Decisão Arbitral
Processo n.º 96/2012-T
Requerente: A…
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
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Relatório
A…, contribuinte número …, residente no …, Felgueiras (doravante, “Requerente”), veio, nos termos do artigo 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, “RJAT”) requerer a constituição de Tribunal Arbitral, pedindo a pronúncia sobre as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) e respetivos juros compensatórios, respeitantes a períodos entre junho de 2007 e dezembro de 2009, no montante global de € 52.562,19.
O Requerente pretende a declaração de ilegalidade e anulação integral dos atos de liquidação defendendo, em suma, que:
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inexiste facto tributário que suporte tais liquidações, porquanto não recebeu os valores que os atos de liquidação pretendem tributar (com exceção do montante de € 15.868,19), inexistindo assim rendimentos tributáveis;
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ainda que assim não fosse, sempre as operações em causa beneficiariam da isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, al. q) do Código do IVA; e
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no que respeita aos atos de liquidação relativos ao ano de 2007, os mesmos não lhe foram notificados no prazo de caducidade do direito à liquidação.
Com efeito, em defesa do argumento referido no ponto (i) supra, invoca o Requerente que, apesar de ter sido ele quem prestou os serviços de intermediação e controlo de qualidade nas vendas de mercadorias das sociedades portuguesas “B... -, Lda”, “C..., Lda”, “D…, Lda” e “E…S.A” (doravante, em conjunto, designadas de “Sociedades Fornecedoras”) à sociedade francesa “F…” (doravante, “F...”), a que respeitam os atos de liquidação (tal como resulta do Relatório de Inspeção), os serviços eram faturados, não pelo Requerente, mas antes pelas sociedades “…” (doravante, em conjunto, designados de “Entidades Emitentes das Faturas”), sem que tais entidades tenham feito repercutir os valores faturados no Requerente (com exceção do montante de € 15.868,19).
Assim, entende o Requerente que, não tendo recebido (a totalidade) dos valores em causa, os atos de liquidação afiguram-se, ainda que parcialmente, ilegais por inexistência de facto tributário, dado que a obrigação de imposto (quer em sede de IRS, quer em sede de IVA) se constitui com o efetivo recebimento dos rendimentos tributáveis, pois só nesse momento existe manifestação de capacidade contributiva.
Por outro lado, em defesa do argumento referido no ponto (ii) supra, apresentado de forma subsidiária pelo Requerente, este afirma estarem em causa serviços referentes a transmissões intracomunitárias de bens, razão pela qual seria de considerar aplicável a isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, al. q) do Código do IVA, que respeita a prestações de serviços que se relacionem com a expedição e transporte de bens destinados a outros Estados Membros da União Europeia, sendo, em consequência, ilegais os atos de liquidação em causa.
Finalmente, invoca o Requerente os artigos 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), para defender - tal como referido no ponto (iii) supra - que os atos de liquidação, relativos ao ano de 2007, sempre seriam ilegais por lhe terem sido notificados depois de decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação, já que, de acordo com os n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT, os atos de liquidação do ano de 2007 lhe deveriam ter sido notificados até ao dia 1 de janeiro de 2012 e tal notificação ocorreu apenas em 23 de abril de 2012.
A este respeito, defende, ainda, o Requerente não ser aplicável, no caso em apreço, a causa de suspensão do prazo de caducidade prevista no n.º 1 do artigo 46.º da LGT, porquanto (i) a mesma apenas se aplica aos procedimentos de inspeção que se qualifiquem como externos e, nos termos do artigo 13.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (“RCPIT”), o procedimento de inspeção levado a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “AT”) deve qualificar-se como interno, uma vez que todos os atos decorreram nas instalações da AT, e (ii) ainda que o procedimento de inspeção se devesse qualificar como externo, tal procedimento teve uma duração superior a 6 meses (dado que a carta aviso foi notificada em finais de Julho de 2011 e o Relatório de Inspeção apenas foi notificado em 26 de março de 2012), tendo, assim, sido ultrapassado o prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 46.º da LGT.
