Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 654/2022-T
Data da decisão: 2023-03-29  IRS  
Valor do pedido: € 196.066,73
Tema: IRS - Residente Não Habitual ("RNH") - rendimentos provenientes do estrangeiro (Brasil)
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Decisão Arbitral

 

         Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Cristina Coisinha e Dra. Sofia Quental (árbitras vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-01-2023, acordam no seguinte:

 

            1. Relatório

 

A..., titular do número de identificação fiscal..., e B..., titular do número de identificação fiscal..., casados, residentes na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Porto (doravante designados, abreviadamente, por "Requerentes"), apresentaram pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), tendo em vista a anulação parcial da liquidação de IRS n.º 2022..., relativa ao ano de 2018, bem como a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022..., que daquela deduziram.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Administração Tributária”).

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 28-10-2022.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 16-12-2022, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 03-01-2023.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defende a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 06-02-2023, foi decidido dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT e é competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

  1. Os Requerentes estão registados como residentes fiscais em Portugal e inscritos ao abrigo do regime do Residente Não Habitual ("RNH") desde 2016;
  2. No dia 29-03-2022, os Requerentes submeteram, na sua área reservada do Portal das  Finanças, uma Declaração Modelo 3 de IRS de substituição relativa ao ano de 2018, identificada com o n.º..., que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  3.  Nessa declaração, foram incluídos dois anexos J, relativos a “Rendimentos Obtidos no Estrangeiro”, um referente a cada um dos Requerentes, e dois anexos L, relativos a «Residente não habitual», também um referente a cada um dos Requerentes;
  4. Em cada um desses anexos J incluem-se os quadros 9.2 A com o seguinte teor:

 

 

 

  1. Nos campos C do quadro 9 de cada uma desses anexos J refere-se o seguinte:

 

  1. Nos quadros 6 C1 de cada umas dos anexos L refere-se o seguinte:

 

  1. Na sequência da apresentação da declaração, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação n.º 2022..., que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se apura o «Valor a pagas» de € 202,63 e de «Perdas a reportar» no montante de € 17.412,72;
  2.  Em 29-04-2022, os Requerentes apresentaram reclamação graciosa da liquidação referida, nos termos que constam das páginas 23 e seguintes do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;
  3. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 01-08-2022, proferido pelo Chefe de Divisão de Direção de Finanças do Porto, ao abrigo de Subdelegação de competências;
  4. A decisão de indeferimento manifesta concordância com uma informação que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

Dos factos

5. O reclamante, inscrito no cadastro como residente não habitual desde 2016, submeteu, em 2019/06/12 declaração modelo 3/IRS/2018 (02201-69), com anexo J (1) e L(1).

6. Inscreveu, relativamente ao spA, no quadro 8A do anexo J (rendimentos de capitais -categoria E), dividendos/lucros sem retenção em Portugal (E11) no montante de€ 22.020,83, imposto pago no estrangeiro€3.312,53, país da fonte 826 (Reino Unido) e 840 (Estados Unidos da América), opção pelo englobamento: Não.

7. No anexo L relativo ao spA, informou que, relativamente aos rendimentos auferidos no estrangeiro, pretende o método de isenção.

8. Dessa declaração resultou a liquidação nº Liquidação 2019..., valor a pagar:€ 0,00.

9. Em 29/03/2022 submeteu declaração de substituição (03291-90), com dois anexos J e dois anexos L (para ambos os sujeitos passivos), tendo alterado os valores/elementos constantes do anexo J submetido anteriormente, e tendo preenchido ainda um anexo J em que o titular é o spB (B...) -cfr. Anexos J.

10. No anexo L manteve a opção do método de isenção para ambos os sujeitos passivos.

11.Na demonstração de liquidação de IRS consta, como informação adicional, um total de perdas a reportar no valor de€ 17.412,72.

12. Dessa declaração resultou a liquidação aqui em causa, já regularizada.

 

Da apreciação do pedido

13. Alega o reclamante que o valor das perdas suportadas com fonte no Brasil deverá ser tido em consideração no saldo global de mais e menos-valias, mas, ao contrário do alegado pelo reclamante, a liquidação aqui em causa não padece de qualquer erro.

