Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 377/2022-T
Data da decisão: 2023-04-10   
Valor do pedido: € 30.866,71
Tema: IRS - Dupla tributação - Residente não habitual - Isenção
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SUMÁRIO:

  1. O Protocolo anexo à Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América faz parte integrante desta, tendo o mesmo valor jurídico.
  2. A tributação que seja ou possa ser efetuada pelos Estados Unidos da América, ao abrigo do ponto 1 b) do indicado Protocolo, é feita de acordo com a Convenção, subsumindo-se, assim, à hipótese prevista no artigo 81º nº 5 a) do CIRS.
  3. O artigo 81º nº 5 a) do CIRS não exige a tributação efetiva por outro Estado Contratante, bastando para a sua aplicação a possibilidade de tributação ou a tributação potencial por esse outro Estado.

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO:

 

A..., contribuinte fiscal n.º..., doravante designado por Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a anulação do ato de indeferimento tácito do recurso hierárquico apresentado contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS nº 2021..., referente ao exercício de 2020, no valor de € 30.866,71 e, em consequência, a anulação desta liquidação.

 

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese, o seguinte:

  1. O Requerente é um cidadão dos Estados Unidos da América (EUA);
  2. Sendo residente não habitual em Portugal desde 2020;
  3. Relativamente ao exercício de 2020, o Requerente entregou declaração de Modelo 3 de IRS, apresentando o Anexo J (rendimentos obtidos no estrangeiro) e o Anexo L (residente não habitual), optando pelo método de isenção relativamente aos rendimentos obtidos no estrangeiro (rendimentos da categoria E e da categoria G);
  4. A AT tributou os rendimentos da categoria G obtidos pelo Requerente nos EUA, liquidando imposto no valor de € 30.866,71, relativo a tributações autónomas;
  5. O Requerente pagou junto das Autoridades Fiscais Americanas o imposto relativo aos rendimentos da categoria G obtidos nos EUA no exercício de 2020, no montante de € 26.900,31;
  6. Nos termos do Protocolo anexo à Convenção para evitar a Dupla Tributação celebrada entre a República Portuguesa e os EUA, os EUA podem tributar os seus cidadãos como se a Convenção não tivesse entrado em vigor;
  7. Pelo que os rendimentos da categoria G obtidos pelo Requerente nos EUA estão isentos de tributação em sede de IRS, nos termos do disposto no artigo 81º nº 5 a) do CIRS;
  8. No caso de se entender não se encontrarem os rendimentos em causa isentos de tributação, sempre deveria a AT ter deduzido ao imposto a pagar em Portugal o imposto pago nos EUA;
  9. A liquidação impugnada é ilegal, por violar o artigo 81º nº 5 a) do CIRS e a CDT celebrada entre a República Portuguesa e os EUA;
  10. A liquidação impugnada viola os princípios do primado do direito internacional e da capacidade contributiva;
  11. O Requerente apresentou, em 20/08/2021, reclamação graciosa contra a liquidação efetuada, a qual não veio, no prazo legal, a ser objeto de qualquer decisão;
  12. Em 19/01/2022, o Requerente apresentou recurso hierárquico do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada, o qual não veio, no prazo legal, a ser objeto de qualquer decisão.

 

O Requerente juntou 7 documentos e não arrolou testemunhas.

 

No pedido de pronúncia arbitral, o Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

 

O tribunal arbitral foi constituído em 31 de agosto de 2022.

 

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, invocando em síntese:

  1. O Requerente não logrou demonstrar ter pago nos EUA o imposto relativo aos rendimentos da categoria G obtidos naquele Estado no ano de 2020 e que deram origem à liquidação impugnada;
  2. A cláusula de salvaguarda prevista no ponto 1 b) do Protocolo anexo à Convenção celebrada entre a República Portuguesa e os EUA prevê que um cidadão americano pode ser tributado por ambos os Estados Contratantes, comprometendo-se, no entanto, os EUA a evitar a dupla tributação dos rendimentos, através da dedução aos seus cidadãos dos impostos pagos em Portugal;
  3. O Requerente não logrou demonstrar se foi exercido o direito ao crédito de imposto previsto no artigo 25º nº 2 da Convenção;
  4. A tributação efetuada nos EUA de acordo com a cidadania não se enquadra na hipótese prevista no artigo 81º nº 5 a) do CIRS já que a possibilidade de tributação no Estado da fonte não se efetiva em conformidade com a Convenção (que atribui competência exclusiva para tributação ao Estado de residência) mas antes de acordo com a lei interna dos EUA, como se a Convenção não tivesse entrado em vigor;
  5. O artigo 25º nº 3 da Convenção apenas permite a dedução ao imposto a pagar em Portugal do imposto pago nos EUA quando este último tenha sido apurado com base em critérios que não o da cidadania, o que não sucede in casu, já que, se o Requerente foi tributado nos EUA, apenas o foi com base na cidadania.

