fornecedora, com o assunto: «Abertura ficha de cliente», consta: «Assim, todas as mercadorias enviadas pela A... para a v/ logística "V..., SL (A... account), são propriedade da n/empresa e só podem ser entregues a clientes com o envio de fax ou email por parte da n/ empresa libertando a mercadoria.»

Constata-se, portanto, pelos documentos apresentados, que os bens são expedidos pela A..., desde Portugal, faturados a clientes intracomunitários, com domicílio em diversos Estados da União Europeia, mas ficam em Espanha, propriedade da A..., como esta afirma.

 

Pedido de cooperação administrativa

 

No âmbito desta inspeção, em agosto de 2020, foi feito um pedido de cooperação administrativa, às autoridades fiscais da Espanha, o qual ficou registado com o n.° 2020..., em que foi solicitada informação relativamente ao destino das mercadorias depositadas no armazém da V..., apesar das mercadorias serem faturadas para clientes com sede em outros países da União Europeia, nomeadamente a M... e a O..., com sede na Hungria.

Da resposta recebida consta o seguinte (tradução livre):

As sociedades húngaras fazem parte de uma rede de fraude ao IVA, tendo o papel de remote traders (conduits não declarantes).

«Não podemos enviar a documentação solicitada», por questões processuais em Espanha.

Foi possível, ainda, apurar que o processo se refere a empresas espanholas que participam numa fraude organizada, em que as sociedades húngaras eram "remote traders”.

 

III.1.3.17. Da empresa de logística BB... S.L.

A BB..., SL, com o número de IVA ESB..., conforme consta do cadastro do VIES, é uma “sociedad limitada”, com domicílio em Espanha, em ..., Madrid, com data de início em 2017-08-01.

Encontra-se inscrita para o exercício da atividade tipificada pelos códigos de atividade:

 

Código Designação

4941 Transportes rodoviários de mercadorias

5229 Outras atividades auxiliares dos transportes

 5320 Outras atividades postais e de correios

Da análise dos documentos de suporte à contabilidade do SP, verifica-se que a A... começou a utilizar o centro logístico da BB... em setembro de 2020, em detrimento da V..., que passa a ser menos utilizado. 

Da análise dos documentos relativos aos transportes das mercadorias faturadas aos alegados clientes, (como se verifica nos capítulos próprios), constata-se que os bens são entregues, não no domicílio da cliente a quem são faturados, mas em Espanha, nas instalações da empresa BB..., na ..., Madrid, ficando à ordem da A..., numa conta designada “A... ACCOUNT”.

Constata-se, portanto, pelos documentos apresentados, que os bens são expedidos peia A..., desde Portugal, faturados a clientes intracomunitários, com domicílio em diversos Estados da União Europeia, mas ficam em Espanha, propriedade da A..., numa conta designada “A... ACCOUNT’.

 

Pedido de cooperação administrativa

 

No âmbito desta inspeção, em fevereiro de 2021, foi feito um pedido de cooperação administrativa, às autoridades fiscais da Espanha, o qual ficou registado com o n.° 2021..., em que foi solicitada informação relativamente ao destino das mercadorias depositadas no armazém da BB..., apesar das mercadorias serem faturadas para clientes com sede em outros países da União Europeia.

Na resposta ao pedido de cooperação administrativa, a administração fiscal espanhola enviou, entre outros elementos, documentação relativa ao destino das mercadorias enviadas pela A... para o armazém da BB... .

Nos parágrafos seguintes vamos analisar alguns desses movimentos das mercadorias:

 

Circuito documental das mercadorias - exemplo 1

Pela fatura n.° FA 2020/214, de 2020-09-25, a A... faturou à Q..., com domicílio em..., Eslovénia, 241 televisores da marca LG + 252 televisores da marca Samsung, pelo preço global de 114.315,00 EUR, não tendo liquidado IVA com a justificação mencionada na fatura: «Isento Artigo 14° do CIVA (ou similar)».

Pela fatura n.° FA 2020/215, da mesma data, a A... faturou à Q..., com domicílio em Bratislava, Eslovénia, 180 televisores da marca Samsung, pelo preço global de 43.920,00 EUR, não tendo liquidado IVA com a justificação mencionada na fatura: «Isento Artigo 14° do CIVA (ou similar)».

Das faturas consta o local de entrega: BB... (A... Account), ..., Madrid, Espanha. Da fatura consta ainda que: «Note: goods on hold / goods will be released to cliente by email from A… after balance payment».

Os bens foram enviados desde o centro logístico da Y..., com os CMR n.° 246808 e n.° 246803, sendo recebidos na BB..., em 2020-09-25, conforme documento de receção da BB... .

Por mensagem de e-mail de 2020-09-25, QQQQ..., da Q... info@....sk), deu instruções à BB... para liberar os 673 televisores. Do e-mail não consta para quem.

Por mensagem de e-mail da mesma data,  ..., da MMMM..., SL (info@... com), deu instruções à BB... para liberar os 673 televisores para a OOOO..., SL. (A MMMM..., SL, com domicílio em Barcelona, Espanha e com o número de IVA ES..., não se encontra registada no cadastro do VIES).

Por mensagem de e-mail da mesma data, ..., da OOOO... (info@...es), deu instruções à BB... para liberar parte da mercadoria, 321 televisores, para a RRRR...(A OOOO..., SL., com domicílio em Madrid, Espanha, e com o número de IVA ES..., também não se encontra registada no cadastro do VIES).

Por mensagem de e-mail de 2020-09-28,  ..., da RRRR... (....com), solicitou à BB... a confirmação da disponibilização daquela mercadoria. (A RRRR..., SL, com domicílio em ..., na Biscaia, Espanha e com o número de IVA ES..., encontra-se inscrita no VIES com data de início de 2007-6-08).

Pela mesma mensagem referida atrás, a OOOO... deu instruções à BB... para liberar a restante mercadoria, 352 televisores, para a SSSS..., S.A.

Por mensagem de e-mail de 2020-09-28, a SSSS... deu instruções à BB... para liberar 180 televisores, para a TTTT..., faturados pela SSSS... à TTTT... pela fatura n.° 2020685. (A SSSS..., S.A., com domicílio em Madrid, Espanha, e com o número de IVA ES ..., também não se encontra registada no cadastro do VIES).

Não foi possível identificar este cliente final TTTT... .

Por mensagem de e-mail de 2020-09-28, a SSSS... deu instruções à BB... para liberar 180 televisores, para TTTT..., faturados pela SSSS... à TTTT... pela fatura n.° 2020685. (A SSSS..., S.A., com domicílio em Madrid, Espanha, e com o número de IVA ES..., também não se encontra registada no cadastro do VIES).

Não foi possível identificar este cliente final TTTT... .

Por mensagem de e-mail de 2020-09-28, a SSSS... deu instruções à BB... para pôr à disposição da V... os restantes 172 televisores.

(…)

Nota: A OOOO... e a MMMM... são clientes da "missing trader” S... (ver ponto III.1.3.13).      .

Resulta evidente, da resposta obtida por via de cooperação administrativa, que quem dá as ordens para libertação da mercadoria junto da BB... são, amiúde, empresas diferentes daquelas para as quais o SP diz vender.

Quem dá ordens à BB... para libertar as mercadorias são, não raras vezes, outros operadores que não os clientes.

 

Circuito documental das mercadorias - exemplo 2

Pela fatura n.º FA 2020/225, de 2020-10-09, a A... faturou à T..., com domicílio em ..., Reino unido, 93 televisores da marca LG + 208 televisores da marca Samsung + 40 sistemas de som LG + 5 leitores blu-ray LG, pelo preço global de 109.916,00 EUR, não tendo liquidado IVA com a justificação mencionada na fatura: «Isento Artigo 14° do CIVA (ou similar)».

Da fatura consta o local de entrega: BB...  (A... Account),  ..., Madrid, Espanha.

Os bens foram enviados desde o centro logístico da Y..., com o CMR n.° 247920, sendo recebidos na BB..., em 2020-10-09, conforme documento de receção da BB... .

Por mensagem de e-mail de 2020-10-15, ..., da S... (oficina...com), deu instruções à BB... para liberar aquela mercadoria. Do e-mail não consta para quem era a liberação das mercadorias.

Pela fatura n.° 2020-125, de 2020-10-19, a T... faturou à S..., SL., com domicílio em Barcelona, Espanha e número de IVA ES..., aquelas 346 unidades, peio preço de 111.455,90 EUR, sem liquidação do IVA, com a anotação: «This is na intra EC zero rated supply».

A S..., SL., com domicílio em Barcelona, Espanha, e com o número de IVA ES B..., é uma sociedade limitada, inscrita no VIES com data de início de 2020-01-14 e data de cessação de 2021-01-25.

