Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 149/2022-T
Data da decisão: 2023-05-17  IRC  
Valor do pedido: € 98.762,42
Tema: IRC – Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI). Criação de postos de trabalho.
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SUMÁRIO

  1. Para acederem aos benefícios fiscais associados ao RFAI, aos sujeitos passivos cumpre provar que criaram postos de trabalho na sequência e em conexão com um investimento elegível para efeitos do RFAI (cf. artigo 2.º, n.º 3, alínea f), do “Regime fiscal de apoio ao investimento realizado em 2009”, aprovado pelo artigo 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março, condição contida no atual artigo 22.º, n.º 4, alínea f), do novo Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro).
  2. Neste âmbito, a “criação de postos de trabalho” refere-se à criação de postos de trabalho causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, o sujeito passivo ter verificado um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.

DECISÃO ARBITRAL

As árbitras Professora Doutora Rita Correia da Cunha (presidente), Dra. Ana Pinto Moraes e Dra. Raquel Franco (árbitros vogais), designadas pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente Tribunal Arbitral Coletivo, acordam no seguinte:

 

 

  1. RELATÓRIO
  1. A...– SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A., matriculada na Conservatória do Registo Comercial sob o número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva..., com sede em..., freguesia da..., concelho da ... (doravante designada por “Requerente”), veio, em 08-03-2022, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2  do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e da alínea a) do artigo 99.º do CPPT, requerer a constituição de Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) com vista (A) à declaração de ilegalidade e consequente anulação (i) da decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2020..., no âmbito do qual a Requerente contestou a legalidade do indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2016..., e (ii) dos atos de autoliquidação de IRC relativos ao exercício de 2012 a ele subjacentes, corporizados nas declarações Modelo 22 n.ºs ...-... -..., submetida em 31-05-2013, e ...-...-..., submetida em 27-12-2013 (doravante conjuntamente designadas por “Autoliquidações Contestadas”), (B) à restituição do montante de € 98.762,42 enquanto valor indevidamente pago a título de IRC, e (C) à condenação da AT no pagamento dos juros indemnizatórios que se mostrem legalmente devidos.
  2. É requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “AT” ou “Requerida”).
  3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 09-03-2022 e seguidamente notificado à Requerida.
  4. Em conformidade com o disposto nos artigos 6.º, n.º 2, alínea a), e 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os ora signatários como árbitros, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
  5. As partes, notificadas dessa designação, não manifestaram vontade de a recusar.
  6. O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 20-05-2022.
  7. Em 22-06-2022, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, e remetendo o processo administrativo no dia seguinte.
  8. Por despacho de 23-06-2022, o Tribunal Arbitral notificou (i) a Requerente para juntar a totalidade do documento 2 junto ao PPA, o quadro reproduzido no artigo 35.º do PPA (impercetível), bem como os documentos que entendesse por necessário na sequência da resposta apresentada pela Requerida em 22-06-2022; (ii) a Requerida para se pronunciar sobre estes documentos; (iii) as Partes de que a reunião do artigo 18.º do RJAT teria lugar em 13-09-2022, e de que nela seriam ouvidas as testemunhas arroladas pela Requerente.
  9. Em 08-07-2022, a Requerente juntou aos autos os elementos solicitados pelo Tribunal Arbitral.
  10. A reunião do artigo 18.º do RJAT realizou-se em 13-09-2022, tendo o Tribunal ouvido duas testemunhas, e notificado as Partes para apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias.
  11. A Requerente e a Requerida apresentaram alegações, respetivamente, em 22-09-2022 e 26-09-2022.
  12. Em 11-09-2022, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico informou a substituição do Dr. Tito Barros Caldeira (árbitro vogal) pela Dra. Raquel Franco (árbitro vogal).
  13. O Tribunal prorrogou sucessivamente o prazo para prolação da Decisão Arbitral, por dois meses, nos termos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, em 15-11-2022, 19-01-2023 e 16-03-2023.

 

 

 

 

 

  1. POSIÇÃO DAS PARTES

§1. Da Requerente

  1. No dia 09-12-2021, a Requerente foi notificada da decisão final do recurso hierárquico n.º ...2020..., proferida pela Senhora Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, no âmbito da qual veio concluir que:

· As atividades das sociedades B... e C... são elegíveis para efeitos de aplicação do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (“RFAI”);

· Os investimentos relevantes por estas efetuados foram mantidos durante o período mínimo de 5 anos;

· A situação contributiva das referidas sociedades se encontra regularizada.

