Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 507/2022-T
Data da decisão: 2023-03-22  IVA  
Valor do pedido: € 92.000,00
Tema: IVA - Competência material do Tribunal Arbitral – Incompetência para conhecer o despacho de indeferimento do pedido de autorização prévia para regularização de IVA – Acto administrativo.
Versão em PDF

 

 

 

SUMÁRIO: 

1. O acto de indeferimento do pedido de regularização de IVA é um acto administrativo em matéria tributária e se esse acto de indeferimento não comporta a apreciação da legalidade de qualquer acto de autoliquidação será aplicável a acção administrativa.

2. A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD está limitada à apreciação da legalidade de actos de decisão do pedido de autorização para regularização de IVA, desde que esse acto implique qualquer acto de liquidação ou autoliquidação.

3. Existe incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade do indeferimento do pedido de autorização para regularização de IVA pretendida pela Requerente com o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 08-11-2022, Prof. Doutor Victor Calvete (Presidente), Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora e Prof. Doutor Júlio Tormenta, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

No dia 29-08-2022, a sociedade A..., SA, pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., ... H, ...-... Lisboa apresentou um pedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, doravante “RJAT”.

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante identificada por “AT” ou Requerida.

A Requerente pretende a declaração de ilegalidade e nulidade do indeferimento do pedido de autorização prévia de regularização do IVA n.° ..., efetuado em 10/03/2022, conforme cópia da notificação de tal indeferimento, que juntou.  

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 29-08-2022. 

A Requerente não procedeu à indicação de árbitros, tendo a designação do coletivo competido ao Conselho Deontológico do CAAD, a qual não mereceu oposição. 

Os árbitros designados aceitaram tempestivamente a nomeação. 

O tribunal arbitral ficou constituído em 08-11-2022. 

A AT apresentou resposta em 19-12-2022, na qual se defendeu por exceção e impugnação, não tendo junto o processo administrativo aos autos.

 

 

2. Posição das Partes  

         

2.1 Requerente

 

Requerente alega ilegalidade do indeferimento do pedido de autorização prévia para regularização do IVA em causa com base nos seguintes vícios de violação de lei de forma:

– Preterição de formalidades legais; 

– Falta da fundamentação para indeferimento legalmente exigida.

Invoca ainda a existência de violação de lei de fundo, por erro sobre os pressupostos de facto.

 

2.2 Requerida

 

            Por sua vez, a Requerida AT excepciona, como questão prévia, a incompetência absoluta do Tribunal Arbitral, em razão da matéria e impugna a existência do vício formal de falta de fundamentação, bem como o vício da omissão de formalidades essenciais, bem como impugna a existência de erro acerca dos pressupostos de facto e de direito.  

 

 

3. DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL:

 

3.1 Matéria de facto provada:

            Com relevo para a decisão desta questão prévia da competência do tribunal arbitral é a seguinte a matéria de facto que está provada nos autos:

a) A ora requerente, é uma sociedade anónima, com atividade iniciada em 23.09.2010, sujeito passivo de IRC e de IVA e, dentro do sector de actividade em que se encontra. – provado por acordo das partes.

b) Há cerca de 6 (seis) anos a requerente estabeleceu, através do seu representante legal, com a sociedade B..., LDA., um contrato verbal de prestação de serviços para a venda de uma empresa de aviação, recebendo como contrapartida uma comissão de intermediação de 2%, - provado pelo doc.2 junto pelo requerente.

 

c) Após a obtenção de um acordo de venda, o representante legal da B..., Ldª. propôs pagar à requerente uma primeira “tranche” do valor de comissão em débito. - provado pelo doc.2 junto pelo requerente.

 

d) Para isso, propôs-se pagar 400.000,00 (quatrocentos mil euros) acrescidos de IVA à taxa legal. - provado pelo doc.2 junto pelo requerente.

 

e) Em consequência, a requerente procedeu à emissão da fatura n.º 2020/1, com data de emissão de 24/07/2020 e data de vencimento de 24/10/2020 - provado pelo doc.4 junto pelo requerente.

