Sumário:
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O artigo 110.º do TFUE estabelece a impossibilidade de fazer incidir, directa ou indirectamente, sobre produtos dos outros Estados-Membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares.
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A redacção introduzida pelo art. 391.º, da Lei n.º 75-B/2020, de 31/12, ao art. 11.º, n.º 1, do CISV, ao desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, nomeadamente, por discriminar, no âmbito do cálculo do imposto, a taxa de redução que é aplicável à componente ambiental, por confronto à aplicada à componente cilindrada, viola o artigo 110.º do TFUE.
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A..., portador do NIF ..., residente na Rua ..., ..., ..., ...-...Aveiro (doravante, “Requerente”), veio, ao abrigo do disposto no art. 99.º do CPPT, deduzir, em 1/9/2022, impugnação da liquidação do ISV resultante das DAVs constantes dos Docs. 1 e 2 juntos aos autos, por entender que “as liquidações efectuadas do ISV estão feridas de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2”.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida.
2.1. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o presente signatário como árbitro do tribunal arbitral singular, o qual comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 15/11/2022.
3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, o Requerente, alega, em síntese, o seguinte:
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«O impugnante introduziu em Portugal em 05.08.2022 e 16.08.2022, os seguintes veículos automóveis ligeiros usados, provenientes da Alemanha, país membro da União Europeia: - Marca Ferrari, Modelo F 151, a que foi atribuída a ícula ...; - Marca Rolls-Royce, Modelo Ghost Family, a que foi atribuída a matrícula ... . Veículos que tiveram a sua primeira matrícula no referido país de origem.
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No cumprimento das suas obrigações legais, designadamente tributárias, o Impugnante procedeu à declaração aduaneira dos referidos veículos, tendo a AT procedido à liquidação do ISV (Imposto Sobre Veículos), no que diz respeito ao primeiro veículo, pelo valor de €20.687,43 e, no que diz respeito ao segundo veículo, €27.524,32, impostos que já foram pagos pelo Impugnante. Destes valores liquidados, €16.619,93 corresponde à componente cilindrada, e €31.591,82 à componente ambiental. Sendo que estes valores resultaram das reduções referentes ao número de anos de uso do veículo. Sendo que as percentagens de redução relativamente à componente ambiental são inferiores às aplicadas à componente cilindrada, tudo conforme resulta das DAVs que se juntam – Doc. 1 e 2.
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Apesar do Impugnante ter procedido ao pagamento do imposto liquidado, sem o qual não poderia legalizar os veículos para poderem circular em Portugal, considera que as liquidações efectuadas do ISV estão feridas de um vício de ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2. E isto porque a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – art. 11.º do CISV – viola o art. 110.º do TFUE (Tratado de Funcionamento da União Europeia), conforme foi já declarado por acórdãos transitados em julgado do Tribunal de Justiça da União Europeia e por outras decisões proferidas por este Centro de Arbitragem.
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Na sequência d[o] acórdão [de 16.06.2016 do TJUE] que declarou o incumprimento pela República Portuguesa do art. 110.º do TFUE, o legislador nacional introduziu uma nova alteração ao CISV, através da Lei n.º 42/2016, de 27 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2017). Alteração concretizada através de uma nova redacção do art. 11.º do CISV e da tabela D que integra esse mesmo artigo. Analisada essa tabela, conclui-se que o Estado Português respeitou o decidido pelo Tribunal Europeu naquele referido acórdão, ao alargar as percentagens de redução ao primeiro ano de uso do veículo, prolongando-a até aos 10 e mais anos de uso. Todavia, a par desta alteração, foi introduzida uma outra, bem mais gravosa para o cálculo do ISV. Com efeito, o legislador, com a nova redacção dada ao art. 11.º, voltou a limitar a aplicação das percentagens de redução apenas à componente cilindrada, excluindo-a da componente ambiental (emissão de CO2).
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Com esta alteração, o legislador retrocedeu ao ano de 2010 e voltou a pôr em vigor uma norma jurídica que tinha sido já objecto de um processo instaurado pela Comissão Europeia e que esteve na base da alteração legislativa operada com a Lei 55-A/2010 de 31 de dezembro. Limitando a tabela de redução para cálculo do ISV à componente cilindrada e excluindo-a da componente ambiental (emissão de CO2). O legislador português, aproveitando o facto do Acórdão do Tribunal de Justiça apenas se ter debruçado sobre os anos que deveriam ser abrangidos pela redução do imposto, voltou a excluir a redução da componente ambiental que tinha sido já objecto de alteração legislativa anterior, imposta ou recomendada pela Comissão Europeia. Esta alteração legislativa provocou uma nova reacção da CE, que interpôs em abril de 2020 uma nova acção por incumprimento contra a República Portuguesa, que deu lugar ao proc. n.º C-169/20. Tendo sido proferido em 02.09.2021 o respectivo acórdão do TJUE, que reconheceu que este Estado-Membro, “ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado-Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redacção que lhe foi dada pela lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do art. 110.º TFUE”.
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Na pendência deste processo, mas antes de ser proferido o referido acórdão, o legislador português, através da Lei do Orçamento do Estado para 2021 – Lei 75-B/2020 de 31 de dezembro – aprovou uma nova alteração ao art. 11.º do CISV, mediante a qual foi introduzida uma tabela de desvalorização da componente ambiental em função do número de anos de uso do veículo, com indicação das respectivas percentagens. Ver tabela D, n.º 1 do art. 11.º do CISV. Todavia, as percentagens aplicadas à componente ambiental são inferiores às que são aplicadas à componente cilindrada, mantendo assim um tratamento desigual entre estas duas componentes do imposto. Ou seja, o legislador português acabou por reconhecer a ilegalidade que estava a praticar na liquidação do ISV mas, apesar desse reconhecimento, continua a praticar essa mesma ilegalidade, embora por um valor inferior ao que vinha a ser praticado.