Vejamos,

14. Foi por esta Divisão solicitado à Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (DSIRS) -Divisão de Liquidação (DL), via comunicação interna datada de 12/05/2022, informação acerca da liquidação.

15. Em resposta, a DSIRS-DL informou através da comunicação interna nº ..., datada de 04 do corrente mês o seguinte:

"Serve o presente para informar que o valor do imposto calculado relativo ao IRS ao ano de 2018 está correto, tendo sido efetuado com base nos elementos e valores constantes na declaração de IRS submetida pelo sujeito passivo, identificada com o n.º ... - 2018 -....

Analisada a referida declaração verifica-se que o contribuinte está abrangido pelo estatuto aplicável aos Residentes não Habituais, tendo optado no Campo 05 do Quadro 6C1 do Anexo L, pelo método de isenção.

O art.º 81.º do Código do IRS, define as condições para a atribuição de isenção aplicável aos rendimentos das várias categorias, mediante a conjugação com as convenções celebradas com os diversos Estados para evitar a dupla tributação internacional.

Assim, será necessário analisar por categoria e por país, de forma a aferir se competência de tributar é exclusiva ou cumulativa face ao tipo de rendimentos declarados.

No caso dos rendimentos da categoria G, declarados no Q92A do anexo J, com os códigos G10, obtidos no Brasil, de acordo com o n.º 5 d0 art. 81.° do CIRS e a CDT celebrada com aquele país, a tributação daqueles rendimentos é cumulativa, o que permite a isenção dos mesmos.

No caso das menos-valias obtidas o procedimento é idêntico, motivo pelo qual a perda gerada não foi guardada em conta-corrente, nem demonstrada em sede de liquidação".

Ou seja,

16. Estabelecendo o n°5 do  art° 81 do Código do IRS que "Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria B, ..., bem como das categorias E, F e G, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer uma das condições previstas nas alíneas seguintes: a) Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou b) (...)".

17. E encontrando-se estes rendimentos em condições de lhes ser aplicado o método de isenção, e tendo o sujeito passivo assinalado essa opção no anexo L, da mesma forma que as mais-valias não são sujeitas a tributação em território português (estando isentas de tributação), também as menos-valias não relevam o efeito.

18. Conclui-se assim que a liquidação aqui em causa não enferma de qualquer erro pelo que se propõe o indeferimento da presente reclamação com base nos fundamentos acima expostos, devendo o reclamante ser notificado, nos termos e para os efeitos do artº 60º da LGT.

 

  1. Em 17-10-2022, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e os que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Posições das Partes

 

Os Requerentes são residentes fiscais em Portugal e inscritos ao abrigo do regime do Residente Não Habitual ("RNH") desde 2016.

No ano de 2018, os Requerentes obtiveram rendimentos provenientes do estrangeiro e, no que concerne a investimentos no Brasil, realizaram menos-valias, como resulta dos campos 9.2 A dos anexos J à declaração de IRS: ao Brasil corresponde o Código 76, segundo a tabela X anexa às respectivas «Instruções de Preenchimento».

Os Requerentes optaram pelo englobamento desses rendimentos provenientes do estrangeiro (campos C do quadro 9 de cada um desses anexos J, que se reportam aos respectivos campos 9.2) e pretendem que essas menos-valias sejam consideradas para efeitos de determinação do saldo relevante para efeitos da matéria tributável de IRS, designadamente, para efeitos de apuramento de perdas reportáveis para anos posteriores: a perda a reportar indicada na liquidação de IRS é de € 17.412,72 e os Requerentes pretendem que sejam fixadas perdas a reportar no montante de € 213.479,51 (artigos 22.º e 23.º do pedido de pronúncia arbitral).

A Autoridade Tributária e Aduaneira, na decisão da reclamação graciosa, discordou da pretensão os Requerentes por entender, em suma, que se trata de rendimentos isentos por força do disposto no n.º 5 do artigo 81.º do CIRS, não sendo relevantes para tributação quer as mais-valias, quer as menos-valias, dizendo «as mais-valias não são sujeitas a tributação em território português (estando isentas de tributação), também as menos-valias não relevam o efeito».