Constava estar inscrita pelo exercício das seguintes atividades:

Código Designação

4616 Agentes do comércio por grosso de têxteis, vestuário, calçado e artigos de couro

4619 Agentes do comércio por grosso misto sem predominância

4618    Agentes especializados do comércio por grosso de outros produtos

4615 Agentes do comércio por grosso de mobiliário, artigos para uso doméstico e ferragens 

4617    Agentes do comércio por grosso de produtos alimentares, bebidas e tabaco

4613    Agentes do comércio por grosso de madeira e materiais de construção

4614    Agentes do comércio por grosso de máquinas, equipamento industrial, embarcações  e aeronaves

4612    Agentes do comércio por grosso de combustíveis, minérios, metais e de produtos químicos para a indústria

4611 Agentes de comércio por grosso de matérias-primas agrícolas e têxteis, animais vivos, e produtos semiacabados

Por mensagem de e-mail de 2020-10-13, da OOOO... (info@... , informava a BB..., ter pendente a liberação de parte daquela mercadoria, para entrega aos seguintes destinatários:

•          RRRR…: 257 unidades;

•          SSSS…: 63 unidades;

•          UUUU...: 5 unidades.

(…)

É de realçar que, como é referido em capítulo próprio, a administração fiscal espanhola, em resposta ao nosso pedido de cooperação administrativa, relativamente à S..., informou que: «O nosso contribuinte é um Missing Trader».

 

III.1.3.18. Do intermediário AA...

AA... é uma empresa sedeada na Tunísia, que presta serviços de intermediação à A..., desde 2012. Segundo o gerente do SP, é o único intermediário utilizado pelo SP para angariar clientes, no mercado intracomunitário. O contacto da empresa com o SP é através de ..., pessoa com quem o SP já tinha relações comerciais anteriores a 2012,

O sujeito passivo apresentou um contrato celebrado entre as partes, com data de janeiro de 2014, mas que não está assinado pelo prestador de serviços.

Do artigo 6. ° do contrato, referente aos honorários a pagar pela A..., consta que a AA... receberá honorários correspondentes a 200 EUR líquidos por hora e que esses valores seriam calculados como segue: horas de trabalho x 200 EUR e que estes honorários seriam pagos por cada operação, mas que AA...  poderia, conforme sua conveniência, agrupar as horas de serviço prestado numa única fatura mensal.

Os serviços prestados são faturados mensalmente e são relativos às comissões pela intermediação nas transações. No entanto, apesar de ter sido solicitado e notificado, o SP não apresentou qualquer comprovativo enviado pela empresa AA... a justificar os valores faturados à A... (ver notificação item  II. 1.1.7 deste relatório). O que foi apresentado, pelo gerente da A..., foram mapas em Excel, como sendo relativos aos valores faturados, mas com origem (feitos) na A... e não no prestador de serviços a  AA... - (Relatório de Inspeção Tributária).

 

23.9 O Relatório de Inspeção Tributária analisa as respostas aos pedidos de cooperação administrativa do seguinte modo:

 

No capitulo III.1.3, deste relatório, são expostas análises pormenorizadas sobre clientes do SP em que, do resultado das respostas aos pedidos de cooperação administrativa de assistência internacional, se retira a informação de que estamos perante um conjunto de entidades, alegadas como clientes da A..., sem estrutura, sem instalações, sem funcionários, sem registo de atividade exercida no Estado onde se encontrem domiciliados e que cumprem apenas algumas das obrigações declarativas para efeitos de IVA.

Constata-se que o SP efetua transmissões intracomunitárias a um conjunto de clientes sedeados em outros Estados Membros, os quais conseguimos identificar como estando todos, com exceção da L..., relacionados com a faturação de serviços do agente comercial AA..., que alegadamente colabora com o SP, angariando clientes há mais de uma década. Estes alegados clientes apresentam o mesmo perfil, a mesma forma de atuação e, conforme informações recebidas pelas diferentes administrações tributárias, comportam-se como “missing traders", ou empresas fantasma, sendo este um comportamento típico relacionado com fraude fiscal ao IVA.

Os clientes são:

■         J...  (Bulgária), faturas emitidas até 2018-02: “missing trader”;

■         K... (Chipre), faturas emitidas entre 2018-02 e 2018-03: “missing trader”;

■         M...  (Hungria), faturas emitidas entre 2018-04 e 2019-06: identificada como envolvida em fraude ao IVA em Espanha: fatura para a N...;

■ O... (Hungria), faturas emitidas entre 2019-06 e 2020-07: empresa de “faturação adicional”, identificada como envolvida em fraude ao IVA em Espanha, fatura para a P...;

■         Q... (Eslováquia), faturas emitidas a partir de 2020-09: empresa sem registo de aquisições intracomunitárias efetuadas ao SP;

■         R... (Holanda), faturas emitidas a partir de 2020-09; 

■         T... (Reino Unido), faturas emitidas a partir de 2020-09, fatura para uma entidade “missing trader” (S...);

■         U... (Espanha), faturas emitidas a partir de 2020-09: não registou a aquisição de bens que a A... faturou em seu nome;

■         L... (Espanha), faturas emitidas entre 2018-02 e 2018-04: participa em esquemas fraudulentos.

Assim, da análise aos documentos de suporte aos registos contabilísticos postos à disposição pelo SP e das respostas obtidas pela cooperação administrativa até à presente data, identificam-se circuitos, que envolvem um conjunto de entidades clientes do SP, que se sucedem temporalmente, alegadamente angariados através do agente comercial AA..., com exceção da L... .

Estes circuitos têm origem em Portugal, na A..., que, em face dos CMR apresentados, envia as mercadorias para Espanha para as instalações das empresas V... SL ou  BB...SL, e que fatura as mercadorias para os clientes intracomunitários domiciliados em outros Estados Membros.

Acrescentando ainda a informação recolhida junto dos pedidos de cooperação administrativa efetuados, relativamente aos clientes de alguns destes clientes do SP:

-          No caso das empresas indicadas como clientes da O... (esta é cliente do SP), a P... e a N..., tal como se retira da resposta da administração fiscal polaca, (ver ponto III.1.3.7 e III.1.3.8, do relatório):

Estas entidades sedeadas na Polónia têm a particularidade de terem gerente / administrador, pessoas com os mesmos nomes dos representantes / gerentes / administradores das empresas / clientes para as quais o SP fatura, como é o caso da J..., da M... e da O..., entidades que têm sede noutros países da União Europeia, como a Hungria e a Bulgária. Estamos na presença de empresas “fantasma".

-          No caso da resposta da administração fiscal espanhola relativamente à S..., que é cliente da T... e da R..., estas clientes do SP, também retiramos a informação de que se trata de uma empresa "missing trader" (ver pontos III.1.3.11 /13 do relatório).

Da análise aos documentos recolhidos junto do SP e relacionados com estes clientes existem documentos que merecem destaque:

-          Anexos às faturas constam notas de encomenda, documentos emitidos pelos clientes denominados como “proforma order”, cujo “layout” é igual, num conjunto de clientes, nomeadamente a J..., a K..., a M... e a O..., empresas para as quais o SP faturou nos anos de 2018, 2019 e 2020, sequencialmente (ou seja, por exemplo, da descontinuação da M..., surge a O...).

Estamos perante uma situação que expõe um comportamento, no mínimo, inusitado e que não deixa dúvidas de que existe um elo de ligação entre estas entidades. Estamos perante notas de encomenda, emitidas por diferentes clientes domiciliados em diferentes países da União Europeia, como Bulgária, Chipre e Hungria e que atuam em diferentes épocas temporais, acrescentando o facto dos documentos exibirem os mesmos erros ortográficos.

- Nos documentos de suporte ao registo dos pagamentos, constatamos situações como as seguintes:

-          Pagamentos efetuados pelo cliente O..., domiciliado na Hungria, são efetuados por transferências bancárias a partir de entidades financeiras situadas em diferentes países, como Hungria, Reino Unido ou Itália;

-          Pagamentos efetuados pelo cliente M..., (com o mesmo domícilio da O..., na Hungria) são efetuados por transferências bancárias a partir de entidades financeiras situadas em diferentes países, como Hungria, Portugal ou Itália;

-          Pagamentos efetuados pelo cliente L..., são efetuados a partir de outras empresas como a PP... SLU, de  ..., através da CAIXABANK, Barcelona, ou como OO... 2012 SL, de Madrid, através do BANKINTER, Madrid ou CAIXABANK, Barcelona (ver ponto III.1.3.3, parágrafo onde se descreve).

E em resultado da análise ao agente comercial AA... (ver ponto III.1.3.18), o alegado intermediário utilizado pelo SP para conseguir este tipo de clientes, ao longo dos anos, destacamos o seguinte:

■         Os serviços prestados são faturados por uma empesa sedeada na Tunísia, AA...;

■         O contrato exibido como o celebrado entre as partes, em janeiro de 2014, não está assinado pelo prestador de serviços;

■         São faturados mensalmente valores relativos às comissões pela intermediação nas transações. No entanto, apesar de ter sido solicitado e notificado o SP não apresentou qualquer comprovativo enviado pela empresa AA... a justificar os valores faturados à A...;

■         Foram apresentados, pelo gerente da A..., mapas em Excel, como sendo relativos aos valores faturados, mas com origem (feitos) na A... e não no prestador de serviços a AA...;

■         O contacto da empresa com o SP é através de ...;

■         Os contactos com a AA... reportam-se a antes do ano de 2012, conforme conhecimento da AT num procedimento de inspeção credenciado pela 012012... .

