SUMÁRIO:
O pedido de inscrição como residente não habitual para efeitos de aplicação do Regime dos Residentes Não Habituais não tem efeitos constitutivos do direito a ser considerado como RNH e a beneficiar do respetivo regime fiscal, consubstanciando-se como uma mera formalidade para operar o benefício fiscal, revestindo mera natureza declarativa.
DECISÃO ARBITRAL
A Árbitra Professora Doutora Clotilde Celorico Palma designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, decide o seguinte:
I. Relatório
1. A..., titular do NIF..., com domicílio fiscal na Rua ..., n.º ..., ..., ...-..., em Algés (doravante Requerente), vem, ao abrigo e para efeitos do disposto na alínea a) do artigo 2.º, do n.º 1 do artigo 3.º, e da alínea a) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (doravante RJAT), em conjugação com o artigo 99.º e alínea d) do n.º 1 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante CPPT), apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, solicitando a anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2022..., resultantes das correções efetuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) ao ano de 2021, nos termos dos quais foi apurado um valor a reembolsar no montante de € 1.567,47 (mil quinhentos e sessenta e sete euros e quarenta e sete cêntimos), de modo a que seja aplicada a taxa especial de 20%, sobre os rendimentos de Categoria A por si auferidos, conforme resulta do disposto no artigo 72.º, n.º 10, do Código do IRS (CIRS).
2. Fundamentando estes pedidos a Requerente alegou, em resumo, que não restam dúvidas de que, conforme reconhecido pela própria AT, a Requerente foi residente fiscal no Reino Unido nos anos 2013 a 2018, pelo que se está perante uma ilegalidade da liquidação em apreço estando em causa uma errada apreensão e aplicação dos factos relevantes para a decisão.
3. Nestes termos, vem estribar o seu pedido, em linhas gerais, nos seguintes factos e entendimentos:
a) Em 13 de maio de 2019, ano seguinte ao seu regresso a Portugal, a Requerente formulou um pedido de inscrição como RNH no portal da AT, indicando por lapso o ano de 2019 como ano de início de efeitos do regime RNH.
b) O referido pedido foi indeferido pela AT, com fundamento no facto de a ora Requerente se encontrar, nos anos de 2014 a 2018, registada no cadastro da AT como residente fiscal em território português (cfr. Documento 5 que junta à PI).
c) Em 8 de janeiro de 2020, e desconhecendo ainda nesta data a possibilidade de corrigir retroativamente a sua residência fiscal, a Requerente voltou, pelo sentimento de injustiça que sentia, a formular pedido de inscrição no referido regime, tendo este novo pedido sido, uma vez mais, indeferido pelo facto de a Requerente se encontrar, então, registada no cadastro da AT com residência em Portugal nos anos de 2013 a 2017 (cfr. Documento 6 que junta à PI).
d) O pedido de inscrição RNH efetuado através do portal da AT apenas permite que seja indicado como ano de inscrição o próprio ano do pedido ou o ano imediatamente anterior, conforme resulta do seguinte exemplo extraído do portal das finanças, pelo que não foi possível à ora Requerente indicar como ano de início, o ano de 2018, ou seja, o ano em que efetivamente regressou a Portugal, após 5 anos como não residente.
e) Após a apresentação do referido pedido de inscrição como RNH, foi a Requerente notificada de projeto de decisão de indeferimento nos termos do qual, “o pedido foi indeferido com base no seguinte: Registado no cadastro da AT como residente em território português, n.º 8 do artigo 16.º do CIRS e alínea b) do ponto 1, da Circular 9/2012, no(s) ano(s) 2018, 2019, 2020. Consta em declarações de terceiros (Mod. 10/DMR), como tendo obtido rendimentos em Portugal, enquanto residente, relativamente ao(s) ano(s) 2018, 2019, 2020” (cfr. Documento 8 que ora se junta e dá por integralmente reproduzido anexo).
f) O referido pedido de RNH foi feito para o ano de 2021, por impossibilidade de indicação do ano de 2018 como ano de início do estatuto, pelo que o projeto de decisão de indeferimento tem por fundamento o facto de a Requerente constar no Cadastro da AT como residente fiscal em Portugal nos anos de 2018, 2019 e 2020, ou seja, nos anos imediatamente anteriores ao pedido efetuado.
g) Dessa forma, a Requerente exerceu, em 21 de março de 2022, o seu direito de audição relativamente ao referido projeto de indeferimento, explicando que foi não residente em Portugal de 2013 a 2018 e que, nessa medida, tinha direito a beneficiar do regime RNH (cfr. Documento 9 que junta à PI).