  1. Porém, tendo considerado, com base na fundamentação constante do projeto de indeferimento do recurso hierárquico reformulado, que “não se encontra demonstrado o cumprimento da manutenção dos postos de trabalho, conforme alínea f) do artigo 2.º do RFAI 2009, a Senhora Subdiretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira acabou por indeferir o recurso hierárquico n.º ...2020...”.
  2. Conforme resulta preclaramente da decisão administrativa objeto do PPA, a AT indeferiu o pedido que lhe foi dirigido pela Requerente — tendo-se recusado a reconhecer a existência do direito à obtenção dos incentivos fiscais, na modalidade de deduções à coleta de IRC, previstos no RFAI — com base no exclusivo fundamento de que a alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do “Regime fiscal de apoio ao investimento realizado em 2009”, aprovado por artigo 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março (“RFAI 2009”) exige que os investimentos relevantes proporcionem a criação líquida de contratos de trabalho sem termo.
  3. Sucede, todavia, que o requisito recortado pela alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009 exige apenas — contrariamente ao que vem assumido pela AT — que o investimento realizado contribua direta e causalmente para a criação de novos postos de trabalho, independentemente de, durante o período de manutenção dos mesmos, se registarem outras entradas ou saídas de trabalhadores.
  4. O Regulamento (CE) n.º 800/2008 da Comissão, de 6 de agosto – ao abrigo do qual o RFAI foi criado – não exige a criação de postos de trabalho como condição para a atribuição de benefícios fiscais associados, pelo que o requisito vertido na alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009 constitui uma inovação do legislador nacional e pode ser interpretado sem recurso ao referido regulamento comunitário.
  5. Como facilmente se retira da letra da norma em causa, para aplicação do RFAI, o legislador apenas exige que o investimento relevante proporcione a criação de postos de trabalho, ou seja, que exista um nexo de causalidade entre a realização do investimento relevante e a contratação de novos trabalhadores por parte do sujeito passivo (independentemente de, durante o período de manutenção dos mesmos, se registarem outras entradas ou saídas de trabalhadores, às quais o legislador não faz referência).
  6. O legislador também não fez qualquer referência à forma de contratação, admitindo, para efeitos do RFAI, tanto contratos a termo como contratos sem termo.
  7. Na verdade, o objetivo do RFAI é fomentar o investimento, não a criação de emprego.
  8. Assentando a decisão de indeferimento do recurso hierárquico em apreço numa interpretação errada da alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009, impõe-se concluir pela ilegalidade dos atos de autoliquidação de IRC referentes ao ano de 2012, na parte em que não refletem os benefícios fiscais associados ao RFAI em razão dos investimentos efetuados sociedades B... e C... .
  9. Acresce que os investimentos realizados pelas sociedades B... e da C... contribuíram, direta e causalmente, para a criação, através de contratos de trabalho sem termo, de novos postos de trabalho (D... e E... foram contratados pela sociedade B...; F... foi contratada pela sociedade C...), tendo os mesmos sido mantidos entre 2012 e 2016.
  10. Assim, ainda que se entenda que a (i)legalidade dos atos de autoliquidação de IRC não é aferível em função da fundamentação da decisão de indeferimento do procedimento administrativo que antecede, sempre se teria de concluir, em qualquer caso, pela ilegalidade dos atos de liquidação de IRC sub judice.

 

§2. Da Requerida

  1. O RFAI, que faz parte integrante do novo CFI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro, é aplicável aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2014.
  2. O aproveitamento do benefício fiscal RFAI por parte dos sujeitos passivos depende, ainda, do preenchimento cumulativo das seguintes condições (cf. n.º 4 do artigo 22.º do CFI):
  1. Disponham de contabilidade regularmente organizada, de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo setor de atividade;
  2. O seu lucro tributável não seja determinado por métodos indiretos;
  3. Os bens objeto de investimento sejam mantidos na empresa e na região durante um período mínimo de cinco anos;
  4. Não sejam devedores ao Estado e à segurança social de quaisquer contribuições, impostos ou quotizações ou tenham o pagamento dos seus débitos devidamente assegurado;
  5. Mantenham na empresa e na região durante um período mínimo de três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, ou cinco anos nos restantes casos, os bens objecto do investimento ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, alterado pelas Leis n.ºs 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 2/2014, de 16 de janeiro, ou até ao período em que se verifique o respectivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 31.º-B do Código do IRC;
  6. Não sejam consideradas empresas em dificuldade nos termos da comunicação da Comissão - Orientações relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas não financeiras em dificuldade, publicada no Jornal Oficial da União Europeia, n.º C 249, de 31 de julho de 2014;
  7. Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c).
  1. Nos termos do artigo 74.º da LGT e dos artigos 6.º e 7.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, tendo a Requerente invocado o direito de usufruir de um benefício, é a si que lhe compete o ónus da prova dos factos que lhe conferem o direito ao benefício.
  2. A prova efetuada pela Requente não cumpriu esse mesmo ónus.
  3. A alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI apenas dispõe que os investimentos efetuados pelos sujeitos passivos devem originar “postos de trabalho”, definição esta que se mostra muito vaga.
  4. Na falta de disposição na legislação nacional quanto a este aspeto, recorre-se ao Regulamento (EU) n.º 651/2014 de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“RGIC”), em que assenta o RFAI, com carácter de aplicação obrigatória, e sem necessidade de transposição.
  5. Este regulamento comunitário determina que um projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores (qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número de postos de trabalho criados nesse período), e que cada posto de trabalho criado deve ser mantido na zona em causa durante um período mínimo de cinco anos a contar da data em que a vaga foi preenchida, ou de três anos no caso de PME.
  6. Tendo em conta o espírito consignado no RGIC (os auxílios com finalidade regional se destinam a contribuir para o desenvolvimento das regiões mais desfavorecidas apoiando a criação de emprego num contexto sustentável), não se poderá considerar que tal objetivo se encontra assegurado se apenas for exigível a manutenção de, por exemplo, um único trabalhador admitido com contrato sem termo e se, em simultâneo, se permitir ao sujeito passivo prescindir, despedir ou não substituir todos os restantes trabalhadores (contratados em anos anteriores), o que claramente poria em causa a pretendida diminuição do nível de subemprego.
  7. No recurso hierárquico, a Requerente apresentou mapas Excel, que pretendiam demonstrar a criação de postos de trabalho, mas não comprovou o que constava dos mesmos mapas, continuando por demonstrar que, na empresa, e nos anos em causa, se verificou uma criação líquida de postos de trabalho, tal como exigido pela alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do CFI.
  8. A Requerente apenas justifica as incongruências apontadas pela AT; “refira-se ainda no que concerne à comprovação dos alegados investimentos relevantes para efeitos do benefício em questão, não se encontra demonstrada a sua bondade” e que “não se mostra comprovada, nomeadamente, a efetivação dos investimentos apontados como elegíveis, bem como a observância cumulativa dos requisitos estabelecidos no RFAI 2009”.