Relativamente aos armazéns utilizados pelo SP, local para onde envia a mercadoria que fatura para os alegados clientes angariados através deste agente comercial, AA..., foram identificados, como já referimos, dois armazéns localizados em Madrid, designadamente: 

•          V..., SL;

•          BB..., SL, a partir de 2020-09.

Pelo facto de se colocarem dúvidas sobre o verdadeiro destino dos bens e quais os reais/finais adquirentes da mercadoria, como já referido no âmbito da presente ação inspetiva, foram feitos pedidos de cooperação administrativa à administração fiscal de Espanha. Das respostas retira-se que:

Relativamente à V... (ver ponto III.1.3.16): «A Administração fiscal informa que as empresas húngaras (M... e O...) fazem parte de uma rede fraude ao IVA (rede organizada), tendo papel de remote traders,(...). Gerente D... .»

Relativamente à BB... (ver ponto III.1.3.17): foram enviados documentos que permitem identificar alguns circuitos das mercadorias. As mercadorias são enviadas pela A... para o armazém da BB..., onde são transferidas para um outro destinatário, que não é o cliente identificado pela A... nas faturas emitidas a título de transmissões intracomunitárias - (Relatório de Inspeção Tributária).

 

23.10 O comportamento da Requerente foi, durante os períodos de tributação objeto dos autos, o seguinte:

 

Conforme já referido, nos anos em análise, o SP exerceu a sua atividade a partir da sede sita na Rua ..., da freguesia de ..., em Vila Nova de Famalicão. Estas instalações são partilhadas com a empresa W..., LDA., com o NIF..., que se dedica a atividade de artes gráficas e não têm condições físicas ou espaço para o armazenamento dos bens transacionados pelo SP.

O SP declara transmissões intracomunitárias a um conjunto de clientes sedeados em outros Estados Membros os quais conseguimos identificar, (à exceção da L...), como tendo alegadamente sido angariados pela intermediária / comissionista AA..., que colabora com o SP, angariando clientes há mais de uma década.

Os clientes apresentam o mesmo perfil, a mesma forma de atuação, e de acordo com as respostas das diferentes administrações tributárias comportam-se como “missing traders” ou empresas fantasma, comportamentos relacionados com fraude fiscal ao IVA.

Existem evidências / indícios de que o SP ao longo dos anos pratica uma série de manipulações com o intuito de permitir, a estes clientes estabelecidos em Estados Membros, como Bulgária, Hungria, Chipre, Espanha, Reino Unido, Eslováquia, a possibilidade de cometer fraudes de IVA noutro Estado Membro - Espanha, simulando a identidade dos verdadeiros adquirentes da mercadoria.

Senão vejamos:

Como já referido, para estes clientes o procedimento adotado pelo SP passa por:

•          Emitir faturas para os clientes sedeados noutros Estados Membros, (Hungria, Chipre, Espanha, Polónia, Eslováquia, Holanda e Reino Unido);

•          A mercadoria ser, conforme os CMR apresentados, enviada para Espanha, para os armazéns / centros logísticos da V... ou da BB... . O SP envia mercadoria para esses centros logísticos, que identifica nos documentos que emite, tais como as faturas ou as guias de transporte ou outros documentos como os CMR ou as guias de transporte, mencionado como destinatário: “BB... (A... Account)” ou “BB... (A... Account)”;

•          Alegar que liberta a mercadoria mediante o pagamento da mesma. Todavia, os pagamentos são efetuados por transferência bancária e não correspondem aos valores faturados, sendo efetuados pagamentos parciais. Posteriormente à realização da transferência é, mediante e-mail enviado pelo SP para os centros de logística, dada indicação da mercadoria a libertar. O gerente do SP apresentou cópias dos referidos e-mails;

•          O SP afirmar não saber a quem é entregue a mercadoria. No entanto, tem a aptidão para tomar decisões, como a de indicar ao centro de logística, quais as mercadorias a libertar. Neste processo não existe interferência comprovada do cliente para quem o SP faturou a mercadoria. O SP não abdicou do poder de dispor da propriedade dos bens.

•          Conforme já referido, de uma carta enviada pelo SP A..., em 2012-11-19, para a V..., com o assunto: «Abertura ficha de cliente»,  consta:  «Assim, todas as mercadorias enviadas pela A... para a v/logística “V..., SL (A... account), são propriedade da n/empresa e só podem ser entregues a clientes com o envio de fax ou email por parte da n/empresa libertando a mercadoria.»

 

Acrescendo outros factos já referidos, como:

•          Nos documentos recolhidos junto ao suporte dos registos contabilísticos do SP, existirem notas de encomendas (“proforme order) emitidos por diferentes clientes, mas com o mesmo “layout”, inclusive, com o mesmo erro ortográfico, situação inusitada, tanto mais que tal facto se verifica até com clientes de diferentes Estados Membros, mas que não foi suficiente para acautelar o comportamento do SP;

•          Outro facto, também verificado pela análise dos documentos de suporte aos registos contabilísticos do SP, é a existência de pagamentos efetuados pelo mesmo cliente, por transferências bancárias, mas através de entidades financeiras de diferentes países. 

O SP não teve um comportamento preventivo em face das evidências explanadas, não tomou medidas para comprovar a identidade do verdadeiro adquirente, a fim de evitar que este ou um terceiro cometesse fraude ao IVA.

O SP não tomou medidas no sentido de validar a entrega da mercadoria ao adquirente. Limita-se a colocar a mercadoria no armazém em Espanha sem cuidar de saber a quem essa mercadoria é efetivamente entregue. É de notar que, sendo o próprio sujeito passivo o responsável e o principal interessado nesta operação, sendo este o proprietário dos bens que se encontram nos centros logísticos, este era obrigado a obter informação junto desses centros a identificação das pessoas que efetuaram a recolha dos bens, para comprovara entrega dos bens fora do território nacional para beneficiar da isenção do IVA pelas vendas efetuadas.

Para além dos clientes com alegada intermediação da AA..., a cliente L..., SL, para a qual o SP emitiu faturas em fevereiro e março de 2018, é uma entidade que «participa em esquemas fraudulentos de fraude ao IVA», (conforme resposta ao pedido de cooperação administrativa, já referida antes neste relatório).

Para credibilização de todos os clientes referidos, o único pormenor que parece importar ao SP, para além da verificação do número de identificação para efeitos de IVA, é o do pagamento, tendo um comportamento de inércia, desvalorizando as evidências, uma vez que estamos na presença de um comportamento que envolve uma isenção e o posterior reembolso em sede de IVA, que o mesmo vai pedir ao Estado Português.

Lembramos que o SP já na anterior inspeção tributária (ver ponto Il.4.5), da qual foi notificado, teve conhecimento de que existiam clientes que participavam em esquemas de fraude ao IVA, como “missing traders”, em Espanha. O SP sabe da existência de fraude fiscal e sabe que atua num sector de elevado risco.

Ou seja, logo a partir do momento em que teve acesso ao relatório da AT ficou a saber que existiam clientes e operações que estavam envolvidas na fraude ao IVA, tendo ignorado tal informação, o que se verifica pela continuação do mesmo comportamento nos anos posteriores.

Não existe evidência de que o SP tenha encetado esforço no sentido de acautelar a possibilidade de fraude. O SP sabe que desenvolve a sua atividade num sector de risco de fraude.

Logo, pode-se afirmar que o SP, tendo ficado a saber do comportamento de certos clientes, não teve uma conduta preventiva, na angariação dos clientes que se seguiram ao momento em que teve conhecimento desse facto, no sentido de tomar todas as medidas possíveis para validar os perfis dos clientes, uma vez que sabia da existência de fraude e práticas abusivas no sector e também por parte dos seus clientes.

Verificamos, conforme exposto anteriormente, que no leque de clientes do SP existem, ao longo dos anos, clientes com comportamentos relacionados com práticas abusivas, envolvidos em fraude de IVA, não se verificando, no entanto, no comportamento do SP, um cuidado acrescido - e dizemos acrescido, uma vez que sabia que existiam clientes seus que participavam em fraudes - no sentido de perceber o porquê do comportamento / modus operandi dos clientes.

Pois, são clientes que vão surgindo ao longo dos anos, com o mesmo tipo de atuação, como já foi referido e que, só por si, já tinha o SP em seu poder, (nos documentos do seu arquivo), evidências que mereciam cautelas, mas que descurou, preferindo entrar no esquema e transacionar para estes clientes, em vez de tomar uma posição preventiva, a fim de evitar correr o risco de poder estar a participar numa prática abusiva, numa possível fraude ao IVA.