h) Sem prejuízo da impossibilidade técnica de submeter o pedido RNH com referência ao ano de 2018, os pressupostos materiais de aplicação do regime RNH à ora Requerente encontram-se verificados em virtude da não residência desta em Portugal no período compreendido entre 2013 e 2017, conforme reconhecido (oficiosamente) pelos próprios serviços da AT (cfr. cits Documentos 3 e 4 que junta à PI).
i) Em junho de 2022, a Requerente submeteu a sua declaração de IRS, relativa a 2021, não lhe tendo sido possível o preenchimento do Anexo L aplicável aos residentes não habituais (“RNH”)
j) A Requerente foi notificada do ato de liquidação de IRS n.º 2022..., referente ao ano de 2021, nos termos do qual foi apurado um valor a reembolsar de € 1.567,47 (cfr. Documento 1 que junta à PI).
k) O referido ato de liquidação de IRS teve, pois, por base a sujeição dos rendimentos auferidos pela Requerente às regras de tributação aplicáveis aos contribuintes em geral, sem considerar, portanto, as regras de tributação do regime fiscal RNH, mais precisamente, a aplicação da taxa de 20% prevista no artigo 72.º, n.º 10, do Código do IRS.
l) A ora Requerente reúne os pressupostos legais para ser considerada como RNH em Portugal desde 2018 e, por conseguinte, para ser tributada de acordo com as regras desse regime, padecendo, assim, o ato de liquidação aqui em crise de erro nos pressupostos de facto e de direito.
m) De acordo com o ato de liquidação em apreço, da aplicação das taxas gerais à matéria tributável da ora Requerente resultou uma coleta de € 17.755,01, que determinou, após as deduções à coleta e à dedução das retenções na fonte, um valor a reembolsar de € 1.567,47 (cfr. cit Documento 1).
n) “Contudo, da aplicação da taxa de 20%, prevista no artigo 72.º, n.º 10, do Código do IRS, resultaria um valor a reembolsar de € 8.725,90, conforme se passa a demonstrar de seguida: 1. Rendimento Global € 59.250 2. Deduções Específicas € 6.517,50 3. Rendimento Coletável (1-2) € 52.732,50 4. Aplicação da Taxa de 20% € 10.546,50 5. Deduções à Coleta € 1.064,40 6. Benefício municipal (0,3% da coleta - deduções) € 28,45 7. Coleta Líquida (4-5-6) € 9.453,65 8. Retenções na Fonte € 18.208 9. Valor a Reembolsar (7-8) € 8.754,35 “
3. Juntou à petição diversos documentos.
4. Cumpridos os necessários e legais trâmites processuais, designadamente os previstos no aludido Decreto-Lei n.º 10/2011 e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, foi constituído Tribunal Arbitral Singular em 16 de janeiro de 2023, formado pela Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, em conformidade com o preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
5. Notificada nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do RJAT, em 16 de janeiro de 2023, veio a AT apresentar resposta, alegando, sumariamente, o seguinte:
a) O erro na forma de processo, assim como, o caso decidido / inimpugnabilidade do ato com fundamento no suposto estatuto de RNH, são manifestos.
b) Ocorrem as exceções dilatórias da incompetência material do Tribunal Arbitral e do caso decidido / inimpugnabilidade do ato com fundamento no suposto estatuto de RNH de que se arrogam para conhecer o pedido arbitral apresentado.
c) A condição de residente não habitual, em face do disposto no artigo 16.º, n.º 10, do CIRS, versa sobre um benefício fiscal, dependente de reconhecimento por parte da administração fiscal, por iniciativa do contribuinte.
d) O ato de inscrição da Requerente como residente não habitual tem natureza prejudicial, de modo a beneficiar do correspondente regime.
e) A noção de direção pressupõe o confronto dos subsequentes quesitos:
• Trata de um conceito que, em face da indefinição legal, carece de concretização casuística;
• Sem prejuízo, a densificação provinda da Jurisprudência anteriormente explanada, alia o conceito, tanto aos meandros subjacentes à vinculação empresarial, como ao desempenho de funções de direção.
f) As características das funções de direção não resultam comprovadas no caso da Requerente, pelo que não pode considerar-se abrangida pelo disposto na Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho.
g) No que concerne aos juros indemnizatórios, prejudicada a ilegalidade da liquidação em crise, tão pouco é possível viabilizar o pagamento de juros indemnizatórios peticionados.
6. A 17 de fevereiro de 2023 foi proferido o seguinte Despacho pelo Tribunal Arbitral:
“Determina-se a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, no dia 9 de Março de 2023, às 15horas, na qual se procederá à inquirição da testemunha, a ter lugar nas instalações do CAAD em Lisboa ou no Porto, o que deverá ser informado ao CAAD com antecedência de pelo menos 10 dias, podendo os demais intervenientes utilizar meios de comunicação à distância, para o que deverão contactar o CAAD com antecedência em relação à data da reunião. Mais se determina que seja efectuada pelo CAAD a notificação da testemunha arrolada pela Requerente, para ser ouvida em diligência de inquirição contraditória, nos termos previstos no artigo 507.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.”