 

  1.  SANEAMENTO
  1. O PPA apresentado em 08-03-2022 é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, conjugado com o artigo 102.º, n.º 1, alínea b), do CPPT, i.e., até ao decurso de 90 dias contados da notificação da decisão de indeferimento do recurso hierárquico contestado (em 09-12-2021).
  2. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria.
  3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e estão devidamente representadas.
  4. O processo não enferma de nulidades.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

§1. Factos provados

  1. Com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
  1. Em 2012, a Requerente era a sociedade dominante do G..., SGPS, S.A. (“Grupo G...”), sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, composto, entre outras sociedades, pela H..., S.A., pela C..., S.A. - “sociedade C...”, e pela B..., Lda. – “sociedade B...” (cf. referido nos artigos 1.º e 2.º do PPA, e na decisão de indeferimento do recurso hierárquico junta ao PPA como documento 1).
  2. A sociedade B... exerce a atividade de produção de produtos alimentares salgados (rissóis, croquetes, folhados) na sua fábrica em ... (cf. depoimento da Testemunha A na reunião de 13-09-2022).
  3. Em 2012, a sociedade B... adquiriu um túnel elétrico de refrigeração e congelação, e vários outros equipamentos com o objetivo de aumentar a sua produção, no montante de € 103.014,48 (cf. depoimento da Testemunha A na reunião de 13-09-2022, e quadros a fls. 155 e ss. do processo administrativo relativo ao recurso hierárquico).
  4. Nesse ano, e para dar resposta ao aumento de produção, a sociedade B... contratou dois trabalhadores (ainda ao serviço em 2022): o Engenheiro D... (na área do controlo de qualidade) e o Senhor E... (na área da logística e da gestão das encomendas) (cf. depoimento da Testemunha A na reunião de 13-09-2022).
  5. A contratação de ambos os colaboradores identificados na alínea anterior esteve diretamente relacionada com o investimento referido na alínea (c) supra, e manteve-se para além de 2016 (cf. depoimento da Testemunha A na reunião de 13-09-2022).
  6. A sociedade C... exerce a atividade de fabricação de rações para alimentação animal, dispondo de três fábricas ( ..., ... e ...) e de um entreposto comercial (...) (cf. depoimento da Testemunha B na reunião de 13-09-2022).
  7. A sociedade C... realizou, em 2012, um investimento no sistema de energia em uma (ou mais de uma) das suas fábricas, no montante global de € 390.797,62 (cf. quadros a fls. 161 e ss. do processo administrativo relativo ao recurso hierárquico).
  8. Em 31-05-2013, a Requerente submeteu a declaração Modelo-22 de IRC n.º ...-...-..., referente ao exercício de 2012 do Grupo G..., incluindo uma coleta de € 1.707.332,40, benefícios fiscais de € 22.272,11, e IRC a pagar de € 1.067.335,88 (cf. documento 2 junto ao PPA).
  9. Em 27-12-2013, a Requerente apresentou uma declaração de substituição referente ao exercício de 2012 do Grupo G... (com o n.º ...-...-...), tendo apurado uma coleta de € 1.707.332,40, benefícios fiscais de € 287.946,50, e IRC a pagar de € 801.661,49 (cf. documento 3 junto ao PPA).
  10. Em 28-03-2016, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa das autoliquidações de IRC do ano de 2012 supra referidas, ao abrigo do artigo 78.º da LGT, através do qual peticionou o reconhecimento do direito à obtenção dos seguintes incentivos fiscais previstos no RFAI, na modalidade de deduções à coleta de IRC:

Sociedade

Investimentos relevantes realizados

Crédito fiscal do RFAI apurado

H...

€ 1.421.330,66

€ 284.266,13

B...

€ 103.014,48

€ 20.602,90

C...

€ 390.797,62

€ 78.159,52

 

(cf. pedido de revisão oficiosa, que deu origem ao processo n.º ...2016..., a fls. 5 e ss. do processo administrativo).

  1. No pedido de revisão oficiosa, a Requerente peticionou o seguinte:

 

(cf. pedido de revisão oficiosa, que deu origem ao processo n.º ...2016..., a fls. 5 e ss. do processo administrativo)

  • Por ofício n.º ..., de 28-07-2016, a AT solicitou à Requerente elementos adicionais, para efeitos de instrução do processo de revisão oficiosa, nomeadamente:

 

(cf. ofício a fls. 28 e ss. do processo administrativo).

  1.  Por ofício de 28-10-2019, a Requerente foi notificada para exercer o seu direito de audição relativamente ao projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, no qual de pode ler:

 

           

 

 

 

(cf. despacho a fls. 58 e ss. do processo administrativo).