 

f) Como a sociedade B..., Ldª. não tivesse procedido ao pagamento da referida factura, após instada várias vezes para a pagar, a requerente instaurou em 14-4-2021, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Central Cível de Sintra, uma acção judicial (Processo n.º .../21...T8SNT) - provado pelo doc.2 junto pelo requerente.

 

g) Em 10-23-2022, a requerente submeteu para decisão da AT, o Pedido de Autorização Prévia n.º ..., nos termos previstos no n.º 1 do art.º 78.º-B do CIVA, para efeitos de proceder à regularização, a seu favor, do imposto liquidado e não recebido, por o crédito mencionado nas alíneas anteriores se enquadrar nos créditos de cobrança duvidosa, tal como previsto nos nºs. 1 e2/b) do art.º 78.º-A do CIVA. - provado pelo doc.2 junto pelo requerente.

 

h) Por notificação de 28/4/2022, foi remetida à ora requerente a comunicação da seguinte decisão de indeferimento:

Fica pela presente notificado, nos termos do n.º 7 do artigo 78.º - B do Código do IVA, do indeferimento do Pedido de Autorização Prévia acima referido, no montante de € 92.000,00, uma vez que as faturas identificadas pelo adquirente já se encontram pagas ou não se encontram em mora, não tendo, por isso, sido por este confirmadas. 

Este indeferimento fundamentou-se na prova documental apresentada pelo adquirente, que pode ser consultada no Portal das Finanças (www.portaldasfinancas.gov.pt): “Iniciar Sessão> Todos os Serviços>IVA – Imposto sobre o Valor Acrescentado>Regularização de IVA -Art. 78.º-B do CIVA> Consultar Pedido”. Nesse sentido, poderá, então, selecionar os respetivos comprovativos para análise. 

A presente notificação considera-se efetuada no 15.º dia posterior ao primeiro dia útil seguinte ao registo da sua disponibilização na caixa postal eletrónica, em conformidade com o disposto no n.º 9 do artigo 38.º e no n.º 10 do artigo 39.º, ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). 

Da decisão ora notificada pode, querendo, no prazo de 30 dias a contar da data da efetivação da presente notificação, nos termos do parágrafo anterior, interpor recurso hierárquico, dirigido ao Ministro das Finanças, nos termos do n.º 2 do artigo 66.º do CPPT, ou, em alternativa, no prazo de 3 meses, igualmente contados daquela mesma data, instaurar ação administrativa junto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos termos da alínea b) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).” provado pelo doc.1 junto pelo requerente.

 

i) A referida notificação foi enviada à ora requerente com o ID.DOC IVA – OL0092022..., enviada através do E- Balcão, em 28.04.2022, pelo que se presume notificada em 13 de Maio de 2022. - provado pelo doc.1 junto pelo requerente.

 

j) O presente pedido de pronúncia arbitral deu entrada no CAAD em 29 de Agosto de 2022, em férias judiciais.

 

            Os factos referidos são considerados provados com base nos documentos referidos a seguir a cada um deles, que tendo sido juntos pela requerente não foram impugnados pela AT.

 

 

3.2 Matéria de direito:

            1. Como referem todos os processualistas, para que se entre na análise do fundo ou mérito de qualquer pleito é necessário que estejam reunidos alguns requisitos prévios relativos em primeiro lugar ao tribunal (competência), depois relativos às partes (capacidade, personalidade e legitimidade) e, por fim, relativos ao objecto do pleito (inexistência de litispendência e inexistência de caso julgado). Estes requisitos são designados como pressupostos processuais, por, sem a sua existência, o tribunal não poder entrar na análise e decisão dos pedidos que as partes formulam no processo.

            No elenco destes pressupostos processuais, referimos que estão em primeiro lugar os pressupostos relativos ao tribunal, maxime a possibilidade de poder julgar a causa ou processo que lhe é apresentado.

