Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelo Conselho Deontológico do CAAD), Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma e Dra. Sofia Ricardo Borges, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 29-11-2022, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., contribuinte n.º..., com sede na ..., ...-... Lisboa, (doravante designada como “Requerente”), veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista:
– a anulação das liquidações adicionais de IVA e correspondentes liquidações de juros compensatórios n.º 2020 ... relativa ao período de 201701, n.º 2020 ... relativa ao período de 201702, n.º 2020 ... relativa ao período de 201703, n.º 2020 ... relativa ao período de 201704, n.º 2020 ... relativa ao período de 201705, n.º 2020 ... relativa ao período de 201706, n.º 2020 ... relativa ao período de 201707, n.º 2020 ... relativa ao período de 201708, n.º 2020 ... relativa ao período de 201709, n.º 2020... relativa ao período de 201710, n.º 2020 ... relativa ao período de 201711, n.º 2020 ... relativa ao período de 201712, no valor global de € 697.510,08;
– a anulação das autoliquidações de IVA efetuadas nas declarações periódicas de IVA relativas aos períodos compreendidos entre novembro de 2018 e junho de 2020, e respetivas liquidações de juros compensatórios e de mora, no valor global de € 596.162,97;
– o reembolso à Requerente da quantia indevidamente liquidada e paga, no valor de € 583.413,71, bem como o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 23-06-2022.
Os signatários comunicaram a aceitação do exercício das funções nos prazos aplicáveis.
As Partes foram notificadas da designação dos árbitros que actualmente constituem o Tribunal.
Não tendo havido oposição das Partes, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 29-11-2022.
Em 30-11-2022, a Requerente apresentou um requerimento com junção de documentos relativos a um procedimento de inspecção tributária relativo ao período de 2018 em que conclui que, na sequência da posição aí adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, «só se discute, no presente caso, a aplicação da isenção de IVA quanto aos serviços prestados pela Requerente no período de 2017».
Em 29-12-2022, a Requerente veio apresentar requerimento de ampliação do pedido à anulação das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios n.º 2022..., relativa ao período de 201801, no valor global de € 26.493,98, n.º 2022..., relativa ao período de 201802, no valor global de € 7.534,67, n.º 2022 ..., relativa ao período de 201805, no valor global de € 85.447,55, n.º 2022 ..., relativa ao período de 201806, no valor global de € 77.476,54, n.º 2022 ..., relativa ao período de 201807, no valor global de € 24.938,76, n.º 2022..., relativa ao período de 201808, no valor global de € 39.655,13 e n.º 2022..., relativa ao período de 201809, no valor global de € 151.205,30.
Em 16-1-2023, a AT apresentou Resposta em relação ao pedido inicial, em que comunicou a revogação das liquidações de imposto e de juros moratórios e compensatórios referentes aos períodos 201812 a 202006, no valor global de € 591.043,41, suscitando a questão da inutilidade superveniente da lide quanto a elas, e defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, quanto ao restante.
A ampliação do pedido foi admitida por despacho de 19-01-2023, com possibilidade de a Autoridade Tributária e Aduaneira se pronunciar sobre os fundamentos do pedido de ampliação no prazo de 30 dias.
Em 23-02-2023, a Autoridade Tributária e Aduaneira pronunciou-se sobre o pedido de ampliação.
Em 17-02-2023 e 28-02-2023 realizaram-se reuniões em que foi produzida prova testemunhal e por declarações de parte e decidido que o processo prosseguisse com alegações simultâneas.
As Partes apresentaram alegações.
Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.
As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não há nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para apreciação desta questão:
-
A Requerente é uma associação científica sem fins lucrativos, fundada pelo B... (“B...”) e por um conjunto de empresas nacionais a 2 de Novembro de 1988 (Estatutos do C... que constam do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
A Requerente tem como objecto a investigação fundamental e o ensino pós-graduado universitário, exercendo ainda actividades conexas com a investigação e o ensino que contribuem para o cumprimento das missões do B... (artigo 2.º dos Estatutos do C... que constam do documento n.º 3);
-
Entre as atribuições do C... inclui-se “o apoio ou lançamento de projetos de desenvolvimento de gestão, podendo ou não assumir estes a forma de programas doutorais, pós-graduações e outros em ligação com as instâncias universitárias” (artigo 2.º dos Estatutos do C... que constam do documento n.º 3);
-
A Requerente está acreditada pela agência de acreditação internacional AMBA - Association of MBA's (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
A Requerente é uma entidade com estatuto de utilidade pública reconhecido há 30 anos, por Despacho do Primeiro-Ministro, de 23-05-1992, publicado no Diário da República, II Série, n.º 133, de 09-06-1992, página 5300 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
A Requerente tem como membro fundador o B...– entidade fundadora ao abrigo da prerrogativa conferida, desde logo, pelos artigos 4.º e 5.º dos seus Estatutos publicados no Diário da República, II Série, de 11-09-2018, em anexo ao Despacho Normativo n.º 20/2019 (cuja cópia consta do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
O B... é uma instituição de ensino superior pública acreditada pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior e Relatório Preliminar e Decisão do Conselho de Administração da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior que consta do documento n.º 7, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
-
Enquanto instituição de ensino superior pública, o B..., no uso da faculdade contida no artigo 129.º do RJIES, requereu ao Governo a sua transformação em fundação pública com regime de direito privado – com fundamento nas vantagens da adopção deste modelo de gestão e de enquadramento jurídico para o prosseguimento dos seus objectivos –, o que se veio a concretizar por via do Decreto-Lei n.º 95/2009, de 27 de Abril;
-
A transformação do B... em fundação pública com regime de direito privado deu-se “no quadro da sua consolidação com instituições que integram a esfera do B... e onde se incluem, designadamente, a Fundação D..., o C... (Instituto para o Desenvolvimento da Gestão Empresarial do B...), a E... (E...), o F... (F...), o G... (G...) e o H... (H...)”;
-
As contas da Requerente são parte integrante da situação financeira consolidada e dos resultados consolidados do Grupo M..., ao abrigo do normativo contabilístico para as Administrações Públicas, SNC-AP, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 192/2015, de 11 de Setembro (Relatório Integrado de Atividades e Gestão do B... 2021, que consta do documento n.º 8, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
O B... criou a Requerente e, após a integração desta no seu grupo de consolidação, celebrou com a Requerente, em 15-03-2013, um Protocolo de Delegação de Competências (“Protocolo”), nos termos do qual delegou nesta um conjunto de atribuições e competências (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Aquela delegação de competências “incide sobre as atividades de ensino e investigação decorrentes da missão, estatutos e planos do B...”, sendo, neste sentido, delegadas na Requerente “as competências de gestão administrativa, operacional e logística dos cursos e projetos pedagógicos e científicos, conferentes e não conferentes de grau” e, no caso dos cursos não conferentes de grau, que atribuam ou não atribuam ECTS [considerando e) e cláusulas 2.ª e 4ª do Protocolo];
-
A Requerente desenvolve toda a sua actividade em estreita cooperação com o B..., em instalações que são propriedade do B..., contratando professores que integram corpo docente do B... para leccionarem os cursos e programas que disponibiliza e a Direcção da Requerente integra membros do corpo docente do B... (documento n.º 8);
-
O Secretário-Geral da Educação e Ciência, em carta dirigida à Requerente, datada de 27-02-2020, referiu, além do mais o seguinte:
Com referência ao assunto em epígrafe, tendo-se procedido à análise da documentação enviada à Autoridade Tributária (Anexo 1), bem como ao ofício da DGERT (Anexo 2), na sequência do pedido de esclarecimentos sobre a não aplicação às instituições de ensino superior, e no caso concreto ao B..., da certificação atribuída às entidades formadoras, cumpre informar e esclarecer o seguinte:
O B... é uma instituição de ensino superior (IES) pública, que se rege pelo disposto na Lei n.º 62/2007, de 10 de setembro (regime jurídico das instituições de ensino superior - RJIES), pelos respetivos estatutos e demais legislação que lhe seja aplicável, e que, em particular, reveste a forma de fundação pública com regime de direito privado, com a publicação do Decreto-Lei n.º 95/2009, de 27 de abril, que instituiu a Fundação D... e aprovou os respetivos estatutos.
Com efeito, o referido regime jurídico salvaguarda, no artigo 129.º e seguintes, a transformação das IES públicas em fundações públicas com regime de direito privado, mantendo a autonomia estatutária, científica, pedagógica, financeira e disciplinar nos mesmos termos das restantes instituições de ensino superior.
Por seu turno, os Estatutos do B..., estabelecimento de ensino superior, foram homologados por despacho normativo do Ministro da tutela e responsável pelo Ensino Superior, sucedendo o atual Despacho Normativo n.º 20/2019, publicado na 2.a série do Diário da República, n.º 174, de 11 de setembro, aos anteriores Estatutos e alterações, homologados, respetivamente, pelos Despachos Normativos n.ºs 18/2009, de 8 de maio e 11/2011, de 30 de junho.
O C..., como outras pessoas coletivas de direito privado criadas ou participadas pelo B..., foi criado ao abrigo dos Estatutos do B..., cuja alínea a) do artigo 5.º prevê a possibilidade de "o B... poder, nos termos da lei, livremente, por si ou por intermédio das suas unidades orgânicas: "a) Criar, isoladamente ou em conjunto com outras entidades, públicas ou privadas, no pais ou no estrangeiro, incluindo através do consórcio, fazer parte de, ou incorporar no seu âmbito, entidades subsidiárias de direito privado, como fundações, associações e sociedades;".
A norma estatutária em causa decorre da norma legal habilitante, consagrada no artigo 15.º do RJIES, que, sob a epígrafe "Entidades de direito privado", dispõe: "1 - As instituições de ensino superior públicas, por si ou por intermédio das suas unidades orgânicas, podem, nos termos dos seus estatutos, designadamente através de receitas próprias, criar livremente, por si ou em conjunto com outras entidades, públicas ou privadas, fazer parte de, ou incorporar no seu âmbito, entidades subsidiárias de direito privado, como fundações, associações e sociedades, destinadas a coadjuve-las no estrito desempenho dos seus fins. 2 - No âmbito do número anterior podem, designadamente, ser criadas: a) Sociedades de desenvolvimento de ensino superior que associem recursos próprios das instituições de ensino superior, ou unidades orgânicas destas, e recursos privados; b) Consórcios entre instituições de ensino superior, ou unidades orgânicas destas, e instituições de investigação e desenvolvimento. 3-As instituições de ensino superior públicas, bem como as suas unidades orgânicas autónomas, podem delegar nas entidades referidas nos números anteriores a execução de certas tarefas, incluindo a realização de cursos não conferentes de grau académicos, mediante protocolo que defina claramente os termos da delegação, sem prejuízo da sua responsabilidade e superintendência científica e pedagógica.".
Contrariamente ao regime comum dos Institutos públicos, em que vigora um princípio geral de proibição, salvo o disposto na norma excecional consagrada no artigo 13.º da respetiva Lei-Quadro, o RJIES estabelece no citado artigo 15.º, no que respeita à criação ou aquisição de participações em entes de direito privado, um regime mais flexível, garantindo maior autonomia às IES, ao prever a possibilidade de estas instituições criarem, livremente, por si ou em conjunto com outras entidades, públicas ou privadas, fazerem parte de ou incorporarem no seu âmbito, entidades subsidiárias de direito privado, como fundações, associações e sociedades, destinadas a coadjuvá-las no estrito desempenho dos seus fins.
Se atentarmos no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 95/2009, de 27 de abril, a transformação do B... em fundação realizou-se no quadro da sua consolidação com instituições que integravam a esfera do B... e onde se incluíam, designadamente, a Fundação D..., o C... (C...), entre outras entidades participadas aí referidas.
Este modelo de criação ou de participação em entidades privadas na esfera de atuação de uma instituição de ensino superior pública, através do instituto da delegação de poderes, sob controlo de gestão e no âmbito da missão e atribuições daquela, é muito comum no sistema de ensino superior público, encontrando-se disseminado na generalidade das instituições de ensino superior, sendo tal possibilidade patente nos respetivos Estatutos.
No caso do B.../C... estão claramente demonstradas, designadamente, nos Estatutos da Associação C... PROJETOS e no Protocolo de Delegação de Competências celebrado entre o B..., o C... e o I..., o controlo da gestão do C..., por parte da entidade delegante, B..., refletido na indigitação do Presidente e dos membros da maioria dos seus órgãos sociais; a apresentação do relatório e contas anuais consolidadas do B..., abarcando o C... e restantes entidades criadas e participadas no Grupo M..., sujeitas ao parecer do fiscal único do B...; a subordinação da criação do C... na esfera do B... ao serviço do desenvolvimento da sua missão e da prossecução das suas principais atribuições na concessão de graus e diplomas, quer no que se refere à realização de cursos conferentes de grau académico, como mestrados que não assumam caráter de continuidade com o 1.º ciclo de estudos, quer no que se refere à realização de cursos não conferentes de grau, como sejam, entre outros, cursos de formação pós-graduada e cursos de formação avançada e profissional, com todas as operações inerentes à sua promoção, divulgação e realização, incluindo a cobrança de valores devidos pelos cursos aos estudantes ou formandos, conforme os casos, como se se tratasse da faturação do próprio B..., entidade delegante, porquanto sujeita aos mesmos deveres e isenções fiscais.
Ora, tratando-se de uma delegação de competências, o Protocolo em apreço rege-se pelo disposto nos artigos 44.º a 50.º do Código cio Procedimento Administrativo (CPA), revisto e aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, incluindo o poder de avocar do delegante, previsto no n.º 2 do artigo 49.º do CPA - cfr. cláusula 9.ª do referido documento - pelo que todos os atos praticados pelas entidades delegadas, isto é, pelo C..., no âmbito do referido Protocolo, incluindo os atos de cobrança de valores pela inscrição e frequência dos cursos abrangidos, valem como se tivessem sido praticados pela entidade delegante (cfr. n.º 5 do artigo 44.º do CPA).
Este encadeamento da missão do ensino superior prosseguida pela generalidade das IES, da missão e atribuições do B..., em particular, e da missão e atribuições do C..., entidade participada e no exercício de poderes delegados, à luz do Protocolo de Delegação de Competências firmado encontra-se devidamente sustentado, sendo que, do seu desenvolvimento, decorre a concretização da atividade essencial do B..., no domínio do ensino superior e da formação avançada s profissional, submetida a padrões de elevada qualidade assegurada sob a responsabilidade do B...-facto ademais comprovado pelo ofício da DGERT - parecendo-nos inabalável a exposição e a fundamentação apresentadas.
(documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimentos das testemunhas J... e K... e declarações de parte de L...);
-
Em 25-09-2020, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior manifestou concordância com a proposta de «Certificação do C... – C... (NIF...) como instituição com fins análogos aos do B..., instituição de ensino superior pública» efectuada na Informação n.º G/211/2020/DSAJ, de 25-09-2020, que consta do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se formulam as seguintes conclusões:
III - Conclusões
O encadeamento da missão de serviço de ensino superior prosseguida pela generalidade das IES, da missão e atribuições do B..., em particular, e da missão e atribuições do C..., entidade participada, no exercício de poderes delegados, à luz do Protocolo de Delegação de Competências firmado encontra-se devidamente sustentado, sendo que, do seu desenvolvimento, decorre a concretização da atividade essencial do B..., no domínio do ensino superior, da formação avançada e da formação profissional, submetidas a padrões de elevada qualidade assegurada sob a responsabilidade do B..., sob o seu domínio e controlo da gestão - facto ademais comprovado pela documentação infra enunciada - parecendo-nos inequívoca a conclusão de que o C... vem desempenhando fins análogos aos do B..., instituição de ensino superior.
-
Naquela Informação refere-se ainda:
Se atentarmos no preâmbulo do Decreto-Lei nº 95/2009, de 27 de abril, a transformação do B... em fundação realiza-se no quadro da sua consolidação com instituições que integram a esfera do B... e onde se incluem, designadamente, a Fundação D..., o C... (C...), entre outras entidades participadas aí referidas, todas integrando o Grupo M... com as quais, aliás, consolida as suas contas, conforme é aduzido na Exposição dirigida à AT.
Este modelo de criação ou de participação em entidades privadas na esfera de atuação de uma instituição de ensino superior pública, através do instituto da delegação de poderes, sob controlo de gestão e no âmbito da missão e atribuições daquela, conforme é bem patente, designadamente nos respetivos estatutos, quer no relatório e contas, quer em ainda, especificamente, no referido Protocolo de Delegação de Competências, e muito comum no sistema de ensino superior público, encontrando-se disseminado na generalidade das instituições de ensino superior, sendo tal possibilidade patente nos respetivos Estatutos.