7. A 9 de março de 2023, foi realizada a referida reunião, tendo-se procedido à inquirição da testemunha arrolada, dado o prazo de 10 dias para alegações escritas simultâneas e marcado o prazo de prolação do Acórdão até 24 de Abril de 2023.
8. A 17 de março de 2023, veio a Requerente apresentar as suas alegações invocando, em linhas gerais, os mesmos fundamentos constantes do seu pedido, alegando em especial quanto à exceção por incompetência material do tribunal arbitral para apreciar a questão suscitada pela Requerida, que, “ (…) não assiste qualquer razão à entidade Requerida, conforme ficou, de resto, já esclarecido em abundante jurisprudência arbitral.
(…) parece-nos não haver quaisquer dúvidas de que os atos de liquidação de IRS são autonomamente impugnáveis, não podendo ficar dependentes de outras ações, sob pena de se colocar em causa o direito fundamental de defesa dos contribuintes e o princípio da tutela jurisdicional efetiva relativamente aos direitos e interesses legalmente protegidos em relação àqueles concretos atos de liquidação.
(…) o facto de a ora Requerente se encontrar a discutir a decisão de indeferimento do pedido de inscrição como RNH - designadamente através de recurso hierárquico - legitima-a, à luz do referido Acórdão do TC, a contestar a legalidade do ato de liquidação de IRS aqui em apreço, tendo em consideração que este ato de liquidação é um ato autónomo e, bem assim, que o pedido de pronuncia arbitral se reconduz à declaração da ilegalidade desse mesmo de liquidação e não ao reconhecimento de um qualquer benefício fiscal.
E, neste sentido, foi absolutamente claro o recente Acórdão proferido em 2 de Dezembro de 2022, pelo Tribunal Arbitral no âmbito do processo n.º 319/2022-T, ao afirmar que “A pendência de discussão sobre a inscrição do contribuinte como residente não habitual, independente da fase em que se encontre (administrativa ou judicial), permite a impugnação direta do ato de liquidação de IRS com fundamento na não aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais, inexistindo qualquer incompatibilidade com o Acórdão n.º 718/2017, de 15 de Novembro, do Tribunal Constitucional” (sublinhado e sombreado da Requerente).”
9. A 17 de março de 2023, veio a AT apresentar alegações, invocando, em linhas gerais, os mesmos fundamentos constantes da sua resposta, aditando os seguintes:
“35. A Requerente não produziu a necessária e inequívoca prova de que, no ano de 2021, exercia uma AEVA para efeitos do disposto nos termos uma Portaria n.º 230/2019 de 23 de julho.
Efetivamente;
36. Não transparece da petição, nem tão pouco nem da prova documental e testemunhal produzida nos autos que enquadre Requerente, em algum dos órgãos anteriormente enunciados (independentemente da estrutura societária do “B... SA ou da C... SGPS, SA”.).
(…)
42. Neste particular, a inquirição da testemunha D... veio confirmar que a vinculação externa da sociedade perante terceiros é uma prerrogativa do Conselho de Administração da empresa, cabendo à Requerente, no âmbito da respetiva área de negócios, a preparação e condução do processo para o efeito, o que é uma atribuição manifestamente diferente;
43. Sendo que, a vinculação legal da empresa, expurgada de vicissitudes, apenas se operava com a aprovação final do Conselho de Administração, no exercício das respetivas competências.
44. De igual modo, a testemunha D... não evidenciou de forma clara e objetiva qualquer assunção de dependência dos demais trabalhadores da B... SA. e da C... SGPS, SA., relativamente à Requerente.
45. Neste particular, a testemunha inquirida nem inclusive conseguiu precisar de forma clara o n.º efetivo de trabalhadores afetos ao departamento de Marketing, não tendo evidenciado, de igual modo, a eventual prerrogativa de exercício de poderes de empregador por parte da Requerente sobre os respetivos trabalhadores, designadamente, a subordinação jurídica e o exercício do poder disciplinar.
46. Nos presentes autos essa prova não foi efetuada, revelando-se a prova documental manifestamente insuficiente, insuficiência que, entende-se, não pode ser suprida pela prova testemunhal, também ela, de certa forma incoerente.”
II - Saneamento do Processo
1. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
2. O objeto principal do processo reporta-se a liquidações de IRS relativas à não aplicação do Regime dos Residentes Não Habituais (RRNH), por inobservância dos respetivos requisitos legais, em conformidade com a fundamentação da AT.
3. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
4. O processo não enferma de nulidades e não foram identificadas questões prévias relativas ao pedido principal, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.