 

Conclui peticionando a improcedência do pedido e, consequentemente, a manutenção na ordem jurídica dos atos sindicados pelo Requerente.

 

A Requerida juntou cópia do processo administrativo, não tendo arrolado nenhuma testemunha.

 

Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, tendo as partes sido notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas, o que fizeram, reiterando o alegado nos respetivos articulados.

 

II.     SANEAMENTO:

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

 

Não existem nulidades que invalidem o processado.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

 

Não existem outras nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

 

III.    QUESTÃO A DECIDIR:

 

A questão a decidir nos presentes autos reconduz-se a saber se os rendimentos da categoria G obtidos nos EUA pelo Requerente - cidadão americano com residência não habitual em Portugal - estão sujeitos a tributação em Portugal, em sede de IRS.

 

IV. MATÉRIA DE FACTO:

 

  1. Factos provados:

 

Com relevância para a decisão de mérito, foi provada a seguinte factualidade:

  1. O Requerente é um cidadão dos Estados Unidos da América (EUA);
  2. No ano de 2020, o Requerente detinha o estatuto de residente não habitual em Portugal;
  3. No ano de 2020, o Requerente procedeu à alienação de partes sociais e outros valores mobiliários, que geraram mais-valias, tendo declarado tais rendimentos no Anexo J, que apresentou aquando da entrega da declaração Modelo 3 de IRS referente ao exercício de 2020;
  4. Na declaração Modelo 3 de IRS entregue, o Requerente optou pelo método da isenção relativamente aos rendimentos da categoria G obtidos no estrangeiro;
  5. Da declaração Modelo 3 de IRS resultou a emissão de nota de liquidação que apurou imposto a pagar no montante de € 30.866,71, relativo a tributações autónomas;
  6. O Requerente apresentou, em 20/08/2021, reclamação graciosa contra a liquidação efetuada, a qual não veio, no prazo legal, a ser objeto de qualquer decisão;
  7. Em 19/01/2022, o Requerente apresentou recurso hierárquico do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada, o qual não veio, no prazo legal, a ser objeto de qualquer decisão;
  8. O Requerente apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral e pedido de pronúncia arbitral em 20/06/2022.

 

  1. Factos não provados:

 

Com interesse para os autos não se provou mais nenhum facto, designadamente que os rendimentos da categoria G auferidos pelo Requerente nos EUA no exercício de 2020 tenham sido sujeitos a imposto nesse Estado e que o Requerente tenha pago junto das Autoridades Fiscais Americanas o imposto relativo a tais rendimentos.

 

  1. Fundamentação da matéria de facto:

 

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base os elementos constantes dos autos, a prova documental junta pelas partes e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.

No que respeita à factualidade não provada, esta ficou a dever-se à total ausência de prova nesse sentido efetuada. Com efeito, pese embora o Requerente tenha, aquando da apresentação da declaração Modelo 3 de IRS relativa ao exercício de 2020, declarado o pagamento do imposto nos EUA, não fez nos autos prova de tal pagamento, o que sempre se impunha.

O documento junto pelo Requerente com o pedido de pronúncia arbitral sob o número 7, ao contrário do defendido pelo Requerente, apenas demonstra a realização de um pagamento, não sendo, porém, possível demonstrar referir-se ao pagamento do imposto devido nos EUA pelos rendimentos da categoria G aí obtidos pelo Requerente no exercício de 2020. Note-se, ademais, que o Requerente não juntou aos autos a declaração fiscal alegadamente apresentada nos EUA e que terá dado origem ao apuramento do imposto que invoca ter pago.

 

  1. DIREITO:

 

Com vista a evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento, foi, em 06 de setembro de 1994, celebrada entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, a Convenção, publicada no DR I Série A de 12 de outubro de 1995 - doravante, abreviadamente, a Convenção.