  • A Requerente não exerceu o seu direito de audição prévia (cf. decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa a fls. 66 e ss. do processo administrativo).
  • Por ofício de 13-12-2019, foi a Requerente notificada da decisão que tornou definitivo o projeto de decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (cf. documento 5 junto ao PPA).
  • A Requerente interpôs recurso hierárquico desta decisão em 30-01-2020 (cf. recurso hierárquico n.º ...2020..., a fls. 2 e ss. do processo administrativo relativo ao recurso hierárquico), alegando, inter alia, o seguinte:

 

 

 

 

 

 

 

 

  1. Por Ofício n.º ..., de 24-06-2021, a Requerente foi notificada do projeto de indeferimento do recurso hierárquico, com fundamento na não verificação da condição da criação de postos de trabalhos, e em outros fundamentos (cf. projeto de indeferimento do recurso hierárquico junto ao processo administrativo), no qual se pode ler:

 

 

 

 

 

  1. Em 12-07-2021, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, alegando o seguinte:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(cf. requerimento a fls. 82 e ss. do processo administrativo relativo ao recurso hierárquico).

  1. A AT respondeu a estes argumentos num segundo projeto de indeferimento do recurso hierárquico, no qual se pode ler:

 

 

 

(cf. projeto de decisão a fls. 127 e ss. do processo administrativo relativo ao recurso hierárquico).

  1. Notificada para exercer o seu direito de audição relativamente a este segundo projeto de indeferimento do recurso hierárquico (por ofício n.º..., de 01-09-2021, a fls. 130 do processo administrativo relativo ao recurso hierárquico), a Requerente exerceu novamente o seu direito de audição em setembro de 2022, notando o seguinte relativamente ao pressuposto previsto na alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(cf. requerimento a fls. 133 e ss. do processo administrativo relativo ao recurso hierárquico).

  1. Em 09-12-2021, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2020... (cf. ofício n.º ... de 06-12-2021), no qual se pode ler o seguinte relativamente ao pressuposto previsto na alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009:

 

(cf. decisão de indeferimento do recurso hierárquico junta ao PPA como documento 1).

  1. Na mesma decisão, a AT conclui da seguinte forma:

 

 

(cf. decisão de indeferimento do recurso hierárquico junta ao PPA como documento 1).

  1. Em 08-03-2022, a Requerente apresentou o PPA que deu origem a presente processo arbitral.

§2. Factos não provados

  1. Com relevância para a causa foi considerado como não provado o seguinte facto:
  1. A contratação da Sra. F... pela sociedade G... em 2011 (inicialmente, por contrato a termo) esteve diretamente relacionada com um investimento relevante para efeitos do RFAI em 2012.

§3. Fundamentação da matéria de facto

  1. Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
  2. Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  3. Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
  4. Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados como factos provados, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, da prova testemunhal produzida, e dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados, e na adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
  5. Na reunião do artigo 18.º do RJAT que decorreu em 13-09-2022, o Tribunal Arbitral ouviu duas testemunhas: Dra. J..., contabilista certificada da sociedade B... (doravante “Testemunha A”), e Dra. K..., contabilista certificada da sociedade C... (doravante “Testemunha B”).
  6. No tocante à prova testemunhal produzida, é de notar o seguinte:
  1. A Testemunha A disse lembrar-se da contratação do Engenheiro D... (na área do controlo de qualidade) e do Senhor E... (na área da logística e da gestão das encomendas) pela sociedade B... em 2012, notando que ambos continuam ao serviço da empresa.
  2. A Testemunha A indicou também que a contratação de ambos os colaboradores se deveu ao investimento realizado em 2012 (aquisição de um túnel elétrico de refrigeração e congelação, e de vários outros equipamentos relacionados com a atividade produtiva da sociedade B...), e teve como objetivo aumentar a produção e assegurar o controlo de qualidade.
  3. A Testemunha A não conhece as instalações fabris da sociedade B... em ..., tendo conhecimento das aquisições de bens através de faturas.
  4. A Testemunha B disse lembrar-se (a) da contratação da Sra. F... pela sociedade  C... em 2011, por contrato a termo, (b) que a mesma colaboradora passou a efetiva em 2012 (contrato sem termo), e (c) que a colaboradora em apreço continua ao serviço da empresa em 2022.
  5. A Testemunha B disse não ter a certeza em que fábrica da sociedade C... foram efetuados os investimentos em 2012 (se nas instalações no ..., se nas instalações na ...), e não ter a certeza que investimentos foram realizados em 2012 (poderia ter sido um investimento para ampliar a estrutura da zona das pré-misturas).
  1. Ainda no tocante à prova testemunhal produzida, cumpre notar que as duas testemunhas demonstraram não ter conhecimento pessoal e direito dos investimentos realizados pelas sociedades em apreço. A Testemunha A disse ter tido conhecimento da aquisição de um túnel elétrico de refrigeração e congelação em 2012 através das faturas que lhe foram facultadas na qualidade de contabilista.
  2. Do depoimento da Testemunha A e dos documentos juntos aos autos (quadros a fls. 155 e ss. do processo administrativo relativo ao recurso hierárquico) resultou a convicção do Tribunal de que a sociedade B... efetuou um investimento relevante para efeitos do RFAI em 2012 (a aquisição de um túnel elétrico de refrigeração e congelação), no montante de € 103.014,48.
  3. Com base no depoimento da Testemunha A, o Tribunal deu como provado que a contratação do Engenheiro D... (na área do controlo de qualidade) e do Senhor E... (na área da logística e da gestão das encomendas) esteve diretamente relacionada com o investimento referido no número anterior.
  4. Dos documentos juntos aos autos resultou a convicção do Tribunal de que a sociedade C... realizou, em 2012, um investimento no sistema de energia de uma (ou mais de uma) das suas fábricas, no montante global de € 390.797,62 (quadros a fls. 161 e ss. do processo administrativo relativo ao recurso hierárquico), embora a Testemunha B, no seu depoimento, não tenha conseguido identificar exatamente o investimento efetuado em 2012.
  5. Na convicção do Tribunal, a contratação da Sra. F..., em 2011, não esteve diretamente relacionada com o investimento realizado no ano seguinte. Em primeiro lugar, a contratação desta colaboradora ocorreu antes do investimento no sistema de energia. Em segundo lugar, a Testemunha B não conseguiu indicar com que investimento relevante para efeitos do RFAI esteve relacionada a contratação da colaboradora em apreço.
  6. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