III – Fundamentação
1. Questões decidendas
As questões cuja pronúncia se impõe ao Tribunal Arbitral consubstanciam-se, no essencial, em apurar se a AT procedeu adequadamente ao ter, nos termos indicados, procedido à aludida liquidação de IRS, tendo considerado que a Requerente não poderia beneficiar, no exercício de 2021, no Regime dos Residentes Não Habituais.
A questão a dirimir é, pois, a de saber se a Requerente reúne ou não os requisitos de aplicação do RRNH.
2. Matéria de facto
2.1 Factos provados
Em face das posições das partes expressas nos articulados, dos documentos integrantes do processo administrativo anexo e do depoimento da testemunha arrolada, julgam-se como provados os seguintes factos pertinentes para a decisão da causa:
a) A Requerente foi notificada do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2022..., referente ao ano de 2021, nos termos dos quais foi apurado um valor a reembolsar de € 1.567,47 (cfr. Documento 1 em anexo à respetiva petição).
b) O ato de liquidação em apreço foi notificado à Requerente através do seu domicílio postal eletrónico (Via CTT), tendo a referida notificação sido disponibilizada na referida plataforma no dia 21 de julho de 2022.
c) Em março de 2013, por motivos profissionais, a Requerente estabeleceu a sua residência no Reino Unido.
d) A Requerente residiu no Reino Unido durante o período compreendido entre 13 de março de 2013 e 13 de março de 2018, data em que regressou a Portugal e aqui restabeleceu residência (cfr. comprovativo de residência no Reino Unido junto como Documento 2 à petição).
e) Aquando da sua saída de Portugal, em março de 2013, a Requerente, nunca procedeu à alteração da sua residência fiscal junto dos serviços responsáveis pela emissão do cartão do cidadão, constando no sistema da Autoridade Tributária como residente em Portugal durante todo o referido período de 2013 a 2018.
f) Em 2021, a Requerente procedeu ao pedido de retificação da sua residência fiscal junto da AT para os anos de 2013 a 2018.
g) O pedido de retificação retroativa da residência fiscal apresentado pela Requerente foi deferido pela AT em 14 de dezembro de 2021 (cfr. Documento 3 anexo à petição).
h) A Requerente passou, a partir de dezembro de 2021, a constar do Cadastro da AT como não residente fiscal em Portugal no período compreendido entre março de 2013 e Março de 2018 (cfr. Documento 4 junto à petição).
i) Em 13 de maio de 2019, a Requerente formulou pedido de inscrição como RNH no portal da AT, indicando o ano de 2019 como ano de início de efeitos do regime RNH.
j) O referido pedido foi indeferido pela AT, com fundamento no facto de a Requerente se encontrar, nos anos de 2014 a 2018, registada no cadastro da AT como residente fiscal em território português (cfr. Documento 5 junto à petição).
k) Em 8 de janeiro de 2020, a Requerente voltou a formular pedido de inscrição no referido regime, tendo este novo pedido sido, uma vez mais, indeferido pelo facto de a Requerente se encontrar, então, registada no cadastro da AT com residência em Portugal nos anos de 2013 a 2017 (cfr. Documento 6 junto à petição).
l) Em 2021, a Requerente procedeu à retificação da sua morada fiscal junto da AT para os anos de 2013 a 2018, tendo este pedido sido deferido (cfr. cit Documento 3 junto à petição).
m) A Requerente efetuou novo pedido de inscrição como RNH, em 28 de fevereiro de 2022 (cfr. Documento 7 junto à petição).
n) A Requerente foi notificada de projeto de decisão de indeferimento nos termos do qual, “o pedido foi indeferido com base no seguinte: Registado no cadastro da AT como residente em território português, n.º 8 do artigo 16.º do CIRS e alínea b) do ponto 1, da Circular 9/2012, no(s) ano(s) 2018, 2019, 2020. Consta em declarações de terceiros (Mod. 10/DMR), como tendo obtido rendimentos em Portugal, enquanto residente, relativamente ao(s) ano(s) 2018, 2019, 2020” (cfr. Documento 8, sem data, junto à petição).
o) A Requerente exerceu, em 21 de março de 2022, o seu direito de audição relativamente ao referido projeto de indeferimento, explicando que foi não residente em Portugal de 2013 a 2018 e que, nessa medida, tinha direito a beneficiar do regime RNH (cfr. Documento 9 junto à petição).
p) Em junho de 2022, a Requerente submeteu a sua declaração de IRS, relativa a 2021, não lhe tendo sido possível o preenchimento do Anexo L aplicável aos residentes não habituais.
q) Os rendimentos declarados pela Requerente, no ano de 2021, resultam do exercício da atividade profissional de Diretora de Marketing do Grupo E..., tendo esta exercida tais funções desde janeiro de 2019.