 

Nos termos do disposto no artigo 1º da Convenção, esta aplica-se às pessoas residentes de um ou de ambos os Estados Contratantes.

Antes de mais importa definir o conceito de residência fiscal para efeitos de aplicação da Convenção, conceito que não se confunde necessariamente com o conceito de residência fiscal para efeitos de direito interno.

 

Com efeito, o conceito de residência fiscal para efeitos de direito interno será plenamente aplicável nas situações que apenas apresentem conexão com a ordem jurídica nacional ou nas situações em que, havendo embora conexão com outra ordem jurídica, não há vinculação por via convencional do Estado Português com o Estado com o qual essa conexão se verifica.

 

Não é esse o caso dos Estados Unidos da América, que celebrou com Portugal a dita Convenção para evitar a Dupla Tributação.

 

Assim, nas relações entre Portugal e os Estados Unidos da América em matéria de impostos sobre o rendimento e sobre o capital é o conceito convencional de residência que deve prevalecer, por via da supremacia do direito internacional sobre o direito interno ordinário – cfr. artigo 8º da Constituição da República Portuguesa; cfr. ainda JOSÉ CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 2009, p. 104.

 

Isto posto,

 

Dispõe o artigo 4º da Convenção que, para efeitos da Convenção, a expressão “residente de um Estado Contratante” significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, residência, local de direção, local de constituição ou qualquer outro critério de natureza similar, excluindo expressamente qualquer pessoa que está sujeita a imposto nesse Estado apenas relativamente ao rendimento de fontes localizadas nesse Estado.

 

Embora os conceitos de residência (fiscal) para efeitos convencionais e para efeitos fiscais internos não se confundam, a Convenção em causa nos presentes autos, seguindo o Modelo de Convenção da OCDE, remete a definição do conceito convencional de residência para a legislação interna dos Estados contratantes.

 

No caso dos autos, conforme veio a resultar provado (cfr. ponto 2 da matéria de facto provada), no exercício de 2020, o Requerente beneficiou do estatuto de residente não habitual em Portugal.

 

Importa, pois, determinar qual o país com competência para tributar os rendimentos da categoria G auferidos pelo Requerente no exercício de 2020 nos Estados Unidos da América.

 

A este respeito, a Convenção distingue entre os vários tipos de rendimento, estabelecendo regras e competências de tributação distintas consoante a origem dos mesmos.

 

No caso dos autos, tratando-se os rendimentos que deram origem à liquidação em crise de rendimentos provenientes de mais-valias, será aplicável o artigo 14º da Convenção e, concretamente, o disposto no número 6 do referido artigo, nos termos do qual “os ganhos provenientes da alienação de quaisquer outros bens diferentes dos mencionados nos nºs 1 a 5 só podem ser tributados no Estado Contratante de que o alienante é residente”.

 

Assim, sendo o Requerente residente não habitual em Portugal, a competência para a tributação dos rendimentos por este obtidos nos EUA, provenientes da alienação de partes sociais e outros valores mobiliários, que geraram mais-valias, é atribuída a Portugal.

 

Nos termos do disposto no artigo 15º do CIRS as pessoas singulares residentes em Portugal são tributadas, a título de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, pela totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora do território - princípio da universalidade.

 

Não obstante, aquando da assinatura da Convenção, os Estados Contratantes acordaram determinadas disposições, que fizeram verter no Protocolo anexo à Convenção e que dela faz parte integrante.

 

De acordo com o ponto 1 b) do referido Protocolo, foi acordado entre os Estados Contratantes que, “não obstante o disposto na Convenção, salvo a alínea c) do presente número, um Estado Contratante pode tributar os seus residentes (como previsto nos termos do artigo 4º, «Residência»), e os Estados Unidos podem tributar os seus cidadãos, como se a Convenção não tivesse entrado em vigor(sublinhado nosso).

 

Significa isto que, pese embora as regras contidas na Convenção quanto à atribuição a Portugal da competência exclusiva de tributação dos rendimentos obtidos nos EUA por residentes em Portugal, os EUA se reservaram o direito de tributar os rendimentos auferidos pelos seus cidadãos numa base mundial e de acordo com o seu direito interno, “como se a Convenção não tivesse entrado em vigor”.