No caso do B.../C... estão claramente demonstrados, designadamente, nos Estatutos do C... e no Protocolo de Delegação de Competências celebrado entre o B..., o C... e o I...:
- o controlo da gestão do C..., por parte da entidade delegante, B..., refletido na indigitação do Presidente da Direção e dos membros da maioria dos seus órgãos sociais;
- a apresentação do relatório e contas anuais consolidadas do B..., abarcando o C... e restantes entidades criadas e participadas na Grupo M..., sujeitas ao parecer do fiscal único do B...;
- a subordinação da criação do C... na esfera do B... ao serviço do desenvolvimento da sua missão, da prestação do serviço público inerente à mesma e da prossecução das suas principais atribuições na concessão de graus e diplomas, quer no que se refere à realização de cursos conferentes de grau académico, como mestrados que não assumam carater de continuidade com o 1.º ciclo de estudos (cfr. enunciado na cláusula 2.ª do Protocolo), quer no que se refere à realização de cursos não conferentes de grau (cfr. enunciado na cláusula 3.ª), como sejam, entre outros, cursos de formação pós-graduada e cursos de formação avançada e profissional, com todas as operações inerentes à sua promoção, divulgação e realização, incluindo a cobrança de valores devidos pelos cursos aos estudantes ou formandos, conforme os casos, como se tratasse da faturação do próprio B..., entidade delegante, porquanto prossegue fins análogos aos do B..., instituição de ensino superior.
Ora, tratando-se de uma delegação de competências, o Protocolo em apreço rege-se pelo disposto nos artigos 44.º a 50.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), revisto e aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, incluindo o poder de avocar do delegante, previsto no n.º 2 do artigo 49.º do CPA - cfr. cláusula 9.ª do referido documento - pelo que todos os atos praticados pelas entidades delegadas, isto é, pelo C..., no âmbito do referido Protocolo, incluindo os atos de cobrança de valores pela inscrição e frequência dos cursos abrangidos, valem como se tivessem sido praticados pela entidade delegante (cfr. nº 5 do artigo 44.º do CPA).
Atento esse complexo de relações de interdependência na realização da missão e parte das atribuições do B..., por via do estabelecimento de um protocolo de delegação de competências com o C... ao abrigo do artigo 15.º, nº 3, do RJIES, justifica-se
inteiramente a resposta da DGERT ao pedido de esclarecimentos do B... sobre a desnecessidade de certificação do C..., face ao disposto na parte final do nº 1 do artigo 4.º da Portaria nº 851/2010, de 6 de setembro, na redação que lhe foi dada pela Portaria nº 208/2013, de 26 de junho, que regula o sistema de certificação de entidades formadoras revisto no n.º 2 do artigo 16.º do Decreto-Lei nº 396/2007, de 31 de dezembro, considerando que esta instituição — o C...— faz parte integrante da política da qualidade dos serviços., para todos os efeitos e condições, sem ter que requerer qualquer certificação à DGERT.
-
A Requerente oferece aos seus alunos os programas indicados no documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimentos das testemunhas N..., J... e K... e declarações de parte de L... nos autos);
-
Os programas desenvolvidos e ministrados pela Requerente são, essencialmente, programas estruturados de modo a dotar os participantes dos conhecimentos e competências indispensáveis à boa estruturação de uma carreira executiva, bem como dos conhecimentos e competências fundamentais à sua evolução (documentos n.ºs 12 e 13 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e depoimentos das testemunhas N..., J... e K... e declarações de parte de L...);
-
O público-alvo da oferta educativa e formativa disponibilizada pela Requerente é variado podendo, consoante o programa em causa, ir desde jovens estudantes que acabaram de terminar a licenciatura e pretendem enriquecer o seu currículo académico (profissionais potenciais) a profissionais com experiência consolidada e que pretendam adquirir, actualizar ou aprofundar conhecimentos e competências numa determinada área (documentos n.ºs 12 e 13 e depoimentos das testemunhas N..., J... e K... e declarações de parte de L...);
-
A oferta disponibilizada pela Requerente abrange, quer programas de pequena dimensão e curta extensão temporal (o caso dos Cursos intensivos) – em geral, estruturados para dotar os profissionais de conhecimentos e competências de aplicação mais imediata – quer programas de grande/média dimensão e maior extensão temporal – desenvolvidos para estudantes e profissionais que pretendam desenvolver as suas competências de uma forma menos concentrada e mais aprofundada (documentos n.ºs 12 e 13 e depoimentos das testemunhas N..., J... e K... e declarações de parte de L...);
-
É a Requerente que elabora o «Dossier do Director de Programa», o «Dossier de Docente» e o «Regulamento do Participante» que constam dos documentos n.ºs 14, 15 e 16 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e depoimentos das testemunhas N..., J... e K...;
-
É a Requerente que faz, além do mais, a delineação dos conteúdos e dos métodos pedagógicos dos programas, a promoção e divulgação dos programas, a constituição, selecção, enquadramento e acompanhamento do corpo docente dos programas, a selecção dos candidatos e a avaliação dos programas (documento n.º 14 e depoimento das testemunhas N..., J... e K... e declarações de parte de L...);
-
A contratualização dos cursos com os participantes é da responsabilidade da Requerente que, para o efeito, celebra com aqueles contratos de prestação de serviços (documentos n.ºs 16 e 19 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e depoimentos das testemunhas N..., J... e K...);
-
A oferta formativa da Requerente compreende programas com ECTS e programas sem ECTS (documentos n.ºs 12 e 13 e RIT);
-
À obtenção de ECTS - no caso, reconhecidos pelo B..., para efeitos de Mestrado - está, designadamente, associada a possibilidade de candidatura a determinados cursos de instituições de ensino superior nos vários países signatários do Acordo de Bolonha e, como tal, a mobilidade dos estudantes e o prosseguimento para cursos conferentes de grau, com dispensa de realização de unidades curriculares com ECTS equivalentes no programa de destino (como decorre do próprio sistema ECTS e consta dos documentos n.ºs 12 e 13);
-
As pós-graduações sem ECTS cobrem também as matérias típicas da oferta de ensino das instituições de ensino superior ministradas de forma mais condensada;
-
Quer no âmbito dos programas com ECTS, quer no âmbito dos programas sem ECTS, a actividade que a Requerente desenvolve e os serviços que presta correspondem a actividades e serviços próprios do ensino e da formação profissional;
-
Na qualidade de responsável pela realização e organização dos cursos, a Requerente factura os cursos/programas, emitindo as facturas com a menção “Motivo Isenção: Isento artigo 9.º do CIVA” (depoimentos das testemunhas N..., J... e K... e declarações de parte de L...);
-
Os preços praticados pela Requerente sempre foram considerados e apresentados como valores finais, sobre os quais não incidem quaisquer impostos (declarações de parte de L...) ;
-
No que respeita à actividade que entendia com o sendo enquadrável no conceito de “formação profissional”, a Requerente solicitou regularmente, desde 1999, aquele reconhecimento público à Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (“DGERT”) (depoimentos das testemunhas N..., J... e K... e declarações de parte de L...);
-
Em 02-10-2015, a Requerente foi notificada pela DGERT nos termos que constam do documento n.º 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
Assunto: Notificação para apresentação de pedido de certificação
Com a publicação da Portaria n.º 851/2010, de 6 de Setembro, respeitante à Certificação das Entidades Formadoras, e dando cumprimento ao estabelecido no n.º 3 do artigo 21.º, vimos por este meio notificar a vossa entidade a apresentar o seu pedido de certificação através da plataforma existente para o efeito em http:/lcertifica.d_gert.msess.pt.
A vossa entidade terá 60 dias úteis, após a data de receção deste ofício, para efetuar a submissão do pedido. Requerida a certificação no prazo estabelecido a acreditação manter-se-á até à decisão do pedido (n.º 4 do art.º 21º). No caso de a vossa entidade não requerer a certificação no prazo estabelecido a respetiva acreditação caducará no termo deste (nº 5 do artº 21.º).
-
A Requerente, que então tinha uma Direcção diferente da actual, não pediu a certificação, no prazo referido (depoimentos das testemunhas N... e J... e declarações de parte de L...);
-
A anterior Direcção cessou funções em 08-11-2018, data em que tomou posse uma Direcção interina, tendo a esta sucedido a actual Direcção, que tomou posse no dia 04-02-2019 (Termo de Posse, que consta do documento n.º 23 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e depoimentos das testemunhas N..., J... e K... e declarações de parte de L...);
-
Na sequência da omissão, em 15-02-2019, a actual Direcção da Requerente apresentou à DGERT pedido de certificação, que foi deferido por despacho de 26-06-2019, sendo emitida certificação a partir de 24-06-2019 (documentos n.ºs 22 e 24 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e depoimentos das testemunhas J... e K... e declarações de parte de L...);
-
Em 14-01-2020, a Requerente requereu à DGERT a certificação com efeitos retroactivos a 15-01-2016, fundamentando o pedido no facto de a Direcção empossada em 08-11-2018 apenas ter tomado conhecimento da ausência de certificação um mês após esta data (documento n.º 22 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Em 17-01-2020, a Requerente apresentou à DGERT um pedido de esclarecimento a respeito do âmbito de intervenção desta Direcção-Geral “no que respeita às modalidades de formação pós-graduada de entidades participantes”, a que esta entidade respondeu nos termos que constam, do documento n.º 25 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, daí constando que fica reservada às instituições de ensino superior a utilização dos termos “pós-graduação”, e concluindo que «não tem intervenção no âmbito questionado»;
-
O requerimento apresentado em 14-01-2019 foi apreciado pela DGERT em despacho de 06-03-2020, proferido pela Directora-Geral, em que se refere o seguinte:
«Concedo a certificação à entidade formadora, com efeitos a partir de 8 de novembro de 2018, com base nos fundamentos apresentados na presente informação e ao abrigo da alínea c) do nº 2 do artigo 2º do Decreto Regulamentar n.º 40/2012, de 12 de abril. O presente despacho substitui integralmente e para todos os efeitos o anterior despacho que concedeu certificação de entidade formadora ao C...— C...datado de 24-06-2019» (documento n.º 22);
-
Na Informação a que se reporta o despacho, refere-se, além do mais, o seguinte:
Questão prévia:
Da data solicitada para produção de efeitos da retroatividade do ato administrativo em causa
Com a publicação da Portaria nº 851/2010, de 6 de setembro, respeitante a Certificação das entidades formadoras, dando cumprimentos ao estabelecido no nº 3 do artigo 21.º do respetivo diploma, foi o C... notificado para, no prazo de 60 dias úteis, requerer a certificação nos termos do nº 4 do mesmo artigo. Mais foi notificado que, caso não a requeressem no prazo indicado, a acreditação caducaria no termo do mesmo, tal como determinado no nº 5 do artigo em apreço.
A notificação foi entregue e devidamente rececionada, conforme AR assinado e junto ao respetivo processo, mas, ao que tudo indica, e não obstante a notificação e o prazo concedido, o C... não requereu a certificação.
Ou seja, esta omissão ou inércia, independentemente da ”voluntas" subjacente, é da inteira responsabilidade da anterior Direção, cuja consequência, independentemente da boa-fé existente, terá de ser assacada pela Direção atual.
Assim, e salvo melhor opinião, a retroatividade, caso estejam reunidas todas as condições legais exigidas, só poderá produzir efeitos desde a data da tomada de posse da nova direção, a relembrar, 8 de novembro de 2018, e nunca em data anterior.
b) Apreciação de facto
Não obstante o supra exposto, importa por fim analisar se à data requerida para fazer produzir a eficácia do ato administrativo em causa já existiam pressupostos justificativos dessa retroatividade, ou seja, se o C... já satisfazia àquela data todos os requisitos legais de qualidade exigidos nos termos previstos nos artigos 5.º e 7.º da Portaria nº 851/2010, de 6 de setembro (entretanto alterada pela Portaria nº 208/2013, de 26 de junho), respeitantes aos requisitos prévios e do referencial de qualidade da certificação de entidades formadoras e de acordo com o disposto no nº 1 da artigo. 6.º da mencionada Portaria.
O C..., em aditamento ao seu requerimento de reapreciação do seu processo com o objetivo de lhe ser atribuída eficácia retroativa à sua certificação de entidade formadora, veio juntar ao processo várias provas documentais que visam comprovar que, entre 16-1-2016 e 25-06-2019 já reuniam os mesmos pressupostos que foram avaliados positivamente pela DGERT aquando da instrução e decisão do processo em 2020 (juntos em anexo e que fazem parte integrante da presente informação, como docs.)
Da avaliação da documentação acima referida nada parece obstar a considerar que durante o período decorrido entre 16-1-2016 e 25-06-2019, o C... já apresentava as seguintes evidências:
1. Existência de uma estrutura e organização interna adequadas, nomeadamente: um
gestor/coordenador, administrativos e uma bolsa de formadores com perfis adequados às funções.
2. Existência de processos adequados ao desenvolvimento da formação, nomeadamente: práticas de planificação evidenciadas pela apresentação de planos estratégicos e o desenvolvimento de atividade formativa nas áreas de educação e formação reconhecidas.
3. Análise de resultados e melhoria contínua, nomeadamente através de práticas de avaliação e monitorização de resultados evidenciadas pela apresentação de relatórios de atividade.
Pelo exposto nos pontos supra, salvo melhor opinião, parece ser de considerar que a entidade formadora em análise, no período entre 16-01-2016 e 25-06-2019 satisfazia todos os requisitos legais de qualidade exigidos nos termos previstos nos artigos 5.º e 7.º da Portaria nº 851/2010, de 6 de setembro, alterada pela Portaria nº 208/2013, de 26 de junho, respeitantes aos requisitos prévios e do referencial de qualidade da certificação de entidades formadoras e de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 6.º da mencionada Portaria.
IV. Proposta de procedimento
De acordo com os fundamentos de facto e de direito explanados nos pontos II e III, salvo melhor opinião, é de concluir que estão reunidos todos os requisitos legais cumulativos exigidos no artig0 156.º do Código de Procedimento Administrativo, para que possa ser atribuída eficácia retroativa ao ato administrativo da DGERT que atribuiu a certificação de entidade formadora ao C..., designadamente:
-
O ato é favorável ao interessado;
-
O ato não lesa direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros;
-
A data a que se pretende fazer remontar a eficácia do ato, já existiam os pressupostos da retroatividade.
Contudo, tendo em conta o explanado sob o título "Questão prévia" no ponto II a) ”Apreciação jurídica", os efeitos retroativos a conferir ao ato administrativo em causa não se podem referir à data requerida pelo C... (16.01.2016), mas tão só à data de tomada de posse da nova direção do C..., a saber 8-11-2018 (que por ser posterior necessariamente está abrangida pela prova feita pela requerente para efeitos do nº 1 do artigo 156.º do Código de Procedimento Administrativo).
-
A Requerente reiterou junto da DGERT o pedido de produção de efeitos retroactivos da certificação a 16-01-2016, atendendo a que, como reconhecido pela DGERT naquele Ofício de 06-03-2020, entre 2016 e 2019 a Requerente satisfazia os requisitos legais que permitiriam tal certificação, mas a DGERT manteve o mesmo entendimento (declarações de parte de L...);
-
A linha formativa da Requerente quanto à actividade de formação profissional não teve qualquer alteração quanto à substância dos cursos, no período entre 16-01-2016 e 08-11-2018 (depoimentos das testemunha N... e J... e declarações de parte de L...);
-
Foi realizada uma inspecção à Requerente relativa ao período de 2017, em que lhe veio a ser notificado o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 26 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
-
A Requerente exerceu o direito de audição sobre o Projecto de Relatório da Inspecção Tributária nos termos que constam do documento n.º 27 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
-
Em Maio de 2020, após a apresentação do direito de audição e antes da notificação do Relatório Final de Inspecção, a Requerente foi notificada de 28 liquidações oficiosas pela falta de entrega de declarações periódicas referentes aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2016, Janeiro a Dezembro de 2017, Janeiro, Fevereiro e Março de 2018 e Novembro de 2019 (Liquidações oficiosas, que constam do documento nºº 28 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Com a notificação das liquidações oficiosas, a Requerente teve conhecimento de que a AT havia procedido à alteração oficiosa do seu enquadramento em sede de IVA – de sujeito passivo isento para tributado –, desde 2016 até 2020, pois não foi efectuada audição prévia nem notificação da alteração;
-
Posteriormente, em 21-07-2020, a Requerente foi notificada do Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n.º 29 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido , em que se refere, além do mais, o seguinte:
II.3.1.1 - Caracterização do sujeito passivo
II.3.1.2 - Atividade Exercida
De acordo com a base de dados da AT, o sujeito passivo encontra-se inscrito para o desenvolvimento de atividade empresarial desde 1986-01-01, estando, atualmente, enquadrado pela atividade principal de Formação Profissional, à qual se encontra atribuído o código de CAE6 85591 e pela atividade secundária de Investigação e Desenvolvimento das Ciências Sociais e Humanas, com o CAE 72200.
O C... é uma associação científica, sem fins lucrativos e de natureza privada, constituída em 1988-11-02 e publicado no Diário da República III Série de 1988-12-14, com o objeto de interligação no domínio da gestão entre o ensino e a investigação e as atividades do setor económico, administrativo e social, através do lançamento de ações que contribuam para o desenvolvimento da sociedade portuguesa, em geral, e, em particular, das empresas. Tem como sócios, atualmente, várias organizações públicas e privadas, com os seguintes valores de joias realizadas e correspondente percentagem no conjunto dos fundos patrimoniais:
(...)
O C... viu reconhecida o estatuto de utilidade pública através de despacho do Primeiro Ministro datado de 1992-05-23 e publicado no Diário da República II Série, de 1992-06-09.