            Ora, é no exercício dessa competência que o tribunal pode administrar a justiça, nos termos do artº. 202º., nº. 1 da Constituição e decidir sobre os pedidos e matérias pendentes (artº. 152º., nº.1 do Código de Processo Civil). 

Mas é também no exercício dessa competência que o tribunal julga verificarem-se ou não os pressupostos indicados relativos às partes e ao objecto da acção que perante ele foi proposta.

Por isso, dúvidas não há que antes de conhecer da existência dos restantes pressupostos processuais e eventualmente de nulidades de conhecimento oficioso e de poder entrar no conhecimento da relação material que lhe é apresentada para decidir, o tribunal tem de verificar e afirmar a sua competência para o conhecimento dessas questões.

Neste sentido são também os artigos 29.º, n.º 1 do RJAT, 16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – “CPPT” –, 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – “CPTA” e 101.º do Código de Processo Civil “CPC”.

 

 

2. Sucede que, nos presentes autos, a Requerida AT veio excepcionar como questão prévia a incompetência deste tribunal arbitral.

E fê-lo com o argumento de que a questão objecto dos presentes autos – o indeferimento do pedido de autorização prévia para regularização de IVA facturado e alegadamente não recebido – não cabe na competência deste tribunal arbitral.

Para tanto baseia-se no artº. 2º. do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), onde se dispõe que:

1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: 

a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; 

b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;

 

            Este RJAT foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, tendo, pela Portaria n.º 112-A/2011, de 20-04, ficado vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os serviços da então Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que depois se converteram na Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), por força do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15-12.

            Notificada da resposta da AT e apesar de nela expressa e individualizadamente se referir esta questão prévia, a Requerente nada disse, tal como nada disse quando o Tribunal, por despacho de 13-01, lhe concedeu prazo para sobre isso se pronunciar.

 

 

            3. A questão da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no âmbito do CAAD é uma questão recorrentemente suscitada pela Requerida AT e tem sido objecto de muitas e variadas decisões.

            Porém, um primeiro critério que podemos desde logo usar, qual seja, o de que “o facto de a alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT fazer referência aos n.ºs 1 e 2 do art. 102.º do CPPT, em que se indicam os vários tipos de actos que dão origem ao prazo de impugnação judicial, inclusivamente a reclamação graciosa, deixa perceber que serão abrangidos no âmbito da jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD todos os tipos de actos passíveis de serem impugnados através processo de impugnação judicial, abrangidos por aqueles n.ºs 1 e 2, desde que tenham por objecto um acto de um dos tipos indicados naquele art. 2.º do RJAT. 

Aliás, esta interpretação no sentido da identidade dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e do processo arbitral é a que está em sintonia com a referida autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se revela a intenção de que o processo arbitral tributário constitua «um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária» (n.º 2). 

Mas, este mesmo argumento que se extrai da autorização legislativa conduz à conclusão de que estará afastada a possibilidade de utilização do processo arbitral quando, no processo judicial tributário, não for utilizável a impugnação judicial ou a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo. Na verdade, sendo este o sentido da referida lei de autorização legislativa e inserindo-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre o «sistema fiscal», inclusivamente as «garantias dos contribuintes» [arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] , e sobre a «organização e competência dos tribunais» [art. 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP], não pode o referido art. 2.º do RJAT, sob pena de inconstitucionalidade, por falta de cobertura na lei de autorização legislativa que limita o poder do Governo (art. 112.º, n.º 2, da CRP), ser interpretado como atribuindo aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competência para a apreciação da legalidade de outros tipos de actos, para cuja impugnação não são adequados o processo de impugnação judicial e a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo. 

Assim, para resolver a questão da competência deste Tribunal Arbitral torna-se necessário apurar se a legalidade do acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa podia ou não ser apreciada, num tribunal tributário, através de processo de impugnação judicial ou acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo”. - Cfr. ac. de 22-2-2016, proferido no Procº. 617/2015-T do CAAD, que seguimos de muito perto na presente decisão.