O circuito das mercadorias inicia-se com a emissão de faturas, por parte da A..., para os seus alegados clientes (sedeados em diversos países da União Europeia), com entrega dos bens em centros de logística localizados em Madrid, Espanha. No conjunto de todos os elementos analisados pela inspeção tributária não houve qualquer elemento suscetível de comprovar a entidade responsável pela recolha dos bens nesses mesmos centros de logística. O sujeito passivo não foi capaz de comprovar essa entrega (apesar de várias vezes instado para tal) e inexistem quaisquer elementos de validação da efetiva entrega dos bens ao destinatário final.

Aliás, como já referido anteriormente, em resultado dos diversos procedimentos de cooperação administrativa encetados no âmbito da presente inspeção, o facto que releva é o de bens, conforme documentos emitidos, saírem dos centros de logística com destino a missing traders.

O         único ponto que merece o cuidado do SP no perfil do cliente é o do pagamento, tudo o resto é desvalorizado e em alguns casos com origem diferente do cliente mencionado na fatura.

A título de informação complementar, da análise ao percurso destes clientes, nos anos do presente procedimento inspetivo, verificamos que são alegados clientes em mutação ao longo do tempo, são clientes de carácter sazonal, como já referido, e cujo gráfico reiterámos.

(…)

No entanto, ao longo destes anos analisados no âmbito do procedimento inspetivo, verifica-se uma total sintonia com as necessidades do SP e os clientes alegadamente angariados pela AA..., conseguindo sempre ao longo dos anos “arranjar" clientes para escoar mercadoria de milhões de euros por ano. Não existe a situação de um cliente cessar sem que apareça de seguida a solução: outro cliente.

Estes clientes têm a particularidade de se sucederem uns aos outros no tempo e cessando o registo do número para efeitos de IVA, quase sempre cessados oficiosamente pelas administrações fiscais, dada a existência de indícios de fraude.

Por força da atuação do SP, existem evidências / indícios de que no momento da entrega da mercadoria noutro Estado Membro, foi dissimulada a identidade do verdadeiro adquirente, para lhe permitir escapar ao pagamento de IVA devido pela aquisição intracomunitária.

A dissimulação acontece, como se indicia, com a colaboração da A..., que fatura as mercadorias a um cliente ("missing trader" ou de faturação adicional / empresa fantasma) e envia as mercadorias para outro Estado Membro, Espanha, para um armazém (por sua conta), a quem vai dando ordem para libertar a mercadoria sem que existam registos de que é o cliente quem escolhe a mercadoria a libertar. Não existem provas de que entrega a mercadoria ao adquirente.

Em resultado da conduta do SP, que não se preocupou em saber a quem é entregue a mercadoria, não se consegue identificar quem é o verdadeiro adquirente, como consequência deve ser recusado o benefício da isenção do imposto (IVA) em relação a essa alegada entrega intracomunitária.

Também se coloca a questão, uma vez que estamos na presença de um sujeito passivo com tanta experiência no comércio de eletrodomésticos, de o SP não achar estranha a facilidade com que surgem estes clientes. É, no mínimo, estranho, que existam sempre clientes para os montantes envolvidos, estando sempre reunidas as condições para o negócio, em função da necessidade de escoar a mercadoria para fora de Portugal.

Assim, perante o perfil destes clientes que evidenciamos ao longo do presente relatório e que são identificados pelas diferentes administrações tributárias de origem (Hungria, Espanha, Bulgária, Chipre) como “missing trading", ou de “faturação adicional”, implica verificar se estamos perante transmissões intracomunitárias, que se possam considerar como operações válidas, que cumpram os requisitos que admitam a isenção utilizada pelo SP e da qual resulta parte do valor dos reembolsos pedidos até à data e pelo facto de o SP não agir de forma preventiva a evitar a prática abusiva, uma vez que:

•          Tendo em atenção o que lhe foi dado a conhecer pelo relatório da AT no ano de 2013, ficou a saber da existência de fraude fiscal ao IVA praticada em Espanha, pelos seus clientes;

•          Manter o mesmo alegado agente de clientes – AA...- cujos clientes têm o mesmo modus operandi (“missing traders” / empresas fantasma e sendo as mercadorias colocadas no armazém / centro logístico em Espanha, nas condições já referidas);

•          Junta-se o facto de, nos documentos de suporte aos registos contabilísticos do SP, existirem documentos denominados “proforma order”, emitidos por diferentes clientes, mas com o mesmo “layout”, situação inusitada, que seria suficiente para ser um forte alerta para o SP, tanto mais que tal acto se verifica até com clientes de diferentes Estados Membros e até têm os mesmos erros ortográficos;

•          O sujeito passivo A... envia a mercadoria para um centro de logística em Espanha, nas condições já referidas, permitindo, pelo que se indicia, a dissimulação da identidade do verdadeiro adquirente - (Relatório de Inspeção Tributária).

 

23.11 O comportamento da Requerente, após o início do procedimento inspetivo, segundo o Relatório de Inspeção Tributária, foi o seguinte:

 

O procedimento inspetivo teve início com análise interna ao pedido de reembolso do período de 2020-04, em 3 de junho de 2020. A partir desta data constata-se que:

•          Em agosto não faturou para nenhum cliente relacionado com a AA...;

•          Em setembro deixou de emitir faturas para a O...;

•          Em setembro passou a emitir faturas para novos clientes: T..., R..., Q... e U...;

•          Até setembro de 2020, o único centro de logística utilizado, localizado em Madrid, era o da V..., relativamente ao que foi feito um pedido de cooperação administrativa, (pedido feito em agosto de 2020 e respondido em setembro de 2020);

•          Em setembro de 2020, reduziu a utilização daquele apoio logístico e passou a utilizar o centro de logística da BB... (também em Madrid);

•          A faturação para os clientes relacionados com a AA..., vai diminuindo no tempo, verificando- se que no período de 2021-07 não emitiu faturas para os clientes em causa;

•Ficam os indícios de que o SP sabia qual o contexto em que estava a atuar, e por isso teve necessidade de ajustar o seu comportamento, após o início do procedimento inspetivo.

Perante os factos, não se verifica qualquer comportamento por parte do SP que vise eliminar qualquer suspeita de eventuais práticas abusivas e a hipótese de uma participação numa fraude. Os factos expostos transmitem que o SP, se não sabia, devia saber que participa numa fraude fiscal ao IVA.

Estando em causa a aplicação da isenção do IVA nas transações para estes clientes, que o SP identifica nas suas declarações como transmissões intracomunitárias, torna-se evidente adotar os cuidados necessários e indispensáveis para que estas possam ser consideradas como tal.

Este sector de atividade, concretamente o comércio de eletrodomésticos é assinalado como um sector de atividade de risco, relacionado com fraude carrossel.

O combate à fraude, à evasão fiscal e aos eventuais abusos é um objetivo reconhecido encorajado pela Sexta Diretiva do IVA-(Relatório de Inspeção Tributária).

 

23.12 O procedimento comercial com as empresas identificadas no Relatório de Inspeção Tributária como clientes da Requerente consubstancia-se na remessa, após a encomenda, das mercadorias das instalações da empresa “Y...”, em Portugal, para as instalações da “V... (armazém logístico), em Espanha, com guias de transporte e CMRs - (Facto aceite pela Requerente e Requerida).

 

23.13 Após a receção da mercadoria nas instalações da “V...”, esta aí permanece. (Facto aceite pela Requerente e Requerida).

 

23.14 A mercadoria adquirida pela Requerente é transportada diretamente das instalações dos fornecedores para as instalações da empresa de logística, “Y...”, sita na cidade da Maia, em Portugal, que fica encarregue de armazenar e transportar a mercadoria para os armazéns logísticos “V...” ou “BB...”- (Depoimentos das testemunhas E...; F...; e declarações de parte do legal representante da Requerente).

 

23.15 Os bens adquiridos a um fornecedor sediado em Espanha, que posteriormente sejam vendidos a um cliente sediado, também, em Espanha, são sempre transportados diretamente das instalações do fornecedor espanhol, para as instalações da empresa “Y...”, na Maia - cfr. depoimentos das testemunhas E...; C...; e declarações de parte do legal representante da Requerente.

 

23.16 A Requerente iniciou o contacto com a empresa de logística “V...”, em 2012, tendo celebrado com esta um contrato de prestação de serviços, no âmbito do qual a empresa de logística se obriga a receber/armazenar as mercadorias da “A...” e, posteriormente, a libertar ou expedir as mercadorias para os clientes da “A...”-(Documento n.º 10 junto com o articulado inicial; depoimento da testemunha D...; e declarações de parte do legal representante da Requerente).

 

23.17.  A partir de setembro de 2020, a Requerente celebrou um contrato de prestação de serviços com outra empresa de logística, a “BB...”, com domicílio em Espanha, tendo em vista substituir os serviços até então prestados pela mencionada empresa “ V...”- (Documento n.º 13 junto com o articulado inicial; e declarações de parte do legal representante da Requerente).