Os Requerentes alegam o seguinte, em suma:

– ao abrigo do regime do RNH, os rendimentos da Categoria G (relativa aos incrementas patrimoniais, categoria na qual se inserem as mais-valias) provenientes do estrangeiro estão isentos de tributação em Portugal quando possam ser tributados no outro Estado contratante em conformidade com a convenção para eliminar a dupla tributação ("CDT")celebrada entre Portugal (na qualidade de Estado da residência) e esse outro Estado (a ser, neste caso, qualificado como Estado da fonte);

– decorre do n.º 5 do artigo 13.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e o Brasil (“CDT”) que as mais-valias obtidas por um Residente de um Estado Contratante (no caso, Portugal), provenientes do outro Estado Contratante (na situação sob análise, Brasil), podem ser tributadas em ambos os Estados;

– que significa que, à luz das regras previstas para o regime do RNH, as mais-valias decorrentes da venda de ações de uma sociedade com sede ou direção efectiva no Brasil, porque podem ser tributadas no Brasil ao abrigo da CDT celebrada com Portugal, estarão isentas de tributação em Portugal;

– é este o regime que decorre da lei - uma isenção no que diz respeito a operações de saldo positivo, não se prevendo - quer na CDT celebrada entre Portugal e o Brasil, quer na própria lei interna - qualquer especificidade de regime para eventuais menos-valias com fonte no Brasil;

– a situação não se enquadra no n.º 5 do artigo 43.º do CIRS.

 

No presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira diz o seguinte, em suma:

– no entendimento dos Requerentes, quando é positivo o saldo entre as mais-valias e menos-valias obtidas na alienação de acções de uma sociedade com sede e direcção efectiva no Brasil, é aplicável o método da isenção estabelecido no artigo 81.º, n.º 5, do Código do IRS e, quando o saldo é negativo, é aplicável o regime geral de dedução de perdas previsto no artigo 55.º, n.º 1, alínea d) do mesmo Código;

– a possibilidade de reporte de perdas ficará sempre excluída, dado que os Requerentes manifestaram – no Anexo L da declaração de rendimentos modelo 3 do ano de 2018 – que pretendiam a aplicação do método da isenção para eliminar a dupla tributação internacional e, concomitantemente, não exerceram o direito de opção pelo englobamento;

– extrai-se da conjugação dos números 5 e 71 do artigo 81.º que, relativamente às mais-valias mobiliárias, o legislador até consagrou o método de isenção integral, e não o método da isenção com progressividade, porquanto, os rendimentos isentos não são tidos em conta seja para que efeito for, nomeadamente para a determinação da taxa aplicável aos restantes rendimentos dos sujeitos passivos;

– o que significa que os rendimentos abrangidos pela excepção prevista na parte final da norma do n.º 7 do artigo 81.º, onde se inclui “O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 10.º” não estão sujeitos a englobamento obrigatório e, como tal, não influenciam a determinação das taxas a aplicar aos demais rendimentos;

– uma interpretação abrangente e equitativa do método da isenção para eliminar a dupla tributação internacional leva a concluir que a renúncia à tributação dos rendimentos a categoria G, abrange quer os casos em que o saldo das mais-valias e menos-valias seja positivo quer os casos em que o saldo seja negativo;

– o artigo 43.º, n.º 5, do Código do IRS tem a ver, tão-só, com o apuramento do saldo positivo ou negativo referido no n.º 1 do mesmo artigo, ou seja, do saldo obtido entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano;

– a matéria controvertida nos presentes autos não contende com o apuramento do saldo negativo entre as mais-valias e as menos-valias obtidas pelos Requerentes nas operações realizadas no Brasil no ano de 2018, que foi determinado com integral observância do disposto no artigo 43.º, n.º 1 do Código do IRS.

 

 

  3.2. Apreciação da questão

 

O regime dos residentes não habituais foi criado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de Setembro, e incluído no Código Fiscal do Investimento de 2009 e no CIRS, em execução da autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 126.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2008.