§1. Questões a decidir

  1. No caso sub judice, as partes contendem sobre se a Requerente tem direito ao benefício fiscal associado ao RFAI em razão dos investimentos efetuados nas sociedades B... e C... (pertencentes ao Grupo do qual a Requerente é a sociedade dominante) em 2012.
  2. Em 2012 estava em vigor o RFAI 2009, cujo artigo 2.º, n.º 3, alínea f), dispunha que, para beneficiarem dos benefícios fiscais associados ao RFAI, os sujeitos passivos tinham de efetuar “investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período de dedução constante dos n.os 2 e 3 do artigo 3.º”.
  3. O RFAI foi criado pelo Orçamento Suplementar para 2009 (artigo 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de março), sendo, posteriormente, sucessivamente prorrogado pelos Orçamentos do Estado para 2010 (Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril), 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro) e 2012 (Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro). Atualmente, o RFAI está consagrado no novo Código Fiscal do Investimento - CFI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de outubro (artigos 22.º e ss.).
  4. A condição relativa à criação de postos de trabalho encontra-se atualmente na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do novo CFI, nos termos da qual, para poderem beneficiar do RFAI, é exigido que os sujeitos passivos “Efectuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento (...)”.
  5. A questão que se coloca ao Tribunal é a de saber se deve ser declarada a ilegalidade das Autoliquidações Contestadas (objeto mediato do PPA), ou se as mesmas devem ser mantidas na ordem jurídica, pelos fundamentos invocados na decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado pela Requerente (objeto imediato do PPA).
  6. Constitui jurisprudência reiterada do Douto Supremo Tribunal Administrativo que, no contencioso de mera legalidade (como é o caso do processo arbitral), “o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28-10-2020, processo n.º 02887/13.8BEPRT).
  7. O mesmo princípio havia já sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo anteriormente:

“A fundamentação dos actos administrativos e tributários a posteriori não é legalmente consentida (...), sendo a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados”” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22-03-2018, processo n.º 0208/17).

“A decisão em matéria de procedimento tributário, além de dever respeitar os princípios da suficiência, da clareza e da congruência, deve, por outro lado, ser contextual ou contemporânea do acto, não relevando a fundamentação feita a posteriori” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06-07-2016, processo n.º 01436/15).

  1. O mesmo entendimento encontra-se refletido na jurisprudência arbitral, conforme resulta das Decisões Arbitrais de 02-02-2015, processo n.º 628/2014-T; de 11-01-2021, processo n.º 411/2020-T; de 21-01-2021, processo n.º 865/2019-T; de 25-01-2021, processo n.º 851/2019-T; de 07-09-2021, processo n.º 646/2020-T; de 21-02-2022, processo n.º 440/2021-T.
  2. Da leitura da decisão de indeferimento do recurso hierárquico em apreço resulta que a AT rejeitou a pretensão da Requerente de ver reconhecido, no exercício de 2012, o benefício fiscal associado ao RFAI em razão dos investimentos efetuados pelas sociedades B... e C... por considerar que (a) não se encontram reunidos os pressupostos da alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009, e (b) “no que concerne à comprovação dos alegados investimentos relevantes para efeitos do benefício em questão, não se encontra demonstrada a sua bondade”, “não se demonstra comprovada, nomeadamente, a efetivação dos investimentos apontados como elegíveis, bem como a observância cumulativa dos requisitos estabelecidos no RFAI 2009”.
  3. Relativamente ao investimento realizado em 2012 pela sociedade C... no sistema de energia de uma (ou mais de uma) das suas fábricas, no montante global de € 390.797,62, concluiu o Tribunal Arbitral que a Requerente não logrou provar a verificação do requisito previsto na alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009, porquanto não ficou provado que a contratação da Sra. F... em 2011 tenha estado diretamente relacionada com o referido investimento. Importa sublinhar que o ónus de provar este facto impendia sobre a Requerente, ao abrigo do disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT.
  4. Já relativamente ao investimento realizado em 2012 pela sociedade B... na aquisição de um túnel elétrico de refrigeração e congelação, e vários outros equipamentos com o objetivo de aumentar a produção, no montante de € 103.014,48, o Tribunal Arbitral considerou como provado que a contratação do Engenheiro D... e do Senhor E... esteve relacionada com o referido investimento.
  5. À luz destas considerações, e da matéria de facto assente, a questão de direito a decidir é se a alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009 exige que os investimentos relevantes para efeitos do RFAI proporcionem a criação líquida de postos de trabalho através de contratos sem termo?