 

23.18 Os bens são expedidos das instalações da empresa “Y...”, em Portugal, diretamente para as instalações da “V...” e “BB...”, em Espanha, acompanhados das respetivas cópias das faturas, guias de transporte e CMR´s-(Depoimento da testemunha F...; e declarações de parte do legal representante da Requerente).

 

23.19 Após a receção da mercadoria nas instalações da “V...” ou “BB...”, são assinados pela empresa de logística as guias de transporte e/ou os respetivos CMR, que os digitaliza e envia para a “A...”, como comprovativo da chegada das mercadorias, documentação que se encontra na contabilidade da Requerente - (Documentos n.º 22, 29, 35, 45, 51, 59, 69, 74, 81, 97, 103, 110, 120, 127, 134, 145, 152, 159, 170, 177, 184, 196, 206, 212, 222, 228, 236, 246, 253, e 260 juntos com o articulado inicial; depoimento das testemunhas F...; e D... e declarações de parte do legal representante da Requerente).

 

23.20 A mercadoria é, regra geral, expedida para as instalações da empresa logística “V..., S.L.” ou “BB...”, com sede em Espanha, ficando aí armazenada à ordem da “A...”, numa conta designada “A... Account”, o que funcionava como indicação ao operador logístico de que a mercadoria estava “on hold” ou dependente de pagamento - (Depoimentos das testemunhas F...; D...; e declarações de parte do legal representante da Requerente).

 

23.21 Existem emails em que a Requerente confirma a receção do pagamento e informa, por vezes, o armazém logístico - (Documentos n.º 26, 32, 38, 48, 56, 62, 90, 100, 107, 113, 124, 131, 137, 149, 156, 163, 174, 181, 189, 203, 209, 215, 225, 233 e 240 juntos com o articulado inicial; e depoimento da testemunha D... e declarações de parte do legal representante da Requerente).

 

23.22 Há casos em que o cliente da Requerente efetua apenas pagamentos parciais da mercadoria adquirida - (Depoimento da testemunha D...; e declarações de parte do legal representante da Requerente).

 

23.24 A informação da mercadoria a libertar por conta dos pagamentos parciais era, maioritariamente, comunicada pelo cliente ao intermediário ..., e remetida, via Skype ou email, posteriormente, à Requerente, para validação em função do preço recebido - (Documento n.º 11; e declarações de parte do legal representante da Requerente).

 

23.25 Até ao pagamento integral da fatura emitida, a gestão das mercadorias libertadas e das mercadorias “on hold” é acompanhada e controlada através de um documento, em formato Excel, elaborado pela Requerente-(Documento n.º 12 junto com o articulado inicial).

 

  1.  A partir do momento em que a mercadoria é libertada e/ou expedida à ordem do cliente, a Requerente desconhece o destino que lhe é dado-(Depoimento da testemunha D...; e declarações de parte do legal representante da Requerente).

 

23.28. A “V...” - um dos centros de logística utilizado pela Requerente – declarou que “Não pode informar sobre as saídas de mercadorias em virtude das obrigações que resultam da Lei de Proteção de Dados”- (Documento junto pela Requerente sob o n.º 14).

 

23.29 A relação comercial com a cliente “ J..., Ltd.” e a Requerente iniciou-se, em junho de 2015, por intermédio do agente ..., e manteve-se, até fevereiro de 2018, data da última venda de mercadoria - (Facto aceite pela Requerente e Requerida).

 

23.30 No âmbito das relações comerciais com o cliente “ J..., Ltd.” a mercadoria era expedida com destino a uma das empresas de logística contratadas pela Requerente, – a “V...” -, onde permanecia registada na designada “A... Account”, até ao integral pagamento-(Documentos n.º 20 a 38 juntos com o articulado inicial).

 

23.31 A relação comercial com a cliente “K..., Ltd.”, foi estabelecida por intermédio do agente ..., em março de 2016, e manteve-se até março de 2018, data da última venda de mercadorias - (Facto aceite pela Requerente e Requerida).

 

23.32 No âmbito das relações comerciais com a Requerente, a “K..., Ltd.” encomendava a mercadoria e emitia a respetiva “proforma order”, sendo a mercadoria expedida das instalações do centro de logística “Y...”, em Portugal, com destino à empresa de logística, “V...” - (Documentos n.º 43 a 62 juntos com o articulado inicial).

 

23.33 No caso particular da “L...”, as encomendas eram comunicadas à “A...”, através de correio eletrónico, sendo de imediato emitida a respetiva fatura pró-forma; a mercadoria era expedida da empresa de logística “Y...”, em Portugal, com destino à empresa de logística “NN...”, em Madrid-(Documentos n.º 68 a 90 juntos com o articulado inicial).

 

23.34 No âmbito das relações comerciais entre a “M...” e a Requerente, a mercadoria era encomendada e emitida a respetiva “proforma order”, sendo (a mercadoria) expedida das instalações do centro de logística “Y...”, em Portugal, com destino à empresa de logística, “V...”, em Madrid - (Documentos n.º 95 a 113 juntos com o articulado inicial).

 

23.35 No âmbito das relações comerciais entre a Requerente e a “O...”, a mercadoria era encomendada e emitida a respetiva “proforma order”; depois de verificada confirmada a disponibilidade (da mercadoria adquirida), a “A...” emitia a fatura pró-forma; seguindo-se a expedição da mercadoria para as instalações da empresa de logística “V...”- (Documentos n.º 118 a 137 juntos com o articulado inicial).

 

23.36 A cliente “R...” efetuava a encomenda, e emitia a designada “proforma order”; por sua vez, a Requerente emitia a respetiva fatura pró-forma e providenciava o envio da mercadoria para uma das empresas de logística contratadas pela Requerente – a “V...” ou “BB...” -, sendo aí registada na conta cliente da “A...” - (Documentos n.º 143 a 163 juntos com o articulado inicial).

 

23.37 A cliente “T...” efetuava a encomenda e a Requerente emitia a respetiva fatura proforma, avançando com a expedição da mercadoria para uma das empresas de logística contratadas – in casu a “BB...”; a mercadoria era registada na conta cliente da “A...”- (Documentos n.º 168 a 189 juntos com o articulado inicial).

 

23.38 A cliente “U...” efetuava a encomenda e emitia a respetiva “proforma order”; depois de verificada e confirmada a disponibilidade da mercadoria adquirida a “A...” emitia a fatura pró-forma; seguindo-se a expedição da mercadoria para as instalações da empresa de logística “V...” ou “BB...”-(Documentos n.º 220 a 240 juntos com o articulado inicial).

 

23.39 Face à oscilação dos preços praticados neste setor de atividade, bem como a instabilidade de stock dos fornecedores, a oferta da Requerente e a procura dos clientes não era constante- (Declarações de parte do legal representante da Requerente).

 

23.40 A Requerente remetia as mercadorias descritas nas faturas do Relatório de Inspeção Tributária, durante os períodos de tributação que o integram, para dois centros de logística – V... e BB...- (Documento junto pela Requerente sob o n.º 14).

 

23.41 A Requerente solicitou, durante os anos de 2019, 2014, 2015, e 8 de junho de 2016 por e-mail, ao funcionário I..., da Autoridade Tributária e Aduaneira, informação sobre a inscrição de potenciais cliente no VIES e sobre a eventual existência de operações anómalas-(Documento junto pela Requerente sob o n.º 285 e 286).

 

23.42 O legal representante da Requerente não conhece as instalações físicas dos clientes auditados durante o procedimento de inspeção ou os administradores/gerentes - (Declarações de parte do legal representante da Requerente).

 

23.43 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 22 de abril de 2022 -(Sistema informático do CAAD).

 

Factos não provados

24.1 Que os bens faturados pela Requerente, objeto do procedimento de inspeção, foram levantados pelas pessoas coletivas inscritas nas faturas junto da “V...” e da “BB...”.

 

24.2 Que o transporte dos bens indicados nas faturas descritas no Relatório de Inspeção Tributária terminou na localização do adquirente elencado na respetiva fatura.

 

Fundamentação dos factos provados e não provados

 

O Tribunal Arbitral, quanto à matéria de facto, não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2, do artigo 123.º do CPPT, n.º 3, do artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º, do CPPT.

Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. atual artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi al. e) do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT).

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova testemunhal produzida e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, nos quais se descreve a respetiva fonte.

Não se deram como provadas, nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

Por outro lado, a Requerente não conseguiu provar que os bens objeto de faturação foram levantados junto dos centros logísticos por parte das pessoas coletivas que nela constam como adquirentes, bem como, que o transporte dos bens terminou no local indicado em cada uma das faturas; pelo contrário, apenas se encontra evidenciado o transporte até ao centro logístico.

Embora existam e-mails a autorizar a libertação de parte das mercadorias objeto dos autos, após pagamentos, que podiam ser parciais, não se conhece o adquirente, sustentando-se até que, entretanto, as mercadorias poderiam ter sido transacionadas.

As testemunhas ouvidas sobre esta matéria expressaram-se em termos gerais e o depoimento não vem acompanhado de documentação que de algum modo prove a receção das mercadorias.

