DECISÃO ARBITRAL
A Árbitra Sofia Quental, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 23 de Junho de 2022, decide o seguinte:
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Em 13 de Abril de 2022, a sociedade A… – Cinemas, S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede na Avenida …, Lisboa, (doravante abreviadamente identificada por “Requerente”), requereu a constituição do Tribunal Arbitral Singular em matéria tributária, nos termos do disposto da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102.º, n.º1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto na alínea a), do n.º1 do artigo 10º do RJAT, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos seguintes actos:
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Acto de liquidação de IVA n.º …, relativo ao período 2014/11, no valor de € 21.511,18 (vinte e um mil, quinhentos e onze euros e dezoito cêntimos);
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Actos de liquidação de IVA, n.º 2020 …, relativo ao período 2015/08, n.º 2020 …, relativo ao período 2015/11, n.º 2020 …, relativo ao período 2015/12 e n.º 2020 …, relativo ao período 2016/01, no montante global de € 18.894,06 (dezoito mil, oitocentos e noventa e quatro euros e seis cêntimos) e dos respetivos actos de liquidação de juros compensatórios no valor total de € 3.908,35 (três mil, novecentos e oito euros e trinta e cinco cêntimos);
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Decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º …;
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Decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º ….
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É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante abreviadamente identificada por “Autoridade Requerida” ou simplesmente por “AT”).
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite em 14 de Abril de 2022, pelo Exmo. Senhor presidente do CAAD, tendo as partes sido notificadas em 14 de Abril de 2022.
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A Requerente não procedeu à nomeação de Árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º do RJAT, a ora signatária foi designada pelo Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente Tribunal Arbitral Singular, tendo a nomeação sido aceite no prazo e nos demais termos legalmente previstos.
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As partes foram devidamente notificadas dessa designação em 03 de Junho de 2022, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do Árbitro, nos termos conjugados do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
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O Tribunal Arbitral Singular ficou, assim, constituído em 23 de Junho de 2022 para apreciar e decidir o objecto do presente litígio.
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Deste modo importa ter em conta que a Requerente sustentou, em síntese, o seu pedido da seguinte forma:
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A Requerente em 12.05.2015, submeteu a declaração periódica de IVA relativa ao período de 2014/11;
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Alega a Requerente que todas as facturas cujo IVA foi objecto de dedução se encontram pagas;
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A Requerente foi notificada do acto de liquidação de IVA referente ao período de 2014/11 melhor identificado no ponto 1.;
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Dessa liquidação consta uma correção ao valor do excesso a reportar existente na conta corrente de IVA, por alegadamente "se verificar que o contribuinte não procedeu à retificação a favor do Estado da dedução do imposto anteriormente efetuado, referente a créditos considerados de cobrança duvidosa (alínea a) do n.º 2 do art.º 78-A do Código do 1VA";
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Refere ainda que “a correção é feita nos termos do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 229/95, de 11 de Setembro e repercute-se para os períodos de imposto seguintes.";
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Posteriormente, foi a Requerente notificada dos restantes actos de liquidação de IVA relativos aos períodos de 2015/08, 2015/11, 2015/12 e 2016/01, melhor identificados no ponto 1.;
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Em consequência, a Requerente deduziu Reclamação Graciosa quanto ao acto de liquidação de IVA relativo ao ano de 2014/11, que foi objecto de indeferimento;
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Relativamente aos períodos de 2015/08, 2015/11, 2015/12, a Requerente deduziu igualmente Reclamação Graciosa, tendo esta também sido objecto de indeferimento;
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Em 19.01.2021, a Requerente interpôs Recurso Hierárquico das duas decisões de indeferimento das Reclamações Graciosas;
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Ambos os Recursos Hierárquicos foram indeferidos;