 Como se explica no Relatório desse Orçamento, pretendeu-se replicar em Portugal um regime de atractividade e sucesso para residentes não habituais, aproveitando, no essencial as experiências de outros países e entendeu-se que «pelo seu clima, diversidade de património cultural, baixa criminalidade, reduzido custo relativo do imobiliário, incremento de valências na área da saúde privada, residências assistidas e serviços conexos, e aumento da oferta de qualidade em matéria de turismo residencial, Portugal tem boas condições para captar pelo menos alguns segmentos profissionais, em particular certos artistas, desportistas e outras figuras de relevo em áreas científicas e culturais de diversas proveniências».

No que concerne a rendimentos da categoria G, o artigo 10.º do CIRS prevê a tributação em IRS das «mais-valias», em que se incluem os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação de valores mobiliários [n.º 1, alínea b)].

Os artigos 43.º, 55.º e 81.º do CIRS, nas redacções vigentes em 2018, estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 43.º

Mais-valias

1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.

(...)

5 - Para apuramento do saldo positivo ou negativo referido no n.º 1, respeitante às operações efetuadas por residentes previstas nas alíneas b), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 10.º, não relevam as perdas apuradas quando a contraparte da operação estiver sujeita a um regime fiscal a que se referem o n.º 1 ou 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária.

(...)

 

Artigo 55.º

Dedução de perdas

 

1 - Relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos:

(...)

d) O saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 10.º, pode ser reportado para os cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte pelo englobamento.

            (...)

 

 

 

Artigo 81.º

Eliminação da dupla tributação jurídica internacional

 

(...)

 

5 - Aos residentes não habituais em território português que obtenham, no estrangeiro, rendimentos da categoria B, auferidos em atividades de prestação de serviços de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, ou provenientes da propriedade intelectual ou industrial, ou ainda da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, bem como das categorias E, F e G, aplica-se o método da isenção, bastando que se verifique qualquer uma das condições previstas nas alíneas seguintes:

a) Possam ser tributados no outro Estado contratante, em conformidade com convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com esse Estado; ou

 

(...)

 

7 - Os rendimentos isentos nos termos dos n.ºs 4, 5 e 6 são obrigatoriamente englobados para efeitos de determinação da taxa a aplicar aos restantes rendimentos, com exceção dos previstos nas alíneas c) a e) do n.º 1 e no n.º 6 do artigo 72.º.

 

 

No caso em apreço, há acordo das Partes quanto à verificação dos requisitos previstos no artigo 81.º, n.º 5, do CIRS, designadamente, os Requerentes estarem inscritos como residentes não habituais e estarem em causa rendimentos da categoria G de IRS, que podem ser tributados no Brasil, à face da Convenção entre Portugal e a República Federativa do Brasil para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 244/71, de 2 de Junho (artigo 13.º, n.º 4).

Os rendimentos isentos nos termos deste n.º 5 não são obrigatoriamente englobados para efeitos de determinação da taxa a aplicar aos restantes rendimentos, como decorre do preceituado no n.º 7 deste artigo 85.º, pois do englobamento obrigatório aí previsto são excluídos os rendimentos previstos na alíneas c) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS, entre os quais se inclui o saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas na alíneas b) do n.º 1 do artigo 10.º do mesmo Código.

No entanto, no caso em apreço, ao contrário do que diz a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo, os Requerentes optaram pelo englobamento, como se vê pelos campos C do quadro 9 de cada um desses anexos J, que se reportam aos respectivos campos 9.2.

Como resulta do preceituado no artigo 43.º, n.º 1, do CIRS, o que é objecto de tributação a título de «mais-valias», no âmbito do IRS, não são directamente os ganhos obtidos com todas e cada uma das alienações de valores mobiliários, mas sim o «saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano».

Mas, tendo os Requerentes optado pelo englobamento, é-lhes aplicável o regime previsto no artigo 55.º, n.º 1, alínea d), do CIRS, que, na redacção vigente em 2018, estabelece que  «o saldo negativo apurado num determinado ano, relativo às operações previstas nas alíneas b), c), e), f), g) e h) do n.º 1 do artigo 10.º, pode ser reportado para os cinco anos seguintes quando o sujeito passivo opte pelo englobamento».

Trata-se de uma norma especial que, em sede de tributação de rendimentos da categoria G de IRS, vem dar relevância ao saldo negativo de mais-valias e menos-valias, em matéria de determinação da matéria tributável de IRS, harmonizando-se, assim, com o artigo 43.º do CIRS.