A AT apresentou a sua Resposta onde, não tendo suscitado qualquer questão prévia ou deduzido qualquer exceção, apresentou os argumentos, que de seguida se enunciam de forma sumária, no sentido da improcedência do pedido apresentado pela Requerente.
Desde logo, afirmou a AT ter ficado demonstrado que o verdadeiro sujeito passivo do IVA, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. a) do Código do IVA, era o Requerente (não podendo tal posição ser transferida para terceiros) e que, de acordo com o artigo 29.º, n.º 1 do Código do IVA, é aos sujeitos passivos que cabe a obrigação de pagamento do imposto. A AT invocou ainda o artigo 7.º, n.º 1 do Código do IVA, para daí concluir que em matéria de IVA não é oponível a exceção do não recebimento, tornando-se o IVA exigível no momento da realização da prestação de serviços e não do recebimento.
No que respeita à isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, al. q) do Código do IVA, afirma a AT ser a mesma inaplicável porquanto nenhum dos serviços prestados pelo Requerente se relacionam com a expedição ou transporte de bens para outros Estados Membros da União Europeia. Acresce que tal isenção (assim como a isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, al. s) do Código do IVA) dependeria do cumprimento das exigências formais estabelecidas no artigo 29.º, n.º 8 do Código do IVA, pelo que a mesma sempre deveria ter sido comprovada por declaração formal emitida pelo adquirente dos bens - a qual não foi apresentada, tendo, pelo contrário, nas faturas emitidas pelas Sociedades Emitentes das Faturas sido liquidado IVA. A este propósito refere, ainda, a AT, que as faturas em causa foram emitidas globalmente, não distinguindo a parte referente à intermediação que poderia, abstratamente, beneficiar da isenção prevista no artigo 14.º, alínea s) do Código do IVA, o que inviabilizaria a aplicação da isenção. Em qualquer caso, afirma a AT que a Requerente não demonstrou a atuação em nome e por conta da F..., pelo que, também por esta razão, não poderia beneficiar da isenção prevista no artigo 14.º, alínea s) do Código do IVA.
A AT termina concluindo, também, pela improcedência dos argumentos da Requerente relativos à caducidade do direito à liquidação quanto aos atos de liquidação do ano de 2007, defendendo ter o prazo de caducidade do direito à liquidação ficado suspenso nos termos do artigo 46.º, n.º 1 da LGT, uma vez que (i) o procedimento de inspeção deve qualificar-se como externo, dado ter compreendido a recolha de elementos em poder de outros sujeitos passivos e de entidades públicas, e (ii) a notificação do início da inspeção, para estes efeitos, ocorreu apenas em 21 de outubro de 2011.
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Pressupostos Processuais
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído nos termos dos artigos 5.º, n.º 2 e 6.º, n.º 1 do RJAT e é materialmente competente nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
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Questões decidendas
Cumpre, pois, apreciar e dar resposta às seguintes questões:
Deve entender-se que os atos de liquidação são parcialmente ilegais por inexistir facto tributário, uma vez que a obrigação de entrega do IVA apenas se verifica com o efetivo recebimento dos valores em causa?
Deve entender-se que os atos de liquidação são integralmente ilegais por dever o Requerente beneficiar da isenção de IVA prevista no artigo 14.º, n.º 1, al. q) do Código do IVA?
Devem os atos de liquidação respeitantes ao ano de 2007, considerar-se ilegais, por ter caducado o direito à liquidação, dado não se aplicar a causa de suspensão prevista no artigo 46.º, n.º 1 da LGT, uma vez que o procedimento de inspeção levado a cabo pela AT deve qualificar-se como interno ou, qualificando-se como externo, deve entender-se que o mesmo teve uma duração superior a seis meses?