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Em 13 de Abril de 2022, a Requerente apresenta pedido de pronuncia arbitral, peticionado a anulação dos actos de liquidação de IVA supra descritos em 1., com o enquadramento e fundamentos infra elencados;
Da errónea quantificação do imposto a favor do Estado no que respeita ao período de 2014/11
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Entende a ora Requerente que os “procedimentos previstos nos artigos 78.º-A e seguintes do Código do CIVA, têm como propósito permitir a regularização do IVA de dívidas de cobrança duvidosa ou incobráveis, permitindo-se à entidade emitente a sua regularização e, concomitantemente, impor ao devedor a reposição do IVA inicialmente deduzido, mas nunca pago ao credor.”;
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Assumindo ainda que, o procedimento que originou os actos impugnados, previsto no n.º 2 do artigo 78.º-C da Código do IVA, “tem subjacente a recusa da entidade devedora em proceder à regularização do IVA em causa, permitindo-se à Requerida emitir liquidação adicional que corresponda ao IVA não regularizado pelo devedor”;
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Alega a Requerida que se trata de um procedimento em que a AT só pode agir se algum credor imputar a existência de uma dívida a outro sujeito passivo;
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Neste sentido, alega ter demonstrado, de forma inequívoca, que somente deduziu IVA de facturas pagas, inexistindo “quaisquer fundamentos de facto que permitissem a emissão de qualquer liquidação adicional, nos termos do n.º2 do artigo 78.º-C do Código do CIVA”;
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É entendimento da Requerente que todos os valores inscritos na declaração periódica de IVA do período 2014/11 reportam a facturas que já se encontram integralmente liquidadas e cujo IVA associado foi objecto de dedução no respectivo período de tributação, nomeadamente, Novembro de 2014;
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Em virtude do exposto, defende a Requerente que a Requerida “incorreu em erro de interpretação dos factos, mais concretamente, erro na quantificação do imposto a favor do Estado no que respeita ao período de 2014/11”, fundamento pelo qual requer a anulação do respectivo acto de liquidação e restantes actos de liquidação de IVA decorrentes do primeiro, invocando para o efeito o artigo 22.º do Código do IVA que regula o direito à dedução, salientando que apenas foi deduzido “imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações previstas no artigo 20.º, n.º1” do Código do IVA;
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A Requerente refere ainda ter cumprido, “de modo inequívoco, o ónus da prova dos factos constitutivos do direito ao benefício que invoca, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, devendo presumir-se verdadeiras e de boa-fé todas as declarações por si apresentadas”, conforme dispõe o artigo 75.º, n.º 1 da LGT;
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Por último, salienta que a tributação apenas pode ser operada com base nos rendimentos reais e não com base em presunções, a não ser nos casos expressamente previstos na lei;
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Pelo que se trata de uma “situação em que o exercício de um poder vinculado conduz a uma flagrante injustiça, pelo que deve a Administração Tributária fazer operar o princípio da justiça, consagrado no artigo 55.º da LGT e no n.º 2 do artigo 266.º da CRP”;
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Concluindo que as liquidações de IVA em crise no presente pedido, bem como, os actos subsequentes que as sustentaram “incorrem em erro por violação do n. º1 do artigo 19.º e do n.º 1 do 22.º, ambos do Código do IVA, sendo consequentemente inválidas e devendo ser anuladas, nos termos conjugados dos artigos 163.º e 165.º do CPA”;
Da falta de fundamentação dos actos de liquidação de IVA
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Alega a Requerente que a AT violou o dever de fundamentação das liquidações sub judice relativas aos períodos de tributação de 2014/11, 2015/08, 2015/11, 2015/12 e 2016/01;
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Sustenta a sua pretensão nos seguintes factos:
- Alegada total falta de fundamentação de todas as liquidações notificadas.
- Ausência de qualquer notificação para que a Requerente exercesse o seu direito de audição prévia.
- Acrescentado ainda que “nos atos de liquidação notificados não são explicitados os fundamentos, quer de facto, quer de direito, que determinaram a sua emissão, sendo, apenas, indicado um conjunto de valores, sem qualquer identificação quanto à sua natureza e origem, impercetíveis para um destinatário normal, e também para a ora Requerente.”
- Não foram identificadas as disposições legais em que assentou aquela mesma decisão.
- Não foi identificado “o credor, nem as faturas cuja falta de pagamento lhe é imputada.”
- Não foi dado a conhecer o “motivo pelo qual a correcção à liquidação de IVA referente a novembro de 2014 implica a emissão de novas liquidações em relação aos períodos de agosto, novembro e dezembro de 2015 e janeiro de 2016.”