Registou a sua constituição, junto da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa - 1 ª Secção, em 1993-02-18 com a natureza jurídica de Pessoa Coletiva de Utilidade Pública, e tem como fim "A investigação fundamental e ensino pós-graduado universitário."
Durante os períodos inspecionados as operações económicas do sujeito passivo consubstanciaram-se, maioritariamente, em prestações de serviços na área do ensino superior, cursos pós-graduados conferentes e não conferentes de créditos ECTS7 e na prestação de serviços de formação profissional.
(...)
II.3.1.5- IVA
Em sede de IVA, o C... estava registado como praticando operações que não conferem o direito à dedução, isentas ao abrigo do artigo 9º do CIVA. Conforme afirmado pelo sujeito passivo, os serviços relacionados com ações de ensino conferentes de créditos ECTS foram considerados isentos ao abrigo do nº 9, do citado artigo, e as ações de formação profissional ao abrigo do nº 10º, do mesmo artigo.
Conforme melhor se demonstrará no capítulo III, do presente relatório, os serviços prestados pelo sujeito passivo, e sobre os quais não houve liquidação de IVA não reúnem as condições objetivas para estarem abrangidas pelo regime de isenção previsto no artigo 9º do CIVA.
Assim o sujeito passivo encontrava-se erroneamente enquadrado em sede de IVA, sendo os serviços prestados sujeitos e não isentos.
II.3.1.6 - Elaboração Boletim de Alterações Oficioso
O sujeito passivo encontrava-se, em sede de IVA, no regime de isenção do artigo 9º por considerar que praticava operações isentas por via dos nºs 9 e 10 de tal norma.
Tendo sido apurado em sede do presente procedimento inspetivo que não reunia os requisitos legais de reconhecimento ou certificação para que beneficiasse da referida isenção, foi promovido o reenquadramento oficioso no regime normal de periodicidade mensal através da elaboração de Boletim de Alteração Oficioso.
O enquadramento no regime normal de periodicidade mensal tem por base o volume de negócios declarado e os limites previstos na alínea a) do nº 1 do artigo 41 º do CIVA.
(...)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
III.1 - FALTA DE LIQUIDAÇÃO IVA
III.1.1 - Notificação para justificar isenção de IVA
Tendo-se verificado que o C... procedia à emissão de faturação sem liquidação de IVA, notificou-se o sujeito passivo para justificar os motivos para a não liquidação de IVA e apresentar documentação que o suportasse.
Em resposta à notificação, o sujeito passivo não apresentou qualquer documentação emitida por entidades competentes para o reconhecimento de isenção e veio, em súmula, invocar através da petição que constitui o Anexo 2:
a) Fazer parte integrante do grupo "M...";
b) Que o seu objeto consubstancia a investigação fundamental e o ensino pós-graduado universitário, bem como o exercício de atividades conexas com a investigação e o ensino que contribuam para o cumprimento das missões do B...;
c) Após a transformação do B... em fundação pública com regime de direito privado passou a integrar o seu grupo de consolidação;
d) A consolidação, nos termos da Portaria 794/2000, de 20 de setembro, opera, também, ao nível da prestação de contas;
e) As suas contas são parte integrante da situação financeira consolidada e dos resultados consolidados do grupo "M...";
f) As atividades relacionadas com o ensino pós-graduado conferente de grau académico são realizadas ao abrigo de protocolo de delegação de competências, celebrado com o B..., e atribuem ao estudante o reconhecimento do grau académico junto de todos os países signatários do "Tratado de Bolonha";
g) Como a formação própria de ensino superior apenas é passível de ser ministrada por instituições de ensino superior, nos termos do nº 6 do artigo 4º do Regime Jurídico dos Graus e Diplomas do Ensino Superior, e ministrando-a ao abrigo de protocolo de delegação de competências celebrado com instituição de ensino superior pública, B..., entende estarem preenchidos os requisitos para a aplicação do nº 9 do artigo 9º do CIVA;
h) Relativamente à formação ministrada que não confere a atribuição de grau académico, embora reconheça que, no período de 2017, não era detentor de certificação emitida pela DGERT, invoca "(...) que tem vindo a adotar os procedimentos e práticas em conformidade com um referencial de qualidade específico para a formação, passível de reconhecimento e qualificação por parte da Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) (...)"
III.1.2 - Notificação para apuramento IVA dedutível
Perante a não apresentação de documentos que suportassem a reunião dos pressupostos legais para benefício de isenção em sede de IVA, procedeu-se à notificação do sujeito passivo para proceder ao apuramento do imposto, na perspetiva dos valores dedutíveis nos termos dos artigos 19º a 21º do CIVA, referente às operações passivas praticadas no exercício de 2017.
Constou, ainda da notificação, a advertência ao sujeito passivo de que a não apresentação dos referidos valores poderia ser motivo para a sua não consideração em eventuais liquidações de imposto a efetuar no presente procedimento inspetivo.
Em resposta, no documento remetido, que constitui o Anexo 3 ao presente relatório e que se dá aqui como reproduzido, o sujeito passivo reafirma o seu entendimento de estar isento de IVA, alicerçando no protocolo estabelecido com o B... os motivos para tal isenção.
Através de documento com 83 pontos, o sujeito passivo identifica as razões que considera assistirem-lhe finalizando com a identificação das faturas emitidas no âmbito da formação profissional, não conferente de ECTS, e das faturas das aquisições que considera diretamente relacionadas com aquela atividade.
Em anexo remete os estatutos do C..., Relatório de Gestão Consolidado do B..., Protocolo de delegação de competências do B... ao C... (Anexo 4 ao presente relatório) e Certificado DGERT.
Além dos argumentos já invocados na resposta à notificação mencionada no ponto anterior, o sujeito passivo veio reforçar o seu argumentário, nos termos que seguidamente se resumem:
i) Que lhe foi delegado, pelo B..., competências de gestão administrativa, operacional e logística dos cursos e projetos pedagógicos e científicos;
j) Que a maioria da atividade prosseguida por si resulta das competências que lhe foram atribuídas pelo B..., e que a sua atividade passa apenas pela operacionalização dos mesmos, envolvendo a gestão operacional e logística de diversas fases dos cursos;
k) Que os serviços de ensino e formação profissional que não conferem ECTS e que não são enquadráveis como formação própria do ensino superior que organiza, leciona e gere, embora sempre atuando sob a alçada do B... e fazendo uso de recursos do B...;
l) Relativamente a estes cursos são inclusivamente lecionados por docentes do B... e que o C... remunera, por vezes, por via do próprio B...;
m) Nem o Código do IVA, nem a própria Diretiva IVA, apontam no sentido de que a certificação seja a única formalidade idónea para reconhecer uma entidade como tendo competências no domínio da formação profissional."
n) A própria lei, no artigo 16º nº 2 do Decreto-Lei n.º 396/2007, refere que esse reconhecimento das entidades formadoras deve ser efetuado por "entidade pública acreditada no âmbito do Sistema Português da Qualidade"."
o) Que a AT na informação vinculativa proferida no âmbito do processo nº 14054, de 11.10.2018, um operador económico que explorava um franchise de uma entidade franchisadora certificada questionou a AT sobre se a entidade franchisada necessitava ela mesma de requerer certificação, tendo a AT concluído que
"Quando, no exercício da formação profissional, os sujeitos passivos que prestam os serviços de formação o fazem no âmbito de um contrato de franchising com uma entidade certificada pela DGERT, beneficiam, dentro dos limites acordados, do estatuto de certificação da entidade franchisadora relativamente às respetivas áreas certificadas."
p) A relação entre o C... e o C... partilha inegáveis semelhanças com a decorrente de um contrato de franchise, possuindo muitos dos traços distintivos de uma relação desta natureza, designadamente por existir uma dependência do C... face ao B...;
q) Existe um aproveitamento e utilização do C... dos recursos do B... e até da própria designação e marca;
r) Que os fundamentos que suportaram a decisão da AT no processo nº 14054 devem regular a relação entre o B... e o C...;
s) Que aproveitando o sentido do conteúdo do Oficio-Circulado 55466, de 22-06-1987, da DSIVA, desenvolvendo o C... a sua atividade em estreita cooperação com o B..., sendo este uma fundação pública e um estabelecimento integrado no Sistema Nacional de Educação e financiado pelo Estado, conclui-se que, conforme o C..., estando, no âmbito da sua atividade e em virtude das competências que lhe são delegadas pelo B..., que está sujeito a intervenção e controlo das autoridades nacionais, concluindo que por via da sua relação com o B... está implicitamente certificado.
t) Que estando reconhecido na qualidade de pessoa coletiva não deve o Estado exigir-lhe o cumprimento de mais uma formalidade correspondente a uma certificação adicional;
u) Que obteve certificação da DGERT pela primeira vez em 1999, estando sempre certificada até 2015;
v) Por lapso não requereu a renovação da certificação em 2015;
w) Que os moldes que desenvolveu a atividade não sofreram qualquer alteração material, pelo que não é legítimo afirmar que deixou, no período de 2015 a 2019, de ter reconhecidas as competências no domínio da formação;
x) Mesmo que não lhe fosse aplicável a isenção prevista no nº 9 do artigo 9º os serviços de formação profissional estariam isentos por força da aplicação do nº 14º do mesmo artigo, invocando como fundamentação a posição da AT no despacho exarado no processo 13297 de 03-05-2018;
y) Conclui, considerando que de acordo com as finalidades do sistema comum do IVA, todos os cursos ministrados pelo C... em colaboração com o B... devem ser considerados isentos de IVA
III.1.3 - Análise
III.1.3.1 - Prestações de Ensino conferentes de ECTS
Face ao invocado pelo sujeito passivo importa enquadrar as suas atividades e respetiva sujeição a IVA Conforme descrito no ponto II.3.1.1, o sujeito passivo encontra-se registado para o exercício da atividade principal de Formação Profissional, com o CAE 85591 e para a atividade secundária de Investigação e Desenvolvimento das Ciências Sociais e Humanas, com o CAE 72200, não se encontrando registado para o exercido de atividades no âmbito do ensino.
Relativamente à atividade de ensino conferentes de graus ECTS, isenção prevista no nº 9 do artigo 9º do CIVA, a norma estabelece que são isentas de imposto "As prestações de serviços que tenham por objeto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento e alimentação, efetuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes;".
Estamos perante uma isenção aplicável às prestações de serviço que tenham por objeto o ensino e as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, desde que sejam efetuadas por estabelecimentos integrados no SNE ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes, cujo princípio decorre do disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 132º da Diretiva do IVA (2006/112/CE).
Ou seja, o legislador entendeu que para beneficiar da isenção prevista nesta norma seria necessário a reunião cumulativa dos seguintes requisitos:
a) As prestações de serviços tenham por objeto o ensino e as transmissões de bens e outras prestações de serviços sejam conexas com o ensino, e,
b) Sejam efetuadas por estabelecimentos integrados no SNE ou por estabelecimentos reconhecidos como tendo fins análogos aos integrados no SNE.
Relativamente aos estabelecimentos integrados no SNE, não oferece dúvidas o enquadramento na isenção referida, na medida em que os mesmos fazem parte da rede de estabelecimentos públicos de educação e ensino (rede de estabelecimentos escolares) a que se refere o artigo 40º da Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela lei n46/86, de 14/10, alterada pelas Leis n.ºs 115/97, de 19/09; 49/2005, de 30/08, e, 85/2009, de 27/08.
Contudo, no que respeita aos estabelecimentos reconhecidos como tendo fins análogos aos integrados no SNE, a referida isenção do nº 9 do artigo 9º do CIVA só opera a partir do momento em que obtiveram o referido reconhecimento nos termos de legislação específica, e depende da autoridade competente para o reconhecimento das entidades como tendo fins análogos aos estabelecimentos integrados no SNE - sob tutela do Ministério da Educação e Ciência.
O C... invoca "quanto ao requisito da necessidade de prossecução pelo C... de fins análogos" que "os cursos que conferem ECTS são lecionados, em substância, pelo B... (estabelecimento integrado no Sistema Nacional de Educação), que apenas delega no C... (.. .), os aspetos relacionados com a operacionalização dos cursos.".
Concluindo que "(.. .) na medida em que os cursos são lecionados pelo B... com o apoio do C..., dúvidas não restam de que estas prestações de serviços, para além de terem por objeto o ensino, são materialmente efetuadas por um estabelecimento integrado no Sistema Nacional de Educação, com o apoio de um estabelecimento por
aquele criado (...).
A Lei nº 62/2007, de 10/09, que estabelece o RJIES regula, entre outras matérias, a constituição dos estabelecimentos de ensino superior, mais propriamente no seu artigo 1 º.
O RJIES, quanto à forma e procedimento de criação de instituições do ensino superior, determina que as entidades instituidoras de estabelecimentos de ensino superior privados requerem ao ministro da tutela o reconhecimento de interesse público do respetivo estabelecimento, o qual vai determinar a sua integração no sistema de ensino
superior, incluindo o poder de atribuição de graus académicos dotados de valor oficial, nºs 1 e 2 do artigo 33º. O funcionamento de um estabelecimento de ensino superior privado só pode ter lugar após o reconhecimento de interesse público e registo dos estatutos, e a manutenção dos pressupostos do reconhecimento de interesse público deve ser verificada pelo menos uma vez em cada 10 anos (nºs 4 e 5 do artigo 33º).
Encontrando-se, o sujeito passivo, reconhecido enquanto pessoa de utilidade pública não consta, porém, como integrando a Rede Atual de Estabelecimentos do Ensino Superior, pelo que não se afigura como tendo fins análogos aos estabelecimentos integrados no SNE.
A jurisprudência constante emanada do TJUE de que as isenções do artigo 13º da Sexta Diretiva, artigos 132º a 137º da Diretiva IVA, e transpostas para o artigo 9º do CIVA, constituem derrogações ao princípio geral de que o IVA é cobrado sobre todas as entregas de bens e todas as prestações de serviços, efetuadas a título oneroso por um sujeito passivo, considera que devem as mesmas ser objeto de um interpretação restrita.
Para beneficiar da isenção prevista na 2º parte do nº 9 do artigo 9º do CIVA, é necessário que as entidades aí referidas se encontrem expressamente reconhecidas por órgão competente do Ministério da tutela, não sendo admissível para efeitos de isenção nenhuma forma de reconhecimento que não seja o reconhecimento oficial pela entidade competente.
Até porque, o que se verifica das operações realizadas é que o C... efetua todos os serviços inerentes à realização dos cursos cabendo ao B... a emissão dos certificados recebendo em contrapartida um valor correspondente a 10% da propina paga pelo discente.
Assim, para a aplicação da isenção prevista no n 9º do artigo 9º do CIVA, o ato de delegação de competências da prestação de serviços de ensino e operações conexas no C... não cumpre os requisitos definidos na norma, uma vez que a entidade delegada carece, sempre, de reconhecimento expresso como entidade com fins análogos aos estabelecimentos integrados no SNE.
Até possuir o reconhecimento expresso, o C... não pode beneficiar da isenção, ficando abrangido pelo regime geral do IVA, sendo obrigado a liquidar imposto nas operações que efetuar nesse âmbito.
III.1.3.2 - Prestações Serviços de Formação Profissional
Relativamente à atividade de formação profissional, o nº 10 do artigo 9º do CIVA, isenta de imposto "As prestações de serviços que tenham por objeto a formação profissional, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento, alimentação e material didático, efetuadas por organismos de direito público ou por entidades reconhecidas como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes". Esta isenção está consagrada na Diretiva 112/2006/CE do Conselho (Diretiva IVA), na alínea i) do n.º 1 do respetivo artigo 132º.
Esta norma isenta:
a) A formação profissional efetuada por organismos de direito público ou por entidades reconhecidas como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelo ministério competente, e,
b) As prestações de serviços conexas com a formação, ou seja, as operações que, em termos comuns revistam um carater de complementaridade em relação à atividade de formação propriamente dita, como sejam o fornecimento de alojamento, alimentação e material didático, por aquelas entidades, aos seus formandos.
Para beneficiar da isenção prevista no n.º 10 do artigo 9º do CIVA, seria necessário que o C... se encontrasse reconhecido (certificado) como tendo competência nos domínios da formação pela DGERT, serviço competente do ministério responsável pela área da formação profissional, e nas áreas de formação expressamente certificadas.
Consultando a listagem das entidades certificadas divulgada pela DGERT, confirma-se que o C... somente se encontra certificado como entidade formadora desde 24/06/2019, nas áreas de educação e formação constantes da certificação.
O sujeito passivo argumenta que a certificação da DGERT é somente uma forma de obter este reconhecimento.
Não competindo à AT a capacitação do sujeito passivo enquanto entidade formadora mas compete, sim, aferir da regular aplicação das normas fiscais.
Entendeu o legislador, pelo Decreto Regulamentar n.º 40/2012 de 12 de abril que a certificação nas áreas do emprego e da formação profissional seria atribuição da DGERT.
A certificação das entidades formadoras encontra-se regulada pela Portaria 851/2010 de 6 de setembro, que no seu prólogo, parágrafo 2º in fine, dispõe que "A certificação das entidades formadoras (....) confere, ainda, tratamento fiscal especial ao preço da formação no imposto de valor acrescentado...".