No contexto da prova produzida, o Tribunal Arbitral considera que não é feita
demonstração suficiente de que as mercadorias eram entregues à pessoa
indicada nas faturas, sendo certo que, a invocação de que a indicação do cliente poderia pôr em causa a proteção dos dados pessoais, não tem o mínimo fundamento. Não foi, assim, igualmente produzida  prova de que o direito de dispor, em propriedade, dos bens tenha sido transferido para os adquirentes que não se sabe se tiveram acesso às mesmas (mercadorias).

No que se refere aos pedidos dirigidos ao Tribunal Arbitral (em 20 e 24 de Outubro de 2022), para notificar a Requerida a juntar aos autos diversos documentos probatórios, apesar de tais pedidos terem sido respondidos por requerimento da Requerida, junto aos autos em 22 de novembro de 2022, continuou o Sujeito Passivo a solicitar a junção dos documentos que evidenciam os reembolsos de IVA efetuados a favor da Requerente desde 2012 até ao presente, por entender que a documentação solicitada e dada como boa pela Requerida naquela data é exatamente a mesma que os SIT agora sindicam e  não são considerados idóneos. Ora, a verdade é que tal documentação é totalmente irrelevante para a aferição por este Tribunal da ilegalidade das liquidações impugnadas. Com efeito, em primeiro lugar, as circunstâncias de facto e de direito de 2012 são muito diferentes das 2018 a 2021, sendo desde logo notória a evolução doutrinária e jurisprudencial quanto à interpretação dos preceitos legais pertinentes como melhor será analisado mais adiante. Em segundo lugar, note-se que, no âmbito do contencioso de mera ilegalidade, como é o tributário, uma eventual prática de ilegalidade pela Requerida não a vincula a ter de reiterar a mesma ilegalidade. Termos em que a documentação solicitada pelo Sujeito Passivo se afigura totalmente irrelevante para apreciação da legalidade das liquidações impugnadas. 

 

MATÉRIA DE DIREITO

 

  1. A isenção prevista no artigo 14.º do Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias (“RITI”)

 

A Requerente advoga que as correções efetuadas pela Requerida são ilegais, pois, no seu juízo, cumpre os requisitos para a aplicação da isenção prevista no artigo 14.º do RITI; por outro lado, a Requerida defende que a isenção não pode ser aplicada, na medida em que se verifica a ausência de documentos comprovativos da receção das mercadorias pelos adquirentes e estes, com base nos instrumentos de cooperação administrativa devem ser considerados missing traders.

Vejamos o direito aplicável.

O artigo 14.º do RITI tinha, até 31 de dezembro de 2019, o seguinte teor:

 

Estão isentas do imposto:

 

a) As transmissões de bens, efetuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir do território nacional para outro Estado membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou coletiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado membro, que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens;

 

b) As transmissões de meios de transporte novos previstas na alínea e) do artigo 1.º;

 

c) As transmissões de bens referidas no n.º 1 do artigo 7.º que beneficiariam da isenção prevista na alínea a) deste artigo se fossem efetuadas para outro sujeito passivo;

 

d) As transmissões de bens sujeitos a impostos especiais de consumo, efetuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes a partir do território nacional para outro Estado membro, com destino ao adquirente, quando este seja um sujeito passivo isento ou uma pessoa coletiva estabelecida ou domiciliada em outro Estado membro que não se encontre registada para efeitos do IVA, quando a expedição ou transporte dos bens seja efetuado em conformidade com o disposto no Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo.

 

 

            O princípio da tributação no país de destino das transmissões intracomunitárias justifica a isenção de imposto no país de origem, de molde a evitar a sua dupla tributação e a garantir a neutralidade fiscal.

            As transmissões intracomunitárias de bens estão isentas de imposto, desde que: i) sejam onerosas; ii) o vendedor seja uma pessoa singular ou coletiva que efetue operações que conferem direito à dedução (total ou parcial) do imposto; iii) os bens sejam expedidos a partir do território nacional pelo vendedor, pelo adquirente ou por sua conta, com destino ao adquirente e a outro Estado-Membro; e iv) o adquirente seja uma pessoa singular ou coletiva devidamente registada para efeitos do Imposto sobre o Valor Acrescentado em outro Estado-Membro; que tenha utilizado o respetivo número de identificação fiscal para efetuar a aquisição; e se  encontre  abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias nesse outro Estado-Membro[2].

            O TJUE, no acórdão C-409/04 – “Teleos e outros”, entendeu que a isenção é aplicável quando o direito a dispor de um bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente, o fornecedor prove que o referido bem foi expedido ou transportado para outro Estado-Membro e, assim, em resultado da expedição ou transporte tenha saído do território do Estado de entrega.

            A prova de que os bens foram expedidos ou transportados a partir do território nacional pelo vendedor, pelo adquirente ou por sua conta, com destino a outro Estado-Membro é extremamente relevante, pois dela depende a correta não liquidação do imposto[3], incumbindo ao transmitente do bem.

            O TJUE admite, para tal finalidade, qualquer meio de prova, para além da apresentação do respetivo documento de transporte, como a declaração de expedição no transporte rodoviário – “CMR”; a carta de porte no transporte aéreo (“AWB”) ou o conhecimento de embarque no transporte marítimo (B/L).

            Foi igualmente nesta linha que foi produzida doutrina administrativa (Ficha doutrinária da AT T909 2007296, de 31.03.2009), isto é, a prova da realização intracomunitária pode ser demonstrada por qualquer meio, incluindo, se necessário, a declaração, nos Estados-Membros de destino dos bens, por parte dos respetivos adquirentes, de aí terem efetuado as correspondentes aquisições intracomunitárias de bens.

            Mas como deve ser interpretado o conceito de “expedição ou transporte” a que o artigo 14.º, al. a), do RITI alude?

            A jurisprudência[4] responde do seguinte modo:

           

Todavia, parece claro que, em razão das especiais preocupações de fraude que as transações intracomunitárias podem suscitar e efetivamente suscitam, e dos sistemas de controlo criados para as controlar, sob pena da falência no funcionamento e da própria credibilidade do regime do IVA intracomunitário, o sentido do conceito da “expedição ou transporte” referido do art.º 14.º, al. a) do RITI não se deva conter no simples cumprimento da formalidade unilateral da mera remessa ou do transporte, mas deve alargar-se à necessidade e ao consequente ónus, que não pode deixar de recair sobre o sujeito passivo expedidor, da comprovação da chegada ao destino do bens expedidos ou transportados com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ou coletiva registada para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado em outro Estado-membro, que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição e aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens. (o destaque é nosso)

De facto, a nosso ver, só com essa comprovação se fecha o circuito da operação jurídico- material e se pode, então, afirmar estarmos perante uma verdadeira transmissão intracomunitária de bens. De outro modo teremos apenas uma transmissão de bens, mas sem possibilidade da comprovação da respetiva natureza “intracomunitária”. Faz-se, pois, necessário, provar o caráter intracomunitário da operação, o que se deve fazer não apenas por recurso à prova formal da “expedição ou transporte”, mas, também, à demonstração substancial, isto é, material, da efetiva transmissão de um ponto para outro ponto do território comunitário, dos bens em causa, nisto se compreendendo, também, a efetiva receção do bem expedido pelo seu destinatário. (o destaque é nosso)

 

Já noutro aresto[5] escreveu-se:

 

Não provando o contribuinte, por qualquer meio de prova em direito admitidos, a efetiva expedição e entrega das mercadorias vendidas a um outro sujeito passivo de IVA situado em outro Estado membro, não podem as mesmas beneficiar do regime de isenção do imposto como transações intracomunitárias. (o destaque é nosso)

 

A receção do bem expedido é uma dimensão estruturante do conceito de transmissão intracomunitária de bens, na medida em que não se limita à transmissão jurídica, mas exige a expedição e entrega efetiva do bem expedido.

Já a doutrina[6], quanto ao requisito em análise (“expedição”), entende que:

 

Verificamos, portanto que o conceito de “expedição” pressupõe, sem dúvida, a deslocação física de um bem de um EM para outro, condição que estabelece a diferença entre uma operação intracomunitária e a que se realiza no interior do país.  O requisito que impõe que os bens sejam remetidos “com destino ao adquirente” determina que o lugar onde termina o transporte terá que coincidir com a localização do adquirente indicada na fatura (…) Sublinhamos que o TJUE já defendeu que este conceito deve ser interpretado no sentido que a transmissão intracomunitária de um bem só se verifica, e a isenção só é aplicável, quando o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para o adquirente…(o destaque é nosso)

           

A prova do transporte intracomunitário é, assim, uma condição substantiva necessária à aplicação da isenção, pelo que, perante o risco de fraude nestas operações e litigância associada passaram a prever-se regras específicas para o referido transporte.