r) No exercício das suas funções a Requerente exerceu, ao longo do período em causa, poderes de direção, coordenando uma equipa de funcionários, adotando decisões, nomeadamente de contratação, tendo poderes delegados de representação e de vinculação da sociedade.
s) A Requerente foi notificada do ato de liquidação de IRS n.º 2022..., referente ao ano de 2021, nos termos do qual foi apurado um valor a reembolsar de € 1.567,47 (cfr. cit Documento 1 junto à petição).
t) O referido ato de liquidação de IRS teve por base a sujeição dos rendimentos auferidos pela Requerente às regras gerais de tributação aplicáveis aos contribuintes em geral, não tendo em consideração a aplicação do benefício da aplicação da taxa de 20% do IRS constante do regime dos RNH.
Note-se que relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º7, do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
A convicção do Tribunal para dar os presentes factos como provados assentou na análise crítica do teor dos documentos constantes do processo administrativo e dos restantes documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados pelas partes e relativamente aos quais não há indícios que ponham em causa a respetiva genuinidade, de acordo com o indicado em cada um dos números do probatório, bem como dos esclarecimentos prestados pela testemunha D... . Com efeito, a referida testemunha depôs de modo claro, objetivo, convincente e convergente, tendo demonstrado conhecimentos detalhados e precisos sobre a matéria em discussão nos presentes autos, atentas as respetivas funções profissionais desempenhadas à data dos factos. O depoimento da testemunha permitiu corroborar a prova documental junta aos autos, bem como melhor aclarar o exercício das funções da Requerente no período em causa.
2.2 Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão que não se tenham provado.
3. Das questões de direito
Encontrando-se a aludida matéria de facto dada como provada, importa seguidamente determinar o direito aplicável aos factos subjacentes, de acordo com as questões supra.
Interessa assim, em especial, decidir quanto às principais questões suscitadas nos presentes autos, a saber, como referimos: se a AT atuou corretamente ao não ter aplicado à Requerente no exercício de 2021 o Regime dos Residentes Não Habituais.
A questão a dirimir é, pois, a de saber se a Requerente reúne ou não os requisitos de aplicação do RRNH.
3.1 Da exceção por incompetência material do Tribunal Arbitral
Como vimos, a entidade Requerida veio alegar na sua Resposta exceção por incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a questão suscitada pela Requerente, alegando, em linhas gerais, que, estando em causa a aplicação do regime RNH, não é legítimo à Requerente discutir a aplicabilidade de tal regime no âmbito da discussão da legalidade do ato de liquidação de IRS neste pedido arbitral.
Ora, nos presentes autos está em causa, de acordo com o disposto no artigo 2.º n.º 1, alínea a), do RJAT, a invocada ilegalidade do ato de liquidação de IRS n.º 2022... e os seus respetivos vícios e não o indeferimento do pedido de reconhecimento do estatuto de RNH, sendo os atos de liquidação de IRS autonomamente impugnáveis.
Isto é, o presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto o ato de liquidação de IRS referente ao ano de 2021 e não o pedido de reconhecimento do estatuto de RNH.
Acresce que a jurisprudência do Tribunal Constitucional invocada pela Requerida na sua Resposta assenta em factualidade distinta da controvertida, sendo que no referido Acórdão o contribuinte não havia reagido contra a decisão de indeferimento do pedido RNH e nos presentes autos a Requerente interpôs recurso hierárquico da decisão de indeferimento relativa ao pedido de inscrição como RNH.
Sendo ainda de aditar que, como nota a Requerente, como se conclui na decisão arbitral de 2 de dezembro de 2022, proferida no processo n.º 319/2022-T, “A pendência de discussão sobre a inscrição do contribuinte como residente não habitual, independente da fase em que se encontre (administrativa ou judicial), permite a impugnação direta do ato de liquidação de IRS com fundamento na não aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais, inexistindo qualquer incompatibilidade com o Acórdão n.º 718/2017, de 15 de Novembro, do Tribunal Constitucional.”
Termos em que se julga improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral invocada pela entidade Requerida.
3.2 Dos requisitos de aplicação do RRNH
O regime fiscal dos Residentes Não Habituais foi introduzido no ordenamento jurídico português pelos artigos 23.º a 25.º do Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, que aprovou o Código Fiscal do Investimento, tendo mais tarde passado a constar dos artigos 16.º, 22.º, 72.º e 81.º do Código do IRS.
Os pressupostos legais para efeitos de enquadramento enquanto RNH estão acolhidos no n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, que determina o seguinte: “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.”
Reunidos os referidos pressupostos legais, determina o n.º 9 do citado preceito legal que “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.”