            Mas outro critério possível e que algum modo se aproxima do anteriormente exposto é o de o acto impugnado poder determinar o pagamento de quaisquer impostos ou quantias derivadas de obrigação legal ou não conceder a devolução de qualquer quantia já entregue à AT em cumprimento de obrigações fiscais. Este critério aproxima-se do anterior, pois a impugnação desse acto da AT terá sempre de ser objecto de uma decisão do tribunal tributário, por meio de impugnação judicial.

 

 

            4. Não é manifestamente o que se passa nos presentes autos.

            Com efeito, o que é pedido a este tribunal arbitral é que anule uma decisão da AT, que, mal ou bem, indeferiu um pedido de regularização do IVA, que, alegadamente foi facturado, mas não pago.

            Se a requerente tivesse procedido a essa regularização sem autorização e a AT tivesse entendido que não havia fundamento para a mesma, procedendo a correcções técnicas, então dúvidas não havia de que os tribunais tributários e também os tribunais arbitrais tinham competência para conhecer dessa liquidação adicional que daí resultasse por força das referidas correcções baseadas numa regularização que a AT considerara ilegal.

            Porém, no presente processo não existe qualquer acto de liquidação, bem como não existe qualquer acto de correcção de liquidações ou autoliquidações promovidas pelo contribuinte.

            O que está em causa é um mero acto administrativo de onde não resulta imediatamente ou a obrigação de pagar qualquer quantia, ou de não poder obter a devolução de qualquer quantia eventualmente já paga pelo contribuinte.

            Apenas está em causa a possibilidade de efectuar uma operação contabilística com reflexos tributários de que pode eventualmente resultar um menor imposto a pagar a título de IVA.

            Por isso, a competência para apreciar a legalidade do acto de indeferimento do pedido de regularização de IVA formulado pela ora requerente não cabe aos tribunais tributários, nem alternativamente aos tribunais arbitrais.

            É que o acto de indeferimento de um pedido de regularização de IVA constitui acto administrativo, à face das definições fornecidas pelos artigos 120.º do Código do Procedimento Administrativo de 1991 e 148.º do Código do Procedimento Administrativo de 2015, [subsidiariamente aplicáveis em matéria tributária, por força do disposto no art. 2.º, alínea c), da LGT, 2.º, alínea d), do CPPT, e 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT], pois constitui decisão de órgãos da Administração que ao abrigo de poderes públicos visa produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta.

Por outro lado, é também inquestionável que se trata de actos em matéria tributária pois é neles feita aplicação de normas de direito tributário. 

Deste modo, o acto de indeferimento do pedido de regularização de IVA é um acto administrativo em matéria tributária. 

Das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do art. 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária deve ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou de acção administrativa, conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação. 

Eventualmente, como excepção a esta regra, poderão considerar-se os casos de impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, pelo facto de haver uma norma especial, que é o n.º 2 do art. 102.º do CPPT, de que se pode depreender que a impugnação judicial é sempre utilizável. 

Outras excepções àquela regra poderão encontrar-se em normas especiais, posteriores ao CPPT, que expressamente prevejam o processo de impugnação judicial como meio para impugnar determinado tipo de actos. 

Mas, nos casos em que não há normas especiais, é de aplicar aquele critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa. 

À face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa, os actos proferidos em procedimentos de regularização de IVA serão conhecidos através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade de actos de autoliquidação. 

Porém, se o acto de indeferimento do pedido de pedido de autorização para regularização de IVA não comporta a apreciação da legalidade de qualquer acto de  autoliquidação será aplicável a acção administrativa. 

Trata-se de um critério de distinção dos campos de aplicação dos referidos meios processuais que é o que resulta do teor das alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e tem vindo a ser uniformemente adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo[1]

Esta constatação de que há sempre um meio impugnatório processual adequado para impugnar contenciosamente o acto de indeferimento do pedido de autorização prévia de regularização de IVA conduz, desde logo, à conclusão de que não se está perante situações em que no processo judicial tributário pudesse ser utilizada a acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, pois a sua aplicação no contencioso tributário tem natureza residual, uma vez que essas acções «apenas podem ser propostas sempre que esse meio processual for o mais adequado para assegurar uma tutela plena, eficaz e efectiva do direito ou interesse legalmente protegido» (art. 145.º, n.º 3, do CPPT). 