- Para o efeito, invoca o disposto no artigo 77.º da LGT que versa o dever de fundamentação de todos os actos tributários, salvo as devidas excepções, peticionando a anulação dos mesmos por violação do disposto nos artigos 77.º da LGT, 152.º do CPA, 268.º, n.º 3 da CRP, 163.º e 165.º do CPA;
Da preterição de formalidade legal essencial – da violação do direito de audição
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No entender da Requerente, não lhe foi dada possibilidade de se pronunciar quanto às liquidações referentes a 2015 e 2016, nomeadamente no que respeita à “correcção daqueles acertos, que em relação à legalidade, quem em termos de valores, quer em termos de períodos de tributação”;
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Alegando que não foi notificada, em momento anterior ao da prática dos referidos actos de liquidação de IVA, para se pronunciar sobre o teor dos mesmos, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, invocando a anulação dos actos de liquidação impugnados por preterição de formalidade legal essencial conforme artigo 135.º do CPA;
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Peticiona, com o fundamento supra descrito, a anulação das liquidações de IVA dos períodos de 2015 e 2016, em cumprimento do disposto nos artigos 163.º e 165.º do CPA por no seu entender ter violado o disposto nos artigos 60.º da LGT e 267.º, n.º5 da CRP.
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Devidamente notificada em 30.06.2022 para apresentar Resposta, a Autoridade Requerida não apresentou Resposta nem juntou o Processo Administrativo no prazo exigido pelo artigo 17.º do RJAT.
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Perante a falta de Resposta e a junção do Processo Administrativo foi a Autoridade Requerida notificada em 13.10.2022, para juntar aos presentes autos o Processo Administrativo, tendo no mesmo despacho arbitral sido dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, por desnecessária.
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Dado que a Autoridade Requerida apenas juntou aos autos o Processo Administrativo em 15.12.2022 foi proferido despacho arbitral prorrogando-se por dois meses o prazo para prolação da decisão arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.
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Nos termos do disposto no artigo 12.º, n.º 6, do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD, se não for apresentada contestação, o procedimento arbitral prossegue, sem que se considere esta falta, em si mesma, como uma aceitação das alegações da demandante.
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Em 23.02.2023 foi proferido novo despacho para prorrogação do prazo por mais dois meses para prolação da decisão arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.
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Nem a Requerente nem a Requerida apresentaram alegações escritas.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º do RJAT.
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As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
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A procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito pelo que é admissível a cumulação de pedidos nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do RJAT.
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Não se verificam nulidades e questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que cumpre decidir.
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Factos dados como provados:
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
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A Requerente é uma sociedade residente fiscal em Portugal que tem por objecto a exploração cinematográfica e fotográfica sob qualquer modalidade comercial ou industrial (Cfr. Certidão permanente código …-…-…).
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A Requerente é sujeito passivo de IVA (Cfr. Documento n.º13 junto com a petição inicial), enquadrando-se no regime normal mensal de tributação.
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Em 12.01.2015, apresentou declaração periódica de IVA relativa ao período de tributação de 2014/11 (Cfr. Documento n.º 11 junto com a petição inicial).
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Na referida declaração apurou o montante total de base tributável de € 281.619,93 e € 66.245,09 de imposto a favor do Estado (Cfr. Documento n.º 11 junto com a petição inicial).
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Os valores inscritos na respectiva declaração apresentada resultam das facturas constantes das tabelas juntas pela Requerente (Cfr. Documentos n.ºs 14 e 15, juntos com a petição inicial + Anexo A).
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A Requerente procedeu ao pagamento de todas as facturas relativamente às quais deduziu IVA (Cfr. Anexo B junto com a petição inicial).
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Da declaração periódica resultou imposto a pagar no montante total de € 3.502,74 (Cfr. Documento n.º 25, p.18).
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Em Fevereiro de 2020, a Requerida notificou a Requerente da comunicação n.º …, datada de 30.01.2020, relativa ao período de tributação 2014/11 para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia quanto ao projecto de liquidação adicional de IVA, no montante de € 21.511,18, com fundamento na “Falta de rectificação, pelo devedor, a favor do Estado (n.ºs 1 e 2 do artigo 78.º-C do CIVA)” (Cfr. Documento n.º 16 junto com a petição inicial).
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Em 10.03.2020 a Requerida emitiu comunicação com o n.º …, contendo a liquidação adicional de IVA n.º …, referente ao período de 2014/11, no valor de € 21.511,18 (Cfr. Documento n.º 1 junto com a petição inicial).