O artigo 72.º, n.º 10, do Código do IRS, estabelece as vantagens fiscais auferidas pelos contribuintes que se enquadrem no referido regime, relativamente aos rendimentos de categoria A e B por eles auferidos, a saber: “Os rendimentos líquidos das categorias A e B auferidos em atividades de elevado valor acrescentado, com carácter científico, artístico ou técnico, a definir em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, por residentes não habituais em território português, são tributados à taxa de 20 %” (anterior n.º 6, redação da Lei n.º 3/2019, de 9 de janeiro).
Isto é, o direito de um contribuinte de ser considerado como RNH e de beneficiar da aplicação da taxa de 20% sobre os seus rendimentos depende do preenchimento dos seguintes requisitos cumulativos: i) Passar a ser residente fiscal em Portugal num determinado ano fiscal; ii) Não ter sido residente fiscal em Portugal nos cinco anos anteriores ao ano em que se torna residente fiscal em Portugal; e iii) Os rendimentos terem sido auferidos através do exercício de atividade de elevado valor acrescentado, conforme previsto em Portaria.
Estipula o n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território.”
Vejamos agora os requisitos necessários para a qualificação de um sujeito como “residente em território português”. O artigo 16.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, exige a presença física em Portugal, de modo automático, por um período superior a 183 dias, seguidos ou interpolados. A alínea b) do mesmo normativo exige uma ligação física, menos qualificada, isto é, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território. Esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado numa perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.
Tendo em consideração os factos dados como provados na situação controvertida, afigura-se-nos que se verificam cumulativamente os seguintes requisitos relativamente à Requerente: i) Tornou-se residente fiscal em Portugal em 2018; ii) Não foi residente fiscal em Portugal em 2013, 2014, 2015, 2016 e 2017; e iii) Exerceu, no ano de 2021 em causa, a atividade de Diretora de Marketing do Grupo E..., sendo-lhe atribuídos os correspondentes poderes de direção.
Ora, contrariamente ao entendimento sufragado pela AT, o pedido de inscrição como RNH não tem efeitos constitutivos do direito a ser considerado como RNH e a beneficiar do respetivo regime fiscal, consubstanciando-se como uma mera formalidade para operar o benefício fiscal. Com efeito, é nosso entendimento que a inscrição como residente não habitual não é constitutiva do direito à tributação como residente não habitual, revestindo mera natureza declarativa.
Assim foi decidido em diversos processos arbitrais, designadamente nas decisões arbitrais proferidas em 24 de setembro de 2021, no processo n.º 188/2020-T, e em 15 de dezembro de 2021, no processo n.º 777/2020-T.
Neste sentido, foi clara a jurisprudência do Tribunal Arbitral, ao considerar que “a norma do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que disciplina a data limite até à qual os sujeitos passivos que reúnam os pressupostos materiais de que depende a tributação de acordo com o regime dos residentes não habituais podem requerer a inscrição como residente não habitual - até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente em território nacional -, deverá entender-se como uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa assegurar sua efectividade e o seu normal funcionamento, sendo, especialmente e desde logo de notar que a norma em causa, não tem subjacentes quaisquer finalidades de evitar a fraude ou a evasão fiscal.. (cfr. cit decisão arbitral n.º 188/2020-T) .
Como se salienta neste Processo, “Não obstante, como por regra ocorre, a interpretação da lei fiscal não pode, nem deve, ficar-se pelo teor literal dos normativos imediatamente aplicáveis, devendo, antes, e mais não seja pela imposição da realização dos princípios da tributação da capacidade contributiva e da justiça material, decorrentes dos artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2, da LGT, identificar-se a finalidade material do regime a aplicar, através da compreensão da natureza das normas convocáveis, das finalidades por si visadas, e do contexto sistemático das mesmas.
Sob esta perspectiva, a norma do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que disciplina a data limite até à qual os sujeitos passivos que reúnam os pressupostos materiais de que depende a tributação de acordo com o regime dos residentes não habituais podem requerer a inscrição como residente não habitual - até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente em território nacional -, deverá entender-se como uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa assegurar sua efectividade e o seu normal funcionamento, sendo, especialmente e desde logo de notar que a norma em causa, não tem subjacentes quaisquer finalidades de evitar a fraude ou a evasão fiscal.
E, nem se diga, como faz a AT, que não tendo o Requerente respeitado o prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS para requerer a sua inscrição como residente não habitual, não pode beneficiar desse regime em qualquer um dos dez anos a que teria direito se tivesse apresentado o pedido dentro do prazo. Tratando-se a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, de uma obrigação meramente declarativa e, portanto não constitutiva do direito a beneficiar daquele regime, o atraso na entrega de declarações constitui uma contraordenação tributária prevista e punida nos termos do artigo 116.º do RGIT, e não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do residente não habitual.