Ou seja, da articulação das duas normas atrás identificadas é claro que a atribuição de certificação a entidade formadora na área da formação profissional é competência da DGERT e que somente esta certificação objetiva a isenção de IVA às prestações de serviço de formação profissional.
O sujeito passivo chamou, ainda, à colação o Ofício-Circulado nº 55466, de 22-06-1987 emitido pela DSIVA e o processo nº 13297, instruído sobre pedido de informação vinculativa, sobre o qual foi, em 03-05-2018, exarado despacho pela Sr.ª Diretora de Serviços do IVA, para fundamentar o seu entendimento que, desenvolvendo o C... a sua atividade em estreita cooperação com o B... e sendo, este, sujeito a intervenção e controlo das autoridades nacionais, é por estas reconhecido como tendo competência no domínio da formação.
No entanto não assiste razão ao sujeito passivo, o teor destas instruções ou decisões vai em sentido contrário ao defendido pelo sujeito passivo.
Veja-se o Ofício-Circulado nº 55466 que no seu ponto 2. dispõe que"(... ) A isenção a que se refere o n.º 11 do art. º 9º do CIVA, é uma isenção de natureza objetiva, cujo princípio informador resulta do disposto na alínea i) do nº1, letra A do art.º 13º da 6ª Diretiva do Conselho de 17 de maio de 1977 (77/388/CEE), abrangendo as operações de formação profissional, quer efetuadas por organismos de direito público com competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais, quer por outras entidades, ainda que privadas, desde que reconhecidas pelos ministérios competentes como tendo fins análogos."(...).
Resulta claro que também nesta instrução administrativa a posição da autoridade tributária de que o reconhecimento por ministério competente seria mandatório para o benefício da isenção prevista no então nº 11 do artigo 9º do CIVA atual nº 10.
Quanto ao teor do processo 13297, também aqui a posição da AT é contrária ao sentido que o sujeito passivo lhe pretende inferir.
O ponto 16. dispõe que "(.. .) Não se tratando, a Requerente, de um organismo de direito público e desconhecendo-se se se encontra formalmente reconhecida a sua competência no domínio da formação e reabilitação profissional (embora seja confirmável, em todo o caso, que não consta da lista disponibilizada online no site da DGERT - Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, em http://certifica.dgert.gov.pt/home.aspx), dir-se-á que, desde que esta se encontre reconhecida nos termos referidos no número anterior, beneficiará da isenção prevista
na alínea 10) do artigo 9.º do CIVA, caso contrário, terá de se considerar as referidas operações como sujeitas a imposto e dele não isentas (...).
Ou seja, também nesta decisão é entendido que a detenção de certificação emitida pela DGERT é condição essencial para aplicação da isenção prevista no nº 10 do artigo 9º do CIVA.
O sujeito passivo a final vem, ainda, considerar que os serviços de formação profissional estariam isentos por aplicação do nº 14 do artigo 9º supletivamente ao nº 10, recorrendo ao referido processo 13297 para suportar o invocado.
Também aqui não colhem no nosso entendimento os argumentos do sujeito passivo.
Não obstante o processo nº 13297 basear-se num pedido de informação vinculativa apresentado nos termos do artigo 68º da LGT e a sua emissão estar condicionada pelo enquadramento subjetivo do requerente e pelas questões colocadas, do mesmo é claro que a sua decisão separa a isenção prevista no nº 10 da prevista no nº 14.
Conforme acima se descreve, é taxativo no teor da decisão que o benefício da isenção previsto no nº 1 requer a certificação pela DGERT não abrindo espaço para o aproveitamento de outras normas de isenção.
Sendo as normas previstas no artigo 9º, normas de isenção objetivas encontram-se diretamente relacionadas com o teor dos serviços prestados, ou seja, havendo o nº 1 a isentar os serviços de formação profissional não poderão os sujeitos passivo, face à não reunião dos requisitos legais leia-se certificação, vir aproveitar, supletivamente, outra norma.
Visto que o sujeito passivo invocou o referido processo nº 13297, importa dizer que a menção ao nº 14 do artigo 9º tem como premissa a questão colocada pelo requerente sobre serviços referentes à organização de congressos, conferências e publicação de uma revista trimestralmente (que é distribuída gratuitamente), eventos para os quais tem patrocínios como contrapartida de publicidade que não são consentâneas com os serviços que o C... pratica e que nos vêm ocupando.
Assim, não se encontrando o C... certificado na área da formação profissional pela DGERT, as prestações de serviços referentes a formação profissional efetuadas no período de 2017 encontram-se sujeitas e não isentas de IVA à taxa prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 18º do C IVA.
(...)
IX.1.1 - DIREITO DE AUDIÇÃO - PRESTAÇÕES DE SERVIÇO DE ENSINO CONFERENTES DE ECTS
O sujeito passivo vem refutar a proposta de liquidação de IVA nas prestações de serviço de ensino conferentes de ECTS.
Como fundamento para os seus argumentos, repete os já invocados e que foram objeto de análise no capítulo III e trazendo, de novo, informação prestada pela Secretaria Geral da Educação e Ciência, datada de 27-02-2020.
Encontrando-se já refutados os argumentos apresentados e não vindo, em sede de direito de audição, acrescentar novos argumentos somente carece de apreciação os argumentos sustentados na informação prestada pela Secretaria Geral da Educação e Ciência e que se encontram expostos nos pontos 52 a 57 da petição.
Importa referir que a apreciação da informação emitida se encontra limitada por dois factos que não permitem o seu completo conhecimento e enquadramento.
Em primeiro lugar, e conforme se extrai da leitura do primeiro parágrafo, a informação tem por base solicitação do C... sobre a não aplicação às instituições do ensino superior da certificação atribuída às entidades formadoras, ou seja, as asserções constantes da informação têm como propósito a eventual qualificação do C... enquanto entidade certificada para ministrar ações de formação profissional e não como entidade integrante do Sistema Nacional de Educação ou reconhecido como tendo fins análogos pelos ministérios competente.
Por último, no ponto 53 da petição é referido que o C... adereçou à Secretaria -Geral da Educação e da Ciência um requerimento, remetendo toda a documentação já remetida à AT, solicitando o reconhecimento expresso das suas competências e dos fins prosseguidos.
No entanto a informação emitida identifica como base para a sua emissão o requerimento apresentado e dois anexos, sendo que um é a documentação remetida à AT e o outro um ofício da DGERT.
Pelo que, concluindo a informação com a expressão, que se transcreve, "parecendo-nos inabalável a exposição e a fundamentação apresentadas.", encontramo-nos limitados na apreciação das suas conclusões por desconhecer a totalidade dos pressupostos que a motivaram e suportaram.
No entanto em respeito aos princípios do contraditório e da decisão que incorporam o procedimento tributário passaremos à apreciação dos fundamentos constantes da referida informação.
O documento aborda a constituição do sujeito passivo, a sua dependência com o B... enquanto entidade delegante, a prossecução da atividade do sujeito passivo enquanto entidade delegada, concluindo que "No caso do B...-C... estão claramente demonstradas, designadamente, nos Estatutos da Associação O... e no Protocolo de Delegação de Competências celebrado entre o B..., o C... e o I..., refletido na indigitação do Presidente e dos membros da maioria dos seus órgãos sociais; a apresentação do relatório e contas anuais consolidadas do B..., sujeitas ao parecer do fiscal único do B...; a subordinação da criação do C... na esfera do B... ao serviço do desenvolvimento da sua missão e prossecução das suas principais atribuições na concessão de graus e diplomas, quer no que se refere à realização de cursos conferentes de grau académico, como mestrados que não assumam caráter de continuidade com o 1º ciclo de estudos(...)
(...) Este encadeamento da missão do ensino superior prosseguida pela generalidade das IES, da missão e atribuições do B..., em particular, e da missão e atribuições do C..., entidade participada e no exercício de poderes delegados, à luz do Protocolo de Delegação de Competências firmado encontra-se devidamente sustentado, sendo que, do seu desenvolvimento, decorre a concretização da atividade essencial do B..., no domínio do ensino superior e da formação avançada e profissional, submetida a padrões de elevada qualidade assegurada sob a responsabilidade do B... -facto ademais comprovado pelo ofício da DGERT -
parecendo-nos inabalável a exposição e a fundamentação apresentadas."
Em resumo é concluído pela Secretaria Geral da Educação e da Ciência que o C... quando desenvolve a sua atividade no âmbito do protocolo celebrado com o B..., prossegue a sua ação como entidade delegada, delimitada nos fins definidos no protocolo de delegação de competências constituindo-se uma extensão do B... .
No entanto os serviços que nos vem ocupando foram prestados pelo C... com completa independência, o C... organizou e lecionou, recorrendo aos serviços do B..., somente, para a emissão dos certificados académicos e disponibilização de docentes, mas remunerando o B... por estes serviços.
Não estamos aqui perante o C... a prestar serviços enquanto entidade delegada, mas sim a executar serviços que são da sua autoria e que somente envolvem o B... como fornecedor de serviços que, no limite, poderiam ser executados por qualquer outra entidade integrada no Sistema Nacional de Educação e que o não são, provavelmente, face às relações societárias que ligam ambas as entidades.
O próprio protocolo celebrado entre o C... e o B..., e no qual assentaram as conclusões da Secretaria Geral da Educação e da Ciência, suporta este entendimento, senão vejamos.
Na Parte I que protocola os cursos conferentes de grau, e que nos ocupam na presente apreciação, a Cláusula 2ª dispõe sobre a Delegação de Competências, não se encontrando protocolado em qualquer dos pontos que o C... procederá à cobrança de valores devidos pelos projetos a realizar em território nacional e que se encontram incluídos nas correções propostas.
Situação diferente encontra-se protocolado, no ponto 1º f), relativamente aos cursos lecionados no estrangeiro, que prevê que caberá ao C..."a cobrança dos valores devidos pelos projetos científicos e pedagógicos realizados no estrangeiro".
Mais, encontra-se protocolado, na cláusula 3ª que tem como epígrafe Responsabilidades Financeiras", que, "Pela gestão operacional, logística e administrativa dos cursos conferentes de grau a entidade delegante, B..., pagará à entidade delegada, C..., a título de prestação de serviços, um montante a acordar por tipo e edição de curso (...)", ou seja o contrário do apurado em procedimento inspetivo.
As evidências recolhidas demonstram que foi o C... que remunerou o B..., seja pelo fornecimento de docentes seja pela emissão dos certificados académicos, conforme espelhado, respetivamente, nas faturas nº 3000002654 de 31-12-2017 e nº 3000002188 de 01-03-2017 emitidas pelo B... ao C..., e que constituem o Anexo 11.
Ou seja, os fluxos financeiros fluíram em sentido contrário ao definido no protocolo, não foi o C... a ser ressarcido enquanto entidade delegada, mas sim a remunerar o B... pelos serviços que este prestou e que caiem fora do escopo do protocolo.
Em resumo, não estamos perante serviços efetuados ao abrigo do Protocolo celebrado entre o C... e o B..., e que norteou a informação elaborada pela Secretaria Geral da Educação e Ciência mas serviços prestados por iniciativa do C..., cuja atividade não se esgota nas competências delegadas pelo B... conforme salvaguardado no referido protocolo mais propriamente no nº 6 da cláusula 3º que se transcreve "Constituem receitas da entidade delegada, C..., quaisquer outros proveitos produto da cobrança a terceiros resultantes do seu objeto social."
O nº 9 do artigo 9º do CIVA isenta a prestações de serviço que tenham por objeto o ensino efetuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes.
Até possuírem o reconhecimento expresso as entidades não podem beneficiar da isenção, ficando abrangidas pelo regime geral do IVA, sendo obrigadas a liquidar imposto nas operações que efetuarem nesse âmbito, mas com direito a deduzir o imposto suportado nas aquisições de bens e serviços relacionados com essa atividade, desde que se encontrem reunidos os pressupostos para o exercício do direito à dedução, nos termos dos artigos 19º e seguintes do CIVA.
Não se encontrando o C... reconhecido nos termos acima definidos e face ao exposto, propõe-se a manutenção das correções propostas relativas às prestações de serviços de ensino conferentes de créditos ECTS.
IX.1.1 - DIREITO DE AUDIÇÃO - PRESTAÇÕES DE SERVIÇO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Relativamente às prestações de serviço de formação profissional, o sujeito passivo vem apresentar despacho exarado pela Sr.ª. Diretora Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, datado de 06-03-2020, no qual é lhe retroagido a 08-11-2018 a certificação enquanto entidade formadora.
Além da apresentação do supra despacho, o sujeito passivo volta a invocar os mesmos argumentos já analisados no capítulo III designadamente a aplicação supletiva do nº 14 do artigo 9º do CIVA aos serviços cujo objeto é a formação profissional.
A não aplicação da norma de isenção prevista no citado nº 14 já foi objeto de explanação no subcapítulo III.1.3.2 mantendo-se os argumentos lá apresentados.
O mesmo sentido de decisão encontra-se sancionado pela Ex.ª Sr.ª Diretora de Serviços do IVA através do despacho exarado, em 31-05-2017, no processo nº 11643 cuja fundamentação acompanha a exposta no presente relatório de inspeção de que os serviços cujo objeto seja a formação profissional encontram-se abrangidos pelos requisitos previstos no nº 10º do artigo 9º do CIVA não lhe sendo, em qualquer situação, aplicável a regra do nº 14.
Conforme demonstrado no subcapítulo III.1.3.2, é condição sine qua non para que os serviços de formação de profissional gozem da isenção prevista no nº 10 do artigo 9º do CIVA que a entidade que os presta detenha certificação na área de formação emitida pela DGERT.
Não obstante o argumentado em sentido difuso, assim também é entendido pelo sujeito passivo que para tal requereu que lhe fosse concedida a certificação com efeitos retroativos à data da sua cessação, 2015.
A DGERT, no uso das suas competências, apreciou o pedido tendo decidido retroagir os efeitos da certificação à data de 08-11-2018.
Sendo o presente procedimento inspetivo extensível ao período de 2017, a decisão de retroagir a data de certificação a 8-11-2018 não afeta as correções propostas pelo que mantém a proposta de liquidar IVA às prestações de serviço referentes a formação profissional.
(...)
-
Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as seguintes liquidações adicionais de IVA e correspondentes liquidações de juros compensatórios, no valor global de € 697.510,08:
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201701;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201702;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201703;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201704;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201705;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201706;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201707;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201708
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201709;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201710;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201711;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201712 (documento n.º 31 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Em 30-07-2020 a Requerente apresentou voluntariamente as declarações periódicas de IVA relativas aos períodos de Novembro de 2018 a Junho de 2020, dado o seu novo enquadramento enquanto sujeito passivo de IVA efectuado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo esta emitido as correspondentes liquidações de juros compensatórios e moratórios (autoliquidações de IVA e liquidações de juros compensatórios e de mora que constam do documento n.º 31 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
O prazo para proceder ao pagamento voluntário da quantia liquidada referente ao período de 2017 terminou em 10-09-2020;
-
Não tendo a Requerente procedido ao pagamento até ao termo do prazo para pagamento voluntário, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2020... (Citação que consta do documento n.º 32 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Em 16-09-2020, a Requerente apresentou um pedido de suspensão do processo de execução fiscal com dispensa de prestação de garantia (documento n.º 33 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Em 28-09-2020, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra as liquidações adicionais referentes ao período de tributação de 2017 (“Reclamação graciosa 2017”), que veio a ter o n.º ...2020... (documento n.º 34 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Em 29-09-2020, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra as autoliquidações referentes aos períodos de Novembro de 2018 a Junho de 2020 (“Reclamação graciosa 2018-2020”), que veio a ter o n.º ...2020... (documento n.º 35 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Em 27-01-2022, a Requerente foi notificada do projecto de decisão no qual a AT propunha o indeferimento total da Reclamação Graciosa 2017, nos termos que constam do documento n.º 36 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
1. Analisada a petição de reclamação, documentação constante do processo e os elementos "constantes da base de dados do sistema informático da AT, cumpre informar o seguinte.
2. Vem a reclamante exibir novamente o documento emitido pela secretaria Geral da Educação e Ciência, conforme ficheiro GPS “2020...”, para efeitos de suporte à consideração como isentos, os serviços de ensino conferentes de créditos ECTS:
Informação n.º G/211/2020/DSAJ, sob o assunto “Certificação do C... —C...como instituição com fins análogos aos do B..., instituição de ensino superior pública”, sancionada pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, em 2020-09-17, da qual consta que o C... faz parte integrante da política da qualidade dos serviços, para todos os efeito e condições, sem ter que requerer qualquer certificação à DGERT.
3. A nível de formação profissional (cfr. ficheiro GPS “2020...5”, pág. 537 e seg.), a certificação enquanto entidade formadora, retroage a 08-11-2018, conforme despacho exarado pela Sr.ª. Diretora Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, datado de 06-03-2020, concluindo-se, que no período compreendido entre 2016-01-16 e 2018-11-07, a reclamante desempenhou as suas funções, no âmbito da formação e requalificação profissionais, sem certificação da Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT).