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Na comunicação … a Requerida sustenta a liquidação adicional com fundamento em que a Requerente não procedeu “à rectificação a favor do Estado da dedução do imposto anteriormente efectuada referente a créditos considerados de cobrança duvidosa (alínea a) do n.º 2 do art.º 78-A do Código do IVA. Esta correcção é feita nos termos do art.º7 do decreto-Lei n.º22”.
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A Requerente foi posteriormente notificada dos seguintes actos de liquidação de IVA (Cfr. Documentos n.ºs 2, 3, 4,5, juntos com a petição inicial):
- Liquidação n.º 2020 …, datada de 11.03.2020, relativa ao período de tributação de 2015/08 no montante de € 6.165,65;
- Liquidação n.º 2020 …, datada de 12.032020, relativa ao período de tributação de 2015/11 no montante de € 1.006,47;
- Liquidação n.º 2020 …, datada de 12.03.2020, relativa ao período de tributação de 2015/12, no montante de € 5.921,00;
- Liquidação n.º 2020 …, datada de 12.03.2020, relativa ao período de tributação de 2016/01, no montante de € 5.800,94; e bem assim,
- dos respectivos juros compensatórios no valor total de € 3.908,35 (Cfr. Documentos n.ºs 6 a 9, juntos com a petição inicial);
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A Requerida apresenta em todas as notificações das liquidações infra a seguinte fundamentação “Liquidação efectuada nos termos do artigo 87.º do Código do IVA, em resultado do processamento da declaração correctiva enviada para o período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração” (Cfr. Documentos n.ºs 2, 3, 4 e 5 enviados com a Petição Inicial).
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Posteriormente, foi notificada dos respectivos acertos de contas, não tendo procedido ao pagamento dentro do prazo estipulado (Cfr. Documentos n.ºs 17 a 24, juntos com a petição inicial e artigo 27.º da petição inicial).
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Em 03.07.2020, a Requerente foi notificada da certidão, por esta solicitada, de fundamentação das liquidações de IVA que constituíam a quantia exequenda do processo de execução fiscal instaurado à Requerente (Cfr. Documento n.º 25 junto com a petição inicial).
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Da certidão requerida consta que a quantia exequenda de € 22.802,41 “é constituída pelo IVA e Juros Compensatórios dos períodos de Agosto, Novembro e Dezembro de 2015 e de Janeiro de 2016.” (Cfr. Documento n.º 25 junto com a petição inicial).
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Refere ainda o ponto 8 da certidão que “a correcção do excesso a reportar resulta de regularização oficiosa no período de Novembro de 2014 (…)” (Cfr. Documento n.º 25 junto com a Petição Inicial).
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A Requerente deduziu Reclamação Graciosa contra a liquidação de IVA n.º …, relativa ao período de 2014/11, tendo sido indeferida (Documento n.º 10 junto com a petição inicial).
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Do indeferimento da Reclamação Graciosa, a Requerente interpôs Recurso Hierárquico que foi igualmente indeferido (Documento n.º 10 junto com a petição inicial).
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A Requerente deduziu ainda Reclamação Graciosa quanto às liquidações n.º 2020 …, relativa ao período de 2015/08, n.º 2020 …, relativa ao período de 2015/11, e n.º 2020 …, relativa ao período de 2015/12, reclamação essa igualmente indeferida. (Documento n.º 11 junto com a petição inicial).
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A Requerente interpôs Recurso Hierárquico dessa decisão tendo igualmente disso indeferido (Documento n.º 11 junto com a petição inicial).
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Em 11.08.2020, a Requerente procedeu ao pagamento da quantia alegadamente em falta no valor de € 1.724,61 (mil setecentos e vinte e quatro euros e sessenta e um cêntimos) (Documento n.º 29 junto com a petição inicial).
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Factos dados como não provados:
Não se considera factualidade dada como não provada com relevância para a decisão arbitral.
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FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A matéria de facto dada como provada assenta na prova documental apresentada.
Não foi apresentada qualquer prova para além da documental.
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base na peça processual apresentada pela Requerente, bem como nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pela Requerente, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil (CC) é que não domina o princípio da livre apreciação da prova.