§2.  Da condição da criação de postos de trabalhos para efeitos do RFAI

  1. Quanto à questão de saber se a alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009 exige que os investimentos relevantes para efeitos do RFAI proporcionem a criação líquida de postos de trabalho por contratos sem termo (tal como sustentado pela Requerida), entende o Tribunal Arbitral que não será essa a interpretação correta, e que a dita norma apenas exige que o investimento realizado pelo sujeito passivo contribua direta e causalmente para a criação de novos postos de trabalho no momento da sua conclusão, independentemente de, no mesmo período, se registarem outras entradas e saídas de trabalhadores (tal como sustentado pela Requerente).
  2. O mesmo entendimento foi acolhido relativamente à alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do novo CFI nas Decisões Arbitrais de 09-03-2020, processo n.º 307/2019;17-01-2022, processo n.º 546/2020-T; 27-06-2022, processo n.º 508/2021-T.
  3. Na Decisão Arbitral de 09-03-2020, processo n.º 307/2019-T, pode ler-se o seguinte:

“Ressalvado o respeito devido a outras opiniões, considera-se que a referência feita na al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, deve ser entendida como reportando-se à criação de postos de trabalho causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.

Com efeito, o regime legal em questão foi criado pela Lei 10/2009, no âmbito da Iniciativa para o Investimento e o Emprego, designada por Programa IIE, que visou «promover o crescimento económico e o emprego, contribuindo para o reforço da modernização e da competitividade do País, das qualificações dos Portugueses, da independência e da eficiência energética, bem como para a sustentabilidade ambiental e promoção da coesão social».

No âmbito do programa IIE, incluíram-se medidas de «Apoio especial à actividade económica, exportações e pequenas e médias empresas (PME)» e de «Apoio ao emprego e reforço da protecção social» (cfr. als. d) e e) do n.º 1 do art.º 2.º da Lei 10/2009).

No quadro daquele programa, o RFAI 2009 foi criado como «um sistema específico de incentivos fiscais ao investimento», conforme resulta do art.º 1.º do mesmo Regime.

Foi, assim, o regime em questão, expressamente e no que para o caso interessa, formulado como um incentivo ao investimento (gerador de crescimento económico) tendo em vista o reforço da modernização e da competitividade do País, e das qualificações dos Portugueses, explicando-se dessa forma a al. f) do n.º 4 do art.º 22.º CFI, que radica na al. f) do n.º 3 do art.º 2.º do RFAI 2009, criado pela referida Lei 10/2009.

Neste contexto, a criação de emprego previsto na al. f) do n.º 4 do art.º 22.º CFI, deverá ser entendido como um requisito sine qua non do direito ao benefício fiscal, já que é esse um dos propósitos assumidos pelo legislador e consta expressamente da letra da lei.

Não obstante não se poderá, nem deverá, julga-se, esquecer que o regime em questão visará, à frente daquele propósito, fomentar o investimento, para além da modernização e da competitividade do País, e das qualificações dos Portugueses, sendo essencialmente um regime de apoio ao investimento, e não ao emprego.

Neste quadro, portanto, e na leitura e interpretação do regime em questão, dever-se-á sempre ter presente em primeira linha a ideia do incentivo ao investimento, sendo a criação de emprego uma condição, mas não o fundamento, do direito ao benefício fiscal.

Assim, e tendo presente igualmente as finalidades de modernização e da competitividade do País, e das qualificações dos Portugueses, dever-se-á concluir que o regime em questão visa promover o investimento modernizador, que aumente a competividade do país, e fomente a actualização, ou a aquisição de novas, competências pelos trabalhadores.

Posto isto, sustenta a AT que, na leitura da al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, se deverá lançar mão do enquadramento europeu em matéria de auxílios de Estado com finalidade regional no qual se inscreve o RFAI, constituído, nos termos do n.º 2 do art.º 1.º do CFI, pelo Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de Junho de 2014 , que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.°e 108.° do Tratado.

Sendo, evidentemente, um elemento relevante, crê-se que, antes de mais, se deve recorrer ao Regulamento (CE) N.º 800/2008 da Comissão, de 6 de Agosto de 2008, vigente na altura da implementação do RFAI 2009, que, como se viu, está na génese do RFAI integrado no CFI.

(…)

Aqui chegados será possível, crê-se, verificar que o Regulamento em questão distingue efectivamente, entre dois tipos distintos de apoios às PME, que são os apoios quantificados:

a) com base nos custos do investimento; e

b) nos custos relativos aos postos de trabalho directamente criados por um projecto de investimento.

E é para este último tipo de apoios que é utilizado o conceito, e exigido o aumento líquido de postos de trabalho por serem, justamente, aqueles em que a utilização de tal conceito se justifica.

O Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, segue, no que para o caso importa, a mesma lógica, referindo no preâmbulo que «A fim de não favorecer o investimento em capital em relação ao investimento nos custos da mão de obra, deve prever-se a possibilidade de quantificar os auxílios regionais ao investimento com base quer nos custos do investimento quer nos custos salariais do emprego diretamente criado por um projeto de investimento.», e dispondo no art.º 17.º que:

«2. Os custos elegíveis devem ser um dos seguintes custos ou ambos:

a) Os custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos;

b) Os custos salariais estimados do emprego diretamente criado pelo projeto de investimento, calculados para um período de dois anos.».