Estas regras não tinham previsão legal no nosso ordenamento, tendo a AT emitido instruções administrativas pontuais, no sentido de clarificar os documentos considerados idóneos para este efeito, v., por exemplo, o disposto no n.º 4 do Ofício-Circulado n.º 30 009/99, de 10/12/1999, DSIVA.

            Entretanto, o legislador europeu publicou o Regulamento de Execução (EU) 2018/1912 do Conselho, de 4 de dezembro, tendo, nas diversas medidas de simplificação em matéria de IVA, previsto regras específicas que presumem o transporte intracomunitário.

Assim, para fazer face ao risco de fraude, consagraram-se igualmente regras que presumem o transporte intracomunitário, seja da responsabilidade do vendedor ou do adquirente, gizadas para um controlo exigente da documentação de suporte de transporte e que entraram em vigor no dia 1 de janeiro de 2020 (VAT – quick fixes).

            Determina em concreto o artigo 45.º-A do aludido Regulamento:

 

1. Para efeitos da aplicação das isenções previstas no artigo 138.º da Diretiva 2006/112/CE, presume-se que os bens foram expedidos ou transportados a partir de um Estado-Membro para fora do respetivo território mas na Comunidade em qualquer dos seguintes casos:

a) O vendedor indica que os bens foram por ele transportados ou expedidos, ou por terceiros agindo por sua conta, e que está na posse de, pelo menos, dois elementos de prova não contraditórios a que se refere o n.º 3, alínea a) emitidos por duas partes independentes uma da outra, do vendedor e do adquirente, ou de qualquer um dos elementos a que se refere o n.º 3, alínea a), em conjunto com qualquer um dos elementos de prova não contraditórios a que se refere o n.º 3, alínea b), que confirmem o transporte ou a expedição emitidos por duas partes independentes uma da outra, do vendedor e do adquirente;

b) O vendedor está na posse do seguinte:

i) uma declaração escrita do adquirente, indicando que os bens foram por ele transportados ou expedidos, ou por terceiros agindo por conta do adquirente, e mencionando o Estado-Membro de destino dos bens e a data de emissão, o nome e endereço do adquirente, a quantidade e natureza dos bens, a data e o lugar de chegada dos bens e, no caso de entregas de meios de transporte, o número de identificação dos meios de transporte, e a identificação da pessoa que aceita os bens por conta do adquirente; e

 

ii) pelo menos dois elementos de prova não contraditórios a que se refere o n.º 3, alínea a), emitidos por duas partes independentes uma da outra, do vendedor e do adquirente, ou de qualquer um dos elementos a que se refere o n.º 3, alínea a), em conjunto com qualquer um dos elementos de prova não contraditórios a que se refere o n.º 3, alínea b), que confirmem o transporte ou a expedição emitidos por duas partes independentes uma da outra, do vendedor e do adquirente;

 

O adquirente deve fornecer ao vendedor a declaração escrita a que se refere a alínea b), subalínea i), até ao décimo dia do mês seguinte ao da entrega.

2. As administrações fiscais podem ilidir as presunções estabelecidas no n.º 1.

 

3. Para efeitos do n.º 1, são aceites como prova do transporte ou da expedição os seguintes elementos:

a) Documentos relacionados com o transporte ou a expedição dos bens, tais como uma declaração de expedição CMR assinada, um conhecimento de embarque, uma fatura do frete aéreo, uma fatura emitida pelo transportador dos bens;

b) Outros documentos:

 i) uma apólice de seguro relativa ao transporte ou à expedição dos bens ou documentos bancários comprovativos do pagamento do transporte ou da expedição dos bens;

ii) documentos oficiais emitidos por uma entidade pública, por exemplo um notário, que confirmem a chegada dos bens ao Estado-Membro de destino;

iii) um recibo emitido por um depositário no Estado-Membro de destino, que confirme a armazenagem dos bens nesse Estado-Membro.».

 

Os documentos a que a alínea b) do n.º 3 do artigo em análise alude podem ser segmentados nas seguintes modalidades: A, B e C.

Na A cabem os documentos relacionados com o transporte ou expedição dos bens, como, por exemplo, uma declaração CMR assinada ou um conhecimento de embarque (“B/L”).

No que respeita à modalidade B exige-se a detenção de um dos seguintes documentos: uma apólice de seguro, documentos bancários, documentos oficiais emitidos por uma entidade pública, ou o documento de receção que confirme a armazenagem dos bens nesse Estado-Membro.

Já no que respeita à modalidade C, o artigo exige uma declaração emitida pelo adquirente, indicando que os bens foram por ele transportados ou expedidos, ou por terceiros agindo por conta do adquirente, mencionando o Estado-Membro de destino dos bens e a data de emissão, o nome e endereço do adquirente, a quantidade e natureza dos bens, a data e o lugar de chegada dos bens e, no caso de entregas de meios de transporte, o número de identificação dos meios de transporte e a identificação da pessoa que aceita os bens por conta do adquirente[7].

Deste modo, quando o transporte é efetuado pelo vendedor ou por terceiro (por conta do vendedor) é necessário que este tenha dois elementos não contraditórios, emitidos por entidades independentes, da modalidade A ou, em alternativa, um da modalidade A e outro da B[8].

Já quando o transporte é realizado pelo adquirente ou por terceiro (por conta do adquirente) é necessário, para a prova do transporte, a detenção dos documentos descritos no parágrafo anterior, como também o documento da modalidade C, a ser entregue pelo adquirente ao fornecedor, até ao décimo dia do mês seguinte ao da entrega dos bens[9].

Importa, no entanto, destacar que as referidas exigências legais quanto à prova do transporte intracomunitário entraram em vigor no dia 1 de janeiro de 2020.

            O legislador, consciente do risco de fraude nestas operações, atuou com a previsão de regras específicas que presumem o transporte intracomunitário, seja ele da responsabilidade do vendedor ou do adquirente dos bens.  A reunião dos documentos permite que o vendedor beneficie de uma presunção de prova de expedição de bens, embora seja possível a sua ilisão, caso as autoridades fiscais coloquem em causa a veracidade dos meios de prova reunidos.

            Vejamos, agora, a situação sub iudice.

 

  1. Operações anteriores a 1 de janeiro de 2020

 

A Requerente, apesar do louvável esforço probatório, não conseguiu demonstrar que os bens vendidos foram efetivamente entregues aos adquirentes, pois a existência de documentos que atestam a entrega dos bens a um centro de logística não permite concluir que existiu a referida receção, como a jurisprudência supra exigia.

O segredo comercial, invocado pela Requerente,  não constitui fundamento jurídico para a recusa de entrega dos putativos documentos que atestam a receção dos bens pelos destinatários, pois, como sustenta a jurisprudência: “Uma vez considerado pertinente para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, a recusa da parte ou de terceiro em fornecer informações ou apresentar ou juntar determinado documento em seu poder só é legítima nas situações excecionais previstas no n.º 3 do art. 417º, do C. P. Civil e o “segredo comercial” (ao menos em todas as suas vertentes) não está aí contemplado[10].

            O acesso a tais dados, por parte de um Tribunal, para a apreciação e decisão de um conflito é legítima, pois todas as pessoas sejam, ou não, parte na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, artigo 417.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

            Paralelamente, também não ficou demonstrado que o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para as pessoas que constam nas faturas como “adquirentes”, pois não foram “entregues”. Não se percebe se tiveram acesso às “mercadorias” descritas nas faturas, uma vez que o armazém logístico não presta essa informação com base, nomeadamente, na “Lei de Proteção de Dados”.

Por último, o lugar onde terminou o transporte das mercadorias – centros (armazéns) de logística – não coincide com a localização das instalações, indicadas nas faturas, de cada um dos “adquirentes” de bens da Requerente, veja-se o PAT.

Ora, se assim o é, também por aqui não se verifica que os bens foram expedidos à luz do respetivo requisito de isenção.

Deste modo, não se encontram verificados todos os requisitos necessários à aplicação da isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, al. a), do RITI.

 

  1. Operações posteriores a 1 de janeiro de 2020

 

Já em relação às operações ocorridas a partir de 1 de janeiro de 2020, as faturas de fornecimento dos bens não se fizeram acompanhar pela declaração, a devolver à Requerente, do adquirente com os elementos respeitantes à receção (dos bens), pois continua a não estar demonstrado que foram efetivamente recebidos ou que foram entregues nas instalações (do adquirente) descritas nas faturas.

A Requerente somente logrou provar que as mercadorias faturadas foram remetidas para um dos centros de logística que utilizou (“V...” e “BB...”), quando a aplicação da isenção aqui em causa exige que os bens faturados sejam efetivamente entregues aos adquirentes, por isso, o transporte tem de terminar nas instalações indicadas nas respetivas faturas.  Não ficou igualmente demonstrado que o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para as pessoas que constam nas faturas como “adquirentes”, pois não foram “entregues”.  Não se percebe se tiveram acesso às “mercadorias” descritas nas faturas, uma vez que não foi produzida prova nesse sentido.

Em resumo, não se verificam os requisitos da isenção aqui em causa.