Constitui questão central dirimida, a qual cumpre, pois, apreciar e decidir: a “Determinação da legalidade dos actos de liquidação de IVA acima mencionados e de juros compensatórios”.
De harmonia com o preceituado no artigo 124.º do CPPT, aplicável aos processos tributários por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, apreciar-se-ão os vícios pela ordem indicada pela Requerente.
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Errónea quantificação do imposto a favor do Estado no que respeita ao período de 2014/11
A Requerente argui a errónea quantificação do imposto a favor do Estado no que respeita ao período de 2014/11, por violação do n.º 1 do artigo 19.º e do n.º 1 do artigo 22.º ambos do Código do CIVA, requerendo a respectiva anulabilidade nos termos conjugados dos artigos 163.º e 165.º do CPA.
Para tal alega o seguinte:
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a Requerente procedeu à entrega da declaração de IVA referente ao período de 2014/11, cujo o IVA que foi objecto de dedução se refere a facturas pagas aos seus fornecedores e associadas à sua actividade;
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a Requerente cumpriu de modo inequívoco o ónus da prova dos factos constitutivos do direito ao benefício que invoca nos termos do artigo 74.º, n.º 1 da LGT, devendo presumir-se verdadeiras e de boa fé todas as declarações por si apresentadas nos termos do artigo 75.º da LGT;
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o artigo 78-A e seguintes do Código do IVA têm como propósito permitir a regularização do IVA de cobranças duvidosas ou incobráveis, permitindo-se à entidade emitente a sua regularização e impor ao devedor a reposição do IVA inicialmente deduzido mas nunca pago ao credor;
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o artigo 78-C, n.º 2 do Código do IVA que deu origem aos actos impugnados tem subjacente a recusa da entidade devedora em proceder à regularização do IVA em causa;
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trata-se de um procedimento em que a Requerida só pode agir se algum credor imputar a existência de uma dívida a outro sujeito passivo;
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em momento algum a Requerida confirmou algum desses factos à Requerente.
Nos termos do artigo 78.º da LGT "Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”
O artigo 78-C, n.º 2, do Código do IVA obriga a uma notificação por parte da Autoridade Requerida nos termos do artigo 87.º do mesmo código.
Ora, no caso em apreço, a notificação referente à liquidação de IVA do período de 2014/11, menciona que foi efectuada uma correcção “ao valor do excesso a reportar existente na conta corrente de IVA nos termos aqui indicados por se verificar que não procedeu a rectificação a favor do Estado da dedução do imposto anteriormente efectuada referente a créditos considerados de cobrança duvidosa (alínea a) do n.º 2 do art.º 78-A do Código do IVA. Esta correcção é feita nos termos do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 229/95 de 11 de setembro e repercute-se para os períodos de imposto seguintes.”
De acordo com os factos provados, a Requerente procedeu ao pagamento de todas as facturas relativamente às quais deduziu IVA.
Refere ainda a Requerente que só deduziu não só o IVA das facturas pagas aos seus fornecedores, como apenas o IVA das facturas associadas à sua actividade, nos termos dos artigos 19.º, 20.º e 22.º do Código do IVA, facto nunca refutado pela Autoridade Requerida.
Pelo que desconhece a razão pela qual levou a Requerida a efectuar a correcção constante da liquidação de IVA referente ao período de 2014/11.
Os procedimentos previstos nos artigos 78.º-A e seguintes do Código do CIVA, prevêem várias situações em que é admitida a regularização, com direito à dedução, de créditos considerados de cobrança duvidosa e créditos considerados incobráveis.
O artigo 78-C, n.º 2, do Código do IVA, pressupõe que a Requerente não tenha efectuado uma rectificação que lhe cabia efectuar.
Trata-se assim de um procedimento em que tinha de existir uma dedução prévia de créditos de cobrança duvidosa indevida, o que não foi provado no caso em apreço.
Não tendo assim ficado demonstrada a existência de fundamentação de facto para a emissão do acto de liquidação de IVA para o período de 2014/11, e consequentemente, para os períodos seguintes de 2015 e 2016 ao remeterem a sua fundamentação para este acto de liquidação.
Pelo que se conclui que o acto de liquidação de IVA em crise, assim como os actos subsequentes, enfermam de vício de errónea quantificação do imposto a favor do Estado, por violação do n.º 1 do artigo 19.º e do n.º 1 do artigo 22.º ambos do Código do CIVA que justificam a sua anulação nos termos conjugados dos artigos 163.º e 165.º do CPA.