4. Ora, em 2021-12-10, através de CI n.º ...2021...0, foi rececionada a informação nº 2165/2021, da DSIVA, sancionada pelo Subdiretor-Geral em 2021-12-09, conforme entrada GPS “...2020...”, que faz parte integrante desta informação e da qual salientamos, nomeadamente, o seguinte:
4.1. FORMAÇÃO PROFISSIONAL – Pontos (§) 32 a 48, relevando-se § 40, é 41, 5 47, e 5 48, de que se extrai o seguinte.
No caso sub judice, tendo por base os elementos que nos são dados a conhecer, deve ter-se em conta que, se a DGERT se assumiu como entidade competente, e não reconhecendo, a mesma, a qualificação do C... como entidade com certificação no âmbito da formação e requalificação profissionais no período que decorreu entre 16/01/2016 e 08/11/2018, à AT não resta outra alternativa senão considerar que as operações efetuadas pelo C... naquele período estão excluídas do âmbito de aplicação da isenção prevista na alínea 10) do artigo 9.º do CIVA.
4.2. ENSINO – Pontos (§) 49 a 73, com especial destaque para os seguintes, dos quais se extrai:
4.2.1. No que diz respeito às prestações de serviços que tenham por objeto o ensino, para beneficiar da isenção prevista na alínea 9) do artigo 9.º do CIVA, é necessário que estejam reunidos os seguintes requisitos cumulativos: (§ 49)
a) As prestações de serviços tenham por objeto o ensino;
b) Sejam efetuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação (SNE) ou por estabelecimentos reconhecidos como tendo fins análogos aos integrados no SNE.
4.2.3. O C... não consta da Rede atual de Estabelecimentos do Ensino Superior, porquanto não consta qualquer referência ao mesmo no sítio da Internet das Direções--Gerais de Ensino Superior ou de Estatísticas da Educação e Ciência. (§ 52)
4.2.4. Sendo o C... uma associação de direito privado de que faz parte o B..., a colaboração que o primeiro pode prestar ao segundo encontra-se regulada/delimitada pelo artigo 15.º da Lei nº 62/2007, incluindo, nomeadamente, a realização de cursos não conferentes de grau académico, mediante delegação da instituição de ensino superior, mantendo-se, no entanto, no âmbito da responsabilidade e superintendência científica e pedagógica desta. (§ 56)
4 2.5. Da análise aos estatutos do C... e, bem assim, do Protocolo de Delegação de Competências estabelecido entre este e o B..., resulta que os serviços prestados pelo C... se resumem à gestão operacional e logística daqueles cursos e não à ministração do ensino, condição essencial para benefício da isenção prevista na alínea 9) do artigo 9.º do CIVA. (§ 60)
4.2.6. O C... não presta serviços de ensino, limitando a sua atuação à realização de certas tarefas essencialmente operacionais a entidade, B..., essa sim, que ministra o ensino, lecionando, no caso, cursos que conferem ECTS. (§ 63 a § 65)
4.2.7. Tratando-se de uma associação, poderia, eventualmente, beneficiar da isenção consagrada na alínea 19) do artigo 9.º do CIVA, caso as respetivas operações fossem efetuadas no interesse coletivo dos seus associados prosseguindo um dos objetivos ali previstos e a contraprestação fosse uma quota fixada nos termos dos respetivos estatutos. Todavia, não se afigura ser o caso. (§ 73)
43 Em conclusão, na informação n.º 2165/2021, da DSIVA, é referido que:
- As operações efetuadas pelo C..., enquanto entidade reconhecida nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelo ministério competente, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 10) do artigo 9.º do CIVA. (§ 74)
- As prestações de serviços efetuadas pelo C... no âmbito de cursos de ensino superior, conferentes ou não de grau académico não beneficiam de enquadramento na isenção prevista na alínea 9) do artigo 9.º do CIVA, sendo sujeitas a imposto e dele não isentas. (§ 75)
5. Assim, atendendo ao apresentado, temos, por correta, a interpretação dos factos e da lei efetuada pela Inspeção Tributária e, consequentemente, o apuramento das liquidações ora reclamadas, não sendo de anular as liquidações oficiosas em causa e respetivos juros compensatórios, no montante global de € 697. 510,08.
6. Relativamente ao solicitado pela reclamante, a alteração do enquadramento em sede de IVA, enquanto sujeito passivo isento, ao abrigo do artigo 9.º do Código do IVA, com referência a 1 de janeiro de 2016, salienta-se:
6.1. A reclamante encontrava-se, em sede de IVA, no regime de isenção, contemplado no art.º 9.º do Código do IVA, por considerar que praticava operações isentas por via dos n.ºs 9 e 10 de tal norma;
6.2. Contudo, tendo sido apurado em sede do presente procedimento inspetivo, que não reunia os requisitos legais de reconhecimento ou certificação, para que beneficiasse da referida isenção, foi promovido o reenquadramento oficioso no regime normal de periodicidade mensal, através da elaboração de Boletim de Alteração Oficioso;
-
Em 08-02-2022, a Requerente apresentou pedido de constituição de hipoteca voluntária para suspensão do processo de execução fiscal, que foi aceite (documento n.º 37 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Em 15-02-2022, a Requerente exerceu o seu direito de audição sobre o projecto de indeferimento da Reclamação Graciosa 2017 (documento n.º 38 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Em 04-03-2022, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa 2017 (n.º ...2020...), proferida em 28-02-2022, em que se remete para fundamentação do respectivo projecto de decisão (documento n.º 39 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Em 09-05-2022, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa 2018-2020 (n.º ...2020...), nos termos que constam do documento n.º 40 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:
II – ANÁLISE E PARECER
1 – Como já referido, a reclamante pretende a anulação das mencionadas autoliquidações e que seja considerada como entidade isenta de IVA, ao abrigo do nº 9 (Ensino) e nº 10 (Formação Profissional) do art.º 9.º do CIVA e/ou n.º 14 do artº 9.º do mesmo diploma.
2 – Assim, no que respeita ao benefício da isenção do nº 9 do art.º 9.º do CIVA (Prestações de serviços que tenham por objeto o ensino), conforme referido em sede de projeto de decisão, é necessário que estejam reunidos os seguintes requisitos cumulativos:
a) As prestações de serviços tenham por objeto o ensino;
b) Sejam efetuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação (SNE) ou por estabelecimentos reconhecidos como tendo fins análogos aos integrados no SNE.
3 – A reclamante reafirma a convicção de que é uma Instituição com fins análogos, contudo, não acrescenta quaisquer provas adicionais, que consubstanciem tal condição.
4 – Reiteramos que conforme informação nº 2165/2021, da DSIVA, o C... não consta da Rede atual de Estabelecimentos do Ensino Superior.
5 - No que se refere ao benefício da isenção do n.º 10 do art.º 9.º do CIVA (Prestações de serviços que tenham por objeto a formação profissional), a certificação enquanto entidade formadora, retroage a 08-11-2018, conforme despacho exarado pela Sr.ª. Diretora Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, datado de 06-03-2020.
6 – Pelo que temos, forçosamente, que concluir que, de acordo com a informação nº 2165/2021, da DSIVA:
- As operações efetuadas pelo C..., enquanto entidade reconhecida nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelo ministério competente, podem beneficiar da isenção prevista na alínea 10) do artigo 9.º do CIVA por se encontrar certificada, como tendo competência nos domínios da formação pela DGERT, serviço competente do ministério responsável pela área da formação profissional, e nas áreas de formação expressamente para o período de novembro de 201º mo8 a junho de 2020.
7 - Quanto ao enquadramento ao abrigo do nº 14 do art.º 9.º CIVA, que determina que “As prestações de serviços e as transmissões de bens com elas conexas, efetuadas por pessoas coletivas de direito público e organismos sem finalidade lucrativa, relativas a congressos, colóquios, conferências, seminários, cursos e manifestações análogas de natureza científica, cultural, cativa ou técnica"; a reclamante não apresenta quaisquer comprovativos, que abonem no referido sentido.
8 – Posto isto, é fundamental para a correta apreciação do caso presente, atender a distinção imposta pelo CIVA no que respeita à consideração das isenções do artigo 9º, quer no âmbito do ensino, quer no âmbito da formação profissional, pois tal distinção, encontra-se plasmada na lei.
9 – Assim, sendo, temos que o C... presta serviços quer no âmbito do ensino, quer no âmbito da formação profissional.
10 – A reclamante vem, agora, no exercício de direito de participação na decisão alegar que todas as suas prestações de serviços se referem a formação profissional. Ora, não se pode deixar de estranhar tal facto, levando a questionar qual o motivo subjacente ao facto de a reclamante ter aguardado pelo exercício de audição prévia para vir apresentar tal argumentação, não tendo aduzido a mesma linha de argumentação na reclamação inicialmente apresentada, onde, pelo contrário, manifestou a pretensão de aplicação do art.º 9.º nº 9 para o ensino e o nº 10 para a formação profissional.
11 – Posto isto, mal se compreende agora a nova linha argumentativa encetada pela reclamante, sendo, também de salientar que, salvo melhor juízo, os elementos juntos aos autos não permitem, comprovar, de forma inequívoca, o alegado.
12 – O mesmo se pode dizer relativamente ao alegado quanto ao modo de cálculo de IVA, porquanto, não só não demonstra qual o cálculo efetuado para o apuramento do valor cuja anulação solicita (€ 111.932,10), como não exibe quaisquer elementos contabilísticos que permitam validar tal apuramento.
13 – Pelo exposto, afigura-se ser de manter tudo o que foi afirmado em sede de projeto de decisão, quanto ao alegado pela reclamante, sendo de manter as liquidações reclamadas, não sendo a argumentação aduzida de colher provimento.
-
Em 24-03-2022, a Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa 2017 (“Recurso Hierárquico 2017”) (documento n.º 41 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Em 20-05-2022, a ora Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa 2018-2020 (“Recurso Hierárquico 2018-2020”) (documento n.º 42 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Até 22-08-2022, data em que foi apresentado o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, a Requerente não foi notificada de qualquer decisão dos recursos hierárquicos referidos;
-
Em 13-01-2023, foi a Recorrente notificada, através do Ofício n.º..., da revogação parcial dos actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral, mais concretamente dos actos de autoliquidação relativos ao período de Dezembro de 2018 a Junho de 2020, no valor global de € 591.043,41 (documento junto com a Resposta pela Autoridade Tributária e Aduaneira, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Já após a apresentação do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente veio a ser notificada das seguintes liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, no valor global de € 412.751,93, emitidas na sequência da conclusão da acção inspectiva de âmbito parcial, em sede de IVA, realizada ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2022..., incidente sobre o período de 2018:
-
liquidação adicional de IVA e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., relativa ao período de 201801, no valor global de € 26.493,98;
-
liquidação adicional de IVA e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., relativa ao período de 201802, no valor global de € 7.534,67;
-
liquidação adicional de IVA e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., relativa ao período de 201803, no valor global de € 0,00;
-
liquidação adicional de IVA e correspondente liquidação de juros compensatórios .º 2022..., relativa ao período de 201804, no valor global de € 0,00;
-
liquidação adicional de IVA e correspondente liquidação de juros compensatórios .º 2022..., relativa ao período de 201805, no valor global de € 85.447,55;
-
liquidação adicional de IVA e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., relativa ao período de 201806, no valor global de € 77.476,54;
-
liquidação adicional de IVA e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., relativa ao período de 201807, no valor global de € 24.938,76;
-
liquidação adicional de IVA e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., relativa ao período de 201808, no valor global de € 39.655,13;
-
liquidação adicional de IVA e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., relativa ao período de 201809, no valor global de € 151.205,30; e
-
liquidação adicional de IVA e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2022..., relativa ao período de 201810, no valor global de € 0,00;
(documento n.º 1 junto com o requerimento de ampliação do pedido, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Foi requerida ampliação do pedido à apreciação da legalidade destas liquidações relativas a períodos de 2018, o que foi deferido.
-
Do RIT referente ao exercício de 2018 (que constitui documento n.º 2 junto em 30-11-2022) consta entre o mais o seguinte, tudo se dando por reproduzido:
“(...) IV.3 Atividade desenvolvida
Durante o ano de 2018 os serviços prestados pelo sujeito passivo encontram-se identificados no mapa que constitui o Anexo 2.
Correspondem a serviços na área da educação que se podem dividir, de acordo com o declarado pelo sujeito passivo, através do preenchimento do mapa que constitui Anexo 3, em 6 tipos: (...)
(...) Os programas acima identificados só permitem a continuidade dos estudos desde que reconhecidos pelo B..., podendo, inclusive, exigir a frequência de posteriores ações de ensino.
Conclui-se, assim, que os serviços prestados pelo sujeito passivo compreendem a prestação de formação complementar a licenciados, integrados no mercado de trabalho e que queiram adquirir ou atualizar os seus conhecimentos podendo ser aproveitada para a prossecução dos estudos mediante avaliação, tipificando serviços de formação profissional.
Os serviços de formação profissional aproveitam de isenção por via do disposto no n.º 10 do artigo 9.º do CIVA desde que a entidade prestadora se encontre reconhecida pela entidade competente, no caso a DGERT. (...).
(...) o sujeito passivo somente obteve a sua certificação enquanto entidade certificada nas áreas da educação e formação a partir de 08-11-2018, inclusive. Pelo que, no período compreendido entre 01-01-2018 e 07-11-2018, as operações ativas de formação profissional praticadas pelo sujeito passivo não reúnem os requisitos legais previstos no n.º 10 do artigo 9.º do CIVA para se considerarem isentas de imposto (...).”
Conclusão
Em face da apreciação do direito de audição exercido pelo C..., (...):
-
A manutenção da conclusão de que as operações efectuadas pelo C... naquele período estão excluídas do âmbito de aplicação da isenção prevista no n.º 10 do artigo 9.º do CIVA por falta de certificação como entidade com competências na área da formação; (...)”
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
2.2.1. Não se provou que a Requerente tenha efectuado o pagamento das quantias liquidadas e autoliquidadas.
Relativamente às liquidações relativas aos períodos do ano de 2017 a própria Requerente reconhece não ter efectuado o pagamento (artigo 56.º das alegações).
No que concerne às liquidações relativas aos períodos de Janeiro a Outubro de 2018 e à autoliquidação relativa ao mês de Novembro de 2018, não foi apresentado qualquer documento ou produzida qualquer outra prova relativamente a eventual pagamento.
2.2.2. Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e o que constam do processo administrativo, com base nos depoimentos das testemunhas e declarações de parte, nos pontos indicados, e com base em afirmações da Requerente não questionadas.
As testemunhas e o declarante aparentaram depor com isenção e com conhecimento directo dos factos que foram dados como provados com base nos seus depoimentos.
A testemunha N... é docente do C... desde 1991 e foi seu Presidente interino durante dois anos.
A testemunha J... foi reitor do B... e acompanhou o C... desde a sua fundação, tendo exercido neste funções docentes.
A testemunha K..., é professor do B... e do C... desde a sua formação e foi Presidente da Direção do C... de 2005 até 2012.
O declarante L... é Presidente do C... desde 4-2-2019, tendo ligação profissional a este desde 2000.
3. Matéria de direito
3.1. Objecto do processo
A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou inspecções à Requerente de que resultaram liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios relativas aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2017, no valor global de € 697.510,08, e de Janeiro a Outubro de 2018, no valor global de € 412.751,93.
A Requerente impugnou estas liquidações, as relativas a 2017 através do pedido de pronúncia arbitral inicial e as relativas a 2018 em pedido de ampliação.
Para além de impugnar estas liquidações, a Requerente impugnou também as autoliquidações relativas aos períodos de Novembro de 2018 a Junho de 2020, no valor global de € 596.162,97.
As autoliquidações relativas aos períodos de Dezembro de 2018 a Junho de 2020, no valor global de € 591.043,41, foram revogadas na pendência do presente processo.
Na sequência da revogação, a Autoridade Tributária e Aduaneira suscitou a questão da inutilidade superveniente da lide do processo, na parte respectiva, o que está em sintonia com a posição manifestada pela Requerente nas alegações.
Assim, quanto aos pedidos relativos às autoliquidações referentes aos períodos de Dezembro de 2018 a Junho de 2020 verifica-se inutilidade superveniente da lide pois estão satisfeitas as pretensões da Requerente.
O interesse em agir constitui um pressuposto processual ([1] ) ou condição da acção ([2]) e "consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção".([3] )
A desnecessidade no prosseguimento da acção reconduz-se à falta de um pressuposto processual ou condição da acção que constitui uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso [artigos 277.º, alínea e), 576.º, n.º 2, 577.º e 578.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT], conducente à absolvição da instância [artigo 278.º, n.º 1, alínea e), do CPC].
Assim, é de julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto à parte do pedido relativa as autoliquidações dos períodos de Dezembro de 2018 a Junho de 2020.
Consequentemente, o objecto do processo fica restringido à apreciação da legalidade das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios relativas aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2017, no valor global de € 697.510,08, e de Janeiro a Outubro de 2018, no valor global de € 412.751,93, bem como a autoliquidação de IVA n.º ..., relativa ao período de Novembro de 2018, no valor de € 4.819,66 (como a Requerente sintetiza no artigo 73 das alegações).
3.2. Posições das Partes
A Requerente tem como objecto a investigação fundamental e o ensino pós-graduado universitário, exercendo ainda actividades conexas com a investigação e o ensino que contribuem para o cumprimento das missões do B... .