No art.º 14.º também se dispõe que:

«4. Os custos elegíveis devem ser os seguintes:

a) Custos de investimento em ativos corpóreos e incorpóreos;

b) Custos salariais estimados decorrentes da criação de emprego, em virtude de um investimento inicial, calculados ao longo de um período de dois anos; ou

c) Uma combinação das alíneas a) e b), que não exceda o montante de a) ou b), consoante o que for mais elevado.».

É neste contexto que o n.º 9 do mesmo art.º 14.º, citado pela AT, dispõe que:

«9. Quando os custos elegíveis são calculados por referência aos custos salariais estimados, descritos no n.º 4, alínea b), devem ser preenchidas as seguintes condições:

a) O projeto de investimento deve conduzir a um aumento líquido do número de trabalhadores do estabelecimento em causa, em comparação com a média dos 12 meses anteriores, ou seja, qualquer perda de postos de trabalho deve ser deduzida do número  aparente de postos de trabalho criados nesse período;

b) Cada posto de trabalho deve ser preenchido no prazo de três anos após a conclusão dos trabalhos; e

c)Cada posto de trabalho criado através do investimento deve ser mantido na zona em causa durante um período mínimo de cinco anos a contar da data em que a vaga foi preenchida, ou três anos no caso de PME.».

Ora, como se viu já, o RFAI foi sempre um apoio ao investimento, e é calculado com base nos custos de investimento em activos corpóreos e/ou incorpóreos, e não com base nos custos de investimento em postos de trabalho ou em custos salariais estimados.

Daí que não seja fundada, julga-se, a invocação do conceito de criação líquida de postos de trabalho do Regulamento em questão, para a interpretação a fazer da al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do RFAI.

De resto, terá sido por ter noção do quanto se expôs que o legislador não utilizou a expressão “criação líquida de emprego”, quando a mesma era utilizada, por exemplo, no art.º 19.º do EBF vigente à data, esse sim, um benefício fiscal que tem por base os custos de investimento em postos de trabalho.

Considerando-se, então, que a al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI, não se reporta à criação líquida de postos de trabalho, nos termos em que, por exemplo, o referido art.º 19.º do EBF e as Directivas sobre apoios de Estado o fazem, é ainda necessário densificar qual o sentido e alcance da expressão “criação de postos de trabalho”, ali empregue, tem.

Tendo em conta que, pelos fundamentos expostos, não se deverá equiparar a expressão “criação de postos de trabalho” a “criação líquida de postos de trabalho”, dever-se-á, em obediência ao princípio hermenêutico do legislador razoável, obter um resultado interpretativo que seja coerente com a teleologia do benefício fiscal em questão e que tenha um efectivo conteúdo prático.

Nessa perspectiva, a única interpretação que não se reconduza à “criação líquida de postos de trabalho”, será, julga-se, a de que a “criação de postos de trabalho” pressuposta pelo benefício fiscal em questão se refere à criação de postos de trabalho, e a sua manutenção, causalmente associáveis ao investimento realizado, independentemente de, sob um ponto de vista global, a empresa ter verificado, ou não, um aumento do número de trabalhadores ao seu serviço.

Ou seja: o que está em causa é que o investimento realizado por determinada empresa será elegível para usufruir do benefício fiscal em questão se, e na medida em que, dele resulte, de forma causalmente adequada, a criação de, pelo menos, um posto de trabalho, e a sua manutenção.

Assim, e por exemplo, se uma determinada empresa adquirir um veículo pesado de mercadorias e contratar um motorista habilitado à sua condução, para o conduzir, verificar-se-á o pressuposto da criação de postos de trabalho, pressuposto pela al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI.

Mas uma empresa que adquira um veículo pesado de mercadorias, e já dispusesse nos seus quadros de um motorista habilitado à sua condução (que estivesse, por exemplo, afecto à condução de um veículo ligeiro de mercadorias), e contrate um colaborador para a limpeza das suas instalações, que também faça a lavagem e limpeza do veículo adquirido, não preencherá o referido pressuposto de criação de postos de trabalho, já que, embora o referido colaborador possa executar alguns serviços relacionados com o bem adquirido, não se poderá, em princípio, concluir que a sua contratação se relacione de forma causalmente adequada àquela aquisição.

Deverá ser assim este, julga-se, o critério para aferir da criação de postos de trabalho, pressuposto pela al. f) do n.º 4 do art.º 22.º do CFI.”

  1. O Tribunal Arbitral não vislumbra motivo para discordar desta interpretação relativamente à norma contida na alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009 (atualmente contida na alínea f) do n.º 4 do artigo 22.º do novo CFI), pelo mérito dos respetivos argumentos, assegurando também uma interpretação e aplicação uniforme da condição da criação de postos de trabalho no âmbito do RFAI (cf. artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil).
  2. Do exposto supra resulta que a decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2020..., bem como as Autoliquidações Contestadas, são (parcialmente) ilegais porquanto assentaram numa interpretação ilegal da alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009.
  3. Tal como referido supra, o Tribunal Arbitral deu como provado que a contratação do Engenheiro D... e do Senhor E..., em 2012, esteve diretamente relacionada com o investimento realizado, em 2012, pela sociedade B... na aquisição de um túnel elétrico de refrigeração e congelação, e de vários outros equipamentos com o objetivo de aumentar a produção, no montante de € 103.014,48.
  4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral declara ilegal e anula a decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2020..., bem como os atos tributários de autoliquidação de IRC relativos ao exercício de 2012 a ele subjacentes, na parte relativa ao investimento realizado pela sociedade B..., no montante de € 103.014,48 (a que corresponde um benefício fiscal RFAI no valor de € 20.602,90), por erro nos pressupostos de direito, e por efetivamente se encontrar comprovada a verificação do requisito previsto na alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009.
  5. Conforme determina a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
  6. Assim, em resultado da presente Decisão Arbitral, deverá a AT reembolsar a Requerente do montante de imposto indevidamente pago, no montante de € 20.602,90.