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Falta de fundamentação dos actos de liquidação de IVA
A Requerente argui a falta de fundamentação dos actos de liquidação de IVA com suporte no artigo 77.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), artigo 152.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA) e artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), requerendo as respectivas anulações nos termos dos artigos 163.º e 165.º do CPA.
Para tal, alega em suma o seguinte:
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absoluta falta de fundamentação dos actos de liquidação sub judice;
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nos referidos actos de liquidação, não são explicitados os fundamentos, quer de facto, quer de direito, que determinam a sua emissão, sendo apenas indicado um conjunto de valores, sem qualquer identificação quanto à sua natureza e origem, imperceptíveis para um destinatário normal, e também para a Requerente;
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não é identificado o credor, nem as facturas cuja falta de pagamento lhe é imputada;
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apenas é referido que as liquidações em análise poderão ser objecto de reclamação graciosa ou impugnação judicial;
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a certidão de fundamentação solicitada pela Requerente nos termos do artigo 37.º do CPPT, é omissa quanto aos fundamentos da correcção à liquidação do IVA de Novembro de 2014;
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o respeito pelos direitos mais elementares direitos dos contribuintes obriga a que a fundamentação seja contextual e que não se presuma, devendo resultar de forma concreta, expressa e inequívoca do próprio acto, o que não sucedeu;
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e, mesmo nos casos em que se admita a fundamentação por remissão, essa remissão deverá ser expressa, de modo que a fundamentação seja tão acessível ao contribuinte como se constasse do próprio acto, o que no caso em concreto também não sucedeu.
A exigência de fundamentação dos actos administrativos lesivos é feita no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, que estabelece, que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.
O dever de fundamentação dos actos tributários encontra-se especificamente estabelecido no artigo 77.º da LGT que dispõe:
“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 – A fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.”
Tem vindo a ser entendimento uniforme do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto. Considera-se ainda que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação (Cfr. neste sentido, os Acórdãos de 11.12.2007, recurso 615/07, de 10.02.2010, recurso 1122/09, de 09.09.2015, recurso 1173/14, e de 06.05.2015, recurso 291/13).
Por outro lado, para aferir a suficiência da fundamentação esta deverá ser contemporânea do acto impugnado. A fundamentação sucessiva ou a posteriori não é relevante para aferir a sua suficiência, quando não acompanhada de revogação e prática de um novo acto. (Cfr. neste sentido, Acórdãos da Secção do Contencioso Administrativo do STA: de 4-11-93, processo n.º 031798, publicado em Apêndice ao Diário da República de 15-10-96; e de 03-02-94, processo n.º 032325, publicado em Apêndice ao Diário da República de 20-12-96, e os Acordãos da Secção do Contencioso Tributário do STA de 24-11-1999, processo n.º 023720; e 19-12-2007, recurso n.º 0874/07, bem com o Acordão do STA de 19-05-2004, processo n.º 0228/03).
Por isso, a fundamentação adicional através de remissão para documentos que a contenham tem de integrar-se no próprio acto e ser contemporânea dele, não relevando para apreciação da validade formal do acto esclarecimentos elaborados posteriormente.
Ora, no caso em apreço, a notificação referente à liquidação de IVA do período de 2014/11, menciona que foi efectuada uma correcção “ao valor do excesso a reportar existente na conta corrente de IVA nos termos aqui indicados por se verificar que não procedeu a rectificação a favor do Estado da dedução do imposto anteriormente efectuada referente a créditos considerados de cobrança duvidosa (alínea a) do n.º 2 do art.º 78-A do Código do IVA. Esta correcção é feita nos termos do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 229/95 de 11 de setembro e repercute-se para os períodos de imposto seguintes.”
As liquidações de IVA referentes aos períodos de 2015/08, 2015/11, 2015/12 e 2016/01, no campo denominado “Fundamentação” têm todas o mesmo descritivo “Liquidação efectuada nos termos do artigo 87.º do Código do IVA em resultado do processamento da declaração corretiva enviada para um período de imposto para o qual já tinha sido enviada declaração periódica.”