A Requerente não liquidou IVA nas facturas que emitiu relativamente a serviços prestados no ano de 2017 e no ano 2018 até Novembro, incluindo nas facturas a menção “Motivo Isenção: Isento artigo 9.º do CIVA”.
A Requerente defendeu perante a Autoridade Tributária e Aduaneira que lhe são aplicáveis as isenções previstas na alíneas 9) e 10) ou também a prevista na alínea 14) deste artigo 9.º do CIVA.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que
– relativamente às «Prestações de Ensino conferentes de ECTS», «para a aplicação da isenção prevista no n 9º do artigo 9º do CIVA, o ato de delegação de competências da prestação de serviços de ensino e operações conexas no C... não cumpre os requisitos definidos na norma, uma vez que a entidade delegada carece, sempre, de reconhecimento expresso como entidade com fins análogos aos estabelecimentos integrados no SNE»;
– relativamente às «Prestações Serviços de Formação Profissional», «Para beneficiar da isenção prevista no n.º 10 do artigo 9º do CIVA, seria necessário que o C... se encontrasse reconhecido (certificado) como tendo competência nos domínios da formação pela DGERT, serviço competente do ministério responsável pela área da formação profissional, e nas áreas de formação expressamente certificadas»;
– «a menção ao nº 14 do artigo 9º tem como premissa a questão colocada pelo requerente [no processo n.º 13297 invocado] sobre serviços referentes à organização de congressos, conferências e publicação de uma revista trimestralmente (que é distribuída gratuitamente), eventos para os quais tem patrocínios como contrapartida de publicidade que não são consentâneas com os serviços que o C... pratica e que nos vêm ocupando».
No presente processo, a Requerente imputa às liquidações e autoliquidação impugnadas vícios de
– ilegalidade por violação do Direito Europeu, designadamente o artigo 132.º, n.º 1, alínea i) da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006;
– ilegalidade por violação do Direito Nacional, designadamente as alíneas 9), 10) e 14) do CIVA;
– inconstitucionalidade por a interpretação feita pela AT do disposto no artigo 9.º, n.º 9 e n.º 10 do Código do IVA e materializada nas liquidações adicionais e na autoliquidação de IVA impugnadas ser contrária ao artigo 132.º, n.º 1, alínea i) da Directiva n.º 2006/112/CE e, por conseguinte, ser inconstitucional por violação do princípio primado do Direito Europeu (artigo 8.º, n.º 4, da CRP);
– inconstitucionalidade por os actos impugnados violarem os princípios da legalidade e da tipicidade tributária, consagrados no artigo 103.º da CRP;
– a inexistência de actos de consumo susceptíveis de justificar qualquer incidência de IVA, o que determina a inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 104.º, n.º 4, da CRP.
– subsidiariamente, na hipótese de se considerar que os serviços prestados pela Requerente não estão isentos de IVA, os actos tributários postos em crise sempre enfermariam de ilegalidade no que tange ao modo de cálculo do IVA.
No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira remeteu para a fundamentação das decisões administrativas proferidas sobre as questões colocadas e invocou jurisprudência arbitral.
3.3. Questão da violação do artigo 132.º, n.º 1, alínea i), da Directiva n.º 2006/112/CE
O artigo 132.º, n.º 1, alínea i), da Directiva n.º 2006/112/CE estabelece que o Estados - Membros isentam de IVA «a educação da infância e da juventude, o ensino escolar ou universitário, a formação ou reciclagem profissional, e bem assim as prestações de serviços e as entregas de bens com elas estreitamente relacionadas, efectuadas por organismos de direito público que prossigam o mesmo fim e por outros organismos que o Estado–Membro em causa considere prosseguirem fins análogos».
A Requerente defende que se trata de uma única isenção e que a distinção criada pelo Código do IVA nos n.ºs 9 e 10 do artigo 9.º é meramente artificial ao diferenciar:
(i) no n.º 9 do artigo 9.º do Código do IVA estão previstas as “prestações de serviços que tenham por objeto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, (…) efetuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”;
(ii) no n.º 10 do artigo 9.º do Código do IVA estão previstas as “prestações de serviços que tenham por objeto a formação profissional, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, (…) efectuadas por organismos de direito público ou por entidades reconhecidas como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes”.
O acórdão do TJUE de 14-03-2019, processo n.º C-449/17, define o conceito de «ensino escolar ou universitário», para efeitos do regime do IVA, remetendo «em geral, para um sistema integrado de transmissão de conhecimentos e de competências sobre um conjunto amplo e diversificado de matérias, bem como para um aprofundamento e desenvolvimento desses conhecimentos e dessas competências pelos alunos e estudantes à medida da sua progressão e da sua especialização em diferentes graus constitutivos desse sistema» (n.º 26).
O Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011 do Conselho, de 15-03-2011, que estabelece medidas de aplicação da Directiva n.º 2006/112/CE, esclarece que «os serviços de formação ou reciclagem profissional prestados nas condições da alínea i) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva 2006/112/CE abrangem a formação directamente relacionada com um sector ou uma profissão, assim como qualquer formação ministrada tendo em vista a aquisição ou a actualização de conhecimentos para fins profissionais. A duração da formação ou da reciclagem profissional é irrelevante para esse efeito» (artigo 44.º).
Como se refere no parecer do Senhor Professor Sérgio Vasques que consta do documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, «existe uma zona de sobreposição irredutível entre o que para efeitos do artigo 132º se considera ensino e o que se considera formação profissional», o que já havia sido constatado pelo TJUE no acórdão de 28-01-2010, processo n.º C-473/08, ao referir (relativamente ao artigo 13.º da Sexta Directiva a que corresponde artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE), que
– «as isenções previstas no artigo 13.º da Sexta Directiva constituem conceitos autónomos de direito comunitário que têm por objectivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro (v., nomeadamente, acórdãos de 25 de Fevereiro de 1999, CPP, C-349/96, Colect., p. I-973, n.º 15; de , Horizon College, C-434/05, Colect., p. I-4793, n.º 15; e de , Swiss Re Germany Holding, C-242/08, Colect., p. I-10999, n.º 33)» (n.º 25);
– «embora as prestações fornecidas como docente no âmbito de um instituto de formação não constituam, necessariamente, sem mais, «ensino escolar ou universitário», na acepção do artigo 13.º, A, n.º 1, alínea j), da Sexta Directiva, essas prestações podem ser abrangidas pelo conceito de «lições dadas […] por docentes, relativas ao ensino escolar ou universitário», na acepção dessa mesma disposição, na medida em que abrangem, no essencial, a transmissão de conhecimentos e de competências entre um docente e os alunos, no âmbito de uma formação para o exercício de uma actividade profissional» (n.º 33);
– «não há que distinguir, para efeitos de IVA, entre ensino ministrado a alunos que recebem uma primeira formação escolar ou universitária e ensino ministrado a pessoas já titulares de um diploma escolar ou universitário que, com base nesse diploma, prosseguem a sua formação profissional. O mesmo se pode dizer quanto às lições relativas a esse ensino» (n.º 35);
– «essa distinção pode revelar-se difícil em função das matérias ensinadas. Ora, embora seja verdade que os termos utilizados para designar a isenção prevista no artigo 13.º, A, n.º 1, alínea j), da Sexta Directiva são de interpretação estrita, seguir uma interpretação especialmente rigorosa do conceito de «ensino escolar ou universitário» poderia criar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro, devido ao facto de os sistemas de ensino dos Estados-Membros estarem organizados de modo diferente. Tais divergências são incompatíveis com as exigências da jurisprudência acima referida no n.º 25 do presente acórdão (v. acórdão Haderer, já referido, n.º 24)» (n.º 36).
Constituindo estas isenções de interesse geral conceitos autónomos de direito comunitário que têm por objectivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado-Membro para outro, elas são directamente aplicáveis, pelo que o CIVA não poderá delimitar em termos diferentes dos previstos no artigo 132.º, n.º 1, alínea i), o âmbito desta isenção, por força da primazia que lhe reconhece o n.º 4 do artigo 8.º da CRP.
A repartição nas duas alíneas no artigo 9.ºdo CIVA das isenções correspondentes às previstas na alínea i) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE não se afigura incompatível com esta norma, pois embora nela se estabeleça um regime semelhante para o ensino e a formação profissional, são conceitos distintos e as diferenças podem justificar a atribuição a entidades diferentes de competências para identificação pelos Estados Membros dos organismos que considerem prosseguirem fins análogos aos dos organismos de direito público, pois trata-se de matéria deixada ao critério dos Estados Membros.
Por outro lado, como diz a Requerente, a delimitação das isenções que decorre das alíneas 9) e 10) do artigo 9.º do CIVA, não coincidirá exactamente com o que se prevê no artigo 132.º, n.º 1, alínea i), da Directiva n.º 2006/112/CE, mas, no âmbito de um contencioso de anulação de actos, como é o processo arbitral, não se inclui a fiscalização abstracta da constitucionalidade ou legalidade de normas, que é da competência do Tribunal Constitucional, por força do disposto no artigo 281.º da CRP, apenas interessando, para a decisão da causa, apreciar se a aplicação da isenção, tal como foi concretizada feita pela Autoridade Tributária e Aduaneira aplicando aquelas normas do CIVA, se sintoniza com o Direito da União.
No caso em apreço, não foi por falta de enquadramento das actividades levadas a cabo pela Requerente nos conceitos de ensino e formação profissional que a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou as liquidações adicionais e alterou o enquadramento da Requerente para efeitos de IVA que está subjacente às autoliquidações impugnadas.
Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira aceitou expressamente que a Requerente desenvolveu actividades que constituem prestações de ensino e actividades que constituem prestações de serviços de formação profissional, enquadráveis nas alíneas 9) e 10) do artigo 9.º do CIVA, mas concluiu que não podia ser aplicada a isenção a qualquer desses tipos de serviços, por não se verificarem os requisitos relativos ao reconhecimento, que entendeu aplicáveis, como se vê pelos seguintes excertos do RIT:
III.1.3.1 - Prestações de Ensino conferentes de ECTS
(...)
Assim, para a aplicação da isenção prevista no n.º 9º do artigo 9º do CIVA, o ato de delegação de competências da prestação de serviços de ensino e operações conexas no C... não cumpre os requisitos definidos na norma, uma vez que a entidade delegada carece, sempre, de reconhecimento expresso como entidade com fins análogos aos estabelecimentos integrados no SNE.
Até possuir o reconhecimento expresso, o C... não pode beneficiar da isenção, ficando abrangido pelo regime geral do IVA, sendo obrigado a liquidar imposto nas operações que efetuar nesse âmbito.
(...)
III.1.3.2 - Prestações Serviços de Formação Profissional
(...)
Assim, não se encontrando o C... certificado na área da formação profissional pela DGERT, as prestações de serviços referentes a formação profissional efetuadas no período de 2017 encontram-se sujeitas e não isentas de IVA à taxa prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 18º do C IVA.
(...)
IX.1.1 - DIREITO DE AUDIÇÃO - PRESTAÇÕES DE SERVIÇO DE ENSINO CONFERENTES DE ECTS
(...)
Até possuírem o reconhecimento expresso as entidades não podem beneficiar da isenção, ficando abrangidas pelo regime geral do IVA, sendo obrigadas a liquidar imposto nas operações que efetuarem nesse âmbito, mas com direito a deduzir o imposto suportado nas aquisições de bens e serviços relacionados com essa atividade, desde que se encontrem reunidos os pressupostos para o exercício do direito à dedução, nos termos dos artigos 19º e seguintes do CIVA.
Não se encontrando o C... reconhecido nos termos acima definidos e face ao exposto, propõe-se a manutenção das correções propostas relativas às prestações de serviços de ensino conferentes de créditos ECTS.
(...)
IX.1.1 - DIREITO DE AUDIÇÃO -PRESTAÇÕES DE SERVIÇO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL
(...)
Conforme demonstrado no subcapítulo III.1.3.2, é condição sine qua non para que os serviços de formação de profissional gozem da isenção prevista no nº 10 do artigo 9º do CIVA que a entidade que os presta detenha certificação na área de formação emitida pela DGERT.
Como se vê, não foi por entender que a Requerente não tenha exercido actividades susceptíveis de enquadramento nas isenções, mas sim por razões atinentes aos reconhecimentos referidos nas alíneas 9) e 10) do artigo 9.º do CIVA, que a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações impugnadas e alterou o regime de IVA da Requerente que está subjacente à autoliquidação impugnada.
Por isso, o que está em causa no presente processo é apreciar se se justifica ou não a aplicação das isenções atinentes às prestações de ensino universitário e de formação profissional, à face das exigências de reconhecimentos referidas naquelas alíneas 9) e 10) do artigo 9.º do CIVA, tendo em conta, por força da primazia do Direito da União, a imprescindível compatibilidade daqueles com o regime da alínea i) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE, que os limita à apreciação da analogia dos fins prosseguidos pela Requerente com por organismos de direito público.
3.4. Questões da falta dos reconhecimentos exigidos pela alíneas 9) e 10) do artigo 9.º do CIVA
As alíneas 9) e 10) do artigo 9.º do CIVA estabelecem que estão isentas
9) As prestações de serviços que tenham por objecto o ensino, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento e alimentação, efectuadas por estabelecimentos integrados no Sistema Nacional de Educação ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes;
10) As prestações de serviços que tenham por objecto a formação profissional, bem como as transmissões de bens e prestações de serviços conexas, como sejam o fornecimento de alojamento, alimentação e material didáctico, efectuadas por organismos de direito público ou por entidades reconhecidas como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes.
No caso em apreço, resulta da prova produzida e é aceite no RIT que a Requerente desenvolve actividades integradas nos conceitos de «prestações de serviços que tenham por objecto o ensino» e «prestações de serviços que tenham por objecto a formação profissional», sendo controvertida a existência dos reconhecimentos exigidos por aquelas normas.
A alínea i) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE ao aludir aos «outros organismos que o Estado–Membro em causa considere prosseguirem fins análogos» pressupõe a existência de um acto de direito público praticado pelo Estado que «considere» que essa prossecução ocorre.
Não se fazendo qualquer alusão no Direito da União ao tipo de acto através do qual essa «consideração» deve ocorrer, ela pode decorrer de qualquer tipo de acto de direito público, inclusivamente que assuma a forma de reconhecimento através de acto administrativo praticado por entidade integrada num ministério, que a Autoridade Tributária e Aduaneira teve em conta na apreciação da verificação dos requisitos das isenções.
Não está, assim, em causa, no presente processo, apreciar se as actividades desenvolvidas pela Requerente são abrangidas pelos conceitos de «ensino universitário» e «formação profissional», mas sim saber se foram praticados actos que reconheçam que a Requerente prossegue fins análogos aos organismos de direito público nesses domínios.
3.4.1. O despacho do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
O sistema de ensino superior engloba tanto as instituições de ensino superior público como as de ensino superior privado, como decorre do artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 62/2007, de 10 de Setembro (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior ou RJIES).
A tutela sobre as instituições de ensino superior cabe ao Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, nos termos do artigo 150.º do RJIES e do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 169-B/2019, de 3 de Dezembro.
Entre as atribuições daquelas instituições incluem-se, para além das atinentes ao ensino superior, a realização de acções de formação profissional e de actualização de conhecimentos, nos termos do artigo 8.º do RJIES.
Como se refere na alínea O) da matéria de facto fixada, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior manifestou concordância com a proposta de Certificação da Requerente como instituição com fins análogos aos do B..., que é uma instituição de ensino superior pública do tipo fundação, instituída pelo Decreto-Lei n.º 95/2009, de 27 de Abril (artigo 2.º deste diploma).
Está-se perante um acto administrativo declarativo de verificação que apenas «inova no seio do ordenamento jurídico ao tornar certa e incontestável, no uso de um poder de autoridade, a situação que enuncia, a qual já existia, mas não revestida de imperatividade». ( [4] )
Pela sua fundamentação, o acto do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior reconhece a analogia dos fins prosseguidos pela Requerente com os do. B..., pelo menos a partir do Protocolo de Delegação de Competências celebrado em 15-03-2013, no «domínio do ensino superior, da formação avançada e da formação profissional»:
O encadeamento da missão de serviço de ensino superior prosseguida pela generalidade das IES, da missão e atribuições do B..., em particular, e da missão e atribuições do C..., entidade participada, no exercício de poderes delegados, à luz do Protocolo de Delegação de Competências firmado encontra-se devidamente sustentado, sendo que, do seu desenvolvimento, decorre a concretização da atividade essencial do B..., no domínio do ensino superior, da formação avançada e da formação profissional, submetidas a padrões de elevada qualidade assegurada sob a responsabilidade do B..., sob o seu domínio e controlo da gestão - facto ademais comprovado pela documentação infra enunciada - parecendo-nos inequívoca a conclusão de que o C... vem desempenhando fins análogos aos do B..., instituição de ensino superior. (negrito nosso)
O Governo é o órgão superior da administração pública, como estabelece o artigo 182.º da CRP, pelo que o acto administrativo de verificação praticado pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior impõe-se à globalidade da administração pública, fazendo parte do bloco de legalidade que a Administração Tributária está obrigada a observar por força do princípio da legalidade, que lhe impõe a «obediência à lei e ao direito» (artigos 266.º, n.º 2, da CRP 55.º da LGT e 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo)( [5] ).