 

iv)Falta de fundamentação material

 

Há agora que analisar se os atos tributários padecem de falta de fundamentação material, pois a Requerente advoga ainda que a Requerida não demonstra os pressupostos legais da sua atuação.

Sustenta  a jurisprudência[11] relativamente ao método para apurar se um ato tributário está, ou não, fundamentado: “[i]mpõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material ou substancial: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a atuar como atuou, as razões em que fundou a sua atuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do ato; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do ato, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa…”.

A fundamentação material do ato reporta-se, assim, à real verificação dos pressupostos de facto e à correta interpretação e aplicação das normas como fundamento jurídico.

Importa, antes de mais, apurar sobre quem impendia o ónus da prova relativamente à existência de transmissões intracomunitárias de bens.

O artigo 74.º, n.º 1, da LGT determina que: “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”. É da responsabilidade da AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais da sua atuação e, paralelamente, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte do direito que invoca.

Observa, neste sentido a jurisprudência[12] que: “[e]m princípio, à AT cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável) e, em contrapartida, cabe ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos, solução hoje fixada pelo artigo 74.º, n.º 1 («O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».), da LGT e que à data se devia já considerar aplicável porque correspondente à regra geral do artigo 342.º do Código Civil (CC), de que quem invoca um direito tem o ónus da prova dos factos constitutivos, cabendo à contraparte a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos.”

Deste modo, tendo a AT obtido conhecimento que a Requerente, ao abrigo de mecanismos de cooperação, realizou diversas vendas a adquirentes que participam em esquemas de fraude em carrossel, cabe, em contrapartida, à Requerente provar que praticou diversas transações intracomunitárias e, por isso, tem direito à isenção de IVA.

 As informações prestadas pelas Administrações Tributárias estrangeiras, ao abrigo de mecanismos legais de cooperação gozam da mesma força probatória que as informações da autoridade tributária portuguesa, presunção que admite prova em sentido contrário.

Sustenta, neste sentido, a doutrina[13]:”[p]ara contrariar a força probatória das informações oficiais fornecidas pela administração tributária portuguesa, não é necessário fazer a prova do contrário, pois a lei não lhes atribui força probatória plena, bastando gerar dúvidas sobre os factos nelas afirmados, como resulta do preceituado no artigo 346.º do CC. Sendo esta a força probatória atribuída às informações oficiais produzidas pela administração tributária portuguesa, será de reconhecer a mesma às informações das administrações tributárias estrangeiras, já que seria incompreensível que se atribuísse maior força probatória a estas que àquelas.

As informações prestadas pelas administrações fiscais, com factualidade objetiva, como é o caso, fazem fé em juízo.

Todavia, o artigo 76.º, n.º 4, da LGT não consagra um regime que impeça a prova em sentido contrário ou gerar dúvidas sobre os factos afirmados nas informações[14]. Ou, dito de outro modo, a Requerente estava normativamente habilitada a, apesar do teor dos documentos fornecidos pelas diversas administrações fiscais, fazer prova em sentido contrário ou, até, gerar fundadas dúvidas sobre o seu conteúdo.

Sucede que, apesar de todos os documentos e produção de prova testemunhal, a Requerente não criou dúvidas relativamente aos factos atestados nas informações prestadas por parte de administrações fiscais europeias, como também a efetiva receção das mercadorias pelos adquirentes, condição necessária à aplicação da isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, al. a), do RITI.

Paralelamente, também a Requerente não conseguiu demonstrar que o transporte das mercadorias objeto dos autos terminou no local constante das faturas por si emitidas, i.e., instalações dos adquirentes localizadas nos diversos países da União Europeia, mas somente nas instalações dos centros logísticos sitos em Espanha.

Deste modo, persistem os factos elencados nos instrumentos de cooperação administrativa a que o RIT alude e, assim, não padecem os atos tributários impugnados do vício de falta de fundamentação material.

 

  1. Princípio da verdade material

 

A Requerente ainda alega que os atos tributários ofendem o princípio da verdade material, na medida em que a AT não procedeu a todas as diligências de prova necessárias durante a inspeção tributária e, paralelamente, a prova por si junta foi desconsiderada.

O princípio da verdade material está consagrado no artigo 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”) e impõe que a Administração Tributária, no respetivo procedimento, procure recolher os elementos probatórios que possibilitem a subsequente fundamentação do ato tributário que venha a ser praticado. Ou, dito de outro modo, investigar a eventual existência de irregularidades a partir do (in)cumprimento de obrigações tributárias com vista à descoberta da verdade material.

Ora as correções efetuadas estão sustentadas nos instrumentos de cooperação administrativa e na análise crítica dos documentos entregues pela Requerente, pelo que, não se verifica o invocado vício de violação do dever de investigação da verdade material, pelo que improcede, também nesta parte a presente impugnação.

 

  1. Conclusão

 

Improcede, assim, o pedido de anulação dos atos tributários objeto dos presentes autos, pois a Requerente somente logrou provar que as mercadorias faturadas foram remetidas para um dos centros de logística que utilizou (“V...” e “BB...”), quando a aplicação da isenção aqui em causa exige que os bens (faturados) sejam efetivamente entregues aos adquirentes, por isso, o transporte tem de terminar nas instalações indicadas nas respetivas faturas.  Não ficou igualmente demonstrado que o direito de dispor do bem como proprietário tenha sido transferido para as pessoas que constam nas faturas como “adquirentes”, pois não foram “entregues”.  Não se percebe se tiveram acesso às “mercadorias” descritas nas faturas, uma vez que não foi produzida prova nesse sentido, não se sabendo quem teve acesso às “mercadorias”, pois foi invocada a “Lei de Proteção de Dados”.

Paralelamente, apesar de todos os documentos e produção da prova testemunhal, a Requerente não criou dúvidas relativamente aos factos atestados nas informações prestadas por parte de administrações fiscais europeias, condição igualmente necessária à aplicação da isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, al. a), do RITI.

Em resumo, como observa a jurisprudência: “A maior ou menor exigência quanto à idoneidade e adequação do meio de prova, bem como a valoração da prova produzida pela Recorrida deve ser efetuada partindo dos meios de prova apresentados, mas atendendo também a todos os indícios recolhidos pela AT e se estes aparentam evasão ou fraude fiscal”[15].

O  Tribunal Arbitral entende, perante o supra exposto, manter a totalidade das correções efetuadas apreciadas nos presentes autos.

 

III – DECISÃO

 

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido de anulação das correções efetuadas, mantendo-se na ordem jurídica as liquidações adicionais de IVA que a integram.
  2. Condenar a Requerente no pagamento integral de custas arbitrais.

 

VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 4.997.127,99 €, nos termos do artigo 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).

 

CUSTAS

 

Custas no montante de 62 730,00 €, em conformidade com o RCPAT e a Tabela I a este anexa e com os artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT, e 527.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, a cargo da Requerente.

 

 

 

Notifique.

 

Lisboa, 22 de maio de 2023

 

                                                                                               

Árbitro-presidente

 

 

Fernanda Maçãs

 

 

 

Fernando Miranda

 

 

Francisco Nicolau Domingos

 



[1] Mário Aroso de Almeida/Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativo, Almedina, 2005, pp. 317-319.

 

[2] Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º 1, 5.ª edição, 2012, p. 309.

[3] Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º 1, 5.ª edição, 2012, p. 309.

[4] Decisão arbitral n.º 164/2015-T, de 16 de novembro de 2015.

[5]Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no âmbito do processo 04434/10, de 6 de julho de 2011.

[6] Filipe Duarte Neves, Regime do IVA nas Transações Intracomunitárias, anotado e comentado, Quid Juris, 2018, p. 145.

[7] Ordem dos Contabilistas Certificados, Transposição da Diretiva Quick Fixes e Regulamento de Execução, disponível em https://www.occ.pt/fotos/editor2/iva_quick2b1.pdf. Acesso em 21 de março de 2023.

[8] Ordem dos Contabilistas Certificados, Transposição da Diretiva Quick Fixes e Regulamento de Execução, disponível em https://www.occ.pt/fotos/editor2/iva_quick2b1.pdf. Acesso em 21 de março de 2023.

[9] Ordem dos Contabilistas Certificados, Transposição da Diretiva Quick Fixes e Regulamento de Execução, disponível em https://www.occ.pt/fotos/editor2/iva_quick2b1.pdf. Acesso em 21 de março de 2023.

 

[10] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no âmbito do processo n.º 7729/13.1TBBRG-C.G1, de 10 de julho de 2019.

[11] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no âmbito do processo n.º   03014/11.1BEPRT, de 2 de fevereiro de 2022.

[12] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 0951/11, de 26 de fevereiro de 2014.

[13] Diogo Leite de Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª edição, Encontro da Escrita, 2012, p. 672.

[14] Diogo Leite de Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária – Anotada e Comentada, 4.ª edição, Encontro da Escrita, 2012, p. 672.

[15] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no âmbito do processo n.º 773/08.2BESNT. de 27 de outubro de 2022.