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Fundamentação de Facto
Em matéria de facto relevante, dá o presente Tribunal por assentes - por resultarem dos documentos juntos aos autos ou terem sido alegados pela Requerente ou pela AT e a sua veracidade não ter sido contestada - os seguintes factos:
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Entre junho de 2007 e dezembro de 2009, o Requerente prestou diretamente serviços de intermediação e controlo de qualidade às Sociedades Fornecedoras - cf. artigo 10.º e seguintes do Pedido de Pronúncia, artigos 77.º, 79.º, 80, 83.º a 86.º da Resposta da AT e Relatório de Inspeção, pág. 14 e seguintes e Anexos II, III e IV.
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O Requerente utilizava os contactos que mantinha com a F..., fazendo a ligação entre esta e as Sociedades Fornecedoras - cf. Relatório de Inspeção, nomeadamente Anexo IV.
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No exercício das suas atividades de intermediação, o Requerente agendava visitas das Sociedades Fornecedoras à F... para a apresentação das coleções - cf. Relatório de Inspeção, em particular, Anexo IV.
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No exercício das funções de controlo de qualidade, o Requerente reportava às Sociedades Fornecedoras defeitos nos produtos que lhe eram comunicados pela F… - cf. Relatório de Inspeção, em particular, Anexo IV.
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A F... emitia as ordens de encomenda diretamente às Sociedades Fornecedoras - cf. Pedido de Pronúncia, artigo 13.º e seguintes e Relatório de Inspeção, Anexo IV.
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O Requerente acordou com as Sociedades Fornecedoras o pagamento de uma comissão determinada tendo por base uma percentagem do valor das vendas por si mediadas (cujo montante poderia variar entre 4% e 6%) - cf. Relatório de Inspeção, págs. 14 e Anexos III e IV.
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A faturação dos serviços de intermediação e controlo de qualidade era efetuada, durante o período referido no ponto 1) acima, não pelo Requente, enquanto sujeito prestador dos serviços, mas pelas Entidades Emitentes das Faturas (cf. artigos 14.º e seguintes do Pedido de Pronúncia e Relatório de Inspeção, pág. 9 e seguintes e Anexos II, III e IV).
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O montante de € 15.868,19, relativo a faturas emitidas pela sociedade “…, Lda”, foi efetivamente recebido pelo Requerente - cf. artigo 31.º do Pedido de Pronúncia e Relatório de Inspeção, pág. 18.
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Foi iniciada uma ação inspetiva, tendo por âmbito o IRS e o IVA do Requerente, com respeito ao ano de 2007, com base na Ordem de Serviço n.º OI…, de 23 de junho de 2010, tendo tal ação inspetiva sido ampliada aos anos de 2008, 2009 e 2010, com base na Ordem de Serviço n.º OI … de 31 de outubro de 2011 - cf. artigos 53.º e 56.º da Resposta da AT e Relatório de Inspeção, pág. 5.
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O Requerente foi notificado das respetivas cartas aviso em 2 de dezembro de 2009 e 18 de novembro de 2011 - cf. documentos juntos aos autos pela AT, em 26 de outubro de 2012, após notificação do Tribunal para o efeito.
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As Ordens de Serviço, referidas no ponto 9), foram assinadas pelo Requerente em 21 de outubro e 18 de novembro de 2011, respetivamente - cf. artigo 55.º da Resposta da AT e pág. 5 do Relatório de Inspeção.
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No âmbito do procedimento de inspeção, a AT procedeu, inter alia, à análise dos elementos cadastrais do Requerente, à audição do mesmo, e à análise de elementos e informações recolhidos junto de outros sujeitos passivos e de entidades públicas - cf. artigo artigos 140.º e 141.º da Resposta da AT e Relatório de Inspeção e documentos anexos.
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Os atos em causa decorreram nas instalações da AT - cf. artigo 83.º do Pedido de Pronúncia e artigo 142.º da Resposta da AT e Relatório de Inspeção e documentos anexos.