Por isso, tanto em relação às actividades de ensino como de formação profissional foi reconhecido no despacho referido que a Requerente vem desempenhando fins análogos aos do B..., instituição de ensino superior, o que significa, para efeitos artigo 132.º, n.º 1, alínea i), da Directiva n.º 2006/112/CE, que o Estado-Membro considerou que a Requerente é um organismo que prossegue fins análogos a um organismo de direito público em relação àqueles dois tipos de actividades.
Consequentemente, as liquidações e autoliquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto.
3.4.2. A falta de certificação pela DGERT
Como decorre do despacho do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, foi reconhecida a analogia entre os fins prosseguidos pela Requerente e os prosseguidos pelo B..., inclusivamente quanto à actividade de formação profissional.
No entanto, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, relativamente à actividade de formação profissional, a isenção está dependente de certificação da DGERT.
3.4.2.1. Interpretação da alínea 10) do artigo 9.º do CIVA compatível com a alínea i) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE
O Decreto-Lei n.º 396/2007, de 31 de Dezembro, estabeleceu que, no âmbito da formação profissional, a certificação das entidades formadoras «seria realizada por entidade pública acreditada no âmbito do Sistema Português da Qualidade, envolvendo a participação dos parceiros sociais e outras entidades representativas do sector, nos termos de portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da formação profissional e da educação» (artigo 16.º, n.º2).
A Portaria n.º 851/2010, de 6 de Setembro, regulamentou este artigo 16.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 396/2007, estabelecendo, que «a certificação das entidades formadoras é assegurada pelo serviço central competente do ministério responsável pela área da formação profissional» (artigo 6.º, n.º 2).
O Decreto Regulamentar n.º 40/2012, de 12 de Abril, aprovou a orgânica da Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) e atribui-lhe competência para a «certificação dos organismos de formação» [artigo 2.º, n.º 2, alínea c)].
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «da articulação das duas normas atrás identificadas é claro que a atribuição de certificação a entidade formadora na área da formação profissional é competência da DGERT e que somente esta certificação objetiva a isenção de IVA às prestações de serviço de formação profissional».
Tendo constatado que a Requerente não tinha certificação emitida pela DGERT referente ao período de 15-01-2016 a 08-11-2018, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, relativamente às actividades que entendeu serem de formação profissional, não podia ser aplicada a isenção prevista na alínea 10) do artigo 9.º do CIVA, relativamente às operações realizadas naquele período.
A necessidade de certificação pela DGERT para efeitos da isenção referida não tem suporte textual naquela alínea 10) do artigo 9.º que alude apenas, no que aqui interessa a «prestações de serviços que tenham por objecto a formação profissional ... efectuadas ... por entidades reconhecidas como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes», não exigindo que esse reconhecimento tenha de assumir a forma da certificação formal prevista na Portaria n.º 851/2010, de 6 de Setembro.
O afastamento da exigência de certificação formal como requisito da aplicação da isenção referida é corroborado pelo facto de esta estar em manifesta dissonância com a alínea i) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE, que se limita a exigir uma apreciação sobre a prossecução de fins análogos aos organismos de direito público que exerçam actividade de formação profissional.
E esta analogia dos fins prosseguidos tanto pode existir em relação a entidades certificadas pela DGERT como a entidades não certificadas.
A prova produzida demonstra esta evidência, pois, como se refere na alínea NN) da matéria de facto fixada e é normal, a linha formativa da Requerente quanto à actividade de formação profissional não teve qualquer alteração quanto à substância dos cursos, no período entre 16-01-2016 e 08-11-2018.
Aliás, essa manutenção da substância da actividade formativa da Requerente no período não abrangido pela certificação é confirmada pela própria DGERT, na mesma decisão de 06-03-2020, em que limita a certificação retroactiva a 08-11-2018, pois aí refere também que «a entidade formadora em analise, no período entre 16-01-2016 e 25-06-2019 satisfazia todos os requisitos legais de qualidade exigidos nos termos previstos nos artigos 5.º e 7.º da Portaria nº 851/2010, de 6 de setembro, alterada pela Portaria nº 208/2013, de 26 de junho, respeitantes aos requisitos prévios e do referencial de qualidade da certificação de entidades formadoras e de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 6.º da mencionada Portaria».
Por isso, a certificação pela DGERT é irrelevante para efeitos de aferir aquela analogia de fins que a alínea i) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE erige como requisito do reconhecimento da isenção.
Quando muito, numa interpretação da alínea 10) do artigo 9.º do CIVA conforme à alínea i) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva n.º 2006/112/CE, poderá entender-se que a certificação de uma entidade pela DGERT justifica, na perspectiva legislativa, que se presuma a existência da analogia de fins exigida pela Directiva n.º 2006/112/CE.
Mas, não haverá qualquer suporte legal nem racional para concluir que uma entidade que desenvolva actividade de formação profissional e esteja certificada pela DGERT altera os fins que prossegue quando continua a exercer precisamente a mesma actividade, nos mesmos moldes.
Por isso, o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira de que o reconhecimento da isenção relativamente a prestações de formação profissional depende de certificação da DGERT enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito.
3.4.2.2. Inc0mpatibilidiade da exigência de certificação formal pela DGERT com os princípios da legalidade e da tipicidade tributária
A Requerente coloca a questão da princípios da legalidade e da tipicidade tributária, no artigo 406.º do pedido de pronúncia arbitral.
A definição dos pressupostos da tributação, inclusivamente os benefícios fiscais, é matéria sujeita ao princípio da legalidade, por força do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP, que estabelece que «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes».
Embora no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, em que se define a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, se faça referência à criação de impostos e sistema fiscal, esta norma deve ser integrada com o conteúdo do n.º 2 do art. 103.º da mesma, que constitui uma explicitação do âmbito das matérias incluídas naquela reserva, como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional. ( [6] )
É, assim, claro que as normas relativas à liquidação de tributos, designadamente, as que definem a incidência e os benefícios fiscais, estão subordinadas ao princípio da legalidade, estando consequentemente afastada a possibilidade de, por via administrativa, serem criadas normas de que resulte uma restrição do âmbito de um benefício fiscal.
A certificação formal de uma entidade formadora pela DGERT depende de vários «requisitos prévios», elencados no artigo 5.º daquela Portaria n.º 851/2010, na redacção dada pela Portaria n.º 208/2013, de 26 de Junho, que nada têm com a análise da prossecução ou não dos fins análogos aos organismos de direito público que efectuem prestações de formação profissional.
É esse o caso, por exemplo, dos requisitos de a entidade formadora «ter as suas situações tributária e contributiva regularizadas, respetivamente, perante a administração fiscal e a segurança social» e a «inexistência de situações por regularizar respeitantes a dívidas ou restituições referentes a apoios financeiros comunitários ou nacionais, independentemente da sua natureza ou objetivos».
Para além disso, estes designados «requisitos prévios» da certificação são também permanentes, pois têm de ser mantidos depois da certificação e a sua manutenção pode conduzir à revogação da certificação (artigos 8.º e 16.º da Portaria).
Sendo assim, a interpretação da alínea 10) do artigo 9.º do CIVA efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a exigência de certificação formal pela DGERT tem como corolário que a aplicação da isenção passasse a depender de um conjunto de requisitos que não estão previstos no CIVA e nada têm a ver com a prossecução de fins análogos aos organismos de direito público que efectuem prestações de formação profissional, que é o único requisito exigido pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, para reconhecimento da isenção relativamente às prestações de formação profissional.
O que se reconduz a que requisitos de uma isenção decorreriam apenas de um diploma de natureza regulamentar, como é a Portaria n.º 851/2010, o que ofenderia o princípio da legalidade tributária enunciado no artigo 103.º, n.º 2, da CRP, que exige a sua fixação através de diploma de natureza legislativa.
Por isso, para além da incompatibilidade daquela interpretação com o Direito da União Europeia e consequente ofensa à regra constitucional da sua primazia, reconhecida no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, aquela interpretação é também inconstitucional por violação do artigo 103.º, n.º 2, da CRP.
Consequentemente, também por estas razões, as liquidações adicionais impugnadas e a autoliquidação relativa ao período de Novembro de 2018, enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT .
3.5. Decisões das reclamações graciosas
As decisões das reclamações graciosas que confirmaram as liquidações e a autoliquidação relativa ao mês de Novembro de 2018 enfermam dos mesmos vícios, pelo que também se justifica a sua anulação.
3.6. Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações e da autoliquidação que são objecto do presente processo, por vício que impede a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.
Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.
4. Reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios
A Requerente pede o reembolso de quantias pagas com juros indemnizatórios.
Como resulta da matéria de facto fixada, não se provou que a Requerente tivesse efetuado o pagamento das quantias liquidadas e autoliquidada.
O reembolso de quantias pagas e juros indemnizatórios dependem, naturalmente, do pagamento indevido (artigo 43.º, n.º 1, da LGT), pelo que não há fundamento factual para se decidir neste processo em que termos a Requerente poderá ter direito a reembolso e a juros indemnizatórios.
A terem ocorrido pagamentos a Requerente, como consequência da anulação das liquidações, terá direito a reembolso das quantias pagas e também direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, já que a anulação das liquidações se baseia em erro imputável aos serviços, pois foi a Autoridade Tributária e Aduaneira, por sua iniciativa, que efectuou as correcções subjacentes às liquidações e a autoliquidação efectuada pela Requerente relativamente ao mês de Novembro de 2018 baseia-se na alteração oficiosa do enquadramento em sede de IVA decidido pela Autoridade Tributária e Aduaneira [alínea Recorrente] da matéria de facto fixada].
Assim, não tendo sido feita prova do pagamento, aqueles pedidos têm de ser julgados improcedentes, sem prejuízo do eventual direito da Requerente a juros indemnizatórios poder ser reconhecido em execução de julgado, que é o meio processual adequado para os definir, quando não há elementos para esse efeito no processo declarativo (artigo 609.º, n.º 2, do CPC e 61.º, n.º 2, do CPPT).
5. Decisão
Nestes termos acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar parcialmente extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, quanto às autoliquidações relativas aos períodos de Dezembro de 2018 a Junho de 2020;
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Anular as seguintes liquidações adicionais de IVA e correspondentes liquidações de juros compensatórios:
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201701;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201702;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201703;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201704;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201705;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201706;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201707;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201708;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201709;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201710;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201711;
-
n.º 2020 ... relativa ao período de 201712;
-
n.º 2022 ..., relativa ao período de 201801;
-
n.º 2022 ..., relativa ao período de 201802;
-
n.º 2022 ..., relativa ao período de 201803;
-
n.º 2022 ..., relativa ao período de 201804;
-
n .º 2022 ..., relativa ao período de 201805;
-
n.º 2022 ..., relativa ao período de 201806;
-
n.º 2022 ..., relativa ao período de 201807;
-
n.º 2022 ..., relativa ao período de 201808;
-
n.º 2022 ..., relativa ao período de 201809;
-
n.º 2022 ..., relativa ao período de 201810.
-
Anular a autoliquidação que consta da declaração com o n.º ...relativa ao período 201811 (documento n.º 31, página 16), bem como as correspondentes liquidações de juros compensatórios e moratórios n.ºs 2020 ... e 2020 ... (documento n.º 31, página 18);
-
Anular as decisões de indeferimento das reclamações graciosas n.ºs ...2020... e ...2020..., que constam dos documentos n.ºs 39 e 40 juntos com o pedido de pronúncia arbitral;
-
Julgar improcedentes os pedidos de reembolso e juros indemnizatórios sem prejuízo de os eventuais direitos serem reconhecidos em execução do presente acórdão.
6. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 1.706.424,98, valor indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira, acrescido do valor da ampliação do pedido.
Lisboa, 28-04-2023
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(relator)
(Clotilde Celorico Palma)
(Sofia Ricardo Borges)
(vencida, conforme declaração junta)
Declaração de Voto
Sempre com o devido respeito, votei vencida a decisão na medida e pelas razões que seguem.
Estamos em sede de tributação em IVA, e está em causa a verificação, ou não, dos requisitos de aplicação da isenção constante do art.º 9.º, al.s 9) e 10) do CIVA. Assim, a aplicabilidade, ou não, da referida isenção aos serviços prestados pela Requerente (“sujeito passivo” ou “SP”).[7] Em 2017, por um lado. E, por outro, em 2018.
O thema decidendum é, pois, o da verificação ou não dos factos constitutivos do direito à isenção.
Na tese que fez vencimento no Acórdão, desaplicam-se as normas constantes das al.s 9) e 10) do CIVA. Entende-se que a questão é a de saber se foram ou não praticados actos que reconheçam que a Requerente prossegue fins análogos aos organismos de direito público nos domínios do ensino universitário e da formação profissional - por apelo ao disposto na al. i) do Art.º 132.º da DIVA.
Ora, e conforme também Jurisprudência consolidada do TJUE, só será admissível a aplicação directa de uma Directiva verificados cumulativamente certos pressupostos. Desde logo, não ter havido transposição para a legislação nacional, ou a transposição ter sido feita de forma incorrecta. Ou ainda, entre o mais, as disposições da Directiva serem incondicionais.
Sendo que tal não se verifica. A transposição foi feita, pelo CIVA, e foi feita, parece-nos, correctamente. Porque ao abrigo do disposto, desde logo, no Art.º 131.º da mesma Directiva.[8] Com efeito, nos termos deste dispositivo, as isenções em questão aplicam-se “nas condições fixadas pelos Estados-Membros” (“EM”). E condições estas fixadas pelos EM “a fim de assegurar a aplicação correcta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso”.
Vejamos.
A isenção fiscal depende do preenchimento dos factos constitutivos do direito à isenção previstos na norma de isenção.
A isenção teve origem na DIVA, art.º 132.º, al. i)[9], com o seguinte teor: “A educação da infância e da juventude, o ensino escolar ou universitário, a formação ou reciclagem profissional (...) efectuadas por organismos de direito público que prossigam o mesmo fim e por outros organismos que o Estado-Membro em causa considere prosseguirem fins análogos”.
Sendo que no artigo que antecede este, insista-se, e que enquadra as isenções na Directiva, ao iniciar o capítulo que trata das mesmas, determina o legislador comunitário que: “As isenções previstas nos Capítulos 2 a 9[10] aplicam-se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados-Membros a fim de assegurar a aplicação correcta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.”[11]
Ao abrigo da autorização legislativa conferida pelo art.º 22.º da Lei n.º 42/83, de 31 de Dez., o legislador nacional transpôs a Sexta Directiva (sendo reconhecidamente o CIVA uma transposição fiel da mesma).
O que fez através do DL n.º 394-B/84, de 26 de Dez., dentro - no que em especial à isenção em questão nos autos se refere - da margem de liberdade de conformação normativa conferida aos EM, pelo Art.º 131.º - mormente para assegurar uma aplicação da isenção não só correcta mas também simples, e a fim de evitar possíveis fraudes, evasões e abusos. E que fez distinguindo duas situações, com segmentos e pressupostos distintos. Recortou assim separadamente os pressupostos da isenção:
-
quanto às prestações de serviços que tenham por objecto o ensino – em que se requer que sejam efectuadas por estabelecimentos integrados no SNE ou reconhecidos como tendo fins análogos pelos ministérios competentes; e
-
quanto às prestações de serviços que tenham por objecto a formação profissional – em que se requer que sejam efectuadas por organismos de direito público ou por entidades reconhecidas como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais pelos ministérios competentes.
No recorte diferenciado conferido pelo legislador ao ensino e à formação profissional verifica-se que os pressupostos são, pois, distintos: no primeiro caso dependendo de “fins análogos” – ou seja, bastando-se com o critério da Directiva (especificando ... SNE). E no segundo caso, da formação profissional, fazendo expressa referência a um reconhecimento de competência.
Em Portugal foi legislado o regime jurídico da certificação das entidades formadoras.
Que tem tradução no reconhecimento formal da competência para os fins em questão, mediante certificação pelas autoridades competentes.
Sendo autoridade competente para a certificação, cfr. Decreto Regulamentar n.º 40/2012, de 12 de Abril, a DGERT.
E sendo a certificação requisito essencial para um conjunto de fins, entre os quais, como expresso no Preâmbulo da Portaria n.º 851/2010, de 6 de Set. (que regulamenta o disposto no art.º 16.º do DL n.º 396/2007, de 31 de Dez., diploma que estabelece o regime jurídico do sistema nacional de qualificações), os do “tratamento fiscal especial ao preço da formação no imposto de valor acrescentado”. Sendo que nos termos da referida Portaria 851/2010 - cfr. versão actual que lhe foi conferida pela Portaria n.º 208/2013, de 26 de Junho -, se estabelece, entre o mais, no n.º 1 do seu art.º 4.º, que pode requerer a certificação inserida na política de qualidade dos serviços qualquer entidade pública ou privada (...) que desenvolva atividades formativas, salvo se estas corresponderem às previstas na respetiva lei orgânica, (...).” Ou seja, e para dizer, é assim que ao B..., diferentemente de à Requerente, não será de aplicar a exigência da certificação de que tratamos. Certificação para fins de prestação de serviços de formação profissional.