Uma outra conclusão que permite a referida delimitação dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa é a de que, restringindo-se a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD ao campo de aplicação do processo de impugnação judicial, apenas se inserem nesta competência os pedidos de declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de regularização do IVA que comportem a apreciação da legalidade destes actos, que importem a anulação de quaisquer autoloiquidações.

A preocupação legislativa em afastar das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a apreciação da legalidade de actos administrativos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, para além de resultar, desde logo, da directriz genérica de criação de um meio alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo, resulta com clareza da alínea a) do n.º 4 do art. 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, em que se indicam entre os objectos possíveis do processo arbitral tributário «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação», pois esta especificação apenas se pode justificar por uma intenção legislativa no sentido de excluir dos objectos possíveis do processo arbitral a apreciação da legalidade dos actos que não comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação. 

 

 

5. Por isso, a solução da questão da competência deste Tribunal Arbitral conexionada com o conteúdo dos actos de indeferimento do pedido de pedido de autorização para regularização de IVA depende da análise destes actos. 

No caso em apreço, a razão para o indeferimento invocado tem a ver com o alegado pagamento do imposto, cuja regularização se pretende, o que obviamente, não implica apreciação da legalidade de qualquer acto de liquidação. 

Deste modo, face ao critério de repartição dos campos do processo de impugnação judicial e da acção administrativa delineado pelas alíneas d) e p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT, não é necessário que a apreciação da legalidade de um acto de liquidação seja o fundamento da decisão procedimental ou que no pedido formulado se peça a apreciação da legalidade de um acto de liquidação, bastando que esse acto a comporte, o que, neste contexto, significa que no acto impugnado se inclua um juízo sobre a legalidade de um acto de liquidação, mesmo que não seja a sua legalidade ou ilegalidade o fundamento da decisão. 

Diferente seria se a lei empregasse outras expressões, como «aprecie» ou «decida». 

No caso em apreço, não se pode entender que a decisão do pedido de autorização para regularização de IVA inclua a apreciação da legalidade de qualquer acto de autoliquidação, pois, como se vê pelo texto da notificação de indeferimento, em nenhum ponto se refere se tinha ou não suporte legal a regularização que a Requerente pretendeu efectuar, baseando-se no alegado facto de estar paga a factura e consequentemente o IVA, cuja regularização se pretende.

Sendo assim, pelo que atrás se disse sobre a limitação das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD à apreciação da legalidade de actos de decisão do pedido de autorização para regularização de IVA sem que isso implique qualquer acto de liquidação, tem de se concluir pela incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade do acto de indeferimento do pedido de autorização prévia para regularização de IVA. 

A incompetência para apreciar a legalidade do acto de indeferimento do pedido de autorização para regularização de IVA tem como corolário a incompetência deste Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade desse indeferimento de pedido que a Requerente pretende impugnar.

Conclui-se, assim, que este Tribunal Arbitral é materialmente incompetente para apreciar o pedido de pronúncia arbitral, por se estar perante impugnação de actos que não apreciaram a legalidade de quaisquer actos de autoliquidação. 

Pelo exposto, verifica-se a excepção da incompetência material, que é obstáculo a apreciação do mérito da causa e justifica a absolvição da Autoridade Tributária e Aduaneira da instância [artigos 16.º, n.º 1, do CPPT e 278.º, n.º 1, alínea a), do CPC, subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT].

Consequentemente, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas.

 

 

4. DA RESPONSABILIDADE PELA DEMANDA E PELAS CUSTAS:

 

Para efeitos de responsabilidade por custas e para os efeitos de determinar quem deu causa ao uso incorrecto dos meios processuais indicados nos artigos 13.º, n.º 4, parte final, e 24.º, n.º 3, do RJAT, deverá o Tribunal Arbitral apreciar se é ou não imputável ao Requerente a utilização do pedido de pronúncia arbitral fora dos casos em que a lei a admite.