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Assim, a norma actualmente em vigor, e que esteve na base da liquidação do imposto pago pelo Impugnante, continua a violar frontalmente o art. 110.º do TFUE, conforme foi já decidido pelo acórdão acima citado e pela demais jurisprudência do TJUE. [...]. Viola a citada norma do tratado pois permite que a Administração Fiscal cobre um imposto sobre os veículos importados com base num valor superior ao valor real do veículo. [...]. Os fundamentos invocados quer no acórdão do TJUE e na demais jurisprudência europeia, quer na jurisprudência deste Tribunal Arbitral, aplicam-se integralmente às liquidações impugnadas nestes autos, apesar da alteração entretanto efectuada ao n.º 1 do art. 11.º do CISV.
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A AT, quando procedeu à liquidação do ISV sob a presente impugnação, não levou em consideração a totalidade do número de anos de uso dos veículos na sua componente ambiental, ao não aplicar as mesmas percentagens que aplicou à componente cilindrada. Tendo-o feito com o recurso a uma norma jurídica que viola o direito europeu – art. 110.º do TFUE – que, como tal, está ferida de ilegalidade.
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Todavia, se subsistirem dúvidas sobre a interpretação e aplicação do disposto no art. 110.º do TFUE, deve este Tribunal Arbitral proceder ao reenvio prejudicial desta questão ao Tribunal de Justiça para a interpretação da mesma à luz do Tratado.
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Verificados os cálculos do ISV, temos que relativamente à componente cilindrada o ISV foi liquidado por mais €11.460,81. Excesso que resulta da aplicação das percentagens de redução de 28% e 43%, quando deveria ter aplicado as percentagens de 52% e 65%, respectivamente, percentagens que foram aplicadas à componente cilindrada. A liquidação do ISV deve ser corrigida, reduzindo-se o valor do ISV a pagar para o valor de €36.750,94.
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Devendo ser restituído ao Impugnante o montante de €11.460,81 pago a mais. Acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do art. 43.º da LGT.»
3.1. O Requerente termina pedindo que «a presente impugnação se[ja] julgada provada e procedente, ordenando-se a anulação parcial das liquidações do ISV, de forma a aplicar-se a redução prevista no art. 11.º do CISV à componente ambiental.» O Requerente pede, ainda, que «a AT se[ja] condenada a restituir ao Impugnante a quantia de €11.460,81 cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal de 4%, desde a data do pagamento do imposto até à efectiva restituição.»
4. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “Requerida” ou “AT”) apresentou resposta, invocando, em síntese, o seguinte:
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«Defende o Requerente que a liquidação de ISV é ilegal por entender que, embora com a nova redação dada ao n.º 1 do artigo 11.º do CISV o Estado Português tenha finalmente reconhecido a obrigação de aplicar uma desvalorização pelo número de anos de uso dos veículos usados introduzidos em Portugal, oriundos de outro Estado Membro, no que diz respeito à componente ambiental do ISV, tal alteração da lei não foi suficiente para alcançar o desiderato pretendido da não-discriminação dos veículos usados importados de outros Estados-membros em relação aos veículos nacionais.
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Considerando, pois, que a tabela criada para esta componente do imposto, por prever uma desvalorização inferior à aplicada à componente cilindrada, não impede que a discriminação negativa daqueles veículos se mantenha, embora por valores inferiores àqueles que vinham sendo praticados até 31 de dezembro de 2020, entendendo que a violação do artigo 110.º do TFUE se mantém.
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Decorrendo dos elementos constantes do processo que, nos presentes autos de impugnação, está em causa a legalidade da liquidação do ISV efetuada de acordo com a tabela D anexa ao artigo 11.º do CISV, na redação dada pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro. Questionando-se, pois, no pedido de constituição de Tribunal Arbitral a alteração da redação efetuada ao artigo 11.º do CISV pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro.
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De facto, nos termos do artigo 8.º da LGT, estão sujeitos ao princípio da legalidade tributária a incidência, a taxa, os benefícios fiscais, as garantias dos contribuintes, a definição dos crimes fiscais e o regime geral das contra-ordenações fiscais, pelo que a AT não pode, sob pena de cometer uma ilegalidade, deixar de aplicar as taxas que se encontram em vigor à data da introdução do veículo no consumo.
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Ora, constando do CISV a disciplina legal do ISV, que também determina a incidência e taxas deste imposto, e considerando que o ato tributário visado foi praticado ao abrigo do artigo 11.º daquele Código, a AT não pode contrariar ou desobedecer às disposições legais nele ínsitas.
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Importando, desde já, referir que o ato de liquidação foi praticado tendo em consideração as normas estabelecidas no CISV, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, não podendo a AT deixar de aplicar normas com base num “julgamento” de alegada desconformidade com o direito comunitário.
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Por outro lado, acresce referir que, não tendo sido proferida qualquer decisão que declare com força obrigatória geral o vício de violação de lei comunitária, relativamente à nova redação do mencionado artigo 11.º, a AT, uma vez vinculada ao princípio da legalidade, terá de proceder à tributação dos veículos usados de acordo com a legislação atualmente em vigor, que se encontra vertida no CISV. Não assistindo, deste modo, razão ao Requerente, porquanto se conclui que não foi proferida qualquer decisão que declare com força obrigatória geral, o vício de violação de lei comunitária, relativamente ao artigo 11.º do CISV, na nova redação dada pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro.