 

Nestas hipóteses verifica-se uma efetiva dupla tributação internacional, já que a competência para tributar é deferida a ambos os Estados Contratantes, sendo tal competência concorrente e cumulativa de ambas as jurisdições.

 

Ora, a fim de eliminar ou atenuar a dupla tributação a que a aplicação destas regras pode conduzir, a legislação portuguesa consagrou determinadas disposições unilaterais no respetivo ordenamento jurídico.

 

É o caso do artigo 81º do CIRS, que prevê o crédito de imposto (nºs 1 a 3) e a isenção de tributação em sede de IRS (nºs 4 e 5).

 

A propósito dos rendimentos da categoria G obtidos no estrangeiro por residentes não habituais em território português, prevê o número 5 do citado artigo 81º a aplicação do método da isenção, bastando que se verifique qualquer uma das seguintes condições:

 

  1. Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou
  2. Possam ser tributados no outro país, território ou região, em conformidade com o modelo de convenção fiscal sobre o rendimento e o património da OCDE, interpretado de acordo com as observações e reservas formuladas por Portugal, nos casos em que não exista convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, desde que aqueles não constem de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, relativa a regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis e, bem assim, desde que os rendimentos, pelos critérios previstos no artigo 18.º, não sejam de considerar obtidos em território português.

 

É sobre a possibilidade de aplicação da hipótese prevista na alínea a) que o Requerente e a Requerida divergem.

 

Defendendo a sua aplicação, alega o Requerente que, tendo o Protocolo anexo à Convenção exatamente o mesmo valor jurídico que esta, por dela fazer parte integrante, a tributação que seja ou possa ser efetuada pelos EUA, ao abrigo do ponto 1 b) do Protocolo anexo à Convenção, é feita de acordo com a Convenção, subsumindo-se, assim, à hipótese prevista no artigo 81º nº 5 a) do CIRS.     

 

Ao invés, rejeitando a sua aplicação, defende a Requerida que a tributação que seja ou possa ser efetuada pelos EUA, ao abrigo do ponto 1 b) do Protocolo anexo à Convenção, não é feita de acordo com a Convenção (que atribui competência de tributação exclusiva a Portugal - 14º nº 6), mas sim de acordo com a lei interna dos EUA, não se enquadrando, por isso, na isenção prevista no artigo 81º nº 5 a) do CIRS, aplicável apenas às situações em que os rendimentos em causa possam ser tributados no outro Estado Contratante, em conformidade com a Convenção.

 

Não se ignorando a existência de defensores de ambas as posições, tendemos a propender para a tese defendida pelo Requerente.

 

Com efeito, conforme resulta de forma expressa do Protocolo anexo à Convenção este faz parte integrante da Convenção, tendo exatamente o mesmo valor jurídico.

 

Ora, se o Protocolo faz parte integrante da Convenção, dúvidas não restam de que a tributação que seja ou possa ser efetuada ao abrigo do Protocolo é feita ao abrigo da Convenção.

 

Naturalmente que, apesar de ser feita ao abrigo da Convenção, a tributação que seja ou possa ser efetuada pelos EUA é feita ao abrigo da lei interna deste Estado. Assim como a tributação efetuada por Portugal é feita ao abrigo da sua lei interna. Mas tal não determina que tal tributação não seja efetuada ao abrigo da Convenção, já que esta se limita a definir qual o Estado com competência para tributar, o qual, como não podia deixar de ser, o faz de acordo com a respetiva lei interna.

 

E, se a tributação dos rendimentos da categoria G auferidos por cidadãos norte-americanos residentes não habituais em Portugal, como é o caso do Requerente, pode ser efetuada pelos EUA (ou, melhor dito, pode também ser efetuada pelos EUA, já que Portugal tem competência para os tributar ao abrigo do disposto no artigo 14º nº 6 da Convenção), em conformidade com o ponto 1 b) do Protocolo anexo à Convenção, que faz parte integrante desta, dúvidas não restam de que a estes rendimentos se aplica o método da isenção previsto no artigo 81º nº 5 a) do CIRS.

 

Note-se que, pese embora não tenha resultado demonstrado que os EUA tenham efetivamente feito uso do seu poder de tributar, tributando os rendimentos em causa, nem que o Requerente tenha pago naquele Estado imposto respeitante aos rendimentos em causa, a verdade é que tal é, para o caso, irrelevante.