§3. Dos juros indemnizatórios

  1. O direito do sujeito passivo a juros indemnizatórios decorre do dever, que recai sobre a AT, de reconstituição imediata e plena da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como resulta do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º, n.º 1, da LGT, fazendo este último preceito referência expressa ao pagamento de juros indemnizatórios, compreendido nesse efeito repristinatório do statu quo ante.
  2. Significa isto que, na execução do julgado anulatório, a AT deve reintegrar totalmente a ordem jurídica violada, restituindo as importâncias de imposto pagas em excesso e, neste âmbito, a privação ilegal dessas importâncias deve ser objeto de ressarcimento por via do cálculo de juros indemnizatórios, por forma a reconstituir a situação atual hipotética que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado.
  3. Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
  4. Nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine que houve erro imputável à AT de que resulte pagamento de imposto em montante superior ao legalmente devido.
  5. No caso sub judice, os erros que afetam as Autoliquidações Contestadas não são imputáveis à AT, visto que não foram por ela praticados. No entanto, o mesmo não sucede com o indeferimento do pedido de revisão oficiosa e do recurso hierárquico apresentados pelo Requerente. Na verdade, pelas razões explicitadas supra, a AT deveria ter deferido parcialmente a pretensão da Requerente em sede de revisão oficiosa, anulando os atos tributários contestados na parte relativa ao investimento realizado pela sociedade B..., no montante de € 103.014,48, a que corresponde um benefício fiscal RFAI no valor de € 20.602,90. Não o tendo feito, a AT manteve uma situação de ilegalidade, sendo-lhe assim imputável erro de direito enquadrável no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
  6. Neste sentido, pode ler-se no Acórdão do Doutro Supremo Tribunal Administrativo de 09-12-2021, processo 01098/16.5BELRS: “não obstante o erro da autoliquidação seja imputável ao contribuinte, esse erro passa a ser imputável à Administração Tributária a partir do momento em que, tendo na sua posse os elementos necessários, deveria ter proferido decisão a corrigir o erro e mantém a situação de erro e pagamento indevido do imposto.”
  7. No caso em apreço, a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade das Autoliquidações Contestadas em 28-03-2016, tendo a AT indeferido o mesmo por ofício de 13-12-2019. Nos termos do artigo 57.º, n.º 1, da LGT, a AT deveria ter decidido o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente no prazo de quatro meses, ou seja, até 28-07-2016. Tendo a AT, ao invés, mantido uma situação de ilegalidade, é possível imputar-lhe a responsabilidade pela manutenção da situação de erro e pagamento indevido desde essa data (cf. Acórdão do Doutro Supremo Tribunal Administrativo de 09-12-2021, processo 01098/16.5BELRS).
  8. Em consequência, o Tribunal Arbitral condena a AT no pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o montante de € 20.602,90, desde o dia 29-07-2016 até ao integral reembolso do referido montante à Requerente (nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT).

 

 

  1. DECISÃO

Termos em que se decide julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

  1. Manter na ordem jurídica a decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2020..., bem como os atos tributários de autoliquidação de IRC relativos ao exercício de 2012 a ele subjacentes, na parte relativa ao investimento realizado pela sociedade C..., no montante global de € 390.797,62 (a que corresponderia um benefício fiscal RFAI no valor de € 78.159,52), por a Requerente não ter logrado provar a verificação do requisito previsto na alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009;
  2. Declarar a ilegalidade e anular a decisão de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...2020..., bem como os atos tributários de autoliquidação de IRC relativos ao exercício de 2012 a ele subjacentes, na parte relativa ao investimento realizado pela sociedade B..., no montante de € 103.014,48 (a que corresponde um benefício fiscal RFAI no valor de € 20.602,90), por erro nos pressupostos de direito, e por efetivamente se encontrar comprovada a verificação do requisito previsto na alínea f) do n.º 3 do artigo 2.º do RFAI 2009;
  3. Condenar a AT a reembolsar o valor indevidamente pago pela Requerente a título de IRC, no montante de € 20.602,90;
  4. Condenar a AT a pagar juros indemnizatórios sobre o montante de € 20.602,90, calculados desde 29-07-2016 até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que deverão ser incluídos (nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT).

 

  1.   VALOR DA CAUSA

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT (aplicáveis ex vi alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) e no artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 98.762,42 (conforme indicado pela Requerente, e não questionado pela Requerida).

 

 

  1.  CUSTAS ARBITRAIS

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, sendo € 2.203,20 da responsabilidade da Requerente (80% do valor das custas) e € 550,80 da responsabilidade da Requerida (20% do valor das custas), em razão do decaimento.

Notifique-se.

Lisboa, 17 de maio de 2023

 

As Árbitras,

 

Rita Correia da Cunha

 

Ana Pinto Moraes

 

Raquel Franco