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No que concerne à alteração legislativa em questão, efetuada ao n.º 1 do artigo 11.º do CISV, e, em concreto à tabela D, refira-se que o legislador nacional optou por aplicar percentagens de redução de ISV diferenciadas à componente cilindrada e à componente ambiental, na admissão de veículos usados provenientes de outros Estados Membros da União [...].
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De facto, em momento anterior à prolação do Acórdão de 2 de setembro de 2021, no âmbito do processo n.º C-169/2020, do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), interposto pela Comissão Europeia contra o Estado Português (assente no facto do sistema de tributação dos veículos usados violar o disposto no artigo 110.º do TFUE, uma vez que não considerava qualquer desvalorização na componente ambiental), o legislador português através da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (OE/2021) alterou o artigo 11.º do CISV, introduzindo no seu n.º 1, uma tabela com percentagens de redução de imposto da componente ambiental que, juntamente com a tabela da componente cilindrada, estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, cumprindo assim, as exigências manifestadas no Parecer Fundamentado que a Comissão enviou ao Estado Português, no sentido de conformar o sistema de tributação dos veículos usados em Portugal com o direito comunitário.
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Assim, ao ser estabelecida legalmente a tabela de desvalorização relativamente ao imposto resultante da componente ambiental, ficou afastada a ilegalidade e a desconformidade da legislação nacional face ao primado do direito comunitário.
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[N]a sua decisão, o Tribunal de Justiça não entendeu que a percentagem de redução de imposto a aplicar às componentes cilindrada e ambiental teria de ser a mesma, mas sim que a componente ambiental deveria ser desvalorizada, como já o foi mediante a alteração ao n.º 1 do artigo 11.º do CISV, na nova redação dada pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro.
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A fixação das taxas obedece aos objetivos de política fiscal e ambiental, entre outros, prosseguidos pelo Governo, desconhecendo-se a existência de qualquer Acórdão do TJUE que vede, aos Estados Membros, a possibilidade de fixação de reduções diferenciadas para as duas componentes do ISV [...].
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[A] nova redação do n.º 1 do artigo 11.º, do CISV, dada pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, já incorpora as preocupações levantadas pela Comissão Europeia em matéria de compatibilidade com o direito europeu, refletindo a doutrina que resulta do Acórdão do Tribunal de Justiça prolatado no Processo n.º C-169/20, porquanto já prevê na Tabela D, à semelhança do que já sucedia com a componente cilindrada do ISV, que os veículos usados provenientes de Estados–membros da União Europeia beneficiem de um desconto/redução sobre a componente ambiental do ISV. Concluindo-se, assim, que a liquidação de ISV, ao aplicar o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional em vigor e com o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição, não existindo, conforme o exposto, a invocada discriminação da tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-membros, não se verificando, consequentemente, a alegada violação do artigo 110.º do TFUE.
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[A]tento todo exposto, e também porque o tribunal está obrigado a julgar de acordo com o direito constituído, deve improceder o pedido formulado de anulação parcial da liquidação de ISV.
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Peticiona o Requerente a restituição do imposto no total de 11.460,81 €, que, de acordo com a tese que defende, seriam devidos por conta do montante do imposto que teria sido pago em excesso. Ora, quanto a esta questão importa referir que, conforme decorre do RJAT, a instância arbitral constitui um contencioso de mera anulação, competindo ao tribunal arbitral a apreciação da legalidade de atos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1), não lhe competindo, por conseguinte, pronunciar-se sobre a restituição de valores/montantes e cálculo de imposto, por conta da anulação, total ou parcial, de atos de liquidação de ISV. Assim, incumbindo às alfândegas efetuar a liquidação do imposto, compete-lhes igualmente promover as diligências necessárias ao cumprimento das decisões arbitrais, designadamente, quanto ao cálculo dos montantes que, em caso de procedência da ação, venham a ser reembolsados ao sujeito passivo, até porque, a anulação parcial das liquidações irá determinar, em sede de ISV, a realização de liquidações de substituição.
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Peticiona ainda o Requerente o pagamento de juros indemnizatórios. Ora, o direito a juros indemnizatórios, consagrado no artigo 43.º da Lei Geral Tributária, pressupõe que se apure a existência de erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido. E, no caso concreto, não se verifica a existência de qualquer erro que possa ser imputável à administração tributária. É que, efetivamente, a liquidação em causa nos presentes autos decorreu exclusivamente da aplicação da lei em vigor, tendo sido efetuada nos termos das normas aplicáveis, previstas no CISV, que determinam a exigibilidade e consequente liquidação do imposto.
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Pelo que, face ao invocado, tendo a AT agido no cumprimento estrito da lei, não se verifica qualquer erro de que possa resultar o pagamento indevido do imposto, não devendo assistir, por conseguinte, ao Requerente, o direito ao pagamento de juros indemnizatórios.»
4.1. A AT conclui a sua resposta pedindo que o pedido de pronúncia arbitral seja «julgado improcedente.»
5. Não tendo sido invocadas excepções e não havendo matéria de facto controvertida, por as questões a decidir serem de direito, o Tribunal Arbitral, através de despacho de 14/4/2023, prescindiu da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste. Foi, ainda, fixado o dia 21/4/2023 para a prolação da decisão arbitral.
II. Saneamento
6. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.
7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8. Pelo exposto, e não havendo nulidades, impõe-se o conhecimento do mérito do pedido.
III. Questões a decidir
9. Na petição arbitral, o Requerente alega que as liquidações de ISV ora em causa “estão feridas de um vício de ilegalidade no que diz respeito a cálculo da componente ambiental ou CO2”. No entender do Requerente, “a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – art. 11.º do CISV – viola o art. 110.º do TFUE (Tratado de Funcionamento da União Europeia), conforme foi já declarado por acórdão transitado em julgado do Tribunal de Justiça da União Europeia e por outras decisões proferidas por este Centro de Arbitragem.”