Esta apreciação justifica-se nos casos em que a Autoridade Tributária e Aduaneira, ao notificar o Sujeito Passivo, referiu o processo arbitral como meio de possível utilização para impugnação da decisão notificada.

Porém, dos factos considerados provados nas alíneas h) e i) da matéria de facto fixada, constata-se que, relativamente à impugnação da decisão de indeferimento do pedido de autorização para regularização de IVA oficiosa foi indicado, correctamente, que o meio processual adequado de impugnação era a acção administrativa.

Com efeito, no ofício transcrito na al. h) dos factos provados refere-se expressamente que:

Da decisão ora notificada pode, querendo, no prazo de 30 dias a contar da data da efetivação da presente notificação, nos termos do parágrafo anterior, interpor recurso hierárquico, dirigido ao Ministro das Finanças, nos termos do n.º 2 do artigo 66.º do CPPT, ou, em alternativa, no prazo de 3 meses, igualmente contados daquela mesma data, instaurar ação administrativa junto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos termos da alínea b) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

 

Constata-se assim que, logo na notificação da decisão de indeferimento do pedido de autorização para regularização de IVA, se indica como forma de impugnação judicial o recurso à acção administrativa, como meio processual adequado.

            Por isso, apenas é imputável à ora requerente a utilização indevida do pedido de pronúncia arbitral, dado que correctamente a AT, na notificação de indeferimento do pedido da requerente, indica qual o meio de reacção judicial a tal indeferimento.

É que não é possível concluir de outro modo, pois o erro da Requerente ao formular o pedido de pronúncia arbitral em vez de usar a acção administrativa não é sequer imputável a quaisquer deficiências de informação que constassem da notificação referida, pelo que não pode entender-se que o uso do processo arbitral seja desculpável à Requerente, não só para efeitos da sua responsabilização pelas custas do presente processo, como também para efeitos do artº. 24.º, n.º 3, do RJAT.

Na verdade, tendo os contribuintes direito a correcta informação sobre os meios de impugnação (artigo 36.º, n.º 2, do CPPT), não pode entender-se que tenha havido um errado cumprimento do dever de informação que pudesse permitir concluir que não seja considerada imputável ao destinatário do acto notificado o uso de um meio impróprio. 

Assim sendo, a requerente, porque ficou vencida quanto a uma das excepções, mesmo não se tendo pronunciado sobre ela, foi a requerente quem deu causa ao presente processo e à declaração de incompetência material deste tribunal arbitral.

Por isso, não pode deixar de considerar-se responsável pelas custas do processo, em face das regras do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

 

5. DECISÃO

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a. Julgar procedente a excepção da incompetência material deste Tribunal Arbitral;

b. Absolver da instância a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

6. VALOR DO PROCESSO

De acordo com o disposto no artigo 306º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e artº. 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da ação em € 92.000,00 € (noventa e dois mil euros), fixado no pedido de pronúncia arbitral.

 

7. CUSTAS

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 2 754,00€ (dois mil setecentos e cinquenta e quatro euros), a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22.º n.º 4 do RJAT.

Notifique.

Lisboa, 22 de Março de 2022

 

Os Árbitros

 

Prof. Doutor Victor Calvete (Presidente)

 

Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora

 

Prof. Doutor Júlio Tormenta

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da al. e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

 



[1] No sentido de o meio processual adequado para conhecer da legalidade de acto de decisão de procedimento de revisão oficiosa de acto de liquidação ser a acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do art. 191.º do CPTA) se nessa decisão não foi apreciada a legalidade do acto de liquidação, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 20-5-2003, processo n.º 638/03; de 8-10-2003, processo n.º 870/03; de 15-10-2003, processo n.º 1021/03; de 24-3-2004, processo n.º 1588/03, de 6-11-2008, processo n.º 357/08.