Do exposto resulta – em suma – que o pedido de inscrição como residente não habitual não tem efeito constitutivo, mas meramente, declarativo, tudo o que, como adiante se verá, será de relevar na solução jurídica a formular no caso concreto.”
n.º 777/2020-T, de 15 de Dezembro de 2021
Que o Requerente não se encontra registado como “residente não habitual” é um facto provado. E se foi legal ou ilegal o indeferimento do pedido do Requerente para ser registado como “residente não habitual” é matéria que não cabe analisar nesta instância.
Assim, o que interessa aferir nos presentes autos é apenas se o registo como “residente não habitual,” previsto no n.º 8 (à data dos factos) do art.º 16.º, constitui um requisito formal necessário para que o sujeito passivo possa beneficiar do regime respetivo.
Atente-se na redação do n.º 7 do art.º 16º: “O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.”
O direito a ser tributado como residente não habitual depende, portanto, e como se vê, apenas de o sujeito passivo “ser considerado residente não habitual”.
Para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, a lei não exige o registo. Pelo contrário, o n.º 6 é perfeitamente expresso e inequívoco ao dizer que “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.os 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.”
Ou seja, para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, basta que se verifiquem dois requisitos, não sendo nenhum deles o registo como residente não habitual.
São esses requisitos:
Ter-se o sujeito passivo tornado fiscalmente residente num determinado ano;
Não ter o sujeito passivo sido residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.
Afigura-se assim evidente que a letra das disposições relevantes não permite a conclusão de que o registo como residente habitual é requisito para a aplicação do regime.
Assim sendo, embora seja certo que a Requerente procedeu à apresentação do pedido RNH após a data indicada no artigo 16.º, n.º 10, do Código do IRS, o facto de este pedido não ter sido formulado até à supra referida data não preclude o direito de ser considerada RNH e a ser tributada como tal.
Como resulta dos factos dados como provados, no ano seguinte àquele em que regressou a Portugal (2019) e até à correção do cadastro em 2021, a Requerente encontrava-se, por lapso, registada como residente em Portugal no período de 2013 a 2017, pelo que lhe foi negado, então, por questões meramente formais, o pedido de inscrição como RNH. Assim, apesar de não ter sido residente fiscal em Portugal nos anos de 2013 a 2017, apenas em dezembro de 2021 foi tal facto oficiosamente reconhecido pela AT, pelo que, apenas a partir desta data, se verificou a possibilidade prática de a Requerente solicitar a sua inscrição como RNH, o que veio a fazer em 22 de fevereiro de 2022.
Neste termos, encontram-se reunidos os pressupostos legais, constantes do artigo 16.º, n.º 8, do Código do IRS, para que a Requerente seja considerada como RNH e tributada como tal, em conformidade com o n.º 9 daquele mesmo preceito legal.
Com efeito, independentemente da data em que a Requerente solicitou a sua inscrição como RNH, não restam dúvidas de que, conforme observámos supra, os pressupostos legais para ser considerada como RNH (n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS) e beneficiar, consequentemente, do respetivo regime (n.º 9 do artigo 16.º do Código do IRS) se encontram integralmente preenchidos, pelo que não pode à Requerente ser negado o direito de beneficiar do referido regime pelo facto de não ter apresentado o pedido de inscrição no prazo indicado no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS.
Termos em que se conclui que o incumprimento do prazo previsto no artigo 16.º, n.º 10, do Código do IRS, não constitui impedimento para que a Requerente seja considerada RNH de pleno direito e pelo período de 10 anos com início em 2018, dado se encontrarem preenchidos os pressupostos materiais para o efeito.
Com efeito, dos documentos juntos aos autos resulta demonstrado que a Requerente não foi residente fiscal em Portugal nos cinco anos anteriores àquele em que se tornou residente em Portugal.
No tocante ao exercício de atividade de valor acrescentado, note-se que, como decorre dos factos dados como provados, a Requerente exercia, no ano de 2021, a atividade de Diretora de Marketing da empresa B... .
Como é sabido, a Portaria n.º 230/2019, de 23 de julho, veio alterar a Portaria n.º 12/2010, de 7 de janeiro, que aprovou a tabela de atividades de elevado valor acrescentado para efeitos do disposto no n.º 10 do artigo 72.º e no n.º 5 do artigo 81.º do Código do IRS.
Ora, nos termos do Anexo à Portaria n.º 230/2019, de 23 de Julho, em vigor desde 1 de Janeiro de 2020, são consideradas atividades de valor acrescentado as atividades profissionais de “Diretores de serviços administrativos e comerciais” (código 12 do Anexo), de “Diretores de produção e de serviços especializados” (código 13 do Anexo), bem como de “Diretores (…) de outros serviços” (código 14 do Anexo), categoria esta residual.
É evidente que a referência normativa, na avaliação da atividade de elevado valor acrescentado, para os períodos de tributação de 2020 e seguintes, é a Portaria n.º 230/2019.