10. Pelo exposto, o Requerente pede a “anulação parcial das liquidações do ISV, de forma a aplicar-se a redução prevista no art. 11.º do CISV à componente ambiental” e que a AT “se[ja] condenada a restituir ao Impugnante a quantia de €11.460,81 cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal de 4%, desde a data do pagamento até à efectiva restituição.”
11. Por seu lado, a Requerida considera, em síntese, que “em momento anterior à prolação do Acórdão de 2 de setembro de 2021, no âmbito do processo n.º C-169/2020, do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), interposto pela Comissão Europeia contra o Estado Português (assente no facto do sistema de tributação dos veículos usados violar o disposto no artigo 110.º do TFUE, uma vez que não considerava qualquer desvalorização na componente ambiental), o legislador português através da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (OE/2021) alterou o artigo 11.º do CISV, introduzindo no seu n.º 1, uma tabela com percentagens de redução de imposto da componente ambiental que, juntamente com a tabela da componente cilindrada, estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, cumprindo assim, as exigências manifestadas no Parecer Fundamentado que a Comissão enviou ao Estado Português, no sentido de conformar o sistema de tributação dos veículos usados em Portugal com o direito comunitário. Assim, ao ser estabelecida legalmente a tabela de desvalorização relativamente ao imposto resultante da componente ambiental, ficou afastada a ilegalidade e a desconformidade da legislação nacional face ao primado do direito comunitário.”
12. Pelo exposto, conclui-se que a questão essencial a decidir nos presentes autos diz respeito à avaliação da interpretação do referido art. 11.º do CISV (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31/12), da qual resultaram as liquidações de ISV aqui em causa (e cuja anulação parcial constitui o objecto do presente pedido arbitral), tendo em vista verificar se a mesma viola ou não o disposto no artigo 110.º do TFUE (aferindo, caso subsistam dúvidas, se haverá necessidade de promover o reenvio prejudicial ao TJUE, nos termos sugeridos por Requerente e Requerida: vd. §§ 63.º e 64.º da p.i. e 45.º da resposta da Requerida). Por último, tratar-se-á da questão relativa ao pagamento dos juros indemnizatórios peticionados.
IV. Mérito
IV.1. Matéria de facto
13. Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
A. O ora Requerente introduziu em Portugal, em 5/8/2022 e 16/8/2022, os seguintes veículos automóveis ligeiros usados, provenientes da Alemanha, país membro da União Europeia: - Marca Ferrari, Modelo F 151, a que foi atribuída a matrícula ...; - Marca Rolls-Royce, Modelo Ghost Family, a que foi atribuída a matrícula ... . Veículos que tiveram a sua primeira matrícula no referido país de origem.
B. Conforme resulta dos elementos constantes do PA apenso aos autos, e relativos aos procedimentos atinentes às Declarações Aduaneiras de Veículo (DAVs) n.ºs, respetivamente, 2022/..., com data de 16/8/2022, e 2022/..., com data de 5/8/2022, ambas da Alfândega de Leixões, relativo a ISV, tendo sido as referidas DAVs apresentadas naquela instância aduaneira, por transmissão electrónica de dados, para introdução no consumo dos veículos, ligeiros de passageiros, usados, provenientes da Alemanha. Com referência às mencionadas DAVs, apresentadas pelo ora Requerente, operador sem estatuto, foram declarados os veículos ligeiros de passageiros da marca Rolls-Royce e Ferrari, usados, acima referidos e cujas características constam das inscrições dos Quadros E, para os quais aqui se remete (vd. PA apenso).
C. A liquidação e o cálculo do montante de imposto foram efetuados de acordo com os artigos 7.º e 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas, conforme resulta do Quadro R da DAV, as reduções previstas nas tabelas A e D para os veículos ligeiros de passageiros, com referência à componente cilindrada e à componente ambiental, de acordo com as características do veículo, nos termos dos referidos artigos do CISV.
D. Dos Quadros T das declarações consta a identificação do acto de liquidação e data da liquidação (IL n.º 2022/..., de 11/8/2022, e IL nº 2022/..., de 4/8/2022), montante, termo final do prazo de pagamento (que, em ambos os casos, ocorreu em 31/8/2022), data de cobrança e a identificação do autor do acto (quadro V).
E. A AT liquidou ISV no montante de €20.687,43 quanto ao veículo da marca Ferrari, e €27.524,32 quanto ao veículo da marca Rolls-Royce. Do valor total de ISV liquidado (e que foi pago pelo requerente), €16.619,93 [= €9.850,40 + €6.769,53] correspondem à componente cilindrada e €31.591,82 [= €17.673,92 + €13.917,90] à componente ambiental (vd. Docs. 1 e 2 apensos aos autos).
F. O Requerente alega que, quanto à componente ambiental, o ISV foi liquidado por mais €11.460,81 – um “excesso [que] [...] resulta da aplicação das percentagens de redução de 28% e 43%, quando deveria ter aplicado as percentagens de 52% e 65%, respectivamente, percentagens que foram aplicadas à componente cilindrada”. Por essa razão, o Requerente considera que a liquidação deve ser corrigida, “reduzindo-se o valor do ISV a pagar para o valor de €36.750,94”, e que deve ser “restituído ao Impugnante o [acima referido] montante de €11.460,81”. Para o Requerente, a actual redacção do n.º 1 do art. 11.º do CISV “viola o direito europeu – art. 110.º do TFUE”.