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Embora tenha, para tal, sido notificado, o Requerente não exerceu o seu direito de audição prévia - cf. Relatório de Inspeção, pág. 25.
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Em 26 de março de 2012 o Requerente foi notificado do Relatório de Inspeção - cf. artigo 94.º do Pedido de Pronúncia.
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Em 23 de abril de 2012, foi o Requerente notificado das seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios, no montante total de € 52.562,19 (cf. artigo 1.º do Pedido de Pronúncia e doc. n.º 1 anexo):
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Em 9 de agosto de 2012, o Requerente apresentou o Pedido de Pronúncia na origem dos presentes autos - cf. sistema informático do CAAD.
Não existem factos relevantes para a decisão da causa que não tenham resultado
provados.
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Da Fundamentação de Direito
Período
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Liquidação de IVA n.º
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IVA Liquidado
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Liquidação de Juros Compensatórios n.º
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Juros Compensatórios
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Total
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Jun- 2007
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12019761
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€ 4.386,19
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…
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€ 798,27
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€ 5.184,46
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Set - 2007
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12019763
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€ 5.785,43
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…
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€ 983,36
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€ 6.768,79
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Dez - 2007
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12019765
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€ 5.317,21
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…
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€ 850,17
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€ 6.167,38
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Mar - 2008
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12019767
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€ 1.178,38
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…
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€ 176, 79
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€ 1.355,17
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Jun - 2008
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12019769
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€ 13.698,64
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…
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€ 1.912,56
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€ 15.611,20
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Dez - 2008
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12019771
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€ 5.711,82
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…
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€ 683,54
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€ 6.395,36
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Mar - 2009
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12019773
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€ 1.798,77
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…
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€ 197,41
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€ 1.996,18
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Jun - 2009
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12019775
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€ 4.273,04
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…
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€ 426,13
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€ 4.699,17
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Set - 2009
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12019777
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€ 1.780,46
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…
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€ 159,80
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€ 1.940,26
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Dez - 2009
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12019779
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€ 2.217,41
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…
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€ 181,81
|
€ 2.399,22
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Total
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€ 46.201,35
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€ 6.360,84
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€ 52.562,19
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Da (In)Existência de Facto Tributário
A este respeito invoca o Requerente, sem pôr por qualquer forma em causa a sua qualidade de sujeito passivo prestador dos serviços em questão, que os montantes de IVA constantes dos atos de liquidação em crise não seriam por si devidos porquanto este não recebeu efetivamente os valores cobrados (com exceção do montante de € 15.868,19).
Como fundamento das liquidações de IVA aqui em crise, invocou a AT, no Relatório de Inspeção, que foi este que prestou os serviços de intermediação e controlo de qualidade nas vendas de mercadorias das Sociedades Fornecedoras à F..., objeto das liquidações aqui em crise, ainda que a faturação tivesse sido efetuada por entidades diversas (as Entidades Emitentes das Faturas).
Importa desde logo, e a título prévio, indagar da legitimidade para considerar o Requerente como sujeito passivo das operações, tal como pretendeu a AT.
Ora, sobre isto, sempre se dirá que a AT logrou fazer prova de que os serviços faturados pelas Entidades Emitentes das Faturas às Sociedades Fornecedoras, foram, efetivamente, prestados pelo aqui Requerente, sendo, aliás, tais factos assumidos e confirmados pelo próprio Requerente, quer no Pedido de Pronúncia apresentado, quer nas declarações prestadas à AT - cf. Anexo III ao Relatório de Inspeção.
Que o prestador dos serviços em causa foi o Requerente, resulta ainda de forma clara dos elementos fornecidos e informações prestadas pelas Sociedades Fornecedoras (a que se refere o Relatório de Inspeção, nas págs. 14 a 19, e no Anexo IV).
Reitere-se que o próprio Requerente assume e confirma ter sido o prestador de serviços de intermediação e controlo de qualidade.