E, como se salienta na decisão arbitral proferida no processo n.º 247/2021-T, a única restrição que se prevê à relevância de perdas para efeitos de apuramento do saldo tributável a título de mais-valias é a relativa às «apuradas quando a contraparte da operação estiver sujeita a um regime fiscal a que se referem o n.º 1 ou o n.º 5 do artigo 63.º-D da Lei Geral Tributária», o que não sucede no caso em apreço.

Por outro lado, o artigo 81.º, n.º 5, do CIRS, quanto a rendimentos da categoria G de IRS, prevê apenas a isenção de rendimentos (que são constituídos pelo saldo positivo de mais-valias e menos-valias) e não também qualquer alteração à forma geral de apurar a respectiva matéria tributável, do que decorre que, quanto a esta, são aplicáveis as regras gerais.

Assim, os textos das normas referidas, designadamente os  artigos 43.º n.ºs 1 e 5, e 55.º, n.º 1, alínea d), e 81.º, n.º 5, do CIRS, apontam no sentido de as perdas referidas serem relevantes para determinação do rendimento tributável, nos termos gerais previstos naquelas primeiras normas, inclusivamente com a possibilidade de reporte prevista nesta última norma.

O texto é o ponto de partida da interpretação, pelo que na falta de outros elementos que induzam à eleição  do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em  princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente  corresponde ao significado natural das expressões verbais  utilizadas, na pressuposição (imposta pelo nº 3 do artigo 9º do  Código Civil, que vale até que se demonstre que não é correcta) de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. ( [1] )

 

Por outro lado, esta interpretação no sentido da relevância das perdas e possibilidade de reporte é a que se compagina com a intenção legislativa subjacente à criação do regime dos residentes não habituais, de criar instrumentos de política fiscal internacional que funcionem como factor de atracção dos designados High Net Worth Individuals (HNWI) – indivíduos com rendimento ou património líquido muito elevado —, que se caracterizam pela mobilidade internacional, sendo em grande medida sensíveis aos estímulos fiscais nas suas decisões de localização. ( [2] )

Na verdade, a interpretar-se esse regime de eliminação de dupla tributação com  alcance de afastar a possibilidade de reporte de perdas provenientes de investimentos no estrageiro, o regime seria, neste aspecto, mais gravoso para os residentes na habituais do que o é para a generalidade dos outros residentes em Portugal, afectando a atractividade do regime, o que estaria ao arrepio daquela intenção legislativa.

Por isso, a interpretação do artigo 85.º, n.º 5, do CIRS  congruente com essa intenção legislativa é a de que, como resulta dos seus termos, se concedeu a isenção aos rendimentos, afastando da tributação no âmbito da categoria G o saldo positivo das mais-valias e menos-valias, nada alterando quanto à forma de o determinar, prevista nos artigo 43.º, n.ºs 1 e 5,  e 55.º, n.º 1, alínea d), do mesmo Código.

   Pelo exposto, é de concluir que a liquidação de IRS impugnada enferma de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito que, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT justifica a sua anulação parcial, na parte em que fixou as perdas a reportar.

A decisão da reclamação graciosa que confirmou a liquidação enferma do mesmo vício, que justifica a sua anulação.

 

            4. Decisão     

 

            De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
  2.  Anular parcialmente a liquidação de IRS n.º 2022..., relativa ao ano de 2018, na parte em que fixou as perdas a reportar, na medida em que nela foi desconsiderada a perda apurada no Brasil no valor de €196.066,73;
  3. Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022... .

 

 

5. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 196.066,73, indicado pelos Requerentes e sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 29-03-2023

 

Os Árbitros

 

 

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Relator)

 

 

 

(Cristina Coisinha)

 

 

 

(Sofia Quental)

 

 



[1] Neste sentido, BAPTISTA MACHADO

, Introdução ao direito e ao discurso legitimador, página 182.             

[2] RICARDO PALMA BORGES e PEDRO RIBEIRO DE SOUSA, O novo regime dos residentes não habituais, publicado em Fiscalidade, n.º 40, página 7.