A Requerente, por desconhecer os créditos alegadamente considerados de cobrança duvidosa, solicitou certidão de fundamentação das liquidações de IVA ao abrigo do artigo 37.º do CPPT, referente aos períodos de 2015 e 2016 acima referidos, constando apenas dessa certidão que "A quantia exequenda do Processo de Execução Fiscal n.º …, de 22 802,41€ é constituída pelo IVA e Juros Compensatórios dos períodos de Agosto, Novembro e Dezembro de 2015 e de Janeiro de 2016."
“Em relação a Agosto de 2015 (201508) a liquidação de IVA n.º 2020 …, de 2020-03-11, de 6.165,65€ resulta da correcção do excesso a reportar no campo 61 da declaração periódica de 42.249,59€ para 19.736,68€.”
“Em relação a Novembro de 2015 (201511) a liquidação de IVA n.º 2020 …, de 2020-03-12, de 1.006,47€ resulta da correcção do excesso a reportar no campo 61 da declaração periódica de 22.941,85€ para 10.213,70€.”
“Em relação a Dezembro de 2015 (201512) a liquidação de IVA n.º 2020 …, de 2020-03-12, de 5.921,00€ resulta da correcção do excesso a reportar no campo 61 da declaração periódica de 11.721,74€ para 0,00€.”
“Em relação a Janeiro de 2016 (201601) a liquidação de IVA n.º 2020 …, de 2020-03-12, de 5.800,94€ resulta da correcção do excesso a reportar no campo 61 da declaração periódica de 5.800,99€ para 0,00€.”
“A correção do excesso a reportar resulta de regularização oficiosa no período de Novembro de 2014 (1411). Para o exercício do direito de audição sobre o projeto de liquidação adicional de IVA, no montante de 21.511,18€, por falta de retificação, pelo devedor, a favor do Estado (n.º1 e 2 do artigo 78.º-C do CIVA) foi emitida notificação nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, em 2020-01-30. A notificação da liquidação foi emitida em 2020-03-10.”
Analisadas as supra referidas liquidações bem como o conteúdo da certidão de fundamentação, pode-se concluir que não estão satisfeitos os requisitos mínimos de fundamentação exigidos pelo artigo 77.º da LGT, nomeadamente os requisitos de que devem sempre conter “as razões de facto” e as “as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
Não são explicitados os fundamentos de facto que determinaram a sua emissão, nomeadamente, a identificação das facturas cuja falta de pagamento lhe é imputada no ano de 2014, nem lhe é dado a conhecer o motivo pelo qual a correcção à liquidação de IVA referente a 2014 implica a emissão de liquidações adicionais para os períodos em questão de 2015 e 2016.
Entendeu a Requerida proceder a uma correcção ao valor de excesso a reportar na declaração de IVA de 2014/11 devido a créditos considerados de cobrança duvidosa, não mencionando em momento algum a fundamentação para tal correcção, como a especificação dos créditos que deram origem a tal correcção.
Ora, tendo a Requerente demonstrado que apenas deduziu no período de Novembro de 2014, o IVA de facturas que foram pagas e associadas à sua actividade, não lhe permite aperceber-se da razão pela qual a Requerida decidiu proceder a tal correcção e muito menos a repercussão para declarações de IVA de períodos seguintes não sucessivos.
Tal como mencionado na decisão arbitral no âmbito do processo 245/2016T “A fundamentação do acto tributário é um dever que impende sobre a Requerida, correspondendo a uma garantia e a um direito dos contribuintes. A fundamentação cumpre uma função justificativa da legitimidade e racionalidade da administração pelo que não pode considerar-se como um mero elemento formal de que se pode prescindir quando a sua ausência ou insuficiência não provoque a falta de defesa do destinatário. Ela deve, por isso, em obediência ao preceituado no art. 77.º da LGT, expressar, mesmo que de forma sucinta, as razões que moveram a Autoridade Tributária a ter o comportamento que teve e ainda a referir as razões porque tomou determinada decisão (…) pois só assim o contribuinte destinatário conhecerá o itinerário cognoscitivo e valorativo e ficará convencido da legalidade e do rigor da Autoridade Tributária ou em situação de a contestar correctamente.”
Também não se poderá invocar, no caso em apreço, a fundamentação por via de remissão para a liquidação de IVA de 2014, dado que a Requerente nunca foi informada da identificação das facturas cuja dedução do IVA deu lugar às ditas correcções.