G. A 1/9/2022, o Requerente apresentou o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, peticionando a anulação parcial das liquidações de ISV ora em causa, assim como a restituição do montante de €11.460,81, acrescido de juros indemnizatórios.
IV.2. Factos não provados
14. Inexistem factos não provados com relevo para a apreciação do mérito da causa.
IV.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
15. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
16. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
17. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados.
IV.4. Matéria de direito
18. A questão essencial aqui em causa já foi, por múltiplas vezes, objecto de análise em sede arbitral, ainda que maioritariamente quanto a liquidações feitas ao abrigo de anteriores redacções do art. 11.º do CISV (i.e., anteriores à alteração operada com a LOE para 2021).
19. A jurisprudência arbitral do CAAD a respeito de liquidações feitas ao abrigo de anteriores redacções é, como se disse, numerosa e o entendimento que dela resulta (vd. o entendimento que está vertido, e.g., nas Decisões arbitrais proferidas nos processos 346/2019-T, 348/2019-T, 350/2019-T, 459/2019-T, 466/2019-T, 498/2019-T, 660/2019-T, 776/2019-T, 833/2019-T, 13/2020-T, 33/2020-T, 75/2020-T, 117/2020-T, 130/2020-T, 201/2020-T, 246/2020-T, 293/2020-T, 779/2020-T e 129/2021-T) tem sido consistentemente apoiado por decisões do TJUE (vd. o Acórdão proferido a 16/6/2016, no proc. n.º C-200/15, e, mais recentemente, o Acórdão proferido a 2/9/2021, no proc. n.º C-169/20).
20. Com efeito, o TJUE, no seu Acórdão proferido a 2/9/2021, pronunciando-se sobre a então última redacção do artigo 11.º do CISV, concluiu que, “ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado-Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redacção que lhe foi dada pela lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do art. 110.º TFUE”.
21. Contudo, e como refere o ora Requerente, na pendência desse proc. n.º C-169/20 (e antes de ser proferido o Acórdão de 2/9/2021), o legislador português, através da LOE para 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31/12), viria a aprovar uma nova alteração ao art. 11.º do CISV, por meio da qual foi introduzida uma tabela de desvalorização da componente ambiental em função do número de anos de uso do veículo, com indicação das respectivas percentagens. Essa nova alteração do art. 11.º do CISV (que é a que está em causa nos presentes autos) não seria objecto de análise pelo referido Acórdão do TJUE de 2021.
22. No entender do Requerente, embora com esta última redacção dada ao n.º 1 do art. 11.º do CISV, “o legislador português [tenha] acaba[do] por reconhecer a ilegalidade que estava a praticar na liquidação do ISV, [...] apesar desse reconhecimento, continua a praticar essa mesma ilegalidade, embora por um valor inferior ao que vinha a ser praticado”. Razão pela qual o Requerente conclui que “a norma actualmente em vigor, e que esteve na base da liquidação do imposto pago pelo Impugnante, continua a violar frontalmente o art. 110.º do TFUE”.
23. Considera, assim, o Requerente, que a tabela criada para esta componente do imposto, por prever uma desvalorização inferior à aplicada à componente cilindrada, não impede que a discriminação negativa daqueles veículos se mantenha, embora por valores inferiores àqueles que vinham sendo praticados até 31/12/2020, termos em que entende que a violação do artigo 110.º do TFUE se mantém.
24. A este respeito, alega a Requerida, em síntese, que: i) por um lado, “a AT não pode, sob pena de cometer uma ilegalidade, deixar de aplicar as taxas que se encontram em vigor à data da introdução do veículo no consumo”; ii) por outro lado, “a fixação das taxas obedece aos objetivos de política fiscal e ambiental, entre outros, prosseguidos pelo Governo, desconhecendo-se a existência de qualquer Acórdão do TJUE que vede, aos Estados Membros, a possibilidade de fixação de reduções diferenciadas para as duas componentes do ISV (componente cilindrada e componente ambiental)”. Daqui conclui a Requerida “que a liquidação de ISV, ao aplicar o artigo 11.º do CISV, foi efetuada em conformidade com a lei nacional [...], não existindo [...] a invocada discriminação da tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-Membros, não se verificando, consequentemente, a alegada violação do artigo 110.º do TFUE.”
25. Vejamos, então.
26. Com o OE para 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31/12), e ao contrário do que sucedia antes, passou a haver uma redução do ISV na componente ambiental.
27. Na nota justificativa que acompanhou a proposta do PS (Partido Socialista) no sentido da alteração da fórmula de cálculo do ISV nos veículos usados importados de outro país da UE (proposta que viria a ser aprovada durante a votação na especialidade do OE para 2021), lê-se o seguinte: “mantendo inalterada a lógica subjacente à tabela de taxas de desconto para a componente ambiental do ISV proposta pelo Governo, propõe-se uma redução do seu número de escalões e, consequentemente, reajustamento das suas taxas, por forma a que a tabela possa ser mais facilmente articulada com a tabela de descontos aplicável à componente cilindrada do ISV, já que, deste modo, ambas as tabelas passam a ter o mesmo número de escalões e as mesmas taxas, ainda que por referência a anos de uso diferentes” (sublinhado nosso).