 

Isto porque a isenção prevista no artigo 81º nº 5 a) do CIRS não exige qualquer tributação efetiva, bastando-se com a possibilidade de tal tributação.

 

É o que resulta de forma evidente da letra do citado preceito, que prevê a aplicação do método da isenção aos rendimentos que “possam ser tributados no outro Estado contratante” (sublinhado nosso).

 

Recorde-se que, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 11º da Lei Geral Tributária, as normas tributárias são interpretadas de acordo com os princípios de hermenêutica jurídica comummente aceites, maxime os fixados, entre nós, no artigo 9.º do Código Civil.

A interpretação literal apresenta-se, então, como o primeiro estádio da atividade interpretativa. Como refere FERRARA, “o texto da lei forma o substrato de que deve partir e em que deve repousar o intérprete[1].

 

Na verdade, uma vez que a lei se encontra expressa em palavras, deve, então, delas ser extraída a significância verbal que contêm, segundo a sua natural conexão e as regras gramaticais. Porém, sendo as palavras empregues pelo legislador equívocas ou indeterminadas, será forçoso recorrer à interpretação lógica, que atende ao espírito da disposição a interpretar.

 

No caso dos autos, da leitura da letra da lei, nenhuma dúvida resta de que a aplicação do método da isenção não está dependente de qualquer tributação efetiva pelo outro Estado Contratante, bastando-se com a possibilidade de tal tributação, isto é, com uma tributação potencial.

 

Note-se que, conforme decorre do disposto no artigo 9º nº 3 do Código Civil, na fixação do sentido e alcance da lei deve o intérprete presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

 

Deve então presumir-se que a lei pretendeu efetivamente aplicar o método da isenção quando se verifica uma tributação potencial do outro Estado Contratante.

Mas, ainda que se entendesse que a letra da lei suscitava algum tipo de dúvida sobre o seu sentido e alcance, devendo assim recorrer-se aos demais elementos de interpretação jurídica - o que não defendemos -, sempre se avançará não ter o tribunal elementos para surpreender na lei qualquer outro sentido que não aquele expressamente consagrado.

 

Com efeito, da análise dos elementos racional, sistemático e histórico, não é possível ao tribunal determinar com qualquer tipo de certeza que na redação do citado artigo 81º nº 5 a) do CIRS o legislador disse algo diferente do que pretendia.

 

Bem ao invés, interpretada a lei de acordo com estes elementos, parece poder concluir-se que a lei pretendeu efetivamente aplicar o método da isenção quando se verifica uma competência para tributar, ainda que meramente potencial, do outro Estado Contratante.

 

Em face do exposto e, sobretudo, em face da clareza da lei, não pode o tribunal entender que a situação dos autos não se subsume na hipótese prevista no artigo 81º nº 5 a) do CIRS.

 

Em suma, os rendimentos da Categoria G auferidos pelo Requerente nos EUA encontram-se isentos de tributação em Portugal, ao abrigo do disposto no artigo 81º nº 5 a) do CIRS, pelo que a liquidação efetuada é ilegal, por violação do citado preceito.

 

Sendo a liquidação efetuada ilegal, impõe-se, como pretendido pelo Requerente, para além da sua anulação, a anulação do ato de indeferimento tácito do recurso hierárquico apresentado contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de IRS em causa.

 

  1. DISPOSITIVO:

 

Em face do exposto, decide-se julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular o ato de indeferimento tácito do recurso hierárquico apresentado contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada, bem como a liquidação de IRS nº 2021..., referente ao exercício de 2020, no valor de € 30.866,71.

 

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Fixa-se o valor do processo em € 30.866,71, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e do nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

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Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.836,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no nº 2 do artigo 12º e do nº 4 do artigo 22º, ambos do RJAT, e do nº 1 do artigo 4º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida, por ser a parte vencida.

 

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Registe e notifique.

Lisboa, 10 de abril de 2023.

 

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O Árbitro,

 

Alberto Amorim Pereira

 

 



[1]   FRANCESCO FERRARA, in “Interpretação e Aplicação das Leis”, 1921, Roma; Tradução de   MANUEL DE ANDRADE, Arménio Amado, Editor, Sucessor – Coimbra, 2.ª Edição, 1963, p. 138 e ss.