Acresce referir que não ficou por qualquer forma demonstrada a existência de um qualquer vínculo jurídico - laboral, profissional ou outro -, entre o Requerente e as Entidades Emitentes das Faturas, e que justificasse de alguma forma a emissão das faturas correspondentes aos serviços em causa por aquelas entidades, não tendo, aliás, nada sido alegado a este propósito.
Ora, de acordo com o artigo 2.º, n.º 1, al. a) do Código do IVA, são sujeitos passivos de IVA “As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC)” (sublinhado nosso).
Acresce que, nos termos do artigo 29.º, n.º 1 do Código do IVA, ao sujeito passivo cabe, inter alia, a obrigação de pagamento do imposto, sendo que - como bem referiu a AT na Resposta apresentada - “Os elementos essenciais da relação jurídica do imposto, são, nos termos do artigo 36.º, n.º 2 da LGT indisponíveis, não podendo ser modificados por vontade das partes”, pelo que “não pode o sujeito passivo do IVA transferir a sua posição para terceiros”.
Assim, não pode senão concluir-se, como faz - e bem - a AT, que o verdadeiro sujeito passivo do IVA é o Requerente, dado ser este o prestador assumido dos serviços de intermediação e controlo de qualidade nas vendas de mercadorias das Sociedades Fornecedoras à F....
No que diz respeito à alegação do Requerente, de que inexiste facto tributário, haverá que dizer o seguinte:
Quanto à incidência objetiva, conforme resulta expressamente do artigo 1, n.º 1 do Código do IVA, o facto tributário é a prestação de serviços.
Acresce que, de acordo com o artigo 7.º, n.º 1, al. b) do Código do IVA, na redação em vigor à data dos factos, o imposto é devido e torna-se exigível, “nas prestações de serviços, no momento da sua realização”, devendo o imposto exigível ser entregue no prazo de entrega da respetiva declaração periódica (cf. artigos 27.º, n.º 1 e 41.º, n.º 1 do Código do IVA1).
Neste sentido, refere Clotilde Celorico Palma2 que “em termos de IVA a exigibilidade é determinada sem qualquer relação com a data do recebimento da contraprestação, o que significa que temos que pagar ao Estado a nossa dívida de imposto muito embora o adquirente dos nossos bens ou serviços a quem liquidámos IVA não nos tenha ainda pago”.
Aliás, é precisamente porque o momento da exigibilidade do imposto, em sede de IVA, não se confunde com o momento do recebimento, nem tão pouco está dele dependente, que o legislador sentiu necessidade de criar regimes especiais de exigibilidade de caixa (com é o caso do Regime Especial de Exigibilidade do IVA nas Empreitadas e Subempreitadas de Obras Públicas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 204/97, de 9 de agosto), aplicáveis por opção do sujeito passivo, em determinadas situações (não aplicáveis ao caso sub judice)3.
Será, assim, de concluir que cabia ao Requerente proceder à liquidação e à entrega do IVA decorrente das prestações de serviços em causa (tal como lhe cabia a obrigação de faturação, nos termos do artigo 36.º, n.º 1 do Código do IVA4, que incumpriu), o que não fez.
Não pode proceder, pois, o argumento do Requerente no sentido de que não é por si devido qualquer montante de IVA porque não recebeu efetivamente qualquer valor objeto de liquidação de IVA, pois o IVA torna-se exigível no momento da realização da prestação de serviços, independentemente do recebimento dos montantes em causa por parte do sujeito passivo.
Improcede pois a argumentação do Requerente tendente a afirmar que “o que releva para efeitos da obrigação do imposto é o momento em que se obtém o rendimento”, pois, como resulta da letra expressa da lei (bem como da própria natureza do IVA), o IVA é devido e torna-se exigível independentemente do recebimento por parte do sujeito passivo (ainda que, conforme resulta do artigo 8.º, n.º2 do Código do IVA, o recebimento possa determinar a exigibilidade do imposto se preceder o momento da realização de operações tributáveis).