No exercício das suas funções a Requerente exerceu, ao longo do período em causa, poderes de direção, coordenando uma equipa de funcionários, adotando decisões, nomeadamente de contratação, tendo poderes delegados de representação e de vinculação da sociedade.
Neste contexto, exercendo a Requerente funções de direção, conclui-se estarmos perante uma atividade de valor acrescentado para os efeitos que por ora nos ocupam.
Destarte, conclui-se que os rendimentos da Categoria A em causa obtidos pela Requerente no ano de 2021 deveriam ter sido tributados à taxa especial de 20% nos termos do disposto no artigo 72.º, n.º 10, do Código do IRS.
Termos em que se conclui que deverá ser anulada a liquidação de IRS objeto da presente ação arbitral, padecendo de erro nos pressupostos de facto e de direito, em violação do artigo 72.º, n.º 10, do Código do IRS, daí se retirando as demais consequências legais.
3.3 Pagamento de juros indemnizatórios
Nestas circunstâncias, preconiza a jurisprudência dos nossos tribunais superiores que deve encontrar-se preenchido o pressuposto do “erro imputável aos serviços” que o artigo 43.º, n.º 1, da LGT, reclama para o nascimento da obrigação de juros indemnizatórios.
Como se refere no Acórdão do STA, no Processo n.º 049/16, de 10 de Maio, que acompanhamos: “Foi esta a solução sustentada pelo citado acórdão de 02-12-2015, do Pleno desta Seção, Proc. 01524. Como se escreveu no acórdão deste STA, de 30-05-2012, proc. 410:
“Diz o n.º 1 do art. 43.º da LGT, ao abrigo da qual foi proferida a condenação ora recorrida: «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
Ou seja, quando um acto de liquidação de um tributo for declarado em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial viciado por erro imputável aos serviços e do qual tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, há direito a juros indemnizatórios, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º da LGT.
Como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, «[a] utilização da expressão «erro» e não «vício» ou «ilegalidade» para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito.
Com efeito, há vícios dos actos administrativos e tributários a que não é adequada tal designação, nomeadamente os vícios de forma e a incompetência, pelo que a utilização daquela expressão «erro» tem um âmbito mais restrito do que a expressão «vício».
Por outro lado, é usual utilizar-se a expressão «vícios» quando se pretende aludir genericamente a todas as ilegalidades susceptíveis de conduzirem à anulação dos actos, como é o caso dos arts. 101.º (arguição subsidiária de vícios) e 124.º (ordem de conhecimento dos vícios na sentença) ambos do CPTT.
Por isso, é de concluir que o uso daquela expressão «erro» tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios» (Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume I, anotação 5 ao art. 61.º, pág. 531..)
O mesmo Autor explica as razões por que a LGT restringiu o direito a juros indemnizatórios aos casos de anulação por vício substancial e já não o reconheceu relativamente aos vícios de forma ou incompetência que determinem a anulação do acto: o reconhecimento de um vício destes últimos tipos «não implica a existência de qualquer vício na relação jurídica tributária, isto é, qualquer juízo sobre o carácter indevido da prestação pecuniária cobrada pela Administração Tributária com base no acto anulado, limitando-se a exprimir a desconformidade com a lei do procedimento adoptado para a declarar ou cobrar ou a falta de competência da autoridade que a exigiu.
Ora, é inquestionável que, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, se impõe a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, pois a existência desse vício implica a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito.
Por isso, se pode justificar que, nestas situações, não havendo dúvidas em que a exigência patrimonial feita ao contribuinte implica para ele um prejuízo não admitido pelas normas fiscais substantivas, se dê como assente a sua existência e se presuma o montante desse prejuízo, fazendo-se a sua avaliação antecipada através da fixação de juros indemnizatórios a favor daquele.”
Termos em que entendemos igualmente que deve proceder o pedido de pagamento de juros indemnizatórios por se encontrarem verificados os respetivos requisitos, fazendo-se ainda notar que, conforme o estipulado no n.º8 do artigo 61.º do CPPT, “8 - O pagamento de juros indemnizatórios não está sujeito a impulso processual da iniciativa do contribuinte.” (aditado pela Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro).
IV. Dispositivo
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar totalmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS n.º 2022...., com as legais consequências, anulando-o;
b) Condenar a Requerida a restituir à Requerente o montante de imposto indevidamente liquidado, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor, contados a partir da data de pagamento do reembolso;
c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira nas custas do processo, abaixo fixadas.
* * *
De harmonia com o disposto no artigo 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 7.186,88 (sete mil, cento e oitenta e seis euros e oitenta e oito cêntimos)
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612, 00 (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique -se
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 17 de março de 2023
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
A Árbitra
Clotilde Celorico Palma