Em coerência, assim, o contido seja na carta do Secretário-Geral da Educação e da Ciência (cfr. al. N) do probatório). Seja na Informação da Secretaria-Geral da Educação e da Ciência, de 14.09.2020, que mereceu a concordância Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (cfr. al. O) do probatório).
Não sendo, quanto a nós, por delegação de competências entre uma das entidades suas fundadoras e a Requerente que se confere o reconhecimento formal de competência para fins de formação profissional exigido pelo nosso legislador. Que vimos de ver.
E que na Portaria (cfr. art.º 3.º da Portaria 851/2010) é definido assim: “Certificado de entidade formadora” – “o ato de reconhecimento formal de que uma entidade detém competências, meios e recursos adequados para desenvolver atividades formativas em determinadas áreas de educação e formação, de acordo com o estabelecido na presente portaria (e v. a al. 10) do art.º 9.º, segunda parte).
E isto sem prejuízo, exteriorize-se, de poderem ser análogos os fins que ambas prosseguem.
Que as duas coisas, quanto a nós, não se confundem. Competência formalmente reconhecida para efeitos concretamente de ministrar formação profissional e, por outro lado, fins de promoção do ensino, do conhecimento, da ligação das Universidades ao meio empresarial...
*
Do já referido RJ do sistema nacional de qualificações também consta, entre o mais, a definição de “Educação e formação profissional” ou “formação profissional”. A saber: é a “formação com objectivo de dotar o indivíduo de competências com vista ao exercício de uma ou mais actividades profissionais” (cfr. art.º 3.º do DL 396/2007).
O que, refira-se, não anda senão a par do visado pelo legislador comunitário na alínea que nos ocupa em especial na Directiva (a al. i) do Art.º 132.º). Com efeito, assim se lê no Regulamento de Execução (N.º 282/2011 EU) do Conselho, de 15.03.2011, Art.º 44.º: “Os serviços de formação ou reciclagem profissional prestados nas condições da alínea i) do n.º 1 do artigo 132.º da Directiva 2006/112/CE abrangem a formação directamente relacionada com um sector ou uma profissão, assim como qualquer formação ministrada tendo em vista a aquisição ou a actualização de conhecimentos para fins profissionais. (...)”.
Donde, também, entender que ensino (e ensino universitário, cfr. na ali. i) do Art.º 132.º no que ao caso releva) e formação profissional são confundíveis (como também parece defender a Requerente; e não se segue, e bem, no Acórdão) sempre seria contra legem.
E aquilo mesmo também se detecta, aliás, concretizado, nas formações/programas ministrados pela Requerente e que vêm expressamente identificados em Anexo ao RIT referente ao ano de 2018, nesse procedimento facultado pela Requerente: na tabela que constitui Anexo 3 ao dito RIT se lê, em relação a todos os cursos ministrados pela Requerente em 2018, na coluna “Confere Certificado Profissional?” - “Sim”. (V. al. LLL) do probatório).
Em suma, não se revela exagerada a exigência do nosso legislador na (actual) al. 10) do art.º 9.º do CIVA. O legislador transpôs a Directiva ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pelo respectivo Art.º 131.º (supra).
Recorde-se, sumariamente, que todo o nosso normativo legal e regulamentar a respeito da formação profissional, respectivas qualificação e certificação, gira em torno de uma estratégia que visa garantir e valorizar a formação e as aprendizagens para o desenvolvimento pessoal e para a modernização das empresas e da economia (v. Preâmbulo do DL 396/2007). No âmbito de uma política de qualidade de serviços que os EM devem incentivar (v. Preâmbulo da Portaria 208/2013).
Haver um controlo administrativo formal, devidamente regulamentado, é do interesse do consumidor no sentido da garantia de capacidade e qualidade das formações. Exigência, para certos e determinados fins, de as respectivas entidades actuarem – desenvolverem a sua actividade de formação profissional - nas condições regulamentares. Mesmo porque se assim não fosse facilmente se poderia estar aberto o caminho a prestações, por hipótese, pense-se, de consultoria ou quaisquer palestras, ou outras, sob a aparência de formação profissional, no intuito de obter uma vantagem fiscal indevida, por qualquer entidade não certificada.
Assim, no que a prestações de serviços de formação profissional respeita, a exigência alternativa de que sejam efectuadas por organismos de direito público ou - quando não - por entidades reconhecidas como tendo competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais, é conforme à DIVA.
O reconhecimento formal que ali se exige (segunda parte da al. 10) do art.º 9.º) não é excessivo, a nosso ver, nem se revela desproporcional, tendo em consideração tudo o que vem de se expor, e atentos os objectivos do Art.º 131.º da Directiva.
Não é excessivo, nem exagerado ou desproporcional, seja a nível fiscal (com o visto fim de evitar desvios), seja a nível de Mercado, protecção dos consumidores e da concorrência. Existir esse certificado válido também é, como bem se compreende, no interesse dos consumidores, e das empresas.
Vale isto também por dizer que o facto de a norma da al. 10) do CIVA ser interpretada no sentido de
ser exigível – ser facto constitutivo do direito à isenção – a certificação válida, não traduz exigência excessiva ou desproporcionada, e nem torna o exercício do direito à isenção especialmente oneroso.
Trata-se, antes, de exigir a prova de um facto, ao abrigo da lei (cfr. DIVA, e, depois, CIVA e demais regulamentação na matéria) com vista a evitar fraudes e abusos – exigência razoável.
Resulta, assim, manifesto que a norma em questão, tal como transposta pelo nosso legislador (e como em vigor actualmente), e como também interpretada pela Requerida, no sentido de que exige aquele reconhecimento formal, constitui um requisito autónomo e não viola seja o Direito Comunitário, seja a nossa Constituição.
Sempre se refira, aqui chegados, estamos perante Isenção em IVA, incompleta[12] e conferida em benefício de certas actividades de interesse geral - cfr. Art.º 132.º da Directiva IVA (“DIVA”).[13] Aplicável na prestação de serviços aos alunos/formandos, como bem se compreende (o que não vem questionado nos actos em crise, não obstante as facturas emitidas pela Requerente carreadas nos autos não identificarem adquirentes).
Assim também contextualizado, não deixa de se apreender na intenção do legislador nacional, ao consagrar a exigência de reconhecimento formal, na al. 10), a tentada preservação do princípio da neutralidade. Aquelas que sejam prestações de serviços de formação profissional ministradas por entidades devidamente certificadas como tendo competência para o efeito serão em igual medida entre si merecedoras da isenção. O reconhecimento formal desde logo as equiparará em alguma medida em termos de exigência/garantia de qualidade.
Acresce que, tanto estamos perante um requisito razoável e adequado, que o nosso legislador veio passar a exigi-lo expressamente. Com efeito na redacção inicial da então al. 11) do art.º 9.º, lia-se, quanto a este tipo de prestações, que deveriam ser “efectuadas por entidades com competência nos domínios da formação e reabilitação profissionais ou reconhecidas como tendo fins análogos pelos ministérios competentes”. Cedo se tendo feito sentir a necessidade de reconhecimento formal (e v. Despacho n.º 51/88, de 88.10.07 do Secretário de Estado do Ensino e Formação Profissional) veio o legislador a assim passar a expressamente exigi-lo (pelo DL n.º 198/90, de 19 de Junho, no seu Preâmbulo se expondo que as alterações em IVA visavam completar a harmonização (...) com a Directiva n.º 77/388/CEE) – cfr. versão actual da norma. Lembrando o Art.º 131.º da DIVA e os fins visados pelo legislador comunitário aí plasmados.
E que reconhecimento de competências é distinto de (não se confunde com; como já supra) analogia de fins ...fica também por aqui evidenciado.
*
Resultou também provado nos autos, em coerência, que a Requerente exerce a sua actividade com autonomia em relação ao seu membro fundador B..., designadamente na escolha dos Programas, é responsável sobre se corre bem ou mal, lança os seus Programas, e no fim entrega um certificado aos alunos em função das notas; que é uma entidade privada que foi criada para complementar as atribuições do B..., no sentido de levar a cabo Programas que o B... em si não tinha condições para fazer em face das dificuldades criadas por todo o escrutínio de que é objecto por ser IES; que foi assim uma forma de o B... cumprir com a sua missão de estar junto de executivos com maior agilidade, permitindo diminuir o risco de divórcio entre a Universidade e o Mundo empresarial; que o nível de profundidade entre o que é ministrado no B... e na Requerente é diferente, o alvo é diferente, há uma ligação em termos temáticos mas há uma independência na forma como se definem Programas, como se avaliam os docentes, na forma como se avaliam os alunos, isso é independente (tudo cfr. em especial depoimento da segunda testemunha).
Ficou também provado, até, que ao tempo da inexistência de certificação da Requerente pela DGERT aquela recusou à Direcção do B... facultar-lhe a informação solicitada a respeito (por este ser detentor de apenas 1/13 da Requerente). Bem assim, que a Direcção de então da Requerente conduziu os destinos/actividade de uma forma que levou, entre outras coisas, ao afastamento de membros da Direcção e docentes (como foi o caso da primeira testemunha; e como no seu depoimento, o qual foi de notória expontaneidade, credibilidade, profundidade e isenção, explicando detalhadamente o funcionamento da Requerente desde a sua fundação, em que foi interveniente, e depoimento que não foi contraditado por nenhuma das outras testemunhas).
Isto para dizer, a referida autonomia existe, é um facto, não obstante a reconhecida analogia de fins que se prosseguem.
É neste contexto que são prestados os Programas (ministrada formação profissional) pela Requerente.
Da mesma maneira que também o B... é apto a ministrar formação profissional, como também vimos (sendo que relativamente a si, B..., o requisito de reconhecimento formal por via da certificação fica ultrapassado, como IES que é – cfr. supra vimos e v. art.º 4.º, n.º 1, segunda parte, Portaria 851/2010).
*
Pois bem, e passando a concretizar no caso.
No que se refere a 2017.
Não vem questionado a Requerente ter prestado também serviços de ensino. Após referir-se que no período inspeccionado as operações económicas do SP se consubstanciaram em prestações de “serviços na área do ensino superior, cursos pós-graduados conferentes e não conferentes de ECTS e na prestação de serviços de formação profissional”, vêm identificados no RIT, aqueles, com os cursos/programas aos quais são reconhecidos ECTS (pelo B...), concluindo-se no RIT que o SP não poderá beneficiar da isenção do n.º 9 do art.º 9.º até possuir reconhecimento expresso como tendo fins análogos aos estabelecimentos integrados no SNE.
Assim sendo, e tendo o SP, entretanto, obtido reconhecimento pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de prosseguir fins análogos aos do B..., o qual se integra no SNE (v. al. O) do probatório, e v. al. 9) do art.º 9.º), fica o respectivo requisito preenchido. E as Liquidações, nesta medida, são de anular.
(Não obstante em nosso entender as prestações de serviços em questão serem enquadráveis afinal em prestações de serviços de formação profissional, como também decorre dos depoimentos das testemunhas, em especial dos depoimentos da primeira e da segunda testemunhas, e não vem contrariado quanto a nós pela documentação carreada nos autos, desde logo pelas facturas juntas. Note-se aliás como do próprio documento 25 - v. al JJ) do probatório – se retira que a DGERT entende não ser de conferir certificação no que a formação pós-graduadas se refere por em rigor apenas aos IES - no caso, ao B... - ser dado utilizar a expressão/denominação “Pós-graduação”, “pós-graduadas” e é daí que conclui não ser de conferir certificação – por motivos de entender ser o próprio B... quem as ministrará; como também se apreende do ponto 41. das suas alegações a Requerente reconhecer).
Já quanto ao facto constitutivo do direito à isenção no caso das prestações de serviços de formação profissional não acompanhamos a fundamentação do Acórdão ao decidir pela anulação das Liquidações.
Com efeito, como desenvolvido acima, é de entender exigível o reconhecimento formal da certificação, tudo como supra.
Sucede, porém, que ocorre deficit instrutório, de apuramento, no RIT (2017), ao não virem identificadas as facturas respeitantes a um e a outro dos tipos de serviços que ali se identificam. Não sendo assim, em qualquer caso, possível ao Tribunal manter na ordem Jurídica a parte das Liquidações respeitante aos serviços de formação profissional, e anular apenas a parte restante. Como seria, quanto a nós, de decidir, houvera elementos para tal.
Por outro lado, com referência a 2018.
Na fundamentação do acto em crise referente a 2017 é patente, e resulta provado da documentação carreada, que os serviços prestados no ano em questão, e cujas facturas fundamentaram as correcções em crise, são serviços de formação profissional. V. al. LLL) do probatório, e o mais também já referido a respeito (ref. Anexo 3 ao RIT 2018, entre o mais).
Por tudo o que já ficou percorrido, as Liquidações aqui em crise não enfermam de qualquer erro de facto ou de direito e eram, quanto a nós, de manter na Ordem Jurídica.
*
Em conclusão não havia, em nosso entender, razão para desaplicar as normas do CIVA constantes do art.º 9.º, tudo como vimos. Com interesse, e com as necessárias adaptações, v. como se lê, entre outros, no Acórdão do TJUE de 28.11.2013, Proc. C-319/12, Par. 37., 38, 50 e 53. Portugal não ultrapassou o seu poder de apreciação, no caso. Tudo como vimos.
Nem também houve violação dos princípios da legalidade e da tipicidade tributárias na interpretação da al. 10) do art.º 9.º do CIVA, vertida nos actos de liquidação adicional em crise, segundo a qual é de exigir, para aplicação da isenção, reconhecimento formal mediante certificação da DGERT. Pelo já visto. Nem ocorre incompatibilidade dessa interpretação com o Direito da UE, nem, por aí, violação do art.º 8.º, n.º 4, da CRP.
Havendo norma legal, aprovada pela AR, CIVA, contendo previsão e estatuição da isenção, produzida em transposição da DIVA dando cumprimento ao aí disposto, desde logo no Art.º 131.º, não caberá recusar-se a aplicação da norma nacional e aplicar directamente a respectiva Directiva. Sob pena de violação daqueles princípios. Houve, pois, em nosso entender, errada desaplicação das referidas normas do CIVA, em violação do princípio da legalidade e da Constituição (v., entre o mais, art.s 103.º, n.º 2, 266.º, 205.º da CRP e 8.º da LGT).
*
Pelo que antecede, as liquidações adicionais em crise reportadas ao exercício de 2017 eram de anular, como se decidiu. Ainda que com fundamentação – na medida que vimos – distinta.
Já as liquidações adicionais referentes a 2018 eram de manter, por conformes à lei, e o Pedido era, quanto a nós, improcedente nesta parte. A saber, improcedente no montante global (IVA e juros compensatórios) de € 412.751,93, correspondente às facturas emitidas - sem IVA - pela Requerente em 2018, de Janeiro a Outubro (e sem prejuízo do respeitante à autoliquidação reportada a Novembro de 2018, a anular, a haver condições de procedência, na medida que se verificasse devido).
Lisboa, 28 de Abril de 2023
Sofia Ricardo Borges
[1] Neste sentido, ANSELMO DE CASTRO, Direito Processual Civil Declaratório, volume II, páginas 253-254.
[2] Neste sentido, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 82-83.
[3] ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 170.
[4] SÉRVULO CORREIA, Noções de Direito Administrativo, Volume I, 1982, página 457.
No mesmo sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral do Direito Administrativo, 2.ª edição, 2015, páginas 196-200, e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, Direito Administrativo, volume I, 1980, páginas 394-397.
[5] Esta referência ao «direito» engloba a generalidade dos antecedentes jurídicos que subsistam na ordem jurídica.
Essencialmente neste sentido, MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e J. PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo Comentado, volume I, 1993, página 140.
[6] Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos do TC:
– n.º 29/83, de 21-12-1983, publicado no BMJ, n.º 338, página 201 (especialmente, páginas 204-205);
– n.º 48/84, de 31-5-1984, publicado no BMJ, n.º 348, página 202 (especialmente, página 211);
– n.º 290/86, de 29-10-1986, ATC 8.º volume, página 421 (especialmente, páginas 423-424);
– n.º 205/87, de 17-6-1987, ATC 9.º volume, página 209 (especialmente páginas 221-222);
– n.º 461/87, de 16-12-1987, publicado no BMJ, n.º 372, página 180 (especialmente página 197);
– n.º 76/88, de 7-4-1988, publicado no BMJ, n.º 376, página 179 (especialmente página 190);
– n.º 321/89, de 29-3-1989, publicado no BMJ, n.º 385, página 265 (especialmente página 281).
[7] (e identificados nas facturas na origem das correcções)
[8] Melhor, ao abrigo do Art.º 13.º, n.º 1 da Sexta Directiva. Ao qual corresponde actualmente o Art.º 131.º da DIVA.
[9] Em rigor na Sexta Directiva, Art.º 13.º, com igual redacção.
[10] O Art.º 132.º insere-se no Capítulo 2 do respectivo Título da Directiva.
[11] E que antes era o n.º 1 do Art.º 13.º da Sexta Directiva, com idêntica redacção.
[12] Como assim todas as constantes do art.º 9.º do CIVA.
[13] Directiva 2006/112/CE, de 28.11.2006 (que revogou a anterior Directiva 77/388/CEE, do Conselho, de 17.05.1977 - “Sexta Directiva”).