Impõe-se assim concluir que falece por completo a argumentação do Requerente quanto a esta matéria, pois o mesmo não só é o sujeito passivo do IVA decorrente das prestações de serviços de intermediação e controlo de qualidade nas vendas de mercadorias das Sociedades Fornecedoras à F..., como tal IVA tornou-se devido com a realização daquelas prestações de serviços, pelo que são válidas e não merecem, quanto a esta matéria, qualquer reparo os atos de liquidação emitidos pela AT.
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Da (In)Aplicabilidade de Isenção
Por outro lado, invocou o Requerente ser aplicável aos serviços prestados a isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, al. q) do Código do IVA, em vigor à data dos factos, que estabelece que estão isentas de IVA as “prestações de serviços, com excepção das referidas no artigo 9.º deste diploma, que se relacionem com a expedição ou transporte de bens destinados a outros Estados membros, quando o adquirente dos serviços seja um sujeito passivo do imposto, dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, registado em imposto sobre o valor acrescentado e que tenha utilizado o respectivo número de identificação para efectuar a aquisição”.
Ora, refira-se, em primeiro lugar, que não se vê como possam os serviços prestados pelo Requerente - intermediação de vendas e controlo de qualidade - estar por qualquer forma relacionados com a expedição ou o transporte de bens para outros Estados Membros, a que se refere expressamente o artigo 14.º, n.º 1, al. q) do Código do IVA (exemplo de operações ali previstas seriam, desde logo, e para além do transporte propriamente dito, os serviços acessórios ao transporte como a carga e descarga e os transportes de aproximação rodo/ferroviários), pelo que tal disposição não poderá ser aplicável ao caso em apreço.
Acresce que o disposto no artigo 29.º, n.º 8 do Código do IVA (artigo 28, n.º 8 do Código do IVA até à renumeração produzida pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de junho), estabelece que “As transmissões de bens e as prestações de serviços isentas ao abrigo das alíneas a) a j), p) e q) do n.º 1 do artigo 14.º e das alíneas b), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 15.º devem ser comprovadas através dos documentos alfandegários apropriados ou, não havendo obrigação legal de intervenção dos serviços aduaneiros, de declarações emitidas pelo adquirente dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que lhes irá ser dado”.
Ora, não foi junta aos presentes autos qualquer comprovação da aplicabilidade da referida isenção, não tendo sequer a existência de tal comprovação sido referida em qualquer sede pelo Requerente. Pelo contrário, nas faturas emitidas, ainda que indevidamente, pelas Entidades Emitentes das Faturas, foi sempre liquidado IVA às Sociedades Fornecedoras, sem que tenha sido invocada qualquer isenção, o que claramente indicia a inexistência da comprovação exigida pelo artigo 29.º, n.º 8 do Código do IVA.
Termos em que, mesmo que estivessem em causa serviços efetivamente relacionados com a expedição ou transporte de bens destinados a outros Estados Membros, o que não é o caso, não resultando dos autos qualquer indício da comprovação exigida no artigo 29.º, n.º 8 do Código do IVA, sempre se impunha concluir, por aplicação direta do n.º 9 do artigo 29 do Código do IVA5 (artigo 28, n.º 9 do Código do IVA até à renumeração produzida pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20 de junho), pela inaplicabilidade da isenção prevista no artigo 14.º, n.º 1, al. q) do Código do IVA.
Importa adicionalmente fazer referência à isenção prevista na al. s) do n.º 1 do artigo 14.º do Código do IVA - a que se referiu a Requerida na Resposta apresentada (embora tal isenção não tenha sido sequer alegada pelo Requerente) -, aplicável às “prestações de serviços realizadas por intermediários que actuam em nome e por conta de outrem, quando intervenham em operações descritas no presente artigo ou em operações realizadas fora da Comunidade”.