28. Nesse sentido, e como foi dito na Decisão proferida no proc. n.º 209/2021-T (citada pela Requerida), “não se vislumbra [imediata] ilegalidade na [...] diferença (decorrente do facto de as percentagens de redução estarem associadas, nas componentes cilindrada e ambiental, à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respectivamente).” Contudo, este entendimento só se sustenta se a referida diferença não vier a implicar discriminação no cálculo do imposto a ponto de que, quando o mesmo se aplique a veículos usados importados de outros Estados‑Membros, se ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado‑Membro de importação[1] – pois, como assinala, expressamente, o TJUE no Acórdão de 2/9/2021, “o Tribunal de Justiça já teve oportunidade de sublinhar que o artigo 110.º TFUE se opõe a um imposto relativo ao registo dos veículos cujo montante, determinado, nomeadamente, em função da «classificação ambiental» dos veículos, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados‑Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado‑Membro de importação (Acórdão de 5 de outubro de 2006, Nádashi e Németh, C‑290/05 e C‑333/05, EU:C:2006:652, n.os 56 e 57).” (sublinhado nosso).
29. Com efeito, no caso em que, pela primeira vez, se analisou a consideração da componente ambiental no âmbito da tributação automóvel no direito húngaro (vd. Acórdão de 5/10/2006, proc. C-290/05, caso Ákos Nádasdi), o TJUE viria, então, a considerar que: “51. No que concerne aos critérios que podem ser utilizados para o cálculo de um imposto, há que recordar que o direito comunitário, no estado actual da sua evolução, não limita a liberdade de cada Estado‑Membro estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos, ainda que similares na acepção do artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE, em função de critérios objectivos, como sejam a natureza das matérias‑primas utilizadas ou os processos de produção aplicados. Contudo, tais diferenciações só são compatíveis com o direito comunitário se prosseguirem objectivos compatíveis, também eles, com as exigências do Tratado e do direito derivado e se as suas modalidades forem de molde a evitar qualquer forma de discriminação, directa ou indirecta, das importações provenientes dos outros Estados‑Membros, ou de protecção em favor de produções nacionais concorrentes (acórdão Outokumpu, já referido, n.º 30). 52. No âmbito de um regime relativo ao imposto automóvel, critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em considerações ambientais constituem critérios objectivos. [...]. 53. Contudo, um imposto automóvel não deve onerar mais os produtos provenientes de outros Estados‑Membros do que os produtos nacionais similares.” (sublinhados nossos). Com base nestas considerações, o TJUE viria a declarar, no referido caso Ákos Nádasdi, que: “57. [...] o artigo 90.°, primeiro parágrafo, CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a um imposto como o instituído pela lei relativa ao imposto automóvel, na medida: – em que seja cobrado sobre os veículos usados quando da sua primeira colocação em circulação no território de um Estado‑Membro e; – em que o seu montante, exclusivamente determinado em função das características técnicas dos veículos (tipo de motor, cilindrada) e da sua classificação ambiental, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados‑Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado‑Membro de importação.” (sublinhado nosso).
30. No caso dos presentes autos, o Requerente alega que, quanto à componente ambiental, o ISV foi liquidado por mais €11.460,81 – referindo que esse “excesso [...] resulta da aplicação das percentagens de redução de 28% e 43%, quando deveria ter aplicado as percentagens de 52% e 65%, respectivamente, percentagens que foram aplicadas à componente cilindrada”. Por essa razão, o Requerente considera que a liquidação do ISV em causa deve ser corrigida, “reduzindo-se o valor do ISV a pagar para o valor de €36.750,94”, e que deve ser “restituído ao Impugnante o [referido] montante de €11.460,81”. Em síntese, para o Requerente, a actual redacção do n.º 1 do art. 11.º do CISV “viola o direito europeu – art. 110.º do TFUE”, sendo que essa violação (como também alega o Requerente) “já [foi] declarada pelas decisões deste Tribunal Arbitral proferidas nos proc. 372/2021-T e 607/2021-T.”
31. Na verdade, para além dessas duas Decisões arbitrais, há também outras duas decisões no mesmo sentido, ainda mais recentes, e igualmente incidindo sobre a actual redacção do artigo 11.º do CISV (redacção introduzida pelo art. 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31/12): é o caso, das Decisões proferidas nos processos 352/2022-T e 343/2022-T. Também incidindo sobre a actual redacção do art. 11.º (mas considerando que a alegação de violação do artigo 110.º do TFUE está dependente de prova ou demonstração em contrário, por parte do Requerente, que ilida a presunção de legalidade da norma portuguesa), podem indicar-se as Decisões arbitrais proferidas nos processos 349/2022-T e 481/2022-T – ambas assentes no entendimento de que (vd. Decisão do proc. 349/2022-T) “a liquidação efectuada ao abrigo do artigo 11.º, n.º 1, [do CISV] [...], na redação dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro [...] goz[a] de uma presunção de legalidade de não se encontrar em desconformidade com o direito comunitário, designadamente do artigo 110.º do TFUE, aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP, que não foi ilidida pelo Requerente, por prova ou demonstração em contrário, no que respeita ao facto do ISV ser reduzido por tempos de uso, de forma diferenciada, consoante se trate da componente cilindrada ou da componente ambiental.”
32. Para as quatro Decisões arbitrais primeiramente mencionadas, nem mesmo esta “prova ou demonstração”, a realizar pelo Requerente, seria necessária, visto que se entende que “o artigo 11.º do CISV, na redação introduzida pelo artigo pelo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, ao determinar a aplicação de taxas de redução diferenciadas às componentes do ISV (componente cilindrada e componente ambiental) liquidado na tributação dos veículos usados provenientes de outro Estado-membro comparativamente à tributação dos veículos originariamente registados em território português, consubstancia [em si mesma] uma discriminação não admitida pelos normativos do artigo 110.º do TFUE.” (vd. ponto 1.º do sumário da Decisão arbitral proferida no proc. 352/2022-T).
33. A argumentação que é utilizada para sustentar a existência desta desconformidade é a seguinte (vd. o seguinte excerto da Decisão arbitral proferida no proc. 352/2022-T): “Como corolário desta decisão do TJUE [Acórdão proferido no processo n.º C-169/20], através da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, o legislador nacional introduziu nova redação no artigo 11.º do CISV, tendo passado também a existir uma redução do imposto na componente ambiental, eliminando parcialmente a violação ao artigo 110.º do TFUE. Todavia, a alteração legislativa foi insuficiente, na medida que estabeleceu taxas percentuais diferenciadas para cada uma das componentes (componente cilindrada e componente ambiental), permitindo a persistência de uma concreta discriminação entre os veículos originariamente registados em território nacional e os veículos usados provenientes de outro Estado-membro. Na situação em apreço, o que está em causa não é determinar se um Estado-membro pode ou não estabelecer taxas de redução diferenciadas para cada uma das componentes do ISV; o eixo central da matéria controvertida prende-se com a discriminação verificada por efeito das diferentes percentagens de redução do imposto e da tributação incidente sobre os veículos em cada uma das situações – nacionais e provenientes de outro Estado-membro –, a qual deve ser igualitária e não discriminatória, tal como decorre dos atuais normativos do artigo 11.º do CISV comparativamente à tributação do veículos originariamente registados em Portugal, o que consubstancia uma violação do artigo 110.º do TFUE.” (sublinhados nossos).
34. E continua a mesma Decisão arbitral, acrescentando que, “nesta medida, acompanha[-se] a posição do Magistrado do Ministério Público, expressa no Parecer n.º 110/2022, elaborado no processo n.º 84/22.0BALSB do STA, do qual se transcreve o segmento seguinte: «1.10 Ora, pese embora na redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, se tenha incluído uma taxa de desvalorização em função da componente ambiental, que não era prevista na anterior redação, que só previa a desvalorização na componente da cilindrada, essa desvalorização obedece a critérios distintos (num caso atende à “desvalorização comercial do veículo” e no outro à “vida útil média remanescente do veículo”), o que implica a utilização de taxas de desvalorização distintas, conforme se infere da Tabela D do artigo 11.º, o que em nosso entender e salvo melhor opinião dá origem a diferente carga do imposto residual no preço de venda de um veículo usado com as mesmas caraterísticas, conforme seja proveniente doutro estado membro ou vendido no mercado interno. 1.11 Na verdade, enquanto na venda de um veículo usado já anteriormente registado no território nacional se atende apenas à desvalorização comercial do veículo, em cujo preço de venda está incorporado o valor residual do imposto suportado aquando da 1.ª matricula (admissão ao consumo), na venda de um veículo usado proveniente de outro estado membro o cálculo do imposto que onera o valor do veículo é feito em função de duas taxas de desvalorização distintas, sendo a relativa à componente ambiental inferior à da componente de cilindrada, o que, em princípio, penaliza esta última transação (por implicar uma menor desvalorização do valor do veículo na componente ambiental, o que implica maior matéria tributável). 1.12 Ou seja, no primeiro caso o valor residual do imposto que onera o preço do veículo é formado apenas em função da desvalorização comercial do veículo, enquanto no segundo caso o mesmo é formado em função da desvalorização do veículo e da sua “vida útil remanescente”, o que origina que, em razão da menor taxa de desvalorização deste último critério, uma maior carga tributária no segundo caso. 1.13 E nessa medida o imposto (ISV) assim calculado provoca (continua a provocar) um efeito discriminatório sobre os veículos usados provenientes de outros estados-membros da União Europeia, o que, salvo melhor opinião, viola o disposto no artigo 110.º do TFUE.»” (sublinhados nossos). Neste termos, conclui, mais adiante, a referida Decisão arbitral, que “o normativo do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, é incompatível com o artigo 110.º do TFUE, na medida em que sujeita os veículos usados provenientes de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior à do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional, o que consubstancia uma discriminação proibida pelo referido artigo do TFUE, e implica que, consequentemente, a norma do artigo 11.º do CISV seja ilegal.” (sublinhado nosso).
35. Tal discriminação é claramente demonstrada e comprovada pelo Requerente nos presentes autos. Com efeito, e como se refere nos §§ 67.º e 68.º da respectiva p.i., houve, no caso aqui em análise, a sujeição dos dois veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior (porque a taxa de desvalorização relativa à componente ambiental é inferior à da componente de cilindrada, implicando, assim, uma menor desvalorização do valor do veículo na componente ambiental e maior matéria tributável) por comparação com veículo usado anteriormente registado em território nacional, da qual resultou, “relativamente à componente ambiental, o ISV [...] liquidado por mais €11.460,81”, excesso esse que, como bem se refere, “resultou da aplicação das percentagens de redução de 28% e 43%, quando [para evitar a assinalada discriminação] deveria ter aplicado as percentagens de 52% e 65%, respectivamente, percentagens que foram aplicadas à componente cilindrada”.
36. Com efeito, e como se pode ver nos Docs. 1 e 2 apensos, do valor total de ISV liquidado (€48.211,75), €16.619,93 [= €9.850,40 + €6.769,53] correspondem à componente cilindrada e €31.591,82 [= €17.673,92 + €13.917,90] à componente ambiental. Dada a verificação desta diferença, conclui-se pela existência, no presente caso, de discriminação que não é admitida pelo art. 110.º do TFUE.
37. Em face do exposto, e como esta posição encontra respaldo na jurisprudência do TJUE já acima referida, pode concluir-se que não se suscitam, nesta sede, quaisquer dúvidas quanto à incompatibilidade com o direito comunitário da norma aplicada às liquidações impugnadas, nem quanto à posição constante e reiterada do TJUE nos termos assinalados nesta Decisão, nem quanto à interpretação do art. 110.º do TFUE, pelo que se mostra desnecessário o reenvio prejudicial, julgando-se, assim, incompatível com o direito comunitário a norma do art. 11.º, n.º 1, do CISV, na redacção dada pela Lei n.º 75-B/2020, de 31/12, na medida em que, pelas razões já supra referidas, tal norma sujeita – como se veio a demonstrar no caso sub judice – os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transaccionados no mercado nacional.
38. Assim sendo, conclui-se que o acto de liquidação aqui em causa encontra-se, pelas razões acima mencionadas, ferido de ilegalidade, por violação do disposto no artigo 110.º do TFUE, devendo esse acto ser parcialmente anulado na medida da diferença, em excesso, resultante da aplicação das taxas relativas à componente ambiental relativamente às taxas que são aplicadas à componente cilindrada.
Restituição do imposto pago em excesso / Juros indemnizatórios
39. Relativamente ao pedido de restituição do imposto pago em excesso, não restam dúvidas de que assiste ao Requerente o direito a tal restituição - sendo que o referido pedido se contém nos poderes reconhecidos aos tribunais arbitrais em matéria tributária.
40. Com efeito, e como refere, por ex., na Decisão arbitral (colectiva) de 9/11/2020 (processo n.º 772/2019-T), «dúvidas não subsistem de que os poderes dos tribunais arbitrais se circunscrevem a poderes de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto impugnado. Porém, não obstante este contencioso ser essencialmente de mera anulação, à semelhança do que sucede com o contencioso tributário impugnatório no âmbito dos tribunais tributários estaduais, existem alguns poderes condenatórios, estritamente ligados ao poder anulatório, relacionados com o direito a juros indemnizatórios, com o direito a indemnização por prestação indevida de garantia ou com o direito à restituição do imposto indevidamente pago. [...]. [...] os tribunais arbitrais tributários não podem emitir injunções condenatórias para além dos poderes estritamente ligados ao poder anulatório, que acima se referiram. No caso, interpreta-se o peticionado [...] como um pedido de restituição do imposto indevidamente pago por força do acto tributário impugnado, [...] [sendo que tal pedido] se contém nos poderes reconhecidos aos tribunais arbitrais em matéria tributária.» (Sublinhados nossos.)
41. Neste mesmo sentido – mas também no que se refere ao entendimento, com o qual se concorda, relativamente ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios –, veja-se, por ex., a Decisão arbitral (colectiva) de 15/6/2020, proferida no processo n.º 702/2019-T: “Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária». O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT [...] e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial) [...]. Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida. Cumpre, assim, apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios. Na sequência da anulação das liquidações, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia indevidamente suportada [...]. No que concerne a juros indemnizatórios, o n.º 1 do artigo 43.º da LGT apenas reconhece o direito a juros indemnizatórios quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços. O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06.” (sublinhados nossos).
42. Em face do exposto, conclui-se, no caso aqui em apreciação, que tem o Requerente direito a juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, art. 61.º do CPPT, art. 559.º do Código Civil, e da Portaria n.º 291/2003, de 8/4.
43. Em resumo, reconhece-se ao ora Requerente: o direito ao reembolso parcial do montante por si pago, relativo ao ISV na parte em que a liquidação se deve considerar anulada (€11.460,81), como forma de se alcançar a reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade supra assinalada; e o direito aos juros indemnizatórios peticionados até ao integral reembolso do montante pago em excesso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do art. 61.º do CPPT, do art. 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8/4.
V. DECISÃO
Em face do supra exposto, decide-se:
- Julgar procedente o pedido de anulação parcial das liquidações de ISV identificadas no pedido arbitral, determinando-se a sua anulação parcial, pela quantia paga em excesso, no valor de €11.460,81, com o consequente reembolso do valor indevidamente cobrado.
- Julgar procedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até ao integral reembolso (restituição), conforme referido nos pontos 42 e 43 desta decisão arbitral.
VI. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 11.460,81 (onze mil quatrocentos e sessenta euros e oitenta e um cêntimos), nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a pagar pela Requerida, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
VIII. Comunicação ao Ministério Público
Notifique-se o Ministério Público, nos termos do artigo 17.º, n.º 3, do RJAT, para efeitos de eventual recurso previsto no n.º 3 do artigo 72.º da Lei n.º 28/82, de 15/11, se for caso disso.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de Abril de 2023.
O Árbitro
(Miguel Patrício)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto
no art. 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do art. 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.
[1] Com efeito, o que foi dito na Decisão proferida no proc. n.º 209/2021-T quanto à nova redacção do art. 11.º do CISV dependia da existência de uma “aproximação razoável” que impedisse a referida discriminação: “usando [...] terminologia próxima da que foi adoptada pela Comissão Europeia na acção por incumprimento contra o Estado Português, interposta a 23/4/2020 no TJUE, ainda que com base numa redacção anterior deste art. 11.º do CISV (que desconsiderava totalmente a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV), [verificar-se que] «a tabela de desvalorização adoptada pela legislação nacional [...] condu[z] [com a nova redacção, e ao contrário do que sucedia com a anterior,] a uma aproximação razoável do valor real do veículo usado importado»”. Pelo que, caso se verifique e demonstre, ao invés, que a mencionada “aproximação” não ocorre e que “«o montante pago para registar um veículo usado importado excede o montante relativo a um veículo usado similar já registado em Portugal»” (gerando, por essa via, aquela discriminação), teria (e terá) de concluir-se que a actual redacção do artigo 11.º do CISV viola o disposto no artigo 110.º do TFUE, bem como a jurisprudência do TJUE.