Só sendo relevante a fundamentação contemporânea das liquidações e aquela para que elas expressamente remetem, sendo irrelevante a fundamentação a posteriori (que neste caso a Autoridade Tributária nem apresentou qualquer contestação no presente processo), tem de concluir-se que os actos de liquidação de IVA e juros compensatórios em crise enfermam de vício de falta de fundamentação, que justifica a sua anulação.
Assim, procede totalmente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao vício de falta de fundamentação, quanto a estas liquidações de IVA, por não conterem directamente ou por remissão, todos os requisitos exigidos pelo artigo 77.º, n.º 1 e n.º 2 da LGT, o que justifica a sua anulação nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CPA subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c) da LGT.
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Juros compensatórios
As liquidações de juros compensatórios e as demonstrações de acerto de contas têm como pressuposto as respectivas liquidações de IVA (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que enfermam dos mesmos vícios que afectam estas, justificando-se também a sua anulação.
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Questões de conhecimento prejudicado
Resultando do exposto a declaração de ilegalidade das liquidações que são objecto do presente processo, por vícios que impedem a renovação dos actos, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhe são imputados pela Requerente.
Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.
Pelo exposto, fica prejudicada, por ser inútil nos termos suprarreferidos, a apreciação do vício da “preterição de formalidade legal essencial – da violação do direito de audição” que a Requerente imputa aos actos em causa.
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Juros indemnizatórios
A Requerente em 11.08.2020, procedeu ao pagamento da quantia de € 1.724,61 relativa às liquidações impugnadas, peticionando o reembolso da quantia indevidamente paga acrescida de juros indemnizatórios.
Conforme dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT, “A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta (…) Restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. E, de acordo com o disposto no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º1, alínea a) do RJAT, a administração tributária está “obrigada à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse cometida a ilegalidade compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”.
Em harmonia com o artigo 43.º, n.º 1 da LGT “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
Considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, segundo jurisprudência uniforme do STA, sempre que se verificar a procedência da reclamação graciosa ou impugnação judicial de acto de liquidação (no mesmo sentido, as decisões nos processos arbitrais n.ºs 218/2013-T, 729/2020-T e 460/2022T).
Complementarmente, o artigo 61.º, n.º 2 do CPPT determina no seu n.º 2 que “em caso de anulação judicial do acto tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar.”, bem como no seu n.º 5, que “os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos.”
No caso em apreço, a Requerente procedeu ao pagamento do montante indevido de € 1.724,61 em 11.08.2020, por erro unicamente imputável à Requerida.
Pelo que, procede o pedido de juros indemnizatórios que deverão ser calculados desde 11.08.2020, sobre o montante indevidamente pago de € 1.724,61, até ao seu integral pagamento, à taxa legal supletiva nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
Em face do exposto, o Tribunal Arbitral Singular decide julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, e em consequência:
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Anular o acto de liquidação de IVA n.º …, relativo ao período 2014/11, no valor de € 21.511,18 (vinte e um mil, quinhentos e onze euros e dezoito cêntimos);
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Anular os actos de liquidação de IVA, n.º 2020 …, relativo ao período 2015/08, n.º 2020 …, relativo ao período 2015/11, n.º 2020 …, relativo ao período 2015/12 e n.º 2020 … e relativo ao período 2016/01, no montante global de € 18.894,06 (dezoito mil, oitocentos e noventa e quatro euros e seis cêntimos) e respetivos actos de liquidação de juros compensatórios no valor total de € 3.908,35 (três mil, novecentos e oito euros e trinta e cinco cêntimos);
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Anular a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º …;
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Anular a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico n.º …;
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Condenar a Autoridade Requerida a restituir à Requerente os montantes indevidamente pagos;
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Julgar totalmente procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Requerida no pagamento de juros indemnizatórios contados desde 11.08.2020 sobre o montante indevidamente pago de € 1.724,61, até ao seu integral pagamento, à taxa legal em vigor;
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Condenar a Autoridade Requerida ao pagamento das custas do presente processo.
Fixa-se o valor da acção em € 21.511,18 (vinte e um mil quinhentos e onze euros e dezoito cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, cujo pagamento fica a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 20 de Abril de 2023
A Árbitra
Sofia Quental