De facto, apenas os serviços realizados por intermediários que intervenham em operações descritas no artigo 14.º do Código do IVA (para além de operações realizadas fora da Comunidade) podem beneficiar da isenção em causa. Ora, considerando as operações descritas no referido artigo 14.º do Código do IVA, apenas seria de considerar eventuais serviços de intermediação relacionados com a expedição ou transporte de bens destinados a outros Estados Membros, o que, como já se viu, não é o caso. Impõe-se, assim, concluir, e sem mais delongas, pela não aplicação da isenção prevista no artigo 14.º, n.º1, al. s) do Código do IVA, de resto não invocada pelo Requerente.
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Da Caducidade do Direito à Liquidação - Liquidações 2007
Finalmente invocou o Requerente que as liquidações do ano de 2007 sempre seriam ilegais por ter já decorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação.
Em especial, afirma a este respeito o Requerente que tal causa de suspensão nunca se aplicaria ao caso sub judicie uma vez que (i) o procedimento de inspeção levado a cabo pela AT deve qualificar-se como interno, dado que todos os atos decorreram nas instalações da AT, e, (ii) ainda que o procedimento de inspeção de devesse qualificar como externo, o procedimento de inspeção decorreu durante mais de 6 meses.
Ora, de acordo com o artigo 45.º, n.º 1 da LGT “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro”, acrescentando n.º 4 da mesma disposição legal que o “prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário” (sublinhado nosso).
Assim, não existindo qualquer causa de suspensão ou de interrupção do prazo de caducidade, e considerando o prazo de caducidade de quatro anos, o IVA respeitante ao ano de 2007 caducaria a 31 de dezembro de 2011, já que aquele prazo é contado desde o início do ano civil seguinte àquele em que se verificou o facto tributário.
No entanto, estabelece o n.º 1 do artigo 46.º da LGT, na redação dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, em vigor à data dos factos, que o “prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação” (realçado nosso).
Vejamos a questão da qualificação da inspeção:
Considerando que a causa de suspensão prevista no n.º 1 do artigo 46.º da LGT respeita apenas aos casos de procedimento de inspeção que se qualifiquem como externos, importa indagar sobre a qualificação do procedimento levado a cabo pela AT no caso em apreço (que a AT qualificou como externo e que o Requerente pretende ver qualificado como interno).
Efetivamente, ficou demonstrado nos presentes autos que, embora os atos relevantes tenham decorrido em exclusivo nas instalações da AT, esta procedeu, inter alia, à recolha de elementos e informações junto de outros sujeitos passivos e de entidades públicas.
De acordo com o artigo 13.º do RCPIT, na redação em em vigor à data dos factos, “Quanto ao lugar da realização, o procedimento pode classificar-se em:
a) Interno, quando os actos de inspecção se efectuem exclusivamente nos serviços da administração tributária através da análise formal e de coerência dos documentos;
b) Externo, quando os actos de inspecção se efectuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso.”
Ora, o que resulta do artigo 13.º do RCPIT, acima transcrito, é que para que o procedimento se possa qualificar como interno o mesmo tem não só que decorrer nas instalações da AT, mas também ter por base apenas elementos existentes nos serviços da AT (procedendo-se a uma análise formal e de coerência dos documentos - caso típico das declarações).
Neste sentido, refere Martins Alfaro6, em anotação ao artigo 13.º do RCPIT, que sempre “que o procedimento de inspeção envolver a verificação da contabilidade, livros de escrituração ou outros documentos relacionados com a atividade da entidade a inspecionar, o procedimento de inspeção será externo, realizando-se, em regra, nas instalações ou dependências onde estejam ou devam legalmente estar localizados aqueles elementos”, acrescentando que “Quanto ao tipo de elementos a que se recorre, com implicações normalmente no local da realização da inspeção, as ações podem ser classificadas em internas, quando se exercem apenas com base nos elementos existentes nos serviços (especialmente, as declarações de rendimentos, os pedidos de reembolso, etc.) ou externas, quando envolvem a verificação de elementos existentes fora dos serviços fiscais, especialmente a contabilidade e documentos justificativos” (realçado nosso).
Igualmente, nos termos do Relatório da Comissão Para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, de 19967: “as acções podem ser classificadas em internas quando se exercem apenas com base nos elementos existentes nos serviços (especialmente as declarações de rendimentos, os pedidos de reembolsos, etc.)” “ou externas, quando envolvem a verificação de elementos existentes fora dos serviços fiscais, especialmente a contabilidade e documentos justificativos” (realçado nosso).
Desta forma, no caso sub judice, apesar de o procedimento ter decorrido nas instalações da AT, uma vez que a AT não se limitou a utilizar elementos existentes nos serviços, tendo utilizado elementos e informações recolhidos junto de outros sujeitos passivos e de entidades públicas, o procedimento de inspeção deve qualificar-se como externo.
Em qualquer caso, entende o Requerente que ainda que o procedimento de inspeção se devesse qualificar como externo - como é o caso -, a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação nunca seria aplicável, dado ter sido ultrapassado o prazo de 6 meses a que se refere o n.º 1 do artigo 46.º da LGT (o qual faz cessar o efeito de suspensão). E isto porque entende o Requerente que para efeitos daquele prazo de 6 meses do procedimento de inspeção a que se refere o n.º 1 do artigo 46.º da LGT, se deve tomar como data de início a data da notificação da carta avisto.
Vejamos:
Estabelece o n.º 1 do artigo 46.º da LGT que “ o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação” (sublinhado nosso).
Ora, contrariamente ao defendido pela Requerente, não se vê como possa relevar neste domínio a notificação da carta aviso.
De facto, decorre da letra da lei que o prazo de caducidade suspende-se com a notificação da ordem de serviço ou despacho - que, nos termos do n.º 2 do artigo 51.º do RCPIT, determina o início do procedimento externo de inspeção -, cessando esse efeito suspensivo, contando-se o prazo de caducidade desde o início (como se não tivesse ocorrido suspensão), caso a inspeção ultrapasse seis meses contados a partir da (daquela) notificação (i.e. da ordem de serviço ou despacho ou seja do momento em que se determina o início do procedimento externo de inspeção).
A este respeito refere o Supremo Tribunal Administrativo, no seu Acórdão de 30 de novembro de 2010, proferido no proc. n.º 0669/10 que “a eficácia suspensiva da inspecção externa no decurso do prazo de quatro anos para liquidar os tributos mantém-se para além da prática dos actos externos da inspecção, apenas cessando como o fim do procedimento inspectivo concretizado na notificação do relatório final ao contribuinte, no pressuposto que tal tenha ocorrido dentro do prazo máximo de seis meses após a notificação ao contribuinte da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspeccção externa”8 (realçado nosso).
Termos em que, tendo a Ordem de Serviço relativa ao ano de 2007 sido assinada pelo Requerente a 21 de outubro de 2011 (cf. ponto 11 da factualidade assente) e a inspeção terminado a 26 de março de 2012 (data da notificação do Relatório de Inspeção - cf. ponto 15 da factualidade assente), não será de entender ter sido ultrapassado o prazo de 6 meses previsto no artigo 46.º, n.º 1 da LGT, motivo pelo qual se mantém a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, sendo, assim de concluir não ter caducado o direito à liquidação no que respeita às liquidações de IVA de 2007 contestadas nos presentes autos.
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Decisão
Termos em que decide o presente Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o pedido do Requerente, considerando ser de manter a totalidade das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios relativas aos anos de 2007, 2008 e 2009.
Valor do Processo: €52.562,19 (cinquenta e dois mil quinhentos e sessenta e dois euros e dezanove cêntimos).
Custas: a cargo do Requerente, fixando-se o respetivo montante em € 2.142, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.
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Notifique.
Porto, 15 de fevereiro de 2013
O árbitro,
Miguel Durham Agrellos
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 138